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Home Legal Opinions up to 2017 Responsabilidade Civil Extracontratual da Autarquia
Responsabilidade Civil Extracontratual da Autarquia

Em resposta aos dois pedidos de parecer solicitados pela Câmara Municipal de …através dos ofícios nºs 577 e 752, ambos de 23-01-03, e reportando-nos assunto identificado em epígrafe, temos a informar o seguinte:

 

Na sequência do pedido de indemnização formulado pelos munícipes por prejuízos causados por acidente de viação provocado por uma tampa de saneamento que se encontrava partida, pretende a Câmara Municipal saber se está ou não obrigada a pagar os respectivos prejuízos. A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, no domínio de actos de gestão pública, é enquadrada a nível constitucional pelo artigo 22º da CRP e rege-se pelo disposto no Dec-Lei n.º 48.051, de 21 de Novembro de 1967.

Determina o artigo 2º n.º1 deste diploma que « O Estado e demais pessoas colectivas públicas, respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício». Diz também o n.º 1 do artigo 96º da Lei 169/99, de 18 de Setembro, que « As autarquias locais respondem civilmente perante terceiros pela prática de actos ilícitos que ofendam direitos destes ou disposições legais destinadas a proteger os interesses deles, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas ou por causa delas, tiverem procedido dolosamente.» Este tipo de responsabilidade, fundada em acto ilícito culposo, assenta assim nos seguintes pressupostos, concomitantemente exigíveis: a) o facto – do órgão ou agente, constituído por um comportamento voluntário que pode revestir a forma de acção ou omissão; b) a ilicitude – advinda da ofensa de direitos de terceiros ou de disposições legais emitidas com vista à protecção de interesses alheios; c) a culpa – nexo de imputação ético-jurídica, que na forma de mera culpa (negligência), traduz a censura dirigida ao autor do facto por não ter usado da diligência que teria um homem normal perante as circunstâncias do caso concreto ou, neste âmbito da responsabilidade extracontratual do Estado por acto ilícito, daquela que teria um funcionário ou agente típico; d) O nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Atente-se ainda ao disposto no artigo 6º do mesmo diploma que, neste domínio, nos dá uma definição de ilicitude: é ilícito o acto que viole normas legais e regulamentares aplicáveis, bem como aquele que viole normas de ordem técnica e de prudência comum. O conceito de ilicitude consagrado neste preceito é pois mais amplo que o consagrado na lei civil ( Cfr Marcello Caetano, Manual, 10ª ed., vol II, pag. 1125 e Acordão do STA, de 10 de Maio de 1987).

Por outro lado, constitui entendimento dominante da jurisprudência o de que é aplicável à responsabilidade civil extracontratual das autarquias locais por actos de gestão pública a presunção de culpa consagrada no artigo 493º nº1 do Código Civil, com a consequente inversão do ónus da prova relativamente ao regime regra do artigo 342º do mesmo código, de acordo com a qual aquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado. Esta posição é a que transparece da decisão do Pleno do STA ( no Acordão de 29/4/98), ao “revogar” o Acordão do STA de 16/5/95, onde se defende a seguinte posição: Na regulamentação do DL 48.051 não se desenha o quadro normativo completo da responsabilidade civil dos entes públicos, incluindo as autarquias locais. Embora se admita a especificação do regime da obrigação de indemnizar emergente de actos de gestão pública através dos preceitos legais expressos no D.L. 48 051, no mais, a responsabilidade por actos ilícitos é um instituto unitário. Na falta de disposições especiais, e não obstante não haver no D.L. 48 051 uma norma geral remissiva para o Código civil, devem aplicar-se à responsabilidade por actos de gestão pública as normas constantes do Código Civil que não colidam com o que directa ou indirectamente emerge do D.L. 48 051. A remissão do artigo 4º nº 1 do D.L. 48 051 abrange todo o artigo 487ª pelo que no âmbito da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por acto ilícito de gestão pública incumbe ao lesado provar a culpa do autor da lesão , salvo havendo presunção legal, que será, não só a que eventualmente vier expressa no D.L. 48 051, como a que consta do Código Civil em matéria regulada por aquele diploma e que não colida com os princípios nele acolhidos.

