Home>Legal Opinions up to 2017>Demolição; reposição da legalidade
Home Legal Opinions up to 2017 Demolição; reposição da legalidade
Demolição; reposição da legalidade
A Câmara Municipal de …, em ofício nº …, de …, formula diversas questões acerca das medidas de tutela da legalidade urbanística, previstas no regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE), aprovado pelo D.L. 555/99, de 16.12, com a atual redação, com especial incidência sobre intervenções ilegais efetuadas na Aldeia Velha de Monsanto, classificada como imóvel de interesse público. (Decreto nº28/82, de 28.02)
 
Poderemos sistematizar as questões da seguinte forma:
1. Face ao disposto no artigo 106º do RJUE, em que ocasiões deverá ser determinada a demolição (total/parcial) de obra executada sem controlo prévio, quando exigido? E deve aplicar-se literalmente o disposto no nº4 do artigo? Ou seja, concretizando, perante intervenções ao nível da cobertura de um edifício, deverá a câmara municipal, em sede de execução coerciva, “simplesmente demolir a cobertura, deixando o imóvel sem qualquer tipo de resguardo (…)”? E como atuar quando os edifícios onde se pretende realizar obras coercivas servem de residência permanente.
2. Referindo-se ainda ao imóvel classificado, que fazer se os serviços de fiscalização “(…) não souberem como era na verdade o edifício antes de ser intervencionado, que informação deverá constar do Auto de Posse administrativa” e “que tipo de trabalhos de “demolição/reposição” devem ficar consignados no Auto referido em termos de propostas para posteriormente serem executados no âmbito das obras coercivas”
3. Se, e em que moldes, se aplicam os procedimentos do Código dos Contratos Públicos para a execução das obras coercivas se a obra não for feita por administração direta.
4. O que fazer, em sede de execução coerciva, se houver resistência do proprietário à execução das obras, e se, a par da notificação prevista no nº2 do artigo 107º, deve ser notificado o proprietário do imóvel a proceder à retirada dos seus bens do interior, ou deverá o próprio município, quando do ato de tomada de posse administrativa, a inventariar os bens e removê-los.
 
 
 
1. Sobre o assunto, devemos começar por esclarecer que a matéria está regulada, em termos que julgamos claros e de forma exaustiva, nos artigos 102º e seguintes do RJUE, na secção que regula as medidas de tutela da legalidade urbanística. 
 
Sobre a demolição, decorre claramente da lei, no artigo 106º do RJUE, que a demolição de obras ilegais é uma solução de ultima ratio, devendo ser ordenada apenas quando as obras não puderem ser legalizadas. 
 
Este tem sido o entendimento dominante não só da doutrina, como da jurisprudência, como se verifica do seguinte trecho do sumário do Acordão do STA de 7.4.2011
“(…)
É verdade, que a jurisprudência deste STA tem considerado que a demolição de obras não licenciadas só deve ser ordenada como última e indeclinável medida sancionatória da ilegalidade cometida, por força dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível, decorrentes do princípio da proporcionalidade, e que o poder de opção entre a demolição e a legalização de obras ilegais, não licenciadas, é discricionário quanto ao tempo da decisão, pois que esta pode ser tomada a todo o tempo (Acs. de 07.10.2009 – Rec. 941/08, de 24.09.2009 – Rec. 656/08, de 09.04.2003 – Rec. 09/03, e de 19.05.1998 Rec.43.433).”
(sublinhado nosso)
 
Ou, ainda em Acordão do STA de 24.09.2009:
“(…)
O que o legislador pretendeu foi, atendendo aos princípios da necessidade (artigo 18 CRP) e do respeito dos interesses dos particulares, que a Administração não imponha sacrifícios desnecessários ou desproporcionados para atingir os seus fins, não determinando a demolição das obras ilegais de modo automático, como uma espécie de sanção para a ilegalidade cometida, facultando-se ao interessado a possibilidade a legalização de obras efectuadas sem licença mas conformes com a lei, ou desconformes, mas susceptíveis de o poderem vir a ficar através de alguma correcção que lhe possa ser introduzida.”
 
 
Estabelece ainda o artigo 106º, no nº4, que se o infrator não cumprir a ordem dada nesse sentido, no prazo concedido, quando tal se justifica, “o presidente da câmara municipal determina a demolição da obra ou a reposição do terreno por conta do infrator”. 
 
