despesas de representação; Presidente Câmara; acumulação com atividades privadas;
Data: sexta, 22 março 2013
Número: DSAJAL 80/13
Responsáveis: Maria José Castanheira Neves (Directora de Serviços de Apoio Jurídico e à Administração Local)
Directora de Serviços de Apoio Jurídico e à Administração Local
Em referência ao ofício n º …, de …, da Câmara Municipal de …, e ao assunto mencionado em epígrafe, temos a informar:
Questiona-nos, o Senhor Presidente da Câmara, concretamente, se o entendimento que obteve sobre os efeitos remuneratórios que resultam da acumulação do exercício do seu cargo de Presidente com o exercício de actividade privada remunerada implicam apenas a redução da sua remuneração base para 50 % , ou deveriam ter tido um outro efeito remuneratório que seria a redução para 50 % das suas despesas de representação.
A resposta a esta questão obriga-nos a uma incursão nos regimes em que os eleitos podem exercer os seus mandatos, dado que será necessário enquadra primeiro a forma de exercício da actividade de eleito local para, seguidamente, analisarmos o conceito de remuneração e os efeitos remuneratórios da acumulação de atividades.
I
Os Eleitos Locais são, de acordo com o artigo 1º do estatuto dos eleitos,1 os membros dos órgãos deliberativos e executivos dos municípios e das freguesias.
Estes eleitos podem desempenhar funções em regime de permanência, em regime de meio tempo e em regime de não permanência.
Os presidentes das Câmaras Municipais, os presidentes das Juntas de Freguesia , em regime de tempo inteiro, e os vereadores a tempo inteiro são classificados inequivocamente em regime de permanência ( artigo 2º do referido estatuto ).
Os membros das assembleias deliberativas quer dos municípios quer das freguesias bem como os vereadores e os vogais das juntas que não estejam nem em regime de tempo inteiro nem em regime de meio tempo são considerados em regime de não permanência.
Os Presidentes de Câmara, no entanto, têm a particularidade de desempenharem funções sempre em regime de permanência ( tempo inteiro) não podendo nunca optar pelo exercício em regime de meio tempo.
Por sua vez, no que respeita à remuneração a que os autarcas têm direito há que referir o seguinte:
A remuneração é um direito essencial que assume o carácter de contrapartida pelo exercício do cargo de eleito a tempo inteiro ou a meio tempo.
A fórmula de cálculo é diferenciada não só consoante se seja eleito municipal ou da freguesia mas também de acordo com o cargo que se desempenha.
Assim, o valor base da remuneração do Presidente da Câmara é fixado por referência ao vencimento base atribuído ao Presidente da República, de acordo com os índices seguintes, constantes no n.º 2 do artigo 6º da lei 29/87, de 30/06:
• Municípios de Lisboa e Porto – 55%;
• Municípios com 40000 ou mais eleitores – 50%;
• Municípios com mais de 10000 e menos de 40000 eleitores – 45%;
• Restantes municípios – 40%
Exercendo os Presidentes de Câmara sempre funções em regime de tempo inteiro (permanência) facto é que este exercício poderá ser realizado em acumulação com outras funções privadas ou públicas ou em exclusividade.
Se o Presidente de Câmara ( ou um vereador em regime de tempo inteiro) acumular o exercício do seu cargo com outras funções, continuará a exercê-las em regime de tempo inteiro ( permanência) mas essa acumulação poderá ter efeitos remuneratórios na sua remuneração base.
Assim, determina o artigo 7 º do Estatuto dos Eleitos Locais:
1 – As remunerações fixadas no artigo anterior são atribuídas do seguinte modo:
a) Aqueles que exerçam exclusivamente as suas funções autárquicas recebem a totalidade das remunerações previstas nos n.os 2 e 3 do artigo anterior;
b) Aqueles que exerçam uma profissão liberal, quando o respectivo estatuto profissional permitir a acumulação, ou qualquer actividade privada perceberão 50% do valor da base da remuneração, sem prejuízo da totalidade das regalias sociais a que tenham direito.
c) Revogado
d)…
II
Como já referimos, questionam-nos sobre os efeitos remuneratórios que resultam da acumulação do exercício do cargo de Presidente com o exercício de actividade privada remunerada, mais concretamente, se tal acumulação implica apenas a redução da sua remuneração base para 50 % , ou se deveria ter tido um outro efeito remuneratório que seria a redução para 50 % das despesas de representação.
