A Câmara Municipal de …, pelo ofício n.º …, de …, coloca a questão de saber quem deve suportar os custos com o processo de certificação que passou a ser exigido pela Lei n.º 13/2006, 17 de Abril, aos motoristas de transportes colectivos de crianças.
Sobre o assunto cumpre-nos referir o seguinte:
Como é sabido, está cometida às câmaras municipais – porque para elas foi transferida pelo Decreto-Lei nº 299/84, de 5 de Setembro – a competência no âmbito dos transportes escolares, designadamente em matéria de organização, financiamento e controle de funcionamento (n.º 1 do artigo 1.º, sublinhado nosso).
Designadamente, às câmaras municipais cabe suportar o custo dito “social” do transporte escolar – seja o correspondente ao valor integral do “passe” no caso de estudantes sujeitos à escolaridade obrigatória (n.º 1 do artigo 3.º), seja a comparticipação no custo do mesmo no que toca aos estudantes do ensino secundário, ou mais propriamente, dos estudantes do ensino secundário não abrangidos pela escolaridade obrigatória (n.º 4 do artigo 3.º).
Aliás, o n.º 1 do artigo 23.º expressamente refere, quando fala do financiamento do transporte escolar de alunos matriculados em município diferente do da sua residência, que cabe aos municípios interessados financiar esse transporte.
Em suma, impende sobre as câmaras municipais o ónus de assegurar os transportes escolares [alínea a) do n.º 3 do artigo 19.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro].
Por outro lado, e para além dos deveres gerais e especiais decorrentes do estatuto de funcionário e da função, impende sobre os motoristas de transportes colectivos a obrigação de assegurarem a totalidade ou parte das tarefas descritas no respectivo conteúdo funcional (cfr., Anexo do Decreto-lei n.º 102/2002, de 12 de Abril), sem prejuízo do disposto no n.º 4 do art.º 3.º do Decreto-lei n.º 247/87, de 17 de Junho, quando dispõe que “a descrição dos conteúdos funcionais não pode, em caso algum, constituir fundamento para o não cumprimento do dever de obediência e não prejudica a atribuição aos funcionários e agentes de tarefas de complexidade e responsabilidade equiparáveis, não expressamente mencionadas”, (sublinhámos) de que, dizemos nós, o transporte de crianças poderia constituir exemplo.
Ocorre, porém, que a exigência de novos requisitos – corporizada na certificação imposta pela Lei n.º 13/2006, de 17 de Abril, e no conjunto de contra-ordenações e coimas nesta previstas para as situações de incumprimento – acabam, inapelavelmente, por situar a condução de transportes de crianças num patamar de complexidade e responsabilidade superior ao exigível, em nossa opinião, aos motoristas de transportes colectivos, desvinculando-os, em respeito pelo n.º 5 do art.º 10.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local aprovado pelo Decreto-lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, na actual redacção, do cumprimento do dever de obediência.
Atrever-nos-íamos mesmo a sustentar que, doravante, e dentro deste âmbito, passarão a coexistir, em função da diferenciação estabelecida em sede de exigibilidade de requisitos, duas espécies de motorista de transportes colectivos:
– a dos motoristas de transportes colectivos, propriamente dita, a quem estará vedado o transporte de crianças, por ausência de requisitos; e
– a dos motoristas de transportes colectivos de crianças, a quem será permitido, para além destas, transportar adultos (vide, a propósito, o teor do artigo 10.º da Portaria n.º 1350/2006, de 27 de Novembro).
Complementando-se tudo quanto acima se expôs com o que se encontra estabelecido na alínea a) do n.º 2 do art.º 68.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na actual redacção, quando confere ao presidente da câmara a competência para “decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais”, outra conclusão não se poderá retirar que não seja a de que a questão controvertida é bem mais merecedora de enquadramento no âmbito da referida gestão dos recursos humanos do que no da análise jurídica.
É que, não se nos afigurando possível sustentar, juridicamente, que os motoristas em apreço sejam obrigados a custear a certificação agora exigida ou, sequer, poder a obtenção da mesma ser-lhes imposta – será de salientar que o respectivo conteúdo funcional não faz referência ao transporte de crianças mas, apenas ao “transportes de passageiros” – bem se compreenderá o plano em que entendemos dever ser colocada a questão.
