Através do ofício nº …, de …, da Câmara Municipal de …, foi solicitado parecer jurídico sobre o assunto identificado em epígrafe.
Sobre este assunto cumpre-nos apenas abordar a matéria relativa ao regime jurídico da cessão da posição contratual, no âmbito das regras gerais de contratação pública.
A cessão da posição contratual está prevista nos arts. 424º, ss do Código Civil e consiste na faculdade concedida a uma das partes do contrato com prestações recíprocas de transmitir a terceiro, com o consentimento do outro contraente, todos os direitos e obrigações que constituem esse contrato.
Trata-se, pois, de uma modificação subjectiva, através da qual uma das partes do contrato é substituída por outra que passa a ser titular dos seus direitos e obrigações contratuais, ou seja, o contrato não extingue, não há a celebração de um novo contrato, há apenas a substituição de um dos sujeitos que irá ocupar o lugar de um dos contraentes.1
Esta modificação, refere também a doutrina2, envolve assim três partes: o contraente que transmite a sua posição contratual (cedente), o terceiro que adquire a posição transmitida (cessionário) e a contraparte do cedente, no contrato originário, que passa a ser contraparte do cessionário (cedido).
Este contrato de cessão, embora tradicionalmente um contrato obrigacional do Direito Civil, é hoje uma figura admitida no âmbito do Direito Público. Tal possibilidade é fundamentada, desde logo, no art. 280º, nº 3 do Código dos Contratos Públicos (CCP), que estipula que “Em tudo quanto não estiver regulado no presente Código ou em lei especial e não for suficientemente disciplinado por aplicação dos princípios gerais de direito administrativo, são subsidiariamente aplicáveis às relações contratuais jurídicas administrativas, com as necessárias adaptações, as restantes normas de direito administrativo e, na falta destas, o direito civil.”
Regula assim o CCP, nos arts.º 316º a 319º do título dedicado aos contratos administrativos em geral, a cessão da posição contratual do co-contratante, estabelecendo, desde logo, na primeira norma mencionada, o princípio geral de admissibilidade da modificação subjectiva do contrato, salvo quando outra coisa for estipulada no contrato ou resultar da sua natureza, como por exemplo, terem constituído factores determinantes da adjudicação a capacidade técnica e financeira do concorrente.
Esta excepção intuitu personae está, aliás, prevista no art.º 317º do CCP, sob a epígrafe “Limites à cessão e à subcontratação pelo co-contratante”.
Sobre estes limites refere Jorge Andrade da Silva, na obra mencionada na nota 1, que “(…) os limites legais são determinados ou pela coerência imposta pela especificidade de ordem técnica, artística ou outra do objecto do contrato que, para a sua celebração, originou o convite a penas a uma única entidade, certamente por ser a única em condições de executar o contrato (intuitu personae); ou porque o cessionário (…) estava legalmente impedido de celebrar o contrato em causa, nos termos do art.º 55º ou, finalmente, por haver sérios indícios de que se enquadram em procedimentos ilegais destinados ou com possibilidade de violar o princípio da concorrência”.
Acrescenta este autor que os limites referidos são limites legais, pelo que não afastam a possibilidade de, no contrato, serem estabelecidos outros.
Por outro lado, a par do que resulta do conceito de cessão da posição contratual no direito civil, a cessão tem de ser necessária e previamente autorizada pelo contraente público, admitindo o CCP, respectivamente nos arts.º 318º e 319º, que seja dada no contrato ou durante a sua execução.
A autorização pelo contraente público é, pois, entendida como condição de validade, sem a qual a cessão não produzirá quaisquer efeitos. Repare-se que, mesmo quando é autorizada a cessão no contrato, o co-contratante deve informar o contraente público da sua intenção em ceder a sua posição, para que este possa aferir do cumprimento dos requisitos e limites estabelecidos na lei.
É de salientar ainda que à Administração Pública não se aplica o princípio da liberdade contratual, mas sim as normas e princípios imperativos do direito público, pelo que toda e qualquer actuação da Administração Pública, por força do princípio da legalidade, está vinculada à observância da lei e do direito, tendo como limites as competências dos órgãos e os fins para os quais lhes foram conferidas.
No que respeita ao caso que em concreto foi colocado, dada o seu enquadramento no direito privado, consideramos que V. Exª deverá informar-se junto do administrador de insolvência, nomeado pelo juiz nos termos e para os efeitos previstos no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.
Não deixaremos, por último, de referir que, contrariamente ao que é mencionado no vosso ofício, nenhuma das entidades consultadas – Tribunal de Constas e Inspecção-Geral das Obras Públicas – emitiu parecer jurídico sobre a matéria.
1. Jorge Andrade da Silva, Código dos Contratos Públicos, Anotado e Comentado, Almedina, 2008, pág. 734
2. Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. II, 6ª edição, Almedina, pág. 384
A Divisão de Apoio Jurídico
(Elisabete Maria Viegas Frutuoso)
Através do ofício nº …, de …, da Câmara Municipal de …, foi solicitado parecer jurídico sobre o assunto identificado em epígrafe.
