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Segurança, higiene e saúde no trabalho

Data: 2005-01-21

Número: 17/2005

Responsáveis: Adelino Moreira e Castro

  1. A propósito da publicação do novo Código do Trabalho (Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) e da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, que procede à sua regulamentação, vem a Câmara Municipal da … colocar um conjunto de questões relativas à segurança, higiene e saúde no trabalho que se podem resumir do seguinte modo:
    1. Acham-se, ou não, revogados, com o publicação do novo Código do Trabalho e da sua regulamentação, os diplomas legais que versavam sobre aquela matéria, a saber: Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 133/99, de 21 de Abril e pela Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto; Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 7/95, de 29 de Março, pela Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 109/00, de 30 de Junho; e, finalmente, Decreto-Lei n.º 488/99, de 17 de Novembro?
    2. A terem os supracitados normativos sido revogados, são ou não, de aplicar à Administração Pública os comandos sobre a matéria em apreço ínsitos quer no Código do Trabalho (Capítulo IV, artigos 272º e seguintes), quer na legislação especial que regulamenta o citado Código (Capítulo XXII, artigos 211º e seguintes, da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho)?
    3. Finalmente, e uma vez resolvidas as questões suscitadas em a) e b), deve um concurso público de aquisição de serviços externos de segurança, higiene e saúde no trabalho – elaborado com referência aos comandos legais referidos na alínea a) do ponto 1 deste parecer, mas cujo Caderno de Encargos, Programa e Aviso para publicação em Diário da Republica foram já aprovados em data posterior à entrada em vigor do novo Código do Trabalho e da sua regulamentação – manter-se, ou ser anulado e aberto, novamente, agora à luz do novo Código de Trabalho e respectiva regulamentação?
  2. Relativamente à primeira questão formulada, razões metodológicas e de economia do presente parecer, levar-nos-ão, em primeiro lugar, a uma breve incursão teórica sobre as formas legais de revogação, para depois, conhecida que seja a natureza jurídica dos Diplomas sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, referidos na alínea a) do ponto 1, procurarmos fundamentadamente responder se os mesmos foram ou não revogados por força da publicação da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto e da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho. Naturalmente que, para a resposta, se haverá de atender aos textos legais e respectivas conexões, história legislativa sobre a matéria questionada, aos fins visados pelo legislador e, subsidiariamente, aos preceitos legais sobre o instituto da revogação.

Assim:

