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Home Legal Opinions up to 2017 Licenciamento de obra. Legitimidade do Requerente
Licenciamento de obra. Legitimidade do Requerente

Em resposta ao solicitado pela Câmara Municipal de … através de Fax datado de 25-08-03 onde somos questionados sobre o seguinte:

 
  1. Pode a Câmara Municipal suspender o procedimento de licenciamento com base em reclamação apresentada por terceiro (num primitivo processo) alegando direitos de propriedade sobre parte do terreno onde se encontra implantada a construção quando o requerente apresenta prova de legitimidade (certidão do registo predial)?
  2. Pode o primeiro processo de licenciamento acompanhar o segundo com o objectivo de se ter em conta, cumulativamente, os documentos existentes nos dois processos ou deverá o primeiro ser arquivado tendo em conta que existe um novo processo de licenciamento para o mesmo local? OS FACTOS: Num primeiro pedido de licenciamento de obras de reconstrução (?) de uma moradia unifamiliar que havia dado entrada em 06/02/02 e após a aprovação do projecto de arquitectura em reunião de 19/03/02, foram juntas ao processo duas reclamações de vizinhos, a primeira em nome de Maria Luisa Ferreira de Sousa, que acabou por desistir da mesma, e uma outra, subscrita por Maria Alcina Ferreira de Almeida, dando conta da ocupação de terreno do seu prédio, bem como a abertura de janelas. Note-se que a obra havia sido iniciada antes mesmo da aprovação da arquitectura, tendo por isso sido embargada em 7/03/02. Em 3/05/02 o fiscal municipal informa que a obra apresenta implantação divergente da constante nas peças desenhadas pelo que a Câmara Municipal solicita ao requerente, na sequência de informação dos serviços municipais, a apresentação de nova planta de implantação e outros elementos de acordo com a obra em execução. Não tendo sido dada resposta satisfatória ao exigido, é solicitado ao requerente a apresentação de novo projecto atendendo à desconfiguração do edifício bem como a organização de espaços interiores e escada interior de ligação entre os dois pisos.

Por essa altura (em 29/05/03) a Sr.ª Maria Alcina apresenta a referida reclamação referente à ocupação do terreno. Entretanto, em 5/12/02, o particular apresenta novo pedido de licenciamento e em 2/01/03 solicita expressamente o cancelamento do processo de obras n.º 22/02 por ter apresentado novo projecto para o mesmo local, devidamente remodelado. Este projecto obtém uma informação final dos serviços (em 6/02/03) no sentido de que reúne condições para ser deferido. Em 11/02/03 foi apresentada nova reclamação pela Sr.ª Maria Alcina dando conta que a construção estava sem licenciamento e em desacordo com o que o requerente dizia ir reconstruir e, no mesmo dia, a Câmara deliberou pedir parecer jurídico. Em 24/02/03 o jurista consultado informa que não existem fundamentos para o não licenciamento. Por fim, em 5/03/03 foi deliberado pela Câmara juntar o anterior processo ao actual e pedir novo parecer jurídico tendo em conta os documentos existentes nos dois processos. Cumpre-nos assim informar o seguinte: Em primeiro lugar importa previamente esclarecer que as licenças e autorizações urbanísticas são actos administrativos submetidos exclusivamente a regras de direito público, o que significa que a Administração municipal, na apreciação dos projectos, apenas verifica o cumprimento de normas de direito do urbanismo. Veja-se, entre outros, o Ac. Do STA de 7/02/02, Processo n.º 048295, onde se conclui que “não incumbe à Administração no acto de licenciamento de obras particulares assegurar o respeito por normas de direito civil, designadamente das que tutelam servidões de passagem de terceiros sobre o prédio onde se situa a obra licenciada” A submissão exclusiva da licenças ou autorizações urbanísticas a regras de direito do urbanismo determina que elas sejam concedidas sob o que se designa por reserva de direitos de terceiros, isto é, conferem ao requerente da licença, apenas e só, o direito de realizar aquela operação urbanística, não retirando por isso a terceiros direitos que estes já possuíssem de acordo com o ordenamento privatístico.

