Foi solicitado pela Câmara Municipal de …, através de fax de …, a esta CCDR um parecer jurídico sobre o termo de responsabilidade do autor do projecto da “Adaptação da Casa … a edifício dos Paços do Concelho”.
Foram formuladas as seguintes questões:
1) Perante eventuais divergências relacionadas com o não cumprimento escrupuloso do projecto, pode ou não a Câmara Municipal sobrepor a sua vontade à do projectista?
2) Perante uma eventual retirada do termos de responsabilidade por parte do autor do projecto, pode ou não a Câmara Municipal assumir essa responsabilidade e continuar a executar a obra?
Temos a informar:
Prende-se a situação em análise com as implicações procedimentais dos direitos de autor, os quais, nos termos do art. 9º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (Decreto-Lei nº 63/85, de 14 de Março, alterado pelas Leis nºs 45/85, de 17 de Setembro, 114/91, de 3 de Setembro, pelos Decretos-Leis nºs 332/97, 334/97, ambos de 27 de Novembro, e ainda pelas Leis nºs 50/2004, de 24 de Agosto, 16/2006, de 1 de Abril e 24/2006, de 30 de Junho, e 16/2008, de 1 de Abril), abarcam quer os direitos de índole patrimonial, quer os direitos de carácter moral.
Os direitos morais de que o autor goza sobre a sua obra e que importa aqui referir incluem, designadamente, o direito de reivindicar a respectiva paternidade e de assegurar a sua genuinidade e integridade.
Ao abrigo do art. 11º do referido Código, o direito de autor pertence ao criador intelectual da obra, salvo disposição expressa em contrário.
Em concreto, estamos perante um conflito de interesses entre o dono da obra que, enquanto proprietário do imóvel, pretende introduzir alterações na sua construção e o arquitecto que, enquanto autor do projecto, não admite modificações numa obra da sua autoria.
Repare-se que uma obra de arquitectura não se resumindo apenas ao projecto, mas reportando-se também ao imóvel que incorpora a obra, impõe um equilíbrio entre o direito do autor do projecto e do dono da obra, no sentido de este ver também o seu direito de propriedade protegido.
Esta protecção implica, necessariamente, uma restrição do direito à integridade e genuinidade da obra, do ponto de vista dos direitos de autor, que se fundamenta, essencialmente, no carácter duradouro e no interesse e uso que a obra representa para o proprietário do edifício onde ela assenta.
Tal como refere Oliveira Ascensão1, no conflito entre o direito ao projecto, cuja modificação teria de se realizar, e o direito de propriedade sobre o suporte, o edifício, este prevalece.
A conciliação destes dois direitos justifica-se, assim, pelo facto de, por um lado, o dono da obra, enquanto detentor de um interesse legítimo sobre o imóvel, ter direito a introduzir a todo o tempo modificações na sua construção e, por outro, o autor do projecto, na defesa dos direitos de paternidade, integridade e genuinidade da sua obra, não querer deixar introduzir alterações ao seu projecto.
Ora, o legislador procurou resolver este conflito através do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 60º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, normativos estes que determinam o seguinte:
“2- Quando edificada segundo projecto, não pode o dono da obra, durante a construção nem após a conclusão, introduzir nela alterações sem consulta prévia ao autor do projecto, sob pena de indemnização por perda e danos.
3 – Não havendo acordo, pode o autor repudiar a paternidade da obra modificada, ficando vedado ao proprietário invocar para o futuro, em proveito próprio, o nome do autor do projecto inicial”.
Da referida conjugação normativa resulta assim, de forma clara, a diminuição dos direitos morais do autor do projecto, evidenciada pela possibilidade dada ao dono da obra de modificar o respectivo projecto durante a construção ou após a sua conclusão, sem que, para o efeito, o autor do projecto se possa opor a essa alteração.
