Home>Legal Opinions up to 2017>Novo regime jurídico dos contratos de trabalho na administração pública
Home Legal Opinions up to 2017 Novo regime jurídico dos contratos de trabalho na administração pública
Novo regime jurídico dos contratos de trabalho na administração pública

Data: 2005-11-15

Número: 198/2005

Responsáveis: Ricardo da Veiga Ferrão

Acompanhavam o ofício, como anexos, um estudo elaborado na autarquia, destinado a suportar a criação desse quadro, e um projecto de regulamento interno do contrato individual de trabalho.

I

Como se disse, as questões concretas formuladas pela Câmara Municipal de ………… têm a sua origem na intenção da criação, nesta autarquia, de um quadro de pessoal em regime de contrato de trabalho por tempo indeterminado, conforme é agora possibilitado pela Lei nº 23/2004 (nº 1 do artigo 7º), cujo regime (nº 5 do artigo 1) é também aplicável à administração regional autónoma e à administração local, podendo ser-lhe introduzidas adaptações em diploma próprio.

Por expressa afirmação do texto legal, o novo regime laboral aparece assim como aplicável, de forma directa e imediata, à administração local, sem necessidade de intermediação de novo e especial diploma adaptativo, sendo mesmo que a lei nem sequer prevê a sua adaptação como condição de aplicação, mas apenas como mera faculdade.

E se à primeira leitura nenhum obstáculo parece levantar-se a tal, uma análise mais detida, designadamente no confronto da lei com uma concreta situação prática, suscita algumas reticências e faz as coisas transmudarem-se, aparecendo mais nebulosas e indefinidas.

Na verdade, colocados perante problemas concretos de aplicação da lei à realidade autárquica, levantam-se dúvidas densas que a lei não resolve, não afasta, antes suscita com clara intensidade, mas deixa sem resposta.

Além do mais, sempre que se levantem questões de interpretação e aplicação deste texto legislativo, tão pouco é possível o socorro e o arrimo a uma praxis anterior ou a doutrina consolidada, já que o regime do contrato de trabalho por tempo indeterminado na administração pública começa a dar agora os seus primeiros titubeantes passos.

Estas as causas de uma dificuldade acrescida na satisfação das questões colocadas pela Câmara Municipal de …………, à luz daquele dispositivo legal, tanto mais que uma concreta resposta a algumas delas não se haveria de confinaria a uma tarefa meramente interpretativa ou até integratória, mas teria que assumir claramente opções de política legislativa.

II

Antes porém de se avançar para qualquer análise de questões práticas que se levantem a quando de uma concreta aplicação deste novo regime juslaboral à administração autárquica cumpre desde já referir que previamente à chegada a esse ponto há já alguns aspectos deste novo regime que, em face do conteúdo de alguns artigos da lei, não podem deixar de implicar uma intervenção legislativa no sentido da sua adaptação à realidade da administração autárquica, ou adequando o seu conteúdo e redacção a este sector da administração ou afastando definitivamente a sua aplicação.

É que alguns dos artigos da lei estão pensados, redigidos e apresentando soluções, tendo como modelo a administração directa e indirecta do Estado, sendo que algumas destas normas regulam delicadas e importantes matérias de direito do trabalho. Ora as soluções nela adoptadas são inaplicáveis à administração local, em relação à qual se não verificam poderes de tutela ou superintendência, e muito menos de direcção, por parte do Governo.

É o que se verifica na previsão das seguintes normas da Lei nº 23/2004:

i. artigo 7º

1 nº 3 — pois aí se prevê uma comunicação, ao Ministro das Finanças e ao membro do governo que tiver a cargo a administração pública, da celebração de contratos de trabalho por tempo indeterminado por pessoas colectivas públicas – comunicação e entidade que não fazem sentido na administração local, por via da natureza desta;

2 nº 5 — norma na qual se exige a autorização pelo Ministro as Finanças para a celebração de contratos de trabalho que envolvam remunerações globais superiores às que resultem da aplicação de regulamentos internos ou de instrumentos de regulamentação colectiva – ora o Ministro das Finanças não detém este poder autorizador quanto à administração local, tendo em conta o principio constitucional da autonomia das autarquias locais (artº 6º da CRP); e por arrasto também o

3 nº 6 — pois, ao nele se estabelecer que a remuneração global inclui quaisquer suplementos remuneratórios, como sejam indemnizações ou valores pecuniários incertos, há que esclarecer se na administração local será ou não possível, sem mais, a adopção deste regimes;

ii. artigo 11º

nº 3 — norma onde se exige a homologação dos ministro das Finanças e da tutela, sob pena de ineficácia, dos regulamentos internos das pessoas colectivas públicas que disponham em matéria salarial e de carreiras – sendo certo que esta homologação pressupõe poderes de direcção ou de tutela, os quais se não verificam, de todo, em relação à administração local;

iii. artigo 15º

nº 2 — no qual se define a entidade que declara a redução grave e anormal da actividade, para efeito do processo de redução dos períodos normais de actividade ou suspensão dos contratos de trabalho pelas pessoas colectivas públicas – sendo que para a administração local não se encontra estabelecido qual o órgão autárquico, nos municípios e freguesias, que deterá este poder.

iv. artigos 19º a 21º

onde é estabelecida a disciplina das relações colectivas de trabalho no âmbito da administração estadual – sendo como é matéria fulcral em termos de relações laborais, nada é dito, porém, quanto à administração local, sendo que para esta não podem valer as soluções adoptadas para a administração central.