Daqui decorrem, segundo a melhor Doutrina (vide Fernanda Paula Oliveira, A legitimidade nos Procedimentos Urbanísticos – II Parte, In O Municipal – Nº265) desde logo duas consequência. A primeira é a de que as normas de direito privado não constituem fundamento para o indeferimento do pedido e, a segunda, a de ficarem excluídas de apreciação pela Administração, para efeitos de emissão de licenças ou autorizações urbanísticas, as relações do titular da licença com terceiros não intervenientes na operação urbanística, (como sejam as relações com proprietários vizinhos ou destes entre si ou ainda as relações com pessoas afectadas por ocorrências relacionadas com a operação urbanística) e as situações especiais de responsabilidade que se verifiquem entre os intervenientes naquela operação. “Qualquer litígio que surja a este propósito não deve ser resolvido pela Administração no procedimento de licenciamento ou autorização (sob pena de usurpação de poderes) mas pelos tribunais”. Contudo, apesar da regra da submissão exclusiva das licenças a normas de direito público, não está excluída a necessidade de comprovação da legitimidade do requerente, que reveste a natureza de pressuposto procedimental (cf. artigo 83º do CPA), exigindo o artigo 9º nº1 o DL 555/99 que o requerente, no requerimento inicial, invoque e comprove a titularidade de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística a que se refere a pretensão.

Assim, no entendimento da mesma Autora, “no que concerne à questão da legitimidade do requerente do pedido de licenciamento ou autorização, resulta que, desde que este tenha apresentado o documento exigido para prova de legitimidade, a administração deve avançar com o procedimento mesmo que exista um litígio entre o requerente e terceiros que tenha, precisamente por objecto, a titularidade do direito invocado, e mesmo que tal litígio esteja a ser resolvido no tribunal competente. O procedimento apenas não deverá prosseguir, devendo ser rejeitado o pedido de licenciamento ou autorização nas seguintes situações: quando o requerente não faça prova de legitimidade; quando resulte claramente dos documentos entregues que ele não é, efectivamente, o titular do direito que invoca ou se se faz, no procedimento prova disso, ou quando o direito que se invoca não permite realizar a operação em causa”, (designadamente quando invoca a qualidade de proprietário mas as obras necessitam de consentimento do senhorio). No caso presente parece existir um conflito relacionado com os limites entre prédios sem que seja demonstrada a pretensa ocupação. Assim, a câmara municipal possui um documento (a certidão do registo predial que confere, note-se, a presunção legal enunciada no artigo 7º do C.Reg.Predial) pelo que existe prova da legitimidade do requerente por ser titular do direito de propriedade sobre o prédio. Com isto não se pretende afastar as razões que possam assistir à reclamante não.

O que queremos dizer é que existindo prova da legitimidade do requerente enquanto pressuposto para o desencadear do procedimento e cumprindo a pretensão todas as normas de direito urbanístico, exigir-se-ia que a reclamante contestasse, perante os tribunais, essa mesma legitimidade, através da acção própria, para que se pudesse questionar a legitimidade do requerente. Sem tal iniciativa entendemos que o presidente da Câmara não pode suspender o procedimento de licenciamento já que não existe nenhuma questão prévia dependente de decisão dos tribunais. Quanto à questão da junção de documentos relativos a dois processos diremos que a apresentação de um novo pedido substitui o anterior, sendo o primitivo processo arquivado. Contudo, face ao princípio da desburocratização, nada obsta a que o requerente ou terceiros interessados solicitem a transferência de documentos do processo anterior, quando os pretendam utilizar no processo actual. Tal regra, no caso da reclamante, pressupõe que esta tenha sido notificada do arquivamento do processo anterior . Se não o foi , face ao princípio da transparência da actividade administrativa deve a reclamante ser informada do facto e da faculdade de poder pedir a transferência da sua reclamação para o novo procedimento.