Quanto a saber-se se esta disposição deve ser entendida “literalmente”, deveremos começar por recordar que a Lei tem outros elementos de interpretação para além da sua letra (cfr. artigo 9º do Código Civil), para além de que, na aplicação da lei, a Administração está sujeita a princípios gerais, designadamente aqueles a que está diretamente vinculada pelo Código de Procedimento Administrativo. 
 
Não devem, nomeadamente, os órgãos municipais perder de vista que devem obediência aos princípios da legalidade e da prossecução do interesse público, (artigo 4º do CPA) que, sendo aplicáveis em qualquer circunstância à atividade dos órgãos administrativos, merece aqui especial relevo, considerando que as dúvidas apresentadas terão a ver com um conjunto edificado que mereceu a classificação de interesse público  
 
Em todo o caso, devem estes princípios gerais ser conjugados com outros, de que se salienta, com interesse para o caso apresentado, o já citado princípio da proporcionalidade, que implica que a atuação da Administração deve ser a estritamente necessária e adequada aos objetos prosseguidos pela lei, não devendo por isso impor sacrifícios desnecessários aos seus destinatários. 
 
Deste modo, e com referência a um exemplo concreto apresentado, seria uma atuação absolutamente desproporcionada a demolição pela Câmara Municipal da cobertura de um edifício, construída sem licença, deixando-a sem resguardo. Nesse caso, seria a própria entidade pública que estaria a contribuir para a deterioração total do imóvel. 
 
Aplicando o mesmo princípio, se o edifício servir de habitação permanente, do proprietário ou de outrem, os incómodos causados pela intervenção apenas podem prejudicar esse uso nos termos estritamente necessários ao objetivo pretendido.
 
2. No que respeita às informações que deverão constar do auto de posse administrativa, para efeitos de execução coerciva das medidas de tutela administrativa, são aquelas que estão elencadas no artigo 107º, nomeadamente no seu nº3, bem como outras que se julguem adequadas à situação concreta.
 
3. Coloca a Câmara Municipal a hipótese de a fiscalização desconhecer “como era na verdade o edifício antes de ser intervencionado”. Sobre isto, em primeiro lugar, diremos que em qualquer circunstância toma a lei como certo que o desencadeamento de medidas de tutela da legalidade urbanística tem como finalidade a reposição do estado anterior à violação da lei, o que implica o conhecimento desse estado. No caso, para além disso, de se tratar de um imóvel ou conjunto classificado, não é sequer legalmente admissível que a Administração, nomeadamente a Câmara Municipal, desconheça as características do edifício antes da intervenção, porque necessariamente existirá um cadastro ou inventário dos imóveis (veja-se o artigo 9º, alínea a), do D.L. 59/80, de 3.4, um dos diplomas ao abrigo do qual se decretou a Aldeia Velha de Monsanto como imóvel de interesse público). A classificação do edifício, ou do conjunto edificado, teve precisamente em conta as suas características. Deve por isso o município estar em condições de fazer uma “correta descrição do imóvel quanto às suas características e preexistências”, nos termos da informação camarária.
 
4. Não, obviamente, no caso apresentado, mas sobre o que fazer quando a Câmara Municipal não faça as obras por administração direta, julgamos esclarecedor o seguinte comentário ao artigo 107º do RJUE, feito pelas autoras Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs:
“Se o município não dispuser de meios ou se entender que não deve recorrer a eles, admite-se o recurso à contratação pública, através da celebração de um contrato de empreitada. Antes da revogação do nº9 do artigo 107º pelo diploma mencionado, a adjudicação ao empreiteiro seguia um regime particular: o ajuste direto com consulta prévia a três empresas titulares do alvará exigível para o valor ou natureza das obras, enquanto que a mesma estará agora sujeita aos procedimentos em geral aplicáveis em função do valor da obra pública a levar a cabo, já que apenas se justificará o ajuste direto independentemente do valor desta nos casos em que na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante (artigo 24º, nº1, alínea c) do Decreto-Lei nº18/2008, Código dos Contratos Públicos). Não obstante, esta remissão para o regime jurídico aplicável aos contratos públicos justifica-se em geral pois, ficando as despesas realizadas com a execução coerciva a cargo do proprietário, este tem todo o interesse que as mesmas sejam definidas da forma o mais transparente possível”.1
 
 
Divisão de Apoio Jurídico
 
(António Ramos)
 