Estas são, pois, normas sobre matérias que assumem uma posição central no que se refere às relações jurídico-laborais de cariz privado, constituindo um pressuposto necessário para o funcionamento coerente de todo o sistema – o que torna indispensável que, quanto à administração local, se proceda previamente à sua adaptação, de modo a que, então, possam ser aí devidamente aplicadas.

Resulta de Lei nº 23/2004 que esta visa o estabelecimento de um quadro “homogéneo” de regimes laborais nas administrações estaduais e na administração autárquica. Importa pois, atendendo às especificidades de cada “administração”, designadamente da administração autárquica, que se estabeleçam as necessárias regras (especiais) que permitam a aplicação integral deste novo regime juslaboral.

Isto é especialmente relevante quando possam estar em causa, designadamente, a homogeneidade da disciplina das carreiras, a sua estruturação, o seu estatuto remuneratório ou o exercício de cargos dirigentes.

Para além destas, e porque assume um papel central nas relações de trabalho, a matéria atinente à contratação colectiva – desconhecida no regime laboral de direito público – carece necessariamente de regulamentação especifica que permita a sua aplicação no âmbito da administração local, já que a sua regulamentação na Lei nº 23/2004 foi feita tendo como padrão a administração directa do Estado.

Assim, e desde logo quanto estas situações previstas e reguladas na Lei nº 23/2004 – questões centrais na aplicação do regime do contrato de trabalho por tempo indeterminado à administração autárquica – a prudência jurídica aconselha que, antes de se iniciar qualquer incursão aplicativa deste novo regime, se obtenha previamente sua adaptação legislativa à administração local, de modo a que, posteriormente, não seja necessário recorrer a “remédios”, quando se está em tempo de recorrer á profilaxia.

III

Ainda assim, nem tudo o que parece expressamente excluído da possibilidade da sua aplicação na administração local tem que ser assim considerado.

Desde logo, nada obsta à imediata aplicação à administração local das normas relativas aos contratos a termo resolutivo – artigos 9º e segs. da Lei nº 23/2004 – pois tal regime ou, mais precisamente, o regime dos contratos a termo resolutivo certo já vinha sendo anteriormente regulado para o âmbito da administração local, não tendo a nova lei introduzido significativas alterações nessa matéria.
Note-se porém que se abrem agora as portas à celebração de contratos a termo resolutivo incerto. Sendo ainda contratos a termo resolutivo, não há, por isso razão que sustente a sua exclusão da solução atrás apontada para os contratos a termo resolutivo certo; daí também a possibilidade da sua “utilização” imediata e incondicional ao nível da administração local.

Por outro lado, a previsão do nº 2 do artigo 7º da Lei nº 23/2004, em nada prejudica a possibilidade da imediata aplicabilidade, em abstracto, do regime de contratos de trabalho à administração local – já que a comunicação prevista neste artigo não pode querer significar mais do que um controlo financeiro e estatístico dos níveis de contratação de trabalho nas administrações estaduais.

IV

Ficcionando agora um exercício de aplicação prática deste novo regime à administração local nos exactos termos em que se encontra formalmente conformado na Lei nº 23/2004, ir-se-á seguidamente procurar responder, ao menos na medida do possível – ou seja, na medida em que a lei nos permita respostas inequívocas e fundadas – às questões colocadas pela Câmara Municipal de ………… .

1. Coexistência de dois quadros de pessoal: possibilidade de, em face do nº 1 do artigo 7º da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, coexistirem dois quadros de pessoal, perfeitamente autónomos e não comunicantes, a par da opção pela satisfação das necessidades de pessoal para o quadro, preferencialmente ou exclusivamente, através do quadro de direito privado.

i. No quadro inovador da permissão de contratos de trabalho por tempo indeterminado na administração pública, a coexistência de dois quadros de pessoal é, no actual estádio legislativo, o pressuposto em que assentam as novas regras legais.

Constituindo-se como “regra” a (quase exclusiva(1)) existência de quadros de pessoal em regime de direito público no âmbito das administrações estaduais e autónomas, a existência de quadros de direito privado é a conditio sine qua non colocada pela lei (nº 1 do artigo 7º da Lei nº 23/2004) para que se verifique a possibilidade de celebração de contratos de trabalho por tempo indeterminado.
O que é por dizer, a contrario, que de modo nenhum são admitidos contratos de trabalho por tempo indeterminado celebrados de forma “avulsa”, ou seja, sem que haja prévia previsão em específico quadro de pessoal, que não o do pessoal em regime de direito público.

ii. À face do regime jurídico-laboral aplicável ao respectivo pessoal (ou trabalhadores) e porque a lei não estabelece qualquer espécie de “livre intercomunicabilidade” inter quadros(2) (“público” e “privado”), estes assumem, nesta exacta medida, uma natureza autónoma e não reciprocamente comunicante.

