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Home Legal Opinions up to 2017 Livro de reclamações
Livro de reclamações

Em referência ao ofício nº 03518, datado de 03/11/03, da Câmara Municipal de …… é-nos solicitado que nos pronunciemos sobre a aplicabilidade às autarquias locais, da Resolução de Conselho Ministros nº189/96, publicada no Diário da República, I Série, de 28 de Novembro.

 

Informamos:

Relativamente à questão que nos é colocada, esclarecemos V.Exª que no seguimento de uma questão similar, suscitada pela Câmara Municipal de Ílhavo, foi emitida Informação da Auditoria Jurídica do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, actualmente extinto, datada de 14 de Maio de 1997. O entendimento ali defendido é na sua íntegra partilhado por esta Divisão de Apoio Jurídico. Conclui a Informação citada no seu ponto 11 e cito: ” Pelo exposto parece-nos ser de concluir que a Resolução de Conselho de Ministros nº189/96, não é aplicável aos serviços e organismos da administração local.” Cumprir-nos-á assim, apontar os fundamentos que estão na base de tal solução e que são os seguintes:

  1. A Resolução referida adopta medidas de modernização administrativa, instituindo designadamente o livro de reclamações com carácter obrigatório nos serviços e organismos da administração pública. Os bens, serviços e direitos fornecidos, prestados e transmitidos pelos organismos da administração pública, ficaram com a publicação da Lei nº24/96, de 31 de Julho, sujeitos às mesmas regras que disciplinam as relações de consumo entre privados. Assim e cito: “Nos termos da alínea g) do artigo 202º da Constituição, o Conselho de Ministros resolveu: 1.Determinar que todos os serviços e organismos da administração pública, no âmbito das actividades exercidas ao abrigo do nº2 do art.2º da Lei nº 24/96, de 31 de Julho, adoptem até ao final de 1996 as medidas adequadas a dar cumprimento ao disposto naquele diploma, em especial no que respeita à qualidade dos bens e serviços, á protecção da saúde, da segurança física e dos interesses económicos dos consumidores e à informação.” Questão liminar é a de saber se a citada Resolução, ao dirigir-se aos serviços e organismos da administração pública quis ou não incluir naquele conceito os serviços e organismos da administração local. Parece que a noção de administração pública abrange o conjunto dos órgãos administrativos do Estado e de todos os órgãos das demais pessoas colectivas públicas. Mas no caso presente, a Lei nº 24/96, diploma a que se refere a citada Resolução, considera incluídos no seu âmbito de aplicação os bens e serviços prestados pelos organismos da administração pública, por pessoas colectivas públicas, por empresas de capitais maioritariamente públicas ou detidos maioritariamente pelo Estado, pelas regiões autónomas ou pelas autarquias locais e por empresas concessionárias de serviços públicos.” Decorre do exposto que ao estabelecer-se expressamente uma distinção entre administração pública e local, parece poder concluir-se que a Resolução em causa, ao referir unicamente um dos destinatários da Lei nº24/96, pretendeu apenas aplicar-se à administração pública em sentido restrito.
  2. Por outro lado verifica-se que algumas das disposições da referida Resolução não poderão ser aplicáveis à administração local. O nº 8 da Resolução, por exemplo, determina a remessa do livro de reclamações, e cito “ao membro do governo que tutela o serviço ou organismo e ao membro do governo que tutela a administração pública.” Também o nº 10 prevê a realização de auditorias. Ora, como é sabido nos termos do art. 241º da CRP, a tutela sobre as autarquias é de mera legalidade, estando excluída assim da tutela sobre as autarquias uma qualquer tutela do mérito da actuação dos seus órgãos e serviços.
  3. Outra questão é a que se prende com a da legalidade da Resolução de Conselho de Ministros se porventura se pretendesse que a mesma se aplicasse à administração local. O governo não tem competência para dirigir instruções ou orientações aos serviços da administração local; tal só pode ocorrer por via normativa ou regulamentar. Deste modo só através das formas referidas, será possível impor às autarquias locais o cumprimento de determinados procedimentos no âmbito da organização e funcionamento dos seus serviços.
  4. É pertinente pois averiguar qual a natureza jurídica da citada Resolução de Conselho de Ministros para que se conclua se a mesma tem ou não carácter regulamentar. O nº 6 do art.112º da CRP estabelece e cito: “Os regulamentos do governo devem assumir a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam , bem como no caso de regulamentos independentes.” E de acordo com o nº 7 do mesmo normativo, os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão.” Deverão assim os regulamentos mencionar as leis que os legitimam, sendo porém problemática a consequência da falta dessa menção. De acordo com o disposto na CRP anotada, Gomes Canotilho e Vital Moreira, 3ª edição, Coimbra Editora que cito “Todavia parece evidente que essa deficiência se traduz na ausência de um elemento formal constitucionalmente necessário pelo que tais regulamentos padecem de inconstitucionalidade formal (cfr AcTC nº209/87 e 75/88).”
  5. Cabe assim perguntar-mo-nos se a citada Resolução é um regulamento e sendo-o de que tipo de regulamento se trata. Da leitura do preâmbulo verificamos que a Resolução é composta por duas partes: a primeira parte visa incentivar a tomada de medidas de adaptação dos serviços públicos às determinações legais de protecção do consumidor. A outra parte tem em vista adoptar medidas de carácter geral que “aprofundem soluções já afloradas anteriormente”. É aqui que se insere a obrigatoriedade de os serviços passarem a dispor de livros de reclamações. Ora, da análise da Lei nº 24/96, constata-se que as disposições da mesma dizem respeito à protecção do cidadão enquanto consumidor e não à sua posição enquanto cidadão utente de um qualquer serviço público. Parece-nos assim que só se encontram abrangidas pelas suas disposições, as actividades da administração que encontrem algum paralelismo com as actividades abrangidas pelo nº1 do art.2º da Lei nº24/96, que se refere apenas a actividades de prestação de serviços, bens e transmissão de direitos por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios. Estará desta forma sujeito ao regime da Lei nº24/96, o fornecimento da água ou a prestação de serviços de transporte. Conclui-se assim que no que se refere a obrigatoriedade da existência de um livro de reclamações, a Resolução de Conselho de Ministros nº189/96, assumirá o carácter de regulamento autónomo, ou pelo menos de regulamento independente que não indica a lei habilitante. Como já se referiu acima, uma parte da doutrina, na esteira do defendido por Gomes Canotilho e Vital Moreira, defende que a Constituição não permite a existência de regulamentos autónomos ou mesmo de regulamentos independentes nos quais não se cite expressamente a lei habilitante.