Sobre este assunto cumpre-nos apenas abordar a matéria relativa ao regime jurídico da cessão da posição contratual, no âmbito das regras gerais de contratação pública.
A cessão da posição contratual está prevista nos arts. 424º, ss do Código Civil e consiste na faculdade concedida a uma das partes do contrato com prestações recíprocas de transmitir a terceiro, com o consentimento do outro contraente, todos os direitos e obrigações que constituem esse contrato.
Trata-se, pois, de uma modificação subjectiva, através da qual uma das partes do contrato é substituída por outra que passa a ser titular dos seus direitos e obrigações contratuais, ou seja, o contrato não extingue, não há a celebração de um novo contrato, há apenas a substituição de um dos sujeitos que irá ocupar o lugar de um dos contraentes.1
Esta modificação, refere também a doutrina2, envolve assim três partes: o contraente que transmite a sua posição contratual (cedente), o terceiro que adquire a posição transmitida (cessionário) e a contraparte do cedente, no contrato originário, que passa a ser contraparte do cessionário (cedido).
Este contrato de cessão, embora tradicionalmente um contrato obrigacional do Direito Civil, é hoje uma figura admitida no âmbito do Direito Público. Tal possibilidade é fundamentada, desde logo, no art. 280º, nº 3 do Código dos Contratos Públicos (CCP), que estipula que “Em tudo quanto não estiver regulado no presente Código ou em lei especial e não for suficientemente disciplinado por aplicação dos princípios gerais de direito administrativo, são subsidiariamente aplicáveis às relações contratuais jurídicas administrativas, com as necessárias adaptações, as restantes normas de direito administrativo e, na falta destas, o direito civil.”
Regula assim o CCP, nos arts.º 316º a 319º do título dedicado aos contratos administrativos em geral, a cessão da posição contratual do co-contratante, estabelecendo, desde logo, na primeira norma mencionada, o princípio geral de admissibilidade da modificação subjectiva do contrato, salvo quando outra coisa for estipulada no contrato ou resultar da sua natureza, como por exemplo, terem constituído factores determinantes da adjudicação a capacidade técnica e financeira do concorrente.
Esta excepção intuitu personae está, aliás, prevista no art.º 317º do CCP, sob a epígrafe “Limites à cessão e à subcontratação pelo co-contratante”.
Sobre estes limites refere Jorge Andrade da Silva, na obra mencionada na nota 1, que “(…) os limites legais são determinados ou pela coerência imposta pela especificidade de ordem técnica, artística ou outra do objecto do contrato que, para a sua celebração, originou o convite a penas a uma única entidade, certamente por ser a única em condições de executar o contrato (intuitu personae); ou porque o cessionário (…) estava legalmente impedido de celebrar o contrato em causa, nos termos do art.º 55º ou, finalmente, por haver sérios indícios de que se enquadram em procedimentos ilegais destinados ou com possibilidade de violar o princípio da concorrência”.
Acrescenta este autor que os limites referidos são limites legais, pelo que não afastam a possibilidade de, no contrato, serem estabelecidos outros.
Por outro lado, a par do que resulta do conceito de cessão da posição contratual no direito civil, a cessão tem de ser necessária e previamente autorizada pelo contraente público, admitindo o CCP, respectivamente nos arts.º 318º e 319º, que seja dada no contrato ou durante a sua execução.
A autorização pelo contraente público é, pois, entendida como condição de validade, sem a qual a cessão não produzirá quaisquer efeitos. Repare-se que, mesmo quando é autorizada a cessão no contrato, o co-contratante deve informar o contraente público da sua intenção em ceder a sua posição, para que este possa aferir do cumprimento dos requisitos e limites estabelecidos na lei.
É de salientar ainda que à Administração Pública não se aplica o princípio da liberdade contratual, mas sim as normas e princípios imperativos do direito público, pelo que toda e qualquer actuação da Administração Pública, por força do princípio da legalidade, está vinculada à observância da lei e do direito, tendo como limites as competências dos órgãos e os fins para os quais lhes foram conferidas.
No que respeita ao caso que em concreto foi colocado, dada o seu enquadramento no direito privado, consideramos que V. Exª deverá informar-se junto do administrador de insolvência, nomeado pelo juiz nos termos e para os efeitos previstos no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.
Não deixaremos, por último, de referir que, contrariamente ao que é mencionado no vosso ofício, nenhuma das entidades consultadas – Tribunal de Constas e Inspecção-Geral das Obras Públicas – emitiu parecer jurídico sobre a matéria.
1. Jorge Andrade da Silva, Código dos Contratos Públicos, Anotado e Comentado, Almedina, 2008, pág. 734
2. Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. II, 6ª edição, Almedina, pág. 384
A Divisão de Apoio Jurídico
(Elisabete Maria Viegas Frutuoso)
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