Contudo, só num certo sentido existe verdadeira autonomia de ambos os quadros.
Se é certo que um quadro “de direito público” pode existir “sozinho” e se é certo também que pode existir juntamente com um quadro “de direito privado”, já não resulta tão certo assim da lei que possam existir, ao nível da administração local, única e simplesmente, quadros “de direito privado” desacompanhados de quadros “de direito público”.

Não é que, doutrinariamente e em abstracto, se verifique qualquer razão impeditiva.
Acontece porém que decorre dos pressupostos da própria Lei nº 23/2004, e de forma mais geral, da nossa ordem jurídica administrativa, que os quadros “de direito público” terão sempre que existir, coexistindo ou não com quadros de direito privado – pela simples razão de se encontrarem previstos na lei e nada ser dito em contrário quanto à continuidade da sua existência: Isto para além de situações em que os poderes conferidos a certos e determinados funcionários “exijam” ou aconselhem a sua vinculação pública(3).

Não obstante, é de notar que, ainda à luz deste entendimento (e na ausência de uma clarificação legal), a exigência legal de coexistência dos dois quadros, bastar-se-á, porém, com a simples “existência” do quadro “de direito público”, não implicando necessariamente o provimento de qualquer dos seus lugares.
Assim, e desde que coexistam os dois quadros de pessoal, sempre será possível a uma autarquia local fazer funcionar a sua estrutura exclusivamente com recurso a trabalhadores em regime de direito privado.
Mas, perguntar-se-á: será este o resultado ou o efeito pretendido, ou sequer admitido, pela lei?

Há que sublinhar que a extensão do regime de cedência especial ás situações em que um funcionário ou agente de um quadro de pessoal de uma pessoa colectiva pública passa a exercer funções nessa mesma pessoa colectiva em regime de contrato de trabalho (nº 2 do artigo 24º da Lei nº 23/2004) não representa uma situação de comunicabilidade inter-quadros.

iii. Ainda no âmbito dos quadros de pessoal em regime de direito privado, pode levantar-se também a questão de saber se é ou não possível que neles sejam previstos lugares de cargos dirigentes.

A existência de funções dirigentes exercidas em regime de direito privado é uma concreta possibilidade, face ao disposto no artigo 6º da Lei nº 23/2004. Mas também aqui se levantam problemas e dúvidas que serão abordados mais adiante. Porém sempre se dirá que a consagração de funções dirigentes (que cargos ou que funções dirigentes?) em regime de direito privado pode, desde logo, suscitar questões quanto ao exercício directo de poderes de autoridade que definam situações jurídicas subjectivas de terceiros.

2. Limite de despesas com pessoal (vide artigo 5º do Projecto de Regulamento), atendendo ao disposto no Dec Lei nº 116/84, de 6 de Abril: saber se podemos, efectivamente, fazer uma interpretação actualista dos nºs 1 e 2 do artº. 10º e entender-se que as despesas com pessoal dos quadros englobam, quer as despesas relativas ao quadro em regime de direito público, quer as relativas ao contrato individual por tempo indeterminado , no cômputo do limite de 60% das receitas correntes do ano económico anterior.

i. A aplicabilidade do limite do nº 1 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 116/84, de 6 de Abril, às despesas com o conjunto do pessoal dos quadros das Câmaras Municipais – quer em regime de direito público e em regime de direito privado – é inquestionável e insusceptível de dúvidas.

Não obstante a redacção da lei – que fala de pessoal do quadro da nova estrutura –, é inequívoco que a sua ratio foi o estabelecimento de um limite de despesas com o pessoal do quadro; ou, dito de outro modo, visou-se, com aquela norma, impedir que alterações da estrutura orgânica camarária tivessem como reflexo ou efeito um alargamento do quadro de pessoal determinante de um aumento de despesas.

ii. O que a Lei nº 23/2004 veio trazer de novo foi a possibilidade da satisfação de necessidades certas e permanentes dos entes públicos a que ela se aplica, através do recurso ao regime laboral de direito privado e já não unicamente a um regime de direito público, como tem sido até ao presente.

Tal é por dizer que as necessidades certas e permanentes dos serviços camarários passam agora a poder ser satisfeitas, indistintamente (mas dentro dos limites e condicionantes estabelecidos na lei ou decorrentes do próprio ordenamento jurídico) por “vinculados á função pública” (à “administração local”) e por contratados em regime de direito privado, uns e outros enquadrados e contidos em específicos quadros de pessoal, em função do respectivo vínculo.

Ora, se o que está em causa são despesas, ou mais propriamente o seu limite, com pessoal dos quadros – ou seja o pessoal que satisfaz as necessidades certas e permanentes dos serviços e se encontra sob os poderes de direcção e disciplinar dos respectivos órgãos e dirigentes – é bom de ver que nestas se hão-de necessariamente adicionar as resultantes dos quadro em regime de direito público com as do quadro em regime de direito privado. O que em nada pode ser alterado pelo aspecto formal da respectiva classificação económico-orçamental.

Ora, assim sendo – repete-se – para o limite de despesas com pessoal do quadro, estabelecido no artigo 10º do Decreto-Lei nº 116/84, releva a totalidade da despesa que, em cada momento de aferição, se obtenha da soma da proveniente do pessoal do quadro em regime de direito administrativo com a provinda dos trabalhadores do quadro em regime de direito laboral.