Dito de outra forma, e em ordem a assegurar os transportes escolares e de crianças, em geral, das duas, uma:
– Ou a autarquia suporta os custos da certificação dos motoristas de transportes colectivos que a não detenham;
– Ou a autarquia procede ao recrutamento de motoristas que já sejam detentores da referida certificação.
Em conclusão:
a) Está cometida às câmaras municipais – porque para elas foi transferida pelo Decreto-Lei nº 299/84, de 5 de Setembro – a competência no âmbito dos transportes escolares, designadamente em matéria de organização, financiamento e controle de funcionamento (n.º 1 do artigo 1.º), impendendo sobre as mesmas o ónus de os assegurar [alínea a) do n.º 3 do artigo 19.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, na actual redacção];
b) A exigência de novos requisitos – corporizada na certificação imposta pela Lei n.º 13/2006, de 17 de Abril, e no conjunto de contra-ordenações e coimas nesta previstas para as situações de incumprimento – acabam, inapelavelmente, por colocar a condução de transportes de crianças num patamar de complexidade e de responsabilidade diferentes ou, mesmo, acima do exigível, em nossa opinião, aos motoristas de transportes colectivos de passageiros;
c) Decorre da alínea a) do n.º 2 do art.º 68.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na actual redacção, que compete ao presidente da câmara “decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais”;
d) Não se nos afigura possível sustentar, juridicamente, que os motoristas de transportes colectivos de passageiros sejam obrigados a custear a certificação agora exigida ou, sequer, poder a obtenção da mesma ser-lhes imposta, já que o respectivo conteúdo funcional não faz referência ao transporte de crianças mas, apenas, ao “transportes de passageiros”;
e) Consequentemente, e em ordem a assegurar os transportes escolares e de crianças, em geral, ou a autarquia suporta os custos da certificação dos motoristas de transportes colectivos que a não detenham ou procede ao recrutamento de motoristas que já sejam detentores dos novos requisitos exigidos por lei.
Pel’ A Divisão de Apoio Jurídico
(Dr. José Manuel Martins de Lima)
A Câmara Municipal de …, pelo ofício n.º …, de …, coloca a questão de saber quem deve suportar os custos com o processo de certificação que passou a ser exigido pela Lei n.º 13/2006, 17 de Abril, aos motoristas de transportes colectivos de crianças.
Sobre o assunto cumpre-nos referir o seguinte:
Como é sabido, está cometida às câmaras municipais – porque para elas foi transferida pelo Decreto-Lei nº 299/84, de 5 de Setembro – a competência no âmbito dos transportes escolares, designadamente em matéria de organização, financiamento e controle de funcionamento (n.º 1 do artigo 1.º, sublinhado nosso).
Designadamente, às câmaras municipais cabe suportar o custo dito “social” do transporte escolar – seja o correspondente ao valor integral do “passe” no caso de estudantes sujeitos à escolaridade obrigatória (n.º 1 do artigo 3.º), seja a comparticipação no custo do mesmo no que toca aos estudantes do ensino secundário, ou mais propriamente, dos estudantes do ensino secundário não abrangidos pela escolaridade obrigatória (n.º 4 do artigo 3.º).
Aliás, o n.º 1 do artigo 23.º expressamente refere, quando fala do financiamento do transporte escolar de alunos matriculados em município diferente do da sua residência, que cabe aos municípios interessados financiar esse transporte.
Em suma, impende sobre as câmaras municipais o ónus de assegurar os transportes escolares [alínea a) do n.º 3 do artigo 19.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro].
Por outro lado, e para além dos deveres gerais e especiais decorrentes do estatuto de funcionário e da função, impende sobre os motoristas de transportes colectivos a obrigação de assegurarem a totalidade ou parte das tarefas descritas no respectivo conteúdo funcional (cfr., Anexo do Decreto-lei n.º 102/2002, de 12 de Abril), sem prejuízo do disposto no n.º 4 do art.º 3.º do Decreto-lei n.º 247/87, de 17 de Junho, quando dispõe que “a descrição dos conteúdos funcionais não pode, em caso algum, constituir fundamento para o não cumprimento do dever de obediência e não prejudica a atribuição aos funcionários e agentes de tarefas de complexidade e responsabilidade equiparáveis, não expressamente mencionadas”, (sublinhámos) de que, dizemos nós, o transporte de crianças poderia constituir exemplo.