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Licenciamento de obra. Legitimidade do Requerente

Em resposta ao solicitado pela Câmara Municipal de … através de Fax datado de 25-08-03 onde somos questionados sobre o seguinte:

 
  1. Pode a Câmara Municipal suspender o procedimento de licenciamento com base em reclamação apresentada por terceiro (num primitivo processo) alegando direitos de propriedade sobre parte do terreno onde se encontra implantada a construção quando o requerente apresenta prova de legitimidade (certidão do registo predial)?
  2. Pode o primeiro processo de licenciamento acompanhar o segundo com o objectivo de se ter em conta, cumulativamente, os documentos existentes nos dois processos ou deverá o primeiro ser arquivado tendo em conta que existe um novo processo de licenciamento para o mesmo local? OS FACTOS: Num primeiro pedido de licenciamento de obras de reconstrução (?) de uma moradia unifamiliar que havia dado entrada em 06/02/02 e após a aprovação do projecto de arquitectura em reunião de 19/03/02, foram juntas ao processo duas reclamações de vizinhos, a primeira em nome de Maria Luisa Ferreira de Sousa, que acabou por desistir da mesma, e uma outra, subscrita por Maria Alcina Ferreira de Almeida, dando conta da ocupação de terreno do seu prédio, bem como a abertura de janelas. Note-se que a obra havia sido iniciada antes mesmo da aprovação da arquitectura, tendo por isso sido embargada em 7/03/02. Em 3/05/02 o fiscal municipal informa que a obra apresenta implantação divergente da constante nas peças desenhadas pelo que a Câmara Municipal solicita ao requerente, na sequência de informação dos serviços municipais, a apresentação de nova planta de implantação e outros elementos de acordo com a obra em execução. Não tendo sido dada resposta satisfatória ao exigido, é solicitado ao requerente a apresentação de novo projecto atendendo à desconfiguração do edifício bem como a organização de espaços interiores e escada interior de ligação entre os dois pisos.

Por essa altura (em 29/05/03) a Sr.ª Maria Alcina apresenta a referida reclamação referente à ocupação do terreno. Entretanto, em 5/12/02, o particular apresenta novo pedido de licenciamento e em 2/01/03 solicita expressamente o cancelamento do processo de obras n.º 22/02 por ter apresentado novo projecto para o mesmo local, devidamente remodelado. Este projecto obtém uma informação final dos serviços (em 6/02/03) no sentido de que reúne condições para ser deferido. Em 11/02/03 foi apresentada nova reclamação pela Sr.ª Maria Alcina dando conta que a construção estava sem licenciamento e em desacordo com o que o requerente dizia ir reconstruir e, no mesmo dia, a Câmara deliberou pedir parecer jurídico. Em 24/02/03 o jurista consultado informa que não existem fundamentos para o não licenciamento. Por fim, em 5/03/03 foi deliberado pela Câmara juntar o anterior processo ao actual e pedir novo parecer jurídico tendo em conta os documentos existentes nos dois processos. Cumpre-nos assim informar o seguinte: Em primeiro lugar importa previamente esclarecer que as licenças e autorizações urbanísticas são actos administrativos submetidos exclusivamente a regras de direito público, o que significa que a Administração municipal, na apreciação dos projectos, apenas verifica o cumprimento de normas de direito do urbanismo. Veja-se, entre outros, o Ac. Do STA de 7/02/02, Processo n.º 048295, onde se conclui que “não incumbe à Administração no acto de licenciamento de obras particulares assegurar o respeito por normas de direito civil, designadamente das que tutelam servidões de passagem de terceiros sobre o prédio onde se situa a obra licenciada” A submissão exclusiva da licenças ou autorizações urbanísticas a regras de direito do urbanismo determina que elas sejam concedidas sob o que se designa por reserva de direitos de terceiros, isto é, conferem ao requerente da licença, apenas e só, o direito de realizar aquela operação urbanística, não retirando por isso a terceiros direitos que estes já possuíssem de acordo com o ordenamento privatístico.