É este, também, na matéria, o entendimento que na matéria, é pacificamente aceite pela DGAL e por todas as CCDR.

iii. Pode-se desde já fazer nota que a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2006(4) contém, no seu artigo 17º, uma norma que define um novo critério de limitação das despesas com o pessoal dos quadros, com o seguinte teor:
As despesas com pessoal das autarquias locais, incluindo as relativas a contratos de avença, de tarefa e de aquisição de serviços a pessoas singulares, devem manter-se ao mesmo nível do verificado em 2005, excepto nas situações relacionadas com a transferência de competências da Administração Central e sem prejuízo do montante relativo ao aumento de vencimentos dos funcionários públicos, ao cumprimento de disposições legais e à execução de sentenças judiciais.

3. Conteúdo do Regulamento: se está conforme ao âmbito dos “regulamentos internos laborais” previstos na lei (cfr. Art. 11º da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, e art. 153º do Código do Trabalho).

i. Como se referiu anteriormente, esta é uma das matérias na qual o texto da lei levanta maiores dificuldades. E levanta-as por “insuficiência”.

Na realidade, no âmbito das administrações estaduais, a lei permite a existência de regulamentos internos (“de empresa”) nos termos previstos no Código do Trabalho (nº 1 do art. 11º da Lei nº 23/2004), dispensando, porém, o seu registo e depósito na Inspecção Geral do Trabalho (nº 5), mas impondo a sua publicação no Diário da República e afixação no local de trabalho (nº 4).

Porém, no que toca à sua aprovação, a lei estabelece específicos formalismos consoante se esteja no âmbito da administração directa do estado ou se trate de regulamentos aprovados por pessoas colectivas públicas.

Assim, nos organismos da administração estadual directa estes regulamentos são aprovados pelo ministro da tutela, podendo o poder de aprovação ser delegado nos dirigentes máximos dos serviços (nº 2).
Nas pessoas colectivas públicas os regulamentos que disponham sobre matéria salarial e de carreiras carecem de homologação dos ministros das Finanças e da respectiva tutela, sob pena de ineficácia (nº3).

 

Contudo, nenhuma referência é feita relativamente à forma da sua aprovação nas autarquias locais.

ii. Apresentam-se assim diversas situações no que toca ao âmbito e forma de aprovação destes regulamentos.

a. Na administração directa, os regulamentos são aprovados pelo ministro da tutela ou pelo dirigente máximo dos serviços, sob delegação.

Mas do confronto das regras contidas na norma do nº 2 com a do nº 3, resulta que, no âmbito da administração directa, não foi prevista a possibilidade de haver regulamentos sobre matérias salarial e de carreiras – pois se assim fosse, decerto que seria exigida a intervenção do ministro das finanças, como acontece no âmbito da administração indirecta (pessoas colectivas públicas).

O que é por dizer que, a menos que a lei venha a dispor em sentido contrário, no âmbito da administração directa valem universalmente os sistemas de carreiras e remuneratório em vigor para os “funcionários públicos”.

b. Nas pessoas colectivas públicas já o regime é diverso. Aqui, estes regulamentos – aprovados pelos respectivos órgãos – terão que ser homologados pelos Ministros das Finanças de da tutela, para que sejam eficazes.

Tal significa que, no âmbito das pessoas colectivas públicas (administração indirecta estadual), ou melhor, no âmbito de uma concreta pessoa colectiva pública, pode haver estipulação regulamentar privativa quer no que toca ao estatuto remuneratório dos seus trabalhadores quer ao esquema das suas carreiras. E falando-se em carreiras falar-se-á, implicitamente e necessariamente, em promoções (e suas regras).
Até aqui tudo parece claro.

c. Porém nada é dito quanto às autarquias locais.

Ora estas são também, inegavelmente, pessoas colectivas públicas. Poder-se-ia assim dizer que elas estão também sujeitas, nesta matéria, às normas comuns aplicáveis a todas as pessoas colectivas públicas.

Porém, ainda que sejam pessoas colectivas públicas, as autarquias locais integram um distinto sector da administração – a administração autónoma – no qual não se verifica o exercício de poderes de tutela ministerial, à luz dos quais é sustentada a intervenção homologatória dos ministros, das Finanças e das tutelas.

Por outro lado, esta expressão – pessoas colectivas públicas – é utilizada para designar as entidades do sector da administração estadual que dispõem de personalidade jurídica própria: ou seja, os entes enquadrados na designada administração estadual indirecta.

iii. Assim sendo, em que sentido interpretar a lei?

No de que às autarquias locais não cabe qualquer poder de intervenção regulamentar em matérias que sejam definidas pela lei, de forma geral, para o universo da função pública, designadamente no que toca a matéria salarial e carreiras?

Ou antes, concedendo-lhes uma total liberdade conformativa no campo regulamentar, designadamente em matéria salarial e de carreiras ainda que com o previsível, ou mais que certo, perigo da total desagregação dos sistema de carreiras na administração pública e da completa subversão do regime vigente em matéria salarial?

A favor da absoluta e irrestrita liberdade regulamentar nesta matéria, designadamente nos campos da matéria salarial e das carreiras, sempre se poderá dizer que afinal existe um limite a este poder: o do artigo 10º do Decreto-Lei nº 116/84(5).

iv. E é verdade; existe este limite. Mas este é um limite “exterior” ao sistema remuneratório ou de carreiras, é um critério que apenas “baliza” os dispêndios com pessoal dos quadros, mas já não a forma como cada um é remunerado e como progride na sua carreira.