Esta questão obriga-nos à análise dos conceitos de remuneração base e de despesas de representação, muito embora o elemento literal da norma nos pudesse ( mas não deveria nunca) simplificar a nossa análise dado que a lei prescreve que « Aqueles que exerçam uma profissão liberal, quando o respectivo estatuto profissional permitir a acumulação, ou qualquer actividade privada perceberão 50% do valor da base da remuneração».
Nesta análise, vamo-nos socorrer do Parecer da Procuradoria-Geral da República 10/2011, publicado no DR, II série, de 28 de Setembro de 2011, que clarifica superiormente estes dois conceitos.
Assim:
«Um dos componentes da remuneração é a remuneração base conforme o artigo 67.º da Lei 12-A/2008 que, embora integrado em diploma dirigido aos trabalhadores da Administração Pública, poderá ser operativo para todas as funções públicas, e, assim, também para se tentar fixar o conceito da retribuição devida pelo exercício de cargos políticos autárquicos.
Os eleitos locais em regime de permanência têm direito, como se disse, a uma remuneração mensal fixada por referência ao vencimento base atribuído ao Presidente da República, de acordo com determinados índices fixados no EEL e na Lei n.º 11/96 e a dois subsídios extraordinários pagos em Junho e de Novembro de cada ano.
O operador jurídico «remuneração» contido no artigo 6.º, n.os 1 e 3, do EEL e, bem assim, no artigo 5.º da Lei n.º 11/96 corresponde exactamente à atribuição pecuniária contrapartida do trabalho, do desempenho das funções inerentes ao cargo em que os eleitos locais em causa estão investidos. Corresponderá, a nosso ver à remuneração básica, nuclear, directamente relacionada com o exercício das funções.
……..
Os outros abonos previstos – ajudas de custo, subsídio de transporte e despesas de representação – não se apresentam propriamente como correspectivos das funções exercidas, inexistindo uma relação de sinalagmaticidade com a prestação funcional, como sucede com o vencimento. Tais abonos são pagos por força da verificação de circunstâncias especiais que rodeiam o exercício do cargo » .
No mesmo sentido, exclusão das despesas de representação do conceito de remuneração base, já tinha sido aprovada uma conclusão, acordada em reunião de coordenação jurídica, realizada em 7 de Maio de 2002, que embora se tivesse baseado num anterior quadro jurídico mantém actualidade no que respeita á natureza dos conceitos.
A conclusão foi a seguinte:
«a) As despesas de representação dos eleitos locais não integram a remuneração – base mensal, têm a natureza de suplemento (cf. Artºs 15º, nº 1 e 19º, nº 2, alínea b) do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, e nº 3 do artº 6 do Estatuto da Aposentação).
b) O artº 8 da Lei nº 29/87, de 30 de Junho (Estatuto dos Eleitos locais), na redacção dada pela Lei nº 86/2001, de 10 de Agosto, ao estabelecer que os eleitos locais em regime de meio tempo têm direito a metade das remunerações e subsídios fixados para os respectivos cargos em regime de tempo inteiro não abrange os suplementos, pelo que os vereadores em regime de meio tempo não têm direito a abono de despesas de representação.»
Concordamos inteiramente quer com o entendimento inserto no parecer da Procuradoria-Geral da República que citámos, quer na conclusão da reunião de coordenação jurídica.
De facto, as despesas de representação destinam-se a « compensar os encargos extraordinários que resultem do exercício do cargo…. tendo por isso o carácter de um abono indemnizatório que, como tal, deve reverter a favor de quem, estando legalmente investido no cargo, ficou sujeito a despesas determinadas pelo exercício da função para ocorrer às quais a lei o atribuiu »2.
Estas despesas só são devidas a quem exerça funções em regime de permanência, ou seja, em regime de tempo inteiro, nas Câmaras Municipais ou nas Juntas de Freguesia.
Os eleitos das Câmaras Municipais, em regime de permanência, têm direito a despesas de representação correspondentes a 30% das respectivas remunerações, no caso do Presidente da Câmara, e 20%, para os vereadores a tempo inteiro, pagas doze vezes ao ano ( n.º 4 do artigo 6º do Estatuto dos Eleitos Locais, com a redacção dada pela lei nº 50/99, de 24/06).
Os membros das juntas de freguesia em regime de permanência a tempo inteiro têm direito a despesas de representação correspondentes a 30 % das respectivas remunerações base, no caso do presidente e a 20% no caso dos vogais, e que são pagas 12 vezes ao ano. ( veja-se a lei n º 87/2001, de 10 de Agosto ).
No que respeita ao conceito de despesas de representação o já citado Parecer da Procuradoria-Geral da República 10/2011, publicado no DR, II série, de 28 de Setembro de 2011, é francamente elucidativo quanto á natureza do mesmo.
