A Câmara Municipal d …, através do ofício n.º 2193, de 10-08-06 solicitou um parecer sobre a seguinte questão:
Na sequência de um pedido de licenciamento para obras de edificação em área inserida em zona de protecção de monumento nacional, a Câmara Municipal promoveu a consulta do IPPAR, entidade essa que após um primeiro parecer desfavorável, que determinou a reformulação do projecto, acabou por emitir “parecer favorável condicionado”.
Entretanto, deu entrada na Câmara Municipal uma exposição subscrita por um vizinho do requerente alertando para o facto do citado projecto prever a construção de dois pisos, o que irá provocar a tapagem do único ponto de luz e claridade de um compartimento de habitação do seu prédio.
Do ofício da Câmara retira-se ainda a informação de que esta abertura, geradora da alegada servidão de vistas, não foi licenciada, pelo que é clandestina.
Tendo em conta os pressupostos que resumidamente enunciámos, pergunta-se:
-
Será o parecer do IPPAR vinculativo nos termos da lei, devendo os serviços abster-se de apreciar as questões informadas por esta entidade?
-
Deverão os serviços analisar outras questões, para além das apreciadas pelo IPPAR?
-
Poderá a Câmara Municipal, apenas com fundamento naquilo que é alegado pelo eventual lesado (perda de servidão de vistas) indeferir o projecto em causa?
-
Caberá à Câmara Municipal reconhecer direitos dos particulares alegados pelos próprios?
Informamos:
Quanto às duas primeiras questões, que se reportam-se à natureza dos pareceres das entidades consultadas no âmbito dos procedimentos de licenciamento, importa chamar já à colação o n.º 11 do artigo 19.º do DL 555/99 que claramente dispõe que os pareceres das entidades exteriores ao município “só têm carácter vinculativo quando tal resulte da lei, desde que se fundamentem em condicionalismos legais ou regulamentares e sejam recebidos dentro do prazo fixado no n.º8, sem prejuízo do disposto em legislação específica”.
São pois três os requisitos (cumulativos) para que um parecer tenha natureza vinculativa:
-
Que a lei, expressamente, lhe atribua carácter vinculativo;
-
Que na fundamentação que o sustenta se invoquem condicionalismos legais ou regulamentares de ordem material, (não bastando a mera invocação das normas legais ou regulamentares que atribuem competência à entidade para se pronunciar);(1)
-
Sejam recebidos no prazo de 20 dias, se outro não estiver estabelecido em legislação específica.
Porém é importante salientar que os pareceres vinculativos que instruem os procedimentos urbanísticos são o que a doutrina designa por “pareceres conformes”(2) uma vez que só revestem carácter vinculativo quando o parecer é desfavorável. Nestes casos a Câmara Municipal está efectivamente obrigada a indeferir a pretensão, sob pena de nulidade por força da alínea c) do n.º1 do artigo 24.º, em conjugação com o artigo 68.º, ambos do RJUE.
Contrariamente, se o parecer for favorável, a Câmara Municipal não está vinculada a deferir o pedido de licenciamento, podendo indeferi-lo por motivos cuja apreciação lhe caiba efectuar, motivos esses que se encontram enunciados no artigo 24.º do mesmo diploma legal.
As duas últimas perguntas remetem-nos para uma outra problemática que é a de saber se a Câmara Municipal pode indeferir um pedido de licença com fundamento em normas de direito privado, designadamente as que impõem restrições às construções decorrentes de servidões reguladas no Código Civil.
De facto, a inclusão, como fundamento do indeferimento do pedido, da desconformidade com das normas legais e regulamentares aplicáveis (artigo 24.º, n.º1, alínea a) do RJUE) quer significar que a apreciação do pedido deve incidir sobre aquelas normas que, nos termos do artigo 3.º do RGEU, incumbe à administração assegurar, sendo entendimento corrente, na doutrina e na jurisprudência,(3) que a entidade administrativa competente não deve, nem pode, apreciar o projecto à luz de normas de direito privado relativas à realização de obras de construção (por exemplo as normas estabelecidas no artigo 1344.º e ss. E 1360º e ss do Código Civil).
A licença ou autorização urbanísticas são assim actos administrativos que definem (apenas) a situação jurídica do particular titular das mesmas, investindo-o no “poder” de realizar a obra quando a mesma respeite as normas de direito público a que deve obediência, não definindo a situação jurídica de terceiros na medida em que não modifica, direitos e obrigações que existam nas relações entre particulares, nomeadamente, entre o titular da licença e vizinhos. Pelo facto de uma das características das licenças é o de serem emitidas “sob reserva de direitos de terceiros”, é que o vizinho pode, em caso de violação pelo construtor de regras de direito privado, fazer valer perante um juiz civil os seus direitos emergentes de uma relação jurídico-privada, independentemente de não estar em causa a legalidade do licenciamento da obra.
Em conclusão:
A Câmara Municipal só pode indeferir o pedido com base no leque de fundamentos taxativamente enunciados no artigo 24.º do RJUE, entre eles se o pedido contrariar qualquer norma legal ou regulamentar de direito público aplicável aos projectos, e não se em causa estiver apenas uma invocada violação de “servidão de vistas”. Tal direito,a existir, terá que ser tutelado pelos tribunais por decorrer de uma relação exclusivamente do foro do Direito Privado.