Esta liberdade de conteúdos em matéria regulamentar poderá pois funcionar em sentidos “antagónicos”, mas sempre no respeito daquele limite – ora permitindo um aumento das remunerações e uma alteração ou abolição do sistema de carreiras, ora uma compressão dos níveis salariais isolada ou conjuntamente com alterações das carreiras.
Em todo o caso, sempre com um total espaço de liberdade de criação de tantos sistemas remuneratórios e regimes de carreiras quantos os entes autárquicos.

v. Terão sido estes os efeitos queridos, ou sequer admitidos como possíveis, pelo legislador?

Não parece que assim deva ser, desde logo por prudência jurídica e interpretativa, pois de outro modo, abre-se caminho à proliferação de diferentes regimes remuneratórios e de carreiras, tendencialmente tantos quantas são as autarquias locais (municípios e freguesias).

Assim, os regulamentos internos que venham a ser aprovados pelas autarquias locais devem, na ausência de regulamentação especial que fixe diverso regime, conter-se dentro daquilo que se encontra legislado para a designada função pública, naturalmente considerando as adaptações à administração local, sendo que se deve ter como excluído desse espaço de liberdade conformativa matérias atinentes a questões salariais e de carreiras – entendimento que não deixa de sustentar-se, desde logo, na norma constitucional do nº 2 do artigo 243º da CRP, bem como no disposto no nº 1 do artigo 5º do Decreto Lei nº 116/84, ainda que agora lidas à luz do novo regime juslaboral de prestação de trabalho na administração pública através de contrato de trabalho por tempo indeterminado, permitido pela Lei nº 23/2004.

vi. Como atrás se referiu, a Lei nº 23/2004 é omissa quanto ao processo e competência para aprovação dos regulamentos internos, ao nível da administração local.

Não obstante, sempre será possível afirmar, à luz dos normativos que regulam a actividade das autarquias e da forma como neles são repartidas as competência quanto ao exercício do poder regulamentar e de gestão e direcção dos recursos humanos, que devem caber à câmara e à assembleia a elaboração e aprovação daqueles que, regulando o exercício de funções em regime de contrato de trabalho, disponham sobre questões que directa ou indirectamente contendam com matéria orçamental e financeira (conforme se pode extrair das alínea a) e b), n) e o) do nº 2 do artigo 53º, da alínea c) do nº 2 do artigo 64º da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro) – como sejam, por exemplo, os regulamentos que dentro de futuro quadro legal permissivo, venham a criar ou a estruturar carreiras ou que definam os seus critérios remuneratórios.

Já no que toca aos regulamentos cuja matéria se contenha dentro dos poderes de gestão e direcção dos recursos humanos conferidos pela alínea a) do nº 2 do artigo 68º da Lei nº 169/99, a sua aprovação caberá ao presidente da câmara, por seu despacho.

4. “Enquadramento profissional”, estruturação adoptada (artºs 3º a 6º do projecto de regulamento e ANEXO I e II) e equiparações que devem ou não fazer-se com o regime da Função Pública, inclusive na estrutura salarial e na “Evolução Profissional”, pois entendemos que, em alternativa, poderia adoptar-se uma abordagem por níveis de qualificação, do género da prevista no Dec-Lei nº 121/78, de 2 de Junho, entretanto revogado pelo Dec-Lei 87/89, de 23 de Março.

i. A resposta a esta questão decorre já do que ficou dito quanto á questão anterior.

Na verdade, nota-se aqui uma intenção de inovação e diferenciação no que toca à estruturação de carreiras e conteúdos funcionais, feitas à luz de normas que vigoraram no direito laboral, e que não são necessária ou minimamente concordantes com o regime vigente para a administração pública local.

ii. Assim a esta questão, a resposta não pode ser outra do que a dada á questão anterior no ponto 3. v. supra.

iii. Por outro lado há que ter em atenção a mudança na forma como o actual Código do Trabalho regula o objecto do contrato de trabalho (artigo 111º do CT), relativamente ao regime resultante da revogada LCT.

Antes de mais a redacção do nº 1 do referido artigo confirma que a prestação a que o trabalhador se obriga é determinada pelas partes, conferindo à autonomia privada um papel reforçado na determinação do conteúdo contratual(6).

Na legislação anterior, a delimitação das funções que o trabalhador deveria executar era feita por reporte à ideia de categoria em conformidade com o artigo 22º da LCT. … O nº 1 do preceito em análise [artº 111º] adopta como referencial da delimitação da prestação devida pelo trabalhador “a actividade para que o trabalhador foi contratado”. É evidente a intenção de não proceder à determinação do objecto da prestação de trabalho através da noção de categoria … . A delimitação do objecto do contrato de trabalho através do conceito de actividade contratada pretendeu afastar a tradicional sobreposição da determinação do objecto do contrato com a definição de funções feita em convenção colectiva de trabalho ou por referência a regulamentos internos da empresa …(7).