Com estes argumentos o Pleno do STA, no caso submetido a apreciação ( também de responsabilidade por acidente causado por deslocação de tampa de saneamento) conclui ser aplicável à responsabilidade civil das autarquias locais, por acto ilícito de gestão pública, a presunção de culpa estabelecida no artigo 493 nº 1 do Código Civil que dispõe que « Quem tiver em seu poder, coisa móvel, ou imóvel, com o dever de a vigiar, … responde pelos danos …, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua» Pode assim concluir-se que existindo danos, traduzidos nas despesas de reparação e demais prejuízos, em resultado de acidente de viação causado por um obstáculo na via municipal por se ter partido uma tampa de saneamento, e verificando-se: – a existência de facto ilícito traduzido na omissão, por parte do município, de obras tendentes à eliminação de tal “obstáculo”, ou à sua sinalização provisória, por forma a garantir uma normal e segura circulação dos veículos e bem assim no cumprimento das normas que lhe impõem o dever de realização dessas obras e colocação da dita sinalização, bem como; – a existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, se a ocorrência do acidente e os estragos por ele provocados resultaram, directa e necessáriamente, da omissão da eliminação do obstáculo existente na via ou da falta de sinalização provisória), então; Encontrar-se-ão, à partida, reunidos os pressupostos do dever de indemnizar que recai sobre o município, uma vez que igualmente se encontra presumida a culpa (face ao disposto no citado artigo 493 nº1 do C.C.), a menos que alegue e prove que o acidente resultou de caso fortuito ou de força maior, ou mesmo de culpa de terceiro, dado que só nessas circunstâncias o acidente teria sido possível, uma vez que, comprovadamente, organizou os seus serviços de modo adequado a assegurar um eficiente sistema de vigilância do surgimento de obstáculos nas vias sob sua jurisdição e de pronta sinalização dos mesmos.

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Em resposta aos dois pedidos de parecer solicitados pela Câmara Municipal de …através dos ofícios nºs 577 e 752, ambos de 23-01-03, e reportando-nos assunto identificado em epígrafe, temos a informar o seguinte:

 

Na sequência do pedido de indemnização formulado pelos munícipes por prejuízos causados por acidente de viação provocado por uma tampa de saneamento que se encontrava partida, pretende a Câmara Municipal saber se está ou não obrigada a pagar os respectivos prejuízos. A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, no domínio de actos de gestão pública, é enquadrada a nível constitucional pelo artigo 22º da CRP e rege-se pelo disposto no Dec-Lei n.º 48.051, de 21 de Novembro de 1967.

Determina o artigo 2º n.º1 deste diploma que « O Estado e demais pessoas colectivas públicas, respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício». Diz também o n.º 1 do artigo 96º da Lei 169/99, de 18 de Setembro, que « As autarquias locais respondem civilmente perante terceiros pela prática de actos ilícitos que ofendam direitos destes ou disposições legais destinadas a proteger os interesses deles, se tiverem excedido os limites das suas funções ou se, no desempenho destas ou por causa delas, tiverem procedido dolosamente.» Este tipo de responsabilidade, fundada em acto ilícito culposo, assenta assim nos seguintes pressupostos, concomitantemente exigíveis: a) o facto – do órgão ou agente, constituído por um comportamento voluntário que pode revestir a forma de acção ou omissão; b) a ilicitude – advinda da ofensa de direitos de terceiros ou de disposições legais emitidas com vista à protecção de interesses alheios; c) a culpa – nexo de imputação ético-jurídica, que na forma de mera culpa (negligência), traduz a censura dirigida ao autor do facto por não ter usado da diligência que teria um homem normal perante as circunstâncias do caso concreto ou, neste âmbito da responsabilidade extracontratual do Estado por acto ilícito, daquela que teria um funcionário ou agente típico; d) O nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Atente-se ainda ao disposto no artigo 6º do mesmo diploma que, neste domínio, nos dá uma definição de ilicitude: é ilícito o acto que viole normas legais e regulamentares aplicáveis, bem como aquele que viole normas de ordem técnica e de prudência comum. O conceito de ilicitude consagrado neste preceito é pois mais amplo que o consagrado na lei civil ( Cfr Marcello Caetano, Manual, 10ª ed., vol II, pag. 1125 e Acordão do STA, de 10 de Maio de 1987).