1. In Regime Jurídico da urbanização e Edificação, comentado, 2011, 3ª edição, Almedina.
Home Legal Opinions up to 2017 Demolição; reposição da legalidade
Demolição; reposição da legalidade
Demolição; reposição da legalidade
A Câmara Municipal de …, em ofício nº …, de …, formula diversas questões acerca das medidas de tutela da legalidade urbanística, previstas no regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE), aprovado pelo D.L. 555/99, de 16.12, com a atual redação, com especial incidência sobre intervenções ilegais efetuadas na Aldeia Velha de Monsanto, classificada como imóvel de interesse público. (Decreto nº28/82, de 28.02)
 
Poderemos sistematizar as questões da seguinte forma:
1. Face ao disposto no artigo 106º do RJUE, em que ocasiões deverá ser determinada a demolição (total/parcial) de obra executada sem controlo prévio, quando exigido? E deve aplicar-se literalmente o disposto no nº4 do artigo? Ou seja, concretizando, perante intervenções ao nível da cobertura de um edifício, deverá a câmara municipal, em sede de execução coerciva, “simplesmente demolir a cobertura, deixando o imóvel sem qualquer tipo de resguardo (…)”? E como atuar quando os edifícios onde se pretende realizar obras coercivas servem de residência permanente.
2. Referindo-se ainda ao imóvel classificado, que fazer se os serviços de fiscalização “(…) não souberem como era na verdade o edifício antes de ser intervencionado, que informação deverá constar do Auto de Posse administrativa” e “que tipo de trabalhos de “demolição/reposição” devem ficar consignados no Auto referido em termos de propostas para posteriormente serem executados no âmbito das obras coercivas”
3. Se, e em que moldes, se aplicam os procedimentos do Código dos Contratos Públicos para a execução das obras coercivas se a obra não for feita por administração direta.
4. O que fazer, em sede de execução coerciva, se houver resistência do proprietário à execução das obras, e se, a par da notificação prevista no nº2 do artigo 107º, deve ser notificado o proprietário do imóvel a proceder à retirada dos seus bens do interior, ou deverá o próprio município, quando do ato de tomada de posse administrativa, a inventariar os bens e removê-los.
 
 
 
1. Sobre o assunto, devemos começar por esclarecer que a matéria está regulada, em termos que julgamos claros e de forma exaustiva, nos artigos 102º e seguintes do RJUE, na secção que regula as medidas de tutela da legalidade urbanística. 
 
Sobre a demolição, decorre claramente da lei, no artigo 106º do RJUE, que a demolição de obras ilegais é uma solução de ultima ratio, devendo ser ordenada apenas quando as obras não puderem ser legalizadas. 
 
Este tem sido o entendimento dominante não só da doutrina, como da jurisprudência, como se verifica do seguinte trecho do sumário do Acordão do STA de 7.4.2011
“(…)
É verdade, que a jurisprudência deste STA tem considerado que a demolição de obras não licenciadas só deve ser ordenada como última e indeclinável medida sancionatória da ilegalidade cometida, por força dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível, decorrentes do princípio da proporcionalidade, e que o poder de opção entre a demolição e a legalização de obras ilegais, não licenciadas, é discricionário quanto ao tempo da decisão, pois que esta pode ser tomada a todo o tempo (Acs. de 07.10.2009 – Rec. 941/08, de 24.09.2009 – Rec. 656/08, de 09.04.2003 – Rec. 09/03, e de 19.05.1998 Rec.43.433).”
(sublinhado nosso)
 
Ou, ainda em Acordão do STA de 24.09.2009:
“(…)
O que o legislador pretendeu foi, atendendo aos princípios da necessidade (artigo 18 CRP) e do respeito dos interesses dos particulares, que a Administração não imponha sacrifícios desnecessários ou desproporcionados para atingir os seus fins, não determinando a demolição das obras ilegais de modo automático, como uma espécie de sanção para a ilegalidade cometida, facultando-se ao interessado a possibilidade a legalização de obras efectuadas sem licença mas conformes com a lei, ou desconformes, mas susceptíveis de o poderem vir a ficar através de alguma correcção que lhe possa ser introduzida.”
 
 
Estabelece ainda o artigo 106º, no nº4, que se o infrator não cumprir a ordem dada nesse sentido, no prazo concedido, quando tal se justifica, “o presidente da câmara municipal determina a demolição da obra ou a reposição do terreno por conta do infrator”. 
 