Porém o nº 2 do mesmo preceito deve ser visto como o reconhecimento do legislador daquilo que é a pratica contratual: a definição da actividade contratual pode [também] ser feita por remissão(8), ao afirmar que “a definição a que se refere o número anterior [nº 1] pode ser feita por remissão para a categoria constante do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável ou de regulamento interno de empresa”.

ra como fazer aplicação deste quadro normativo às autarquias locais, sendo que não existem, nem se encontra adaptado à administração local a celebração de convenções colectivas de trabalho (artº 19º da Lei nº 23/2004) nem o quadro legal de aprovação e conteúdo dos regulamentos internos (de empresa)?

A solução mais óbvia, na ausência desta regulamentação laboral, não poderá deixar de ser tomarem-se como referência as normas em vigor sobre a designada “função pública” que sejam aplicáveis no âmbito da administração local.

5. Admissibilidade das carreiras de pessoal dirigente e de chefia previstas, face ao regime da comissão de serviço e às categorias a que se refere o Código do Trabalho (cfr. artºs 244º a 248º) e ainda: estrutura orgânica existente; competências e estatuto do pessoal dirigente em função da legislação da legislação específica e do exercício concreto de funções de direcção, coordenação, chefia, etc., em relação a todo o pessoal, incluindo outros dirigentes; estatuto remuneratório.

i. A questão do exercício de cargos dirigentes em regime de contrato de trabalho é uma das que levanta também um conjunto de problemas na legislação em vigor.

ii. Em primeiro lugar, nada é dito na Lei nº 23/2004 quanto à possibilidade de uma existência generalizada de cargos dirigentes em regime de contrato de trabalho, quer no âmbito das administrações estaduais quer, designadamente, ao nível da administração local.

É certo que a lei reconhece a existência de cargos dirigentes exercidos em regime de direito privado ao falar em pessoas colectivas públicas cujas estruturas tenham funções dirigentes em regime de contrato de trabalho.
O que parece significar que será possível estabelecer, nas estruturas orgânicas das pessoas colectivas – e já não nas dos organismos da administração directa do Estado – lugares com funções dirigentes, para os quais apenas podem ser contratadas pessoas em regime de comissão de serviço, nos termos do Código de Trabalho (nº 1 do artº 6).

Porém de novo a vexatio questio: qual o âmbito do conceito “pessoas colectivas” utilizado pela lei? Abrangerá também as pessoas colectivas de população e território, como tradicionalmente a doutrina(9) define as autarquias locais?

iii. Colocando de lado estas dúvidas, cabe ainda saber se, em regime de direito privado, podem ser criados e “densificados” (aqui se incluindo naturalmente os seus estatutos funcional e remuneratório) diferentes cargos dirigentes dos actualmente estabelecidos no Estatuto do Pessoal Dirigente (Lei nº 2/2004, de 15 de Janeiro) e no Decreto-Lei nº 93/2004, de 20 de Abril, que adaptou aquele estatuto à administração local.

E saber, também, criados que sejam estes lugares dirigentes em regime de direito privado, como se devem eles articular com os demais, em regime de direito público, designadamente no que toca ao estabelecimento de cadeias dirigentes e exercício do poder hierárquico e disciplinar.

Em todos estes aspectos há um total silêncio legal, designadamente na Lei nº 23/2004.

iv. A Lei 2/2004, de 15 de Janeiro, que estabelece o Estatuto do Pessoal Dirigente, é aplicável à administração local, ainda que com as necessárias adaptações (nº 4 do artigo 1º).

A necessária adaptação foi efectuada pelo Decreto-Lei nº 93/2004, de 20 de Abril.
Ora, este decreto-lei veio concretizar para a administração local a tipificação exaustiva dos cargos dirigentes consagrada naquela lei, à luz da qual não são admitidos outros cargos dirigentes para além dos que ela consagra. Pelo menos, em regime de direito público.

Por seu lado o Decreto-Lei nº 93/2004, de 20 de Abril, veio afirmar (no nº 1 do artigo 2º), de forma peremptória, que os cargos dirigentes das câmaras municipais são os seguintes:
a) Director municipal, que corresponde a cargo de direcção superior do 1º grau;
b) Director de departamento municipal, que corresponde a cargo de direcção intermédia do 1º grau;
c) Chefe de divisão municipal, que corresponde a cargo de direcção intermédia do 2º grau;
d) Director de projecto municipal, que corresponde a cargo de direcção intermédia do 1º ou do 2º grau, por deliberação da câmara municipal, sob proposta do respectivo presidente, e que será exercido em comissão de serviço pelo tempo de duração do projecto. (sublinhado nosso)

Uma tipificação exaustiva foi também estabelecida para os cargos dirigentes dos serviços municipalizados (nº 2 do mesmo artigo 2º).

A forma de recrutamento e preenchimento destes cargos é também regulada de forma estrita, quer pela Lei nº 2/2004, no âmbito da administração directa do Estado (artigos 18º a 21º), quer pelo Decreto-Lei nº 93/2004 quanto ás autarquias locais, aqui por expressa remissão para as normas daquela (artigos 8º e 9º).