Ou seja: o dono da obra, após consulta prévia do autor do projecto, pode introduzir modificações na obra mesmo sem o acordo do autor do projecto, tendo este apenas o direito a repudiar a obra modificada sempre que não concorde com as alterações feitas e a exigir que o proprietário não invoque em nome próprio o nome do autor do projecto inicial.
Desta forma, embora a lei, através do direito ao repúdio da obra modificada, salvaguarde o direito à paternidade do autor do projecto, protege, de forma inequívoca, o direito de propriedade que assiste ao dono da obra de poder alterar o projecto independentemente da vontade do seu autor.
Importa referir que se o autor do projecto não for previamente consultado tem direito, por força do citado nº 2 do art. 60º, a ser indemnizado por perdas e danos, nos termos gerais da responsabilidade civil.
Do exposto e reportando-nos à situação que em concreto foi colocada é de concluir que, nos termos da conjugação normativa dos nºs 2 e 3 do art. 60º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, a Câmara Municipal, enquanto dona da obra em causa, pode, depois de consultado o autor do projecto, modificar a obra sem o acordo ou consentimento deste, introduzindo durante a construção as alterações que considerar necessárias. Todavia, não existindo acordo, é conferido ao autor do projecto o direito de repudiar a paternidade da obra modificada sem a sua concordância, ficando, dessa forma, vedado à Câmara Municipal o direito de continuar a invocar em proveito próprio o nome do autor do projecto inicial.
Neste caso, a Câmara pode decidir prosseguir a obra com outro técnico que possa subscrever projectos de arquitectura e continuar a sua execução, devendo, no entanto, retirar do exterior do edifício a placa com a identificação do autor do projecto, a que estava obrigada nos termos do art. 61º do DL nº 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo DL nº 60/2007, de 4 de Setembro.
Por último, acresce referir que os direitos de autor se reportam a relações de direito privado cujos conflitos deverão ser dirimidos em sede própria.
A Divisão de Apoio Jurídico
(Elisabete Maria Viegas Frutuoso)
1. Direito Civil, Direito de Autor e Direitos Conexos – Coimbra Editora, 1992
Foi solicitado pela Câmara Municipal de …, através de fax de …, a esta CCDR um parecer jurídico sobre o termo de responsabilidade do autor do projecto da “Adaptação da Casa … a edifício dos Paços do Concelho”.
Foram formuladas as seguintes questões:
1) Perante eventuais divergências relacionadas com o não cumprimento escrupuloso do projecto, pode ou não a Câmara Municipal sobrepor a sua vontade à do projectista?
2) Perante uma eventual retirada do termos de responsabilidade por parte do autor do projecto, pode ou não a Câmara Municipal assumir essa responsabilidade e continuar a executar a obra?
Temos a informar:
Prende-se a situação em análise com as implicações procedimentais dos direitos de autor, os quais, nos termos do art. 9º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (Decreto-Lei nº 63/85, de 14 de Março, alterado pelas Leis nºs 45/85, de 17 de Setembro, 114/91, de 3 de Setembro, pelos Decretos-Leis nºs 332/97, 334/97, ambos de 27 de Novembro, e ainda pelas Leis nºs 50/2004, de 24 de Agosto, 16/2006, de 1 de Abril e 24/2006, de 30 de Junho, e 16/2008, de 1 de Abril), abarcam quer os direitos de índole patrimonial, quer os direitos de carácter moral.
Os direitos morais de que o autor goza sobre a sua obra e que importa aqui referir incluem, designadamente, o direito de reivindicar a respectiva paternidade e de assegurar a sua genuinidade e integridade.
Ao abrigo do art. 11º do referido Código, o direito de autor pertence ao criador intelectual da obra, salvo disposição expressa em contrário.
Em concreto, estamos perante um conflito de interesses entre o dono da obra que, enquanto proprietário do imóvel, pretende introduzir alterações na sua construção e o arquitecto que, enquanto autor do projecto, não admite modificações numa obra da sua autoria.