Por outro lado, constitui entendimento dominante da jurisprudência o de que é aplicável à responsabilidade civil extracontratual das autarquias locais por actos de gestão pública a presunção de culpa consagrada no artigo 493º nº1 do Código Civil, com a consequente inversão do ónus da prova relativamente ao regime regra do artigo 342º do mesmo código, de acordo com a qual aquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado. Esta posição é a que transparece da decisão do Pleno do STA ( no Acordão de 29/4/98), ao “revogar” o Acordão do STA de 16/5/95, onde se defende a seguinte posição: Na regulamentação do DL 48.051 não se desenha o quadro normativo completo da responsabilidade civil dos entes públicos, incluindo as autarquias locais. Embora se admita a especificação do regime da obrigação de indemnizar emergente de actos de gestão pública através dos preceitos legais expressos no D.L. 48 051, no mais, a responsabilidade por actos ilícitos é um instituto unitário. Na falta de disposições especiais, e não obstante não haver no D.L. 48 051 uma norma geral remissiva para o Código civil, devem aplicar-se à responsabilidade por actos de gestão pública as normas constantes do Código Civil que não colidam com o que directa ou indirectamente emerge do D.L. 48 051. A remissão do artigo 4º nº 1 do D.L. 48 051 abrange todo o artigo 487ª pelo que no âmbito da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por acto ilícito de gestão pública incumbe ao lesado provar a culpa do autor da lesão , salvo havendo presunção legal, que será, não só a que eventualmente vier expressa no D.L. 48 051, como a que consta do Código Civil em matéria regulada por aquele diploma e que não colida com os princípios nele acolhidos.

Com estes argumentos o Pleno do STA, no caso submetido a apreciação ( também de responsabilidade por acidente causado por deslocação de tampa de saneamento) conclui ser aplicável à responsabilidade civil das autarquias locais, por acto ilícito de gestão pública, a presunção de culpa estabelecida no artigo 493 nº 1 do Código Civil que dispõe que « Quem tiver em seu poder, coisa móvel, ou imóvel, com o dever de a vigiar, … responde pelos danos …, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua» Pode assim concluir-se que existindo danos, traduzidos nas despesas de reparação e demais prejuízos, em resultado de acidente de viação causado por um obstáculo na via municipal por se ter partido uma tampa de saneamento, e verificando-se: – a existência de facto ilícito traduzido na omissão, por parte do município, de obras tendentes à eliminação de tal “obstáculo”, ou à sua sinalização provisória, por forma a garantir uma normal e segura circulação dos veículos e bem assim no cumprimento das normas que lhe impõem o dever de realização dessas obras e colocação da dita sinalização, bem como; – a existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, se a ocorrência do acidente e os estragos por ele provocados resultaram, directa e necessáriamente, da omissão da eliminação do obstáculo existente na via ou da falta de sinalização provisória), então; Encontrar-se-ão, à partida, reunidos os pressupostos do dever de indemnizar que recai sobre o município, uma vez que igualmente se encontra presumida a culpa (face ao disposto no citado artigo 493 nº1 do C.C.), a menos que alegue e prove que o acidente resultou de caso fortuito ou de força maior, ou mesmo de culpa de terceiro, dado que só nessas circunstâncias o acidente teria sido possível, uma vez que, comprovadamente, organizou os seus serviços de modo adequado a assegurar um eficiente sistema de vigilância do surgimento de obstáculos nas vias sob sua jurisdição e de pronta sinalização dos mesmos.