Em ambos os casos parece estar arredada a possibilidade do exercício destes cargos em regime de contrato de trabalho, pois que tais cargos são exercidos em comissão de serviço na sequência de despacho de nomeação e provimento no cargo (em regime de direito administrativo) (artigos 19º e 19º-A para os cargos de direcção superior, e artigo 21º para os cargos de direcção intermédia, todos da Lei nº 2/2004).

v. Certo é porém que a Lei nº 23/2004, não obstante nada dizer, directa e expressamente, sobre a criação e existência de lugares dirigentes exercíveis em regime laboral de direito privado, certo é que o faz indirectamente, ao determinar que as pessoas colectivas públicas cujas estruturas tenham funções dirigentes em regime de contrato de trabalho, apenas podem contratar pessoal para as referidas funções em regime de comissão de serviço prevista no Código do Trabalho (nº 1 do artigo 6º).

Dando como assente a possibilidade legal de existência de funções e, por isso, de cargos dirigentes em regime de direito privado, certo é que estes lugares não devem constar do “quadro de pessoal”, já que deste apenas devem constar as funções cujo exercício seja assegurado em regime de contrato de trabalho por tempo indeterminado (nº 1 do artigo 7º da Lei nº 23/2004) – o que não é, de todo, o caso do exercício de funções em regime de comissão de serviço a qual se funda num “acordo para o exercício de cargo em regime de comissão de serviço” (artigo 245º do Código do Trabalho).

Portanto, a exigência que a lei faz quanto à existência destas funções dirigentes é que estas se encontrem previstas nas “estruturas” dos serviços (nº 1 do artigo 6º da Lei nº 23/2004), ou seja, pelo que se pode depreender da exiguidade da previsão legal, da “estrutura orgânica” dos mesmos.

A ser assim, e no actual estádio de desenvolvimento legislativo, pode-se dizer que, ao nível das autarquias locais, a existência de funções dirigentes em regime de comissão de serviço depende da sua previsão na estrutura orgânica dos serviços.

Porém nada mais existe na lei senão esta previsão – o que parece demasiado insuficiente para densificar estas funções, designadamente no que toca ao quadro legal de previsão e de conformação destes cargos, o elenco de poderes públicos que lhes vão estar associados ou a forma do seu exercício e compatibilização com os demais cargos dirigentes em regime de direito público, quadro geral do regime de selecção e recrutamento, regime remuneratório e situação contratual e pós-contratual – matérias essenciais na conformação destas funções e que carecem do indispensável quadro legal adaptativo à realidade da administração local.

vi. Verdadeiramente, não parece assim que a Lei 23/2004 forneça o mínimo de suporte e previsão legal para que seja possível, de imediato, a contratação e o subsequente exercício prático de funções dirigentes em regime de direito privado, sem que antes se proceda à sua adaptação, por via legislativa, à administração local.

6. Exclusão de algumas categorias, designadamente Agentes da Polícia Municipal e carreiras que na Função Pública estão consideradas pela lei a extinguir quando vagarem.

i. São aqui colocadas duas questões diversas.

A primeira delas tem a ver com a não criação de lugares nos quadros de pessoal em regime de direito privado para funções de Polícia Municipal. Sem outros comentários, crê-se ser essa a solução correcta, pelo menos enquanto não for clarificada a natureza e dimensão dos poderes exercidos por estas polícias.

ii. No que toca à outra questão – a não previsão de lugares de carreiras cuja extinção, á medida que vagarem, está definida na lei – há que ter em conta o seguinte.

Pelo que atrás já ficou dito quanto à problemática da criação, nos quadros de pessoal, de carreiras – ou mais propriamente lugares –¬ em regime de direito privado, será prudente que não sejam criadas, na administração local, carreiras que se consideram “em vias de extinção” no regime geral da função pública.

7. Regras de progressão e promoção e estatuto remuneratório (artºs 10º a 14º do Regulamento e ANEXO I).

i. Pelas razões já atrás apontadas, não se crê que, no actual quadro jurídico, seja possível, desde já, criar, nas autarquias locais, novas ou diferentes carreiras, regras de progressão e estatutos remuneratórios, daqueles que se encontram estabelecidos na lei geral da função pública.

ii. Por outro lado, a aplicação às autarquias locais do regime das convenções colectivas de trabalho, na medida em que a lei a venha a entender, é dificilmente compatível com o estabelecimento imediato de categorias e regimes remuneratórios privativos de uma (de cada) câmara municipal.

iii. Quando muito, os regulamentos sobre estas matérias apenas poderão dispor sobre a concretização da aplicação da lei sobre carreiras e remunerações às situações de contrato de trabalho em regime de direito privado nas autarquias locais, sem que isso possa significar a alteração ou a subversão do regime que se encontra estabelecido.

8. Possibilidade e/ou necessidade de outros regulamentos: designadamente, sobre avaliação do desempenho, a que se faz referência nos artºs 11º e 12º do projecto de Regulamento.

i. Em matéria de avaliação do desempenho, deve ser tido em conta que o SIADAP, aprovado pela Lei nº 10/2004, de 22 de Março, é também aplicável às autarquias locais, se bem que sob adaptação legislativa daquele regime, a qual ainda não foi efectuada.

Este sistema de avaliação é aplicável tanto a funcionários e agentes (laborando em regime de direito público), como aos demais trabalhadores (estes, naturalmente, em regime laboral de direito privado).