Daqui decorrem, segundo a melhor Doutrina (vide Fernanda Paula Oliveira, A legitimidade nos Procedimentos Urbanísticos – II Parte, In O Municipal – Nº265) desde logo duas consequência. A primeira é a de que as normas de direito privado não constituem fundamento para o indeferimento do pedido e, a segunda, a de ficarem excluídas de apreciação pela Administração, para efeitos de emissão de licenças ou autorizações urbanísticas, as relações do titular da licença com terceiros não intervenientes na operação urbanística, (como sejam as relações com proprietários vizinhos ou destes entre si ou ainda as relações com pessoas afectadas por ocorrências relacionadas com a operação urbanística) e as situações especiais de responsabilidade que se verifiquem entre os intervenientes naquela operação. “Qualquer litígio que surja a este propósito não deve ser resolvido pela Administração no procedimento de licenciamento ou autorização (sob pena de usurpação de poderes) mas pelos tribunais”. Contudo, apesar da regra da submissão exclusiva das licenças a normas de direito público, não está excluída a necessidade de comprovação da legitimidade do requerente, que reveste a natureza de pressuposto procedimental (cf. artigo 83º do CPA), exigindo o artigo 9º nº1 o DL 555/99 que o requerente, no requerimento inicial, invoque e comprove a titularidade de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística a que se refere a pretensão.

Assim, no entendimento da mesma Autora, “no que concerne à questão da legitimidade do requerente do pedido de licenciamento ou autorização, resulta que, desde que este tenha apresentado o documento exigido para prova de legitimidade, a administração deve avançar com o procedimento mesmo que exista um litígio entre o requerente e terceiros que tenha, precisamente por objecto, a titularidade do direito invocado, e mesmo que tal litígio esteja a ser resolvido no tribunal competente. O procedimento apenas não deverá prosseguir, devendo ser rejeitado o pedido de licenciamento ou autorização nas seguintes situações: quando o requerente não faça prova de legitimidade; quando resulte claramente dos documentos entregues que ele não é, efectivamente, o titular do direito que invoca ou se se faz, no procedimento prova disso, ou quando o direito que se invoca não permite realizar a operação em causa”, (designadamente quando invoca a qualidade de proprietário mas as obras necessitam de consentimento do senhorio). No caso presente parece existir um conflito relacionado com os limites entre prédios sem que seja demonstrada a pretensa ocupação. Assim, a câmara municipal possui um documento (a certidão do registo predial que confere, note-se, a presunção legal enunciada no artigo 7º do C.Reg.Predial) pelo que existe prova da legitimidade do requerente por ser titular do direito de propriedade sobre o prédio. Com isto não se pretende afastar as razões que possam assistir à reclamante não.

O que queremos dizer é que existindo prova da legitimidade do requerente enquanto pressuposto para o desencadear do procedimento e cumprindo a pretensão todas as normas de direito urbanístico, exigir-se-ia que a reclamante contestasse, perante os tribunais, essa mesma legitimidade, através da acção própria, para que se pudesse questionar a legitimidade do requerente. Sem tal iniciativa entendemos que o presidente da Câmara não pode suspender o procedimento de licenciamento já que não existe nenhuma questão prévia dependente de decisão dos tribunais. Quanto à questão da junção de documentos relativos a dois processos diremos que a apresentação de um novo pedido substitui o anterior, sendo o primitivo processo arquivado. Contudo, face ao princípio da desburocratização, nada obsta a que o requerente ou terceiros interessados solicitem a transferência de documentos do processo anterior, quando os pretendam utilizar no processo actual. Tal regra, no caso da reclamante, pressupõe que esta tenha sido notificada do arquivamento do processo anterior . Se não o foi , face ao princípio da transparência da actividade administrativa deve a reclamante ser informada do facto e da faculdade de poder pedir a transferência da sua reclamação para o novo procedimento.