  1. Como é sabido e resulta do artigo 7º do Código Civil, são três as formas de revogação: expressa, tácita e de sistema. A revogação é expressa, se resulta de uma declaração expressa da nova lei revogando lei anterior (norma revogatória); é tácita, se existe uma incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes (naturalmente pressupondo-se a inexistência na nova lei de norma revogatória expressa); é de sistema (igualmente não existindo na nova lei norma revogatória), na circunstância da lei nova regular toda a matéria da lei anterior. A doutrina refere, ainda, a revogação global por substituição quando uma nova lei regula toda uma matéria, área ou ramo do direito, sem ser necessário demonstrar a incompatibilidade específica de cada um dos preceitos da lei anterior com o preceituado na nova lei (cfr., por todos, Oliveira Ascenção, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 7.ª ed., pág. 288). Convirá recordar, também, no domínio da revogação, que lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.
  2. Já quanto à natureza dos diplomas legais vigentes, anteriores à publicação do Código Trabalho e respectiva Lei de Regulamentação, podemos, sinteticamente, dizer que o Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, constituía, no ordenamento jurídico-constitucional português reservado à matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, a sua Lei-Quadro como, inequivocamente, resulta do respectivo texto preambular, do objecto visado e do seu âmbito. Com efeito, o referido Decreto-Lei continha em si os princípios fundamentais necessários à promoção da segurança, higiene e saúde no trabalho, de modo a garantir, entre outros, uma efectiva prevenção de riscos profissionais e a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho. Enquanto Lei-Quadro e por expressa indicação, aplicava-se a todos os ramos de actividade, nos sectores público, privado ou cooperativo e social e, para o que aqui interessa, aos trabalhadores (…) e aos respectivos empregadores, incluindo os trabalhadores da administração pública central, regional e local, dos institutos públicos, das demais pessoas colectivas de direito público (…) e a todas estas entidades (cfr. artigo 2º). Em resumo: enquanto Lei-Quadro sobre segurança e saúde no trabalho, o Decreto – -Lei n.º 441/91, era aplicável não só à situação jurídica laboral resultante do contrato de trabalho, mas, igualmente, à relação jurídica de emprego público que confira a qualidade de funcionário ou agente. Directamente decorrente da Lei-Quadro (cfr. artigos 13º e 23º) veio, posteriormente, a ser publicado o Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, que aprovou o regime de organização e funcionamento das actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho. Por sua vez, com a publicação do Decreto-Lei n.º 488/99, de 17 de Novembro, procedeu-se à regulamentação da aplicação da Lei-Quadro à Administração Pública, preceituando-se no n.º 1 do seu artigo 8º, que, quanto à organização e funcionamento dos serviços de segurança e saúde no trabalho “se aplica à Administração Pública o regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/94 (…) com as adaptações constantes do presente diploma” (Decreto-Lei n.º 488/99). Dito de outro modo: o legislador optou, claramente, por definir em diploma próprio as formas de aplicação da Lei-Quadro à Administração Pública, inclusive naquilo que considerou específico em sede de organização e funcionamento dos serviços de segurança e saúde no trabalho (cfr., artigos 8º a 16º do Decreto-Lei n.º 488/99), remetendo, na matéria, em tudo o mais, subsidiariamente, para o supracitado Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro.
  3. Face ao exposto, e por força da publicação da Lei 99/2003, de 27 de Agosto e da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, terá entrado em crise a arquitectura jurídica estabelecida sobre segurança, higiene e saúde no trabalho supra referida? A nosso ver, pelo menos em parte, estamos em crer que sim. Com efeito, o novo Código de Trabalho reservou todo um capítulo, o IV, ao tratamento de tal matéria, nele se transcrevendo, modificando, acrescentando ou adaptando vários preceitos do citado Decreto-Lei n.º 441/91, ou seja, acolheu, em grande medida no seu seio, toda a temática da segurança, higiene e saúde no trabalho, constante da Lei-Quadro sobre segurança e saúde no trabalho. Significará isto a revogação pelo Código do referido Decreto-Lei n.º 441/91? De forma expressa, naturalmente que não, visto que o diploma se não acha mencionado no artigo 21º (norma revogatória) da Lei Preambular ao Código do Trabalho; todavia, julgamos existir aqui uma revogação global por substituição, ou de sistema (cfr., segmento final do n.