(1) Maria José Castanheira Neves; Fernanda Paula Oliveira; Dulce Lopes, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação; pag. 175
(2) AA e obra cit., pag. 174
(3) AA e obra cit, pag 110 a 114 e 207 e 208
A Câmara Municipal d …, através do ofício n.º 2193, de 10-08-06 solicitou um parecer sobre a seguinte questão:
Na sequência de um pedido de licenciamento para obras de edificação em área inserida em zona de protecção de monumento nacional, a Câmara Municipal promoveu a consulta do IPPAR, entidade essa que após um primeiro parecer desfavorável, que determinou a reformulação do projecto, acabou por emitir “parecer favorável condicionado”.
Entretanto, deu entrada na Câmara Municipal uma exposição subscrita por um vizinho do requerente alertando para o facto do citado projecto prever a construção de dois pisos, o que irá provocar a tapagem do único ponto de luz e claridade de um compartimento de habitação do seu prédio.
Do ofício da Câmara retira-se ainda a informação de que esta abertura, geradora da alegada servidão de vistas, não foi licenciada, pelo que é clandestina.
Tendo em conta os pressupostos que resumidamente enunciámos, pergunta-se:
-
Será o parecer do IPPAR vinculativo nos termos da lei, devendo os serviços abster-se de apreciar as questões informadas por esta entidade?
-
Deverão os serviços analisar outras questões, para além das apreciadas pelo IPPAR?
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Poderá a Câmara Municipal, apenas com fundamento naquilo que é alegado pelo eventual lesado (perda de servidão de vistas) indeferir o projecto em causa?
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Caberá à Câmara Municipal reconhecer direitos dos particulares alegados pelos próprios?
Informamos:
Quanto às duas primeiras questões, que se reportam-se à natureza dos pareceres das entidades consultadas no âmbito dos procedimentos de licenciamento, importa chamar já à colação o n.º 11 do artigo 19.º do DL 555/99 que claramente dispõe que os pareceres das entidades exteriores ao município “só têm carácter vinculativo quando tal resulte da lei, desde que se fundamentem em condicionalismos legais ou regulamentares e sejam recebidos dentro do prazo fixado no n.º8, sem prejuízo do disposto em legislação específica”.
São pois três os requisitos (cumulativos) para que um parecer tenha natureza vinculativa:
-
Que a lei, expressamente, lhe atribua carácter vinculativo;
-
Que na fundamentação que o sustenta se invoquem condicionalismos legais ou regulamentares de ordem material, (não bastando a mera invocação das normas legais ou regulamentares que atribuem competência à entidade para se pronunciar);(1)
-
Sejam recebidos no prazo de 20 dias, se outro não estiver estabelecido em legislação específica.
Porém é importante salientar que os pareceres vinculativos que instruem os procedimentos urbanísticos são o que a doutrina designa por “pareceres conformes”(2) uma vez que só revestem carácter vinculativo quando o parecer é desfavorável. Nestes casos a Câmara Municipal está efectivamente obrigada a indeferir a pretensão, sob pena de nulidade por força da alínea c) do n.º1 do artigo 24.º, em conjugação com o artigo 68.º, ambos do RJUE.
Contrariamente, se o parecer for favorável, a Câmara Municipal não está vinculada a deferir o pedido de licenciamento, podendo indeferi-lo por motivos cuja apreciação lhe caiba efectuar, motivos esses que se encontram enunciados no artigo 24.º do mesmo diploma legal.
As duas últimas perguntas remetem-nos para uma outra problemática que é a de saber se a Câmara Municipal pode indeferir um pedido de licença com fundamento em normas de direito privado, designadamente as que impõem restrições às construções decorrentes de servidões reguladas no Código Civil.
De facto, a inclusão, como fundamento do indeferimento do pedido, da desconformidade com das normas legais e regulamentares aplicáveis (artigo 24.º, n.º1, alínea a) do RJUE) quer significar que a apreciação do pedido deve incidir sobre aquelas normas que, nos termos do artigo 3.º do RGEU, incumbe à administração assegurar, sendo entendimento corrente, na doutrina e na jurisprudência,(3) que a entidade administrativa competente não deve, nem pode, apreciar o projecto à luz de normas de direito privado relativas à realização de obras de construção (por exemplo as normas estabelecidas no artigo 1344.º e ss. E 1360º e ss do Código Civil).
A licença ou autorização urbanísticas são assim actos administrativos que definem (apenas) a situação jurídica do particular titular das mesmas, investindo-o no “poder” de realizar a obra quando a mesma respeite as normas de direito público a que deve obediência, não definindo a situação jurídica de terceiros na medida em que não modifica, direitos e obrigações que existam nas relações entre particulares, nomeadamente, entre o titular da licença e vizinhos. Pelo facto de uma das características das licenças é o de serem emitidas “sob reserva de direitos de terceiros”, é que o vizinho pode, em caso de violação pelo construtor de regras de direito privado, fazer valer perante um juiz civil os seus direitos emergentes de uma relação jurídico-privada, independentemente de não estar em causa a legalidade do licenciamento da obra.
Em conclusão:
A Câmara Municipal só pode indeferir o pedido com base no leque de fundamentos taxativamente enunciados no artigo 24.º do RJUE, entre eles se o pedido contrariar qualquer norma legal ou regulamentar de direito público aplicável aos projectos, e não se em causa estiver apenas uma invocada violação de “servidão de vistas”. Tal direito,a existir, terá que ser tutelado pelos tribunais por decorrer de uma relação exclusivamente do foro do Direito Privado.
(1) Maria José Castanheira Neves; Fernanda Paula Oliveira; Dulce Lopes, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação; pag. 175
(2) AA e obra cit., pag. 174
(3) AA e obra cit, pag 110 a 114 e 207 e 208
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