Repare-se que uma obra de arquitectura não se resumindo apenas ao projecto, mas reportando-se também ao imóvel que incorpora a obra, impõe um equilíbrio entre o direito do autor do projecto e do dono da obra, no sentido de este ver também o seu direito de propriedade protegido.
Esta protecção implica, necessariamente, uma restrição do direito à integridade e genuinidade da obra, do ponto de vista dos direitos de autor, que se fundamenta, essencialmente, no carácter duradouro e no interesse e uso que a obra representa para o proprietário do edifício onde ela assenta.
Tal como refere Oliveira Ascensão1, no conflito entre o direito ao projecto, cuja modificação teria de se realizar, e o direito de propriedade sobre o suporte, o edifício, este prevalece.
A conciliação destes dois direitos justifica-se, assim, pelo facto de, por um lado, o dono da obra, enquanto detentor de um interesse legítimo sobre o imóvel, ter direito a introduzir a todo o tempo modificações na sua construção e, por outro, o autor do projecto, na defesa dos direitos de paternidade, integridade e genuinidade da sua obra, não querer deixar introduzir alterações ao seu projecto.
Ora, o legislador procurou resolver este conflito através do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 60º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, normativos estes que determinam o seguinte:
“2- Quando edificada segundo projecto, não pode o dono da obra, durante a construção nem após a conclusão, introduzir nela alterações sem consulta prévia ao autor do projecto, sob pena de indemnização por perda e danos.
3 – Não havendo acordo, pode o autor repudiar a paternidade da obra modificada, ficando vedado ao proprietário invocar para o futuro, em proveito próprio, o nome do autor do projecto inicial”.
Da referida conjugação normativa resulta assim, de forma clara, a diminuição dos direitos morais do autor do projecto, evidenciada pela possibilidade dada ao dono da obra de modificar o respectivo projecto durante a construção ou após a sua conclusão, sem que, para o efeito, o autor do projecto se possa opor a essa alteração.
Ou seja: o dono da obra, após consulta prévia do autor do projecto, pode introduzir modificações na obra mesmo sem o acordo do autor do projecto, tendo este apenas o direito a repudiar a obra modificada sempre que não concorde com as alterações feitas e a exigir que o proprietário não invoque em nome próprio o nome do autor do projecto inicial.
Desta forma, embora a lei, através do direito ao repúdio da obra modificada, salvaguarde o direito à paternidade do autor do projecto, protege, de forma inequívoca, o direito de propriedade que assiste ao dono da obra de poder alterar o projecto independentemente da vontade do seu autor.
Importa referir que se o autor do projecto não for previamente consultado tem direito, por força do citado nº 2 do art. 60º, a ser indemnizado por perdas e danos, nos termos gerais da responsabilidade civil.
Do exposto e reportando-nos à situação que em concreto foi colocada é de concluir que, nos termos da conjugação normativa dos nºs 2 e 3 do art. 60º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, a Câmara Municipal, enquanto dona da obra em causa, pode, depois de consultado o autor do projecto, modificar a obra sem o acordo ou consentimento deste, introduzindo durante a construção as alterações que considerar necessárias. Todavia, não existindo acordo, é conferido ao autor do projecto o direito de repudiar a paternidade da obra modificada sem a sua concordância, ficando, dessa forma, vedado à Câmara Municipal o direito de continuar a invocar em proveito próprio o nome do autor do projecto inicial.
Neste caso, a Câmara pode decidir prosseguir a obra com outro técnico que possa subscrever projectos de arquitectura e continuar a sua execução, devendo, no entanto, retirar do exterior do edifício a placa com a identificação do autor do projecto, a que estava obrigada nos termos do art. 61º do DL nº 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo DL nº 60/2007, de 4 de Setembro.
Por último, acresce referir que os direitos de autor se reportam a relações de direito privado cujos conflitos deverão ser dirimidos em sede própria.
A Divisão de Apoio Jurídico
(Elisabete Maria Viegas Frutuoso)
1. Direito Civil, Direito de Autor e Direitos Conexos – Coimbra Editora, 1992
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