Data: 2006-01-11
Número: 12/2006
Responsáveis: Maria Margarida Teixeira Bento
A Câmara Municipal vem solicitar parecer a esta CCDR no sentido de apurar se é correcto o entendimento que tem adoptado de que o uso comercial fixado no título constitutivo da propriedade horizontal confere legitimidade ao requerente para a instalação de um estabelecimento de restauração e bebidas, dúvida essa que surgiu na sequência de um pedido de revogação de uma licença de obras de adaptação de uma fracção autónoma para pastelaria, pão quente, pizzaria, cafetaria e snack-bar, formulado pela administração do condomínio com o argumento de que este tipo de estabelecimentos não se integram no conceito de comércio ou serviços a que a fracção se encontra destinada no título constitutivo da propriedade horizontal.
A questão fundamental é delimitada pelos reclamantes, nos seguintes termos:
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que o título constitutivo de propriedade horizontal tem de mencionar o fim a que se destina cada fracção, em correspondência com o que constar do projecto aprovado pela Câmara Municipal, sob pena de nulidade – Art.º 1418.º/3 do Código Civil;
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que a nenhum condómino é permitido dar à respectiva fracção uso diverso do fim a que ela se encontra destinada, naqueles termos – Art.º 1422.º/2c) do C Civil;
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que a alteração do título constitutivo de propriedade horizontal, nomeadamente por modificação do fim a que a fracção se encontra destinada, carece da aprovação unânime dos condóminos e depende, ainda, da outorga de correspondente escritura pública e consequente inscrição registral, sob pena de nenhum efeito produzir perante terceiros – Art.º 1419.º/1 do CC e Artºs 2.º/1b) e 5.º/1 do Código do Registo Predial;
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e que as alterações da utilização de edifícios ou suas fracções estão sujeitas a autorização ou licença camarária, no âmbito de cujos procedimentos compete às câmaras municipais demandar dos requerentes documentação comprovativa da titularidade de qualquer direito que confira a faculdade de realização da operação, a fim de que possa ser avaliada a sua legitimidade – Art.ªs 9.º/1 e 4 e 11.º/ 1 e 6 do DL 555/99, de 4 de Junho e art.º 15.º/1ª) da portaria 1110/2001, de 19 de Setembro.
Damos já por assente que é pressuposto procedimental(1) da prática dos actos administrativos identificados na alínea d) supra, a comprovação da titularidade, pelo requerente, de um direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística pretendida, legitimidade essa aferida, tendo em conta, nomeadamente, as normas identificadas nas três outras alíneas.
Portanto, a questão que aqui temos que apreciar é a de saber se a categoria genérica de uso comercial, definida no título constitutivo da propriedade horizontal, inclui, no seu seio, um estabelecimento de restauração e de bebidas, distinguindo o plano da legitimidade do requerente, que será analisada em função da relação jurídico-privada que lhe está subjacente, da relação jurídico-administrativa inerente à operação urbanística de utilização, sendo que a primeira é apenas um mero pressuposto procedimental da segunda .
È que, aferida a legitimidade do requerente, todo o procedimento subsequente que culminará com a emissão de uma licença ou autorização se regerá, exclusivamente, por regras de direito público, pelo que a legalidade que se examina no momento da concessão da licença ou autorização é a estritamente urbanística, o que é patente quando se analisam os fundamentos do indeferimento dos pedidos de licença ou autorização (cf. artigos 24.º e 31.º do DL 555/99).
Ora, não se encontrando definido na lei o âmbito material das categorias de uso das edificações, entendemos que nos casos em que no título constitutivo da propriedade horizontal se optou por identificar o uso da fracção, não através pela concretização da actividade (como seria também admissível) mas por recurso a uma fórmula genérica reportada a categorias de uso (no caso concreto até mesmo duas categorias: “comércio ou serviços”), tem legitimidade para iniciar um procedimento de licenciamento de utilização para um estabelecimento de restauração e bebidas o requerente que tenha um direito sobre a fracção autónoma que lhe permita efectuar a instalação do estabelecimento, já que o uso proposto, ao conformar-se com o previsto no título constitutivo da propriedade horizontal, não exige qualquer intervenção dos outros condóminos.
Dizem porém os reclamantes que o caso dos estabelecimentos de restauração e bebidas não se podem considerar “comércio ou serviços” porquanto, a partir de 1997, com a publicação do DL 168/86 passaram a constituir uma tipologia própria e específica, a demandar também licenciamento próprio e específico, insusceptível de confusão alguma quer com actividades industriais, quer com as actividades comerciais, quer com as actividades de serviços.
Efectivamente os estabelecimentos de restauração e bebidas têm um regime específico de licenciamento administrativo, como o têm, aliás, inúmeras outras actividades económicas. Tais regimes ou regras específicas sobre utilização dos edifícios para uma determinada actividade são instituídos, apenas e só, como meio de tutela de interesses relacionados com a funcionalidade, segurança e salubridade desses estabelecimentos, (e não para salvaguardar quaisquer interesses jurídico-privados) pelo que não se pode extrapolar que daí resulte a criação de uma nova categoria de uso das edificações para além das tradicionalmente designadas: habitação, comércio, indústria e serviços.
Conclui-se assim que um estabelecimento de pastelaria, pão quente, pizzaria, cafetaria e snack-bar, não estando classificado como uma actividade industrial (cf. alínea a) do artigo 2.º do DL 69/2003 de 10 de Abril e artigo 1.º do Dec. Reg 8/2003, de 11 de Abril) só pode reconduzir-se à categoria de uso comercial, e, como tal, respeita o uso definido no título constitutivo da propriedade horizontal.
(1) Cuja inexistência impede uma decisão de fundo por parte da Administração (cf. artigo 68.º do Código do Procedimento Administrativo)
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