«Considerou-se já ser tal abono um vencimento acessório destinado a compensar os encargos sociais extraordinários que resultem do normal e correspondente exercício do cargo – desde os actos de cortesia individual, passando pelas exigências de vestuário, os gastos, enfim, que a pessoa investida no cargo tem necessariamente de fazer por causa do seu desempenho – e que se não fosse isso poderia dispensar-se de efectuar, tendo por isso o carácter de um abono indemnizatório que, como tal, deve reverter a favor de quem, estando legalmente investido no desempenho do cargo, ficou sujeito às despesas determinadas pelo exercício da função para acorrer às quais a lei o atribuiu.
Na mesma linha fundamental de entendimento considerou-se, em outra oportunidade, que o abono de despesas de representação se destinava à compensação directa de despesas ou a indemnizar os funcionários de despesas especiais a que os sujeitava o exercício da função.
Também se salientou que as despesas de representação não estão directamente relacionadas como exercício da função, projectando-se numa esfera diferente que toca com uma maneira de ser e está para além de simples relação funcional, destinando-se a compensar as despesas provocadas mediatamente pelo exercício da função.
A evolução legislativa, por seu lado, oferece algumas referências que podem constituir elementos a atender na caracterização do abono para despesas de representação.
No Decreto-Lei n.º 49410, de 24 de Novembro de 1969, estabelecia-se que os servidores do Estado não podiam receber pelo exercício do respectivo cargo mais de 95% do ordenado correspondente à categoria imediatamente superior do mesmo quadro e que para esse efeito não eram consideradas, além do mais, as despesas de representação e outras que constituíssem simples compensação de despesas feitas por motivo de serviço (artigo 8.º, n.os 1, alínea b), e 2).
No Decreto-Lei n.º 305/71, de 15 de Julho, consideraram-se as despesas de representação, a par dos salários e vencimentos, integradas no grupo das remunerações certas e permanentes (artigo 11.º, n.º 1).
Para efeitos de execução do referido diploma, entendeu a administração financeira do Estado que o abono para despesas de representação era “a forma de remuneração constituída pelos abonos feitos a determinadas pessoas que ocupam altos cargos do Estado ou nele exercem funções de relevo, por considerar que não devem suportar os encargos que se entende serem obrigados a satisfazer em razão do decoro e da dignidade necessariamente observados no desempenho desses cargos e funções”.
No Estatuto da Aposentação – EA –, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, dispõe-se, por seu lado, que para efeitos de aplicação do respectivo regime e salvo disposição especial em contrário, se consideram remunerações os ordenados, salários, gratificações, emolumentos e outras retribuições certas ou acidentais, fixas ou variáveis, correspondentes aos cargos exercidos não isentas de quota, mas que para tal efeito não se consideravam remunerações, além do mais, as destinadas a despesas de representação (artigo 6.º, n.os 1 e 3).
No Decreto-Lei n.º 110-A/81, de 14 de Maio, prescreveu-se, por um lado, ser proibida a criação, aumento ou extensão das remunerações acessórias e que estas eram referidas ao cargo, independentemente da pessoa do respectivo titular, e, por outro, que eram consideradas acessórias as remunerações que acrescessem ao vencimento ou remuneração principal mas com exclusão, além do mais, das despesas de representação e quaisquer outras que revestissem a natureza de simples compensação ou reembolso de despesas feitas por motivo de serviço (artigo 8.º).
Regime idêntico foi mantido nos diplomas que actualizaram os vencimentos da função pública como se verifica, por exemplo, dos artigos 7.º do Decreto-Lei n.º 57-C/84, de 20 de Fevereiro, e 15.º do Decreto-Lei n.º 40-A/85, de 11 de Fevereiro.
De toda a evolução legislativa recenseada resulta, assim, que, no sistema retributivo da função pública sempre se distinguiu – noções com inteira autonomia categorial e qualificativa – entre vencimento e despesas de representação.»
O mesmo sucedeu no regime resultante da reforma de 1989 que se mantém, actualmente, na LVCR.
Como vimos, os suplementos, envolvendo um acréscimo à remuneração base, destinam-se a remunerar as específicas condições em que o trabalho é prestado ou as particularidades que envolve a sua execução.
O suplemento para despesas de representação continua a assumir natureza indemnizatória e destina-se a compensar o funcionário ou agente do acréscimo de despesas determinado pelo exercício de funções inerentes aos respectivos cargos.