Conclusão: Pela argumentação exposta, a que se refere a Informação da Auditoria Jurídica citada, e com a qual concordamos na sua totalidade, não é assim defensável que se aplique à administração local a Resolução de Conselho de Ministros nº189/96 publicada no DR I Série de 28 de Novembro.

A Divisão de Apoio Jurídico ( Joana Janeiro da Costa)

 
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Em referência ao ofício nº 03518, datado de 03/11/03, da Câmara Municipal de …… é-nos solicitado que nos pronunciemos sobre a aplicabilidade às autarquias locais, da Resolução de Conselho Ministros nº189/96, publicada no Diário da República, I Série, de 28 de Novembro.

 

Informamos:

Relativamente à questão que nos é colocada, esclarecemos V.Exª que no seguimento de uma questão similar, suscitada pela Câmara Municipal de Ílhavo, foi emitida Informação da Auditoria Jurídica do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, actualmente extinto, datada de 14 de Maio de 1997. O entendimento ali defendido é na sua íntegra partilhado por esta Divisão de Apoio Jurídico. Conclui a Informação citada no seu ponto 11 e cito: ” Pelo exposto parece-nos ser de concluir que a Resolução de Conselho de Ministros nº189/96, não é aplicável aos serviços e organismos da administração local.” Cumprir-nos-á assim, apontar os fundamentos que estão na base de tal solução e que são os seguintes:

  1. A Resolução referida adopta medidas de modernização administrativa, instituindo designadamente o livro de reclamações com carácter obrigatório nos serviços e organismos da administração pública. Os bens, serviços e direitos fornecidos, prestados e transmitidos pelos organismos da administração pública, ficaram com a publicação da Lei nº24/96, de 31 de Julho, sujeitos às mesmas regras que disciplinam as relações de consumo entre privados. Assim e cito: “Nos termos da alínea g) do artigo 202º da Constituição, o Conselho de Ministros resolveu: 1.Determinar que todos os serviços e organismos da administração pública, no âmbito das actividades exercidas ao abrigo do nº2 do art.2º da Lei nº 24/96, de 31 de Julho, adoptem até ao final de 1996 as medidas adequadas a dar cumprimento ao disposto naquele diploma, em especial no que respeita à qualidade dos bens e serviços, á protecção da saúde, da segurança física e dos interesses económicos dos consumidores e à informação.” Questão liminar é a de saber se a citada Resolução, ao dirigir-se aos serviços e organismos da administração pública quis ou não incluir naquele conceito os serviços e organismos da administração local. Parece que a noção de administração pública abrange o conjunto dos órgãos administrativos do Estado e de todos os órgãos das demais pessoas colectivas públicas. Mas no caso presente, a Lei nº 24/96, diploma a que se refere a citada Resolução, considera incluídos no seu âmbito de aplicação os bens e serviços prestados pelos organismos da administração pública, por pessoas colectivas públicas, por empresas de capitais maioritariamente públicas ou detidos maioritariamente pelo Estado, pelas regiões autónomas ou pelas autarquias locais e por empresas concessionárias de serviços públicos.” Decorre do exposto que ao estabelecer-se expressamente uma distinção entre administração pública e local, parece poder concluir-se que a Resolução em causa, ao referir unicamente um dos destinatários da Lei nº24/96, pretendeu apenas aplicar-se à administração pública em sentido restrito.
  2. Por outro lado verifica-se que algumas das disposições da referida Resolução não poderão ser aplicáveis à administração local. O nº 8 da Resolução, por exemplo, determina a remessa do livro de reclamações, e cito “ao membro do governo que tutela o serviço ou organismo e ao membro do governo que tutela a administração pública.” Também o nº 10 prevê a realização de auditorias. Ora, como é sabido nos termos do art. 241º da CRP, a tutela sobre as autarquias é de mera legalidade, estando excluída assim da tutela sobre as autarquias uma qualquer tutela do mérito da actuação dos seus órgãos e serviços.
  3. Outra questão é a que se prende com a da legalidade da Resolução de Conselho de Ministros se porventura se pretendesse que a mesma se aplicasse à administração local. O governo não tem competência para dirigir instruções ou orientações aos serviços da administração local; tal só pode ocorrer por via normativa ou regulamentar. Deste modo só através das formas referidas, será possível impor às autarquias locais o cumprimento de determinados procedimentos no âmbito da organização e funcionamento dos seus serviços.
  4. É pertinente pois averiguar qual a natureza jurídica da citada Resolução de Conselho de Ministros para que se conclua se a mesma tem ou não carácter regulamentar. O nº 6 do art.112º da CRP estabelece e cito: “Os regulamentos do governo devem assumir a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam , bem como no caso de regulamentos independentes.” E de acordo com o nº 7 do mesmo normativo, os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão.” Deverão assim os regulamentos mencionar as leis que os legitimam, sendo porém problemática a consequência da falta dessa menção. De acordo com o disposto na CRP anotada, Gomes Canotilho e Vital Moreira, 3ª edição, Coimbra Editora que cito “Todavia parece evidente que essa deficiência se traduz na ausência de um elemento formal constitucionalmente necessário pelo que tais regulamentos padecem de inconstitucionalidade formal (cfr AcTC nº209/87 e 75/88).”
  5. Cabe assim perguntar-mo-nos se a citada Resolução é um regulamento e sendo-o de que tipo de regulamento se trata. Da leitura do preâmbulo verificamos que a Resolução é composta por duas partes: a primeira parte visa incentivar a tomada de medidas de adaptação dos serviços públicos às determinações legais de protecção do consumidor. A outra parte tem em vista adoptar medidas de carácter geral que “aprofundem soluções já afloradas anteriormente”. É aqui que se insere a obrigatoriedade de os serviços passarem a dispor de livros de reclamações. Ora, da análise da Lei nº 24/96, constata-se que as disposições da mesma dizem respeito à protecção do cidadão enquanto consumidor e não à sua posição enquanto cidadão utente de um qualquer serviço público. Parece-nos assim que só se encontram abrangidas pelas suas disposições, as actividades da administração que encontrem algum paralelismo com as actividades abrangidas pelo nº1 do art.2º da Lei nº24/96, que se refere apenas a actividades de prestação de serviços, bens e transmissão de direitos por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios. Estará desta forma sujeito ao regime da Lei nº24/96, o fornecimento da água ou a prestação de serviços de transporte. Conclui-se assim que no que se refere a obrigatoriedade da existência de um livro de reclamações, a Resolução de Conselho de Ministros nº189/96, assumirá o carácter de regulamento autónomo, ou pelo menos de regulamento independente que não indica a lei habilitante. Como já se referiu acima, uma parte da doutrina, na esteira do defendido por Gomes Canotilho e Vital Moreira, defende que a Constituição não permite a existência de regulamentos autónomos ou mesmo de regulamentos independentes nos quais não se cite expressamente a lei habilitante.

Conclusão: Pela argumentação exposta, a que se refere a Informação da Auditoria Jurídica citada, e com a qual concordamos na sua totalidade, não é assim defensável que se aplique à administração local a Resolução de Conselho de Ministros nº189/96 publicada no DR I Série de 28 de Novembro.

A Divisão de Apoio Jurídico ( Joana Janeiro da Costa)