Ocorre, porém, que a exigência de novos requisitos – corporizada na certificação imposta pela Lei n.º 13/2006, de 17 de Abril, e no conjunto de contra-ordenações e coimas nesta previstas para as situações de incumprimento – acabam, inapelavelmente, por situar a condução de transportes de crianças num patamar de complexidade e responsabilidade superior ao exigível, em nossa opinião, aos motoristas de transportes colectivos, desvinculando-os, em respeito pelo n.º 5 do art.º 10.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local aprovado pelo Decreto-lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, na actual redacção, do cumprimento do dever de obediência.
Atrever-nos-íamos mesmo a sustentar que, doravante, e dentro deste âmbito, passarão a coexistir, em função da diferenciação estabelecida em sede de exigibilidade de requisitos, duas espécies de motorista de transportes colectivos:
– a dos motoristas de transportes colectivos, propriamente dita, a quem estará vedado o transporte de crianças, por ausência de requisitos; e
– a dos motoristas de transportes colectivos de crianças, a quem será permitido, para além destas, transportar adultos (vide, a propósito, o teor do artigo 10.º da Portaria n.º 1350/2006, de 27 de Novembro).
Complementando-se tudo quanto acima se expôs com o que se encontra estabelecido na alínea a) do n.º 2 do art.º 68.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na actual redacção, quando confere ao presidente da câmara a competência para “decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais”, outra conclusão não se poderá retirar que não seja a de que a questão controvertida é bem mais merecedora de enquadramento no âmbito da referida gestão dos recursos humanos do que no da análise jurídica.
É que, não se nos afigurando possível sustentar, juridicamente, que os motoristas em apreço sejam obrigados a custear a certificação agora exigida ou, sequer, poder a obtenção da mesma ser-lhes imposta – será de salientar que o respectivo conteúdo funcional não faz referência ao transporte de crianças mas, apenas ao “transportes de passageiros” – bem se compreenderá o plano em que entendemos dever ser colocada a questão.
Dito de outra forma, e em ordem a assegurar os transportes escolares e de crianças, em geral, das duas, uma:
– Ou a autarquia suporta os custos da certificação dos motoristas de transportes colectivos que a não detenham;
– Ou a autarquia procede ao recrutamento de motoristas que já sejam detentores da referida certificação.
Em conclusão:
a) Está cometida às câmaras municipais – porque para elas foi transferida pelo Decreto-Lei nº 299/84, de 5 de Setembro – a competência no âmbito dos transportes escolares, designadamente em matéria de organização, financiamento e controle de funcionamento (n.º 1 do artigo 1.º), impendendo sobre as mesmas o ónus de os assegurar [alínea a) do n.º 3 do artigo 19.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, na actual redacção];
b) A exigência de novos requisitos – corporizada na certificação imposta pela Lei n.º 13/2006, de 17 de Abril, e no conjunto de contra-ordenações e coimas nesta previstas para as situações de incumprimento – acabam, inapelavelmente, por colocar a condução de transportes de crianças num patamar de complexidade e de responsabilidade diferentes ou, mesmo, acima do exigível, em nossa opinião, aos motoristas de transportes colectivos de passageiros;
c) Decorre da alínea a) do n.º 2 do art.º 68.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na actual redacção, que compete ao presidente da câmara “decidir todos os assuntos relacionados com a gestão e direcção dos recursos humanos afectos aos serviços municipais”;
d) Não se nos afigura possível sustentar, juridicamente, que os motoristas de transportes colectivos de passageiros sejam obrigados a custear a certificação agora exigida ou, sequer, poder a obtenção da mesma ser-lhes imposta, já que o respectivo conteúdo funcional não faz referência ao transporte de crianças mas, apenas, ao “transportes de passageiros”;
e) Consequentemente, e em ordem a assegurar os transportes escolares e de crianças, em geral, ou a autarquia suporta os custos da certificação dos motoristas de transportes colectivos que a não detenham ou procede ao recrutamento de motoristas que já sejam detentores dos novos requisitos exigidos por lei.
Pel’ A Divisão de Apoio Jurídico
(Dr. José Manuel Martins de Lima)
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