A doutrina reafirma o descrito perfil do abono de despesas de representação. PAULO VEIGA E MOURA pondera, a este propósito, que:
«Aos funcionários ou agentes que ocupem uma determinada posição hierárquica no seio de uma pessoa colectiva pública, podem ser atribuídas funções representativas da instituição que servem.
Sempre que tal suceda, o funcionário ou agente identifica-se com a pessoa colectiva que representa em todos os actos externos em que participe.
A representatividade em que são investidos justifica a adopção de um conjunto de cuidados, não exigíveis aos demais funcionários ou agentes, que implicam a realização de despesas tendentes a assegurar a dignidade e o prestígio da instituição representada.
O suplemento por despesas de representação destina-se, justamente, a compensar o acréscimo de despesas inerentes à necessidade do funcionário ou agente representar de forma condigna a pessoa pública para que trabalha (-) (-)»
Reafirmando-se a natureza autónoma, que já se assinalou, das despesas de representação relativamente ao vencimento, cumpre salientar, citando-se, novamente o parecer n.º 40/98, que tais atribuições «não estão directamente relacionadas com o exercício da função; projectam-se numa esfera diferente que toca com uma maneira de ser e estar para além da simples relação funcional».
Às despesas de representação, acrescenta-se ali, «numa dada perspectiva, falta-lhes a correspectividade da retribuição, pois visam simplesmente a reintegração (directa e específica ou “à forfait”) de desembolsos ou de encargos especiais que o trabalhador tem de suportar».
Como se lê no Acórdão de 15 de Fevereiro de 2001 do Supremo Tribunal Administrativo, a atribuição de despesas de representação aos titulares de certos cargos dirigentes «funda-se primacialmente no interesse público, estando em causa a salvaguarda da dignidade e prestígio das funções e especiais exigências de disponibilidade permanente do dirigente para o seu exercício e a compensá-los pela necessidade de suportar despesas acrescidas de carácter social que tal exercício geralmente implica».
No mesmo sentido, o Acórdão do mesmo Tribunal, de 31 de Outubro de 2007, onde se considera que as despesas de representação «não são vencimento do cargo, destinando-se, antes, a indemnizar os respectivos beneficiários de despesas especiais determinadas por motivos de serviço». Conforme sumário desse Acórdão, «as despesas de representação não fazem parte do conceito de remuneração em sentido estrito. São suplementos ou acréscimos remuneratórios que visam compensar o funcionário pelas despesas que ele tenha de efectuar em razão das especificidades próprias do cargo e da dignidade e do prestígio, tanto da função desempenhada, como da instituição representada».
Conclusão:
1. Podemos, então, concluir que as despesas de representação não integram o conceito de remuneração base, são suplementos ou acréscimos remuneratórios que visam compensar o eleito pelas despesas que ele tenha de efectuar em razão do cargo desempenhado e da representação da autarquia, pelo que um Presidente de Câmara que acumule o exercício do seu cargo com actividade privada remunerada aufere 50 % do valor de base da sua remuneração mas aufere por inteiro as despesas de representação;
2. Um Presidente de Câmara exerce sempre as suas funções em regime de tempo inteiro, com ou sem exclusividade;
3. Um Presidente de Câmara que acumular o exercício do seu cargo com actividades privadas remuneradas recebe 50 % da sua remuneração;
4. Dado que as despesas de representação não integram o conceito de remuneração, são suplementos remuneratórios, são integralmente recebidas pelo Presidente da Câmara, que continua a exercer o seu cargo em regime de tempo inteiro;
5. Há que clarificar que um Presidente da Câmara exerce sempre as suas funções em regime de tempo inteiro, pelo que tem sempre direito a receber despesas de representação, que são unicamente auferidas pelas autarcas que exercem funções em regime de tempo inteiro;
Maria José l. Castanheira Neves
(Diretora de serviços de Apoio Jurídico e à Administração local)
1. Lei nº 29/87, de 30/06, com as alterações introduzidas pelas leis 97/89, de 15/12, 1/91, de 10/01, 11/91, de 17/05, 11/96, de 18/04, 127/97, de 11/12, 50/99, de 24/06, e 86/2001, de 10/08 .
2. Parecer da PGR, processo n.º 40/98, publicado no D.R. , n.º 90, II série, de 17/04/1999.
despesas de representação; Presidente Câmara; acumulação com atividades privadas;
despesas de representação; Presidente Câmara; acumulação com atividades privadas;
Data: sexta, 22 março 2013
Número: DSAJAL 80/13
Responsáveis: Maria José Castanheira Neves (Directora de Serviços de Apoio Jurídico e à Administração