º 2 do artigo 7º do Código Civil), por entendermos que a segurança no trabalho (incluindo a higiene e a saúde) constituiu um dos pilares da reforma legislativa que o legislador pretendeu efectuar no âmbito da publicação do Código e que teve, no caso da matéria em apreço, por fonte o compromisso tripartido entre o Governo e os parceiros sociais (cfr., Pedro Romano Martinez, anotação ao artigo 272º do Código do Trabalho, 3ª edição, pág. 478). Por outras palavras: julgamos ter sido intenção do legislador “transferir” o regime jurídico do enquadramento da segurança, higiene e saúde no trabalho, constante do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, para o novo Código do Trabalho, em razão de alguns dos princípios gerais que levaram à sua elaboração: maior acessibilidade e compreensão do regime laboral existente, sistematização da legislação, etc., (vide, alíneas c) a e) do ponto 3.1 da Exposição de Motivos da Proposta do Código do Trabalho).Quanto ao Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, é nosso entendimento que o mesmo foi tácita e parcialmente revogado face ao cominado no Capítulo XXII da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho (Lei da Regulamentação do Código do Trabalho). Invocamos, aqui, uma revogação tácita, porquanto o intuito revogatório não consta expressamente de qualquer norma do Código do Trabalho ou da regulamentação do Código (nomeadamente, da norma revogatória do artigo 10º).
    Já o Decreto-Lei n.º 488/99, de 17 de Novembro, enquanto diploma dirigido especialmente à Administração Pública, mantém, com as especificidades dele constantes, plena vigência, naturalmente de acordo com o conhecido princípio de que “lei geral não revoga lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador”, o que não parece ser, no que à excepção diz respeito, manifestamente o caso.
  4. No que diz respeito à segunda questão – a de saber-se se são ou não de aplicar à Administração Pública as disposições do Código de Trabalho e da Lei da Regulamentação do Código de Trabalho relativas ao regime jurídico da segurança, higiene e saúde no trabalho – deverá começar por dizer-se da existência na Lei n.º 99/2003 de preceito que regula a aplicação de regras do Código do Trabalho à relação jurídica que confira a qualidade de funcionário ou agente (cfr., artigo 5º), aí se indicando, expressamente, as disposições do Código aplicáveis àquela relação jurídica. Por sua vez, a Lei n.º 35/2004, no n.º 2 do artigo 1º, veio determinar a sua aplicação à relação jurídica de emprego público nos termos do citado artigo 5º da Lei n.º 99/2003. Ora, é verdade que os preceitos do Código do Trabalho relativos à matéria objecto deste parecer (cfr., artigos 272º a 280º) não se acham mencionados na previsão do referido artigo 5º da Lei n.º 99/2003, o que, em princípio, afastaria a sua aplicação no âmbito da Administração Pública. Note-se, todavia, que a justificação para a norma do artigo 5º reside no facto de a legislação revogada pelo Código de Trabalho já se aplicar à relação jurídica de emprego público nas matérias indicadas no artigo. Sem a ressalva do artigo 5º da Lei n.º 99/2003, em conjunção com o estatuído do n.º 2 do artigo 1º da Lei n.º 35/2004, a entrada em vigor do Código arrastaria consigo, inevitavelmente, lacunas de regulamentação no âmbito da relação jurídica de emprego público sujeita ao direito administrativo, naturalmente naquelas matérias cuja regulamentação era, no domínio da anterior legislação, aplicável simultaneamente quer à situação jurídico laboral de índole privatística, quer aos funcionários e agentes da Administração Pública.Tendo em conta o exposto, porque consideramos revogados o Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, e, ao menos, parcialmente, o Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro – relembrando que qualquer um deles se aplicava simultaneamente a cada uma daquelas situações – é nossa opinião que passaram a vigorar no âmbito da Administração Pública as normas relativas ao regime jurídico da segurança, higiene e saúde no trabalho constantes do Código do Trabalho (Lei n.º 99/2003) e da Lei da Regulamentação do Código do Trabalho (Lei n.º 35/2004), por procederem aqui as mesmas razões justificativas que conduziram o legislador à regulamentação dos casos previstos no já referido artigo 5º da Lei n.º 99/2003.
  5. Finalmente, e no que concerne à terceira questão colocada, naturalmente que um concurso público de aquisição de serviços externos de segurança, higiene e saúde no trabalho aberto e elaborado com referência a normas legais à data já revogadas, deverá ser anulado e aberto de novo, agora à luz da nova legislação em vigor, aplicável à Administração Pública, ou seja, tendo em atenção o exposto nos pontos 2 e 3 deste parecer. O novo concurso deverá, pois, ter por referência o disposto no Capítulo IV, artigos 272º e seguintes, do Código de Trabalho; o Capítulo XXII, artigos 211º e seguintes, da Lei n.º 35/2004; a parte remanescente, eventualmente aplicável, do Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro; e, finalmente, o Decreto-Lei n.º 488/99, de 17 de Novembro.

Julga-se curial referir, ainda, que constituindo o Decreto-Lei n.º 488/99, lei especial especificamente dirigida à Administração Pública, os preceitos e comandos legais nele contidos são prevalecentes, razão pela qual continua a ser possível aos serviços e organismos da Administração Pública recorrer, sem necessidade de autorização, à contratação de serviços externos para a organização e funcionamento dos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho, desde que o número de trabalhadores, no mesmo estabelecimento ou em estabelecimentos situados na mesma localidade ou localidades contíguas, não seja superior a 800 (cfr., artigo 11º e seguintes, do já referido Decreto-Lei n.º 488/99, de 17 de Novembro).