Data: 2004-10-15
Número: 231/04
Responsáveis: Dr.ª Maria Margarida Teixeira Bento
O n.º1 do artigo 54º da Lei 91/95, de 2/9, na redacção que lhe foi dada pelo Lei n.º 64/2003, de 23 de Agosto, determina que: “1- A celebração de quaisquer actos ou negócios jurídicos entre vivos de que possa vir a resultar a constituição de compropriedade ou a ampliação do número de compartes de prédios rústicos carece de parecer favorável da câmara municipal do local da situação dos prédios. Resulta assim claramente da letra do preceito transcrito que só são objecto de parecer da Câmara municipal os actos ou negócios jurídicos inter vivos, (expressão esta que é usada para qualificar os actos celebrados entre sujeitos jurídicos vivos e destinados a produzir efeitos durante a vida desses sujeitos, ou para qualificar a situação em que alguém sucede num direito de outrem em razão de facto que não é a morte do anterior titular do direito,) pelo que, por contraposição, não estão sujeitos a parecer da Câmara os negócios jurídicos mortis causa, onde incluímos a partilha. Contudo o entendimento que foi perfilhado pela Direcção Geral dos Registos e do Notariado é a de que a partilha extrajudicial da herança é um negócio jurídico entre vivos por entender que “o negócio jurídico que a tem por fim exclusivo (a partilha) é um negócio jurídico entre vivos”. Ora, permitimo-nos discordar de tal interpretação, socorrendo-nos precisamente dos ensinamentos de Menezes Cordeiro, citados no parecer da DGRN, que claramente delimita os conceitos em presença dizendo que “o verdadeiro negócio mortis causa é intrinsecamente concebido pelo Direito para reger situações jurídicas desencadeadas com a morte de uma pessoa”, ao que haverá de acrescer, quanto a nós, o argumento dos efeitos retroactivos conferidos à partilha pelo artigo 2119.º do Código Civil, ao dispôr que “feita a partilha cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da sucessão, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos ”.
É por isso que na discussão Doutrinária sobre se a partilha tem carácter declarativo ou constitutivo (vide anotação ao artigo 2119.º, Abílio Neto, C.Civil Anotado) a solução que melhor se ajusta às disposições do C. Civil é a que defende que a partilha é um negócio certificativo, um negócio que se destina a tornar certa uma situação anterior, uma vez que cada um dos herdeiros já tinha direito a uma parte ideal da herança antes da partilha, sendo que, através desta, esse direito (a uma parte ideal da herança) se vai concretizar em bens certos e determinados. O direito a bens determinados que existe depois da partilha é o mesmo direito a bens indeterminados que existia antes da partilha; é o mesmo direito, apenas modificado no seu objecto. Reafirmamos assim o entendimento de que a partilha extrajudicial da herança é um negócio mortis causa por ter na sua origem a morte do de cujus e, assim sendo, encontra-se excluída do âmbito de aplicação do artigo 54.º da Lei 91/95, de 2 de Setembro, na redacção da lei 64/2003, de 23 de Agosto.
Embora sem prescindir, não podemos deixar de alertar a Câmara Municipal para que na posição a assumir, pondere o facto dos nossos pareceres não serem vinculativos, ao contrário do que acontece, para os serviços de registos e de notariado, quanto às deliberação do Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, homologadas pelo respectivo Director Geral.
A Chefe de Divisão de Apoio Jurídico (Dr.ª Maria Margarida Teixeira Bento)
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