Dai que antes de ser efectuada a sua adaptação à administração local, o SIADAP não posa ser aí aplicável; porém publicado que seja o diploma legal contendo essa adaptação, não parece que sobre ainda “espaço” para intervenções regulamentares sobre a matéria, estando-se, como se está, na área de regulamentos vinculados.

ii. Assim só perante o diploma de adaptação se poderá avaliar se, para as autarquias locais, sobra ainda liberdade conformatória, e em que medida, de estabelecer e composição dos seus próprios e específicos regulamentos sobre esta matéria.

V

Concluindo:

  1. O regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública, previsto e estabelecido pela Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, apresenta algumas dificuldades quanto à sua aplicação prática.
  2. Estas dificuldades agravam-se quando está em causa essa aplicação às autarquias locais, designadamente no que toca a alguns pontos essenciais que, necessariamente, carecem de adaptação ou específica previsão, quando esteja em causa a realidade da administração local.
  3. Designadamente não se encontra definida a forma como se devem estruturar os quadros de pessoal: se apenas como “mapas de pessoal”, onde se fará apenas a listagem de lugares em número idêntico ao dos trabalhadores a contratar ou antes devem ser estruturados como “quadros de pessoal” em termos idênticos aos dos quadros da administração publica em regime de direito público.
  4. Por outro lado a lei é omissa no que toca à existência de careiras em regime de direito privado, e havendo-as, de como se processa a promoção dos trabalhadores.
  5. A admissibilidade de novas categorias ou carreiras para além daqueles que existem hoje no universo da administração pública é também uma possibilidade que decorre da existência de quadros em regime de direito privado. Mas será exactamente isto que a lei pretende?
  6. Porém, admitindo-se tal possibilidade, quais as habilitações académicas e profissionais mínimas para efeitos de contratação?
  7. Agregada a esta questão, levanta-se depois um outra, a do respectivo estatuto remuneratório e a da possibilidade de serem fixados vencimentos diferentes, a nível geral, para todas as carreiras em regime de direito privado, daquele que decorre do Sistema Retributivo da Função Pública.
  8. A lei também não tem resposta no que toca à previsão de funções dirigentes em regime de direito privado, designadamente funções que não tenham qualquer correspondência com os cargos dirigentes que se encontram estabelecidos na Lei nº 2/2004, para a qual remete o Decreto-Lei nº 43/2004, nem com o seu estatuto remuneratório.
  9. A lei também nada diz quanto à obrigatoriedade ou não obrigatoriedade da coexistência de dois quadros de pessoal, um em regime de direito público e outro em regime de direito privado ou da necessidade de preenchimento de apenas um ou de ambos os quadros, de modo a que, existindo ambos, apenas o de direito privado ser preenchido e assim, com pessoal em regime de contrato de trabalho, sejam asseguradas todas as necessidades de recursos humanos das autarquias.
  10. A lei também é omissa quanto à possibilidade de “migração” dos vinculados em regime de direito público para os quadros em regime de direito privado (se bem que a lei preveja já a possibilidade de extensão do regime da cedência especial aos casos em que um funcionário em regime de direito público passe a exercer funções na mesma pessoa colectiva em regime de direito privado).
  11. Todas estas questões levantam dificuldades intransponíveis à aplicação prática da lei, já que presentemente se não pode afirmar que o sistema se apresente lógico e coerente.
  12. Daí que, a prudência jurídica em ordem à boa aplicação das leis aconselhe a que, a serem criados quadros de pessoal em regime de direito privado nas autarquias, o seja em moldes idênticos ou paralelos aos em regime de direito publico, sujeitos às mesmas normas e regras em tudo aquilo que a lei sobre contratos de trabalho por tempo indeterminado não disponha ou permita diversamente.

 

  • (1)Diz-se “quase exclusiva” porque casos há, ao nível da administração indirecta do estado, por ex. os institutos públicos, em que já pode haver quadros em regime de direito privado. Assim o nº 1 do artigo 34º da Lei nº 3/2004, de 15 de Janeiro – Lei Quadro dos Institutos Públicos.
  • (2)O que resulta, desde logo, da extensão do âmbito do regime da cedência especial de funcionários (artigo 23º) ao caso de um funcionários de um serviço em regime de direito publico passar a exercer funções no mesmo serviço em regime de direito privado, conforme é admitido no artigo 24º do Lei nº 23/2004.
  • (3)É o que acontece na previsão do nº 4 do artigo 1º da Lei nº 23/2004, que impede o exercício de poderes directos de autoridade que definam situações jurídicas subjectivas de terceiros ou o exercício de poderes de soberania a trabalhadores em regime de contrato e trabalho por tempo indeterminado, no âmbito da administração central.
    Aliás é de questionar se esta não será também uma norma que deva carecer necessariamente de adaptação à administração local.
  • 4)Consultável em http://www3.parlamento.pt/PLC/Iniciativa.aspx?ID_Ini=21060.
  • (5)Ou outro que venha a ser estabelecido pela lei. Nesse sentido vd. supra, 2, iii.
  • (6)Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho Anotado, 3ª edição, anotação ao artigo 111º, III, pag 246.
  • (7)Pedro Romano Martinez, ob. cit., anotação ao artigo 111º, IV, pag 246.
  • (8)Pedro Romano Martinez, ob. cit., anotação ao artigo 111º, V, pag 246-247.
  • (9)Vd., por todos, Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 2ª ed., pag. 418.