Quanto a saber-se se esta disposição deve ser entendida “literalmente”, deveremos começar por recordar que a Lei tem outros elementos de interpretação para além da sua letra (cfr. artigo 9º do Código Civil), para além de que, na aplicação da lei, a Administração está sujeita a princípios gerais, designadamente aqueles a que está diretamente vinculada pelo Código de Procedimento Administrativo. 
 
Não devem, nomeadamente, os órgãos municipais perder de vista que devem obediência aos princípios da legalidade e da prossecução do interesse público, (artigo 4º do CPA) que, sendo aplicáveis em qualquer circunstância à atividade dos órgãos administrativos, merece aqui especial relevo, considerando que as dúvidas apresentadas terão a ver com um conjunto edificado que mereceu a classificação de interesse público  
 
Em todo o caso, devem estes princípios gerais ser conjugados com outros, de que se salienta, com interesse para o caso apresentado, o já citado princípio da proporcionalidade, que implica que a atuação da Administração deve ser a estritamente necessária e adequada aos objetos prosseguidos pela lei, não devendo por isso impor sacrifícios desnecessários aos seus destinatários. 
 
Deste modo, e com referência a um exemplo concreto apresentado, seria uma atuação absolutamente desproporcionada a demolição pela Câmara Municipal da cobertura de um edifício, construída sem licença, deixando-a sem resguardo. Nesse caso, seria a própria entidade pública que estaria a contribuir para a deterioração total do imóvel. 
 
Aplicando o mesmo princípio, se o edifício servir de habitação permanente, do proprietário ou de outrem, os incómodos causados pela intervenção apenas podem prejudicar esse uso nos termos estritamente necessários ao objetivo pretendido.
 
2. No que respeita às informações que deverão constar do auto de posse administrativa, para efeitos de execução coerciva das medidas de tutela administrativa, são aquelas que estão elencadas no artigo 107º, nomeadamente no seu nº3, bem como outras que se julguem adequadas à situação concreta.
 
3. Coloca a Câmara Municipal a hipótese de a fiscalização desconhecer “como era na verdade o edifício antes de ser intervencionado”. Sobre isto, em primeiro lugar, diremos que em qualquer circunstância toma a lei como certo que o desencadeamento de medidas de tutela da legalidade urbanística tem como finalidade a reposição do estado anterior à violação da lei, o que implica o conhecimento desse estado. No caso, para além disso, de se tratar de um imóvel ou conjunto classificado, não é sequer legalmente admissível que a Administração, nomeadamente a Câmara Municipal, desconheça as características do edifício antes da intervenção, porque necessariamente existirá um cadastro ou inventário dos imóveis (veja-se o artigo 9º, alínea a), do D.L. 59/80, de 3.4, um dos diplomas ao abrigo do qual se decretou a Aldeia Velha de Monsanto como imóvel de interesse público). A classificação do edifício, ou do conjunto edificado, teve precisamente em conta as suas características. Deve por isso o município estar em condições de fazer uma “correta descrição do imóvel quanto às suas características e preexistências”, nos termos da informação camarária.
 
4. Não, obviamente, no caso apresentado, mas sobre o que fazer quando a Câmara Municipal não faça as obras por administração direta, julgamos esclarecedor o seguinte comentário ao artigo 107º do RJUE, feito pelas autoras Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs:
“Se o município não dispuser de meios ou se entender que não deve recorrer a eles, admite-se o recurso à contratação pública, através da celebração de um contrato de empreitada. Antes da revogação do nº9 do artigo 107º pelo diploma mencionado, a adjudicação ao empreiteiro seguia um regime particular: o ajuste direto com consulta prévia a três empresas titulares do alvará exigível para o valor ou natureza das obras, enquanto que a mesma estará agora sujeita aos procedimentos em geral aplicáveis em função do valor da obra pública a levar a cabo, já que apenas se justificará o ajuste direto independentemente do valor desta nos casos em que na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante (artigo 24º, nº1, alínea c) do Decreto-Lei nº18/2008, Código dos Contratos Públicos). Não obstante, esta remissão para o regime jurídico aplicável aos contratos públicos justifica-se em geral pois, ficando as despesas realizadas com a execução coerciva a cargo do proprietário, este tem todo o interesse que as mesmas sejam definidas da forma o mais transparente possível”.1
 
 
Divisão de Apoio Jurídico
 
(António Ramos)
 
1. In Regime Jurídico da urbanização e Edificação, comentado, 2011, 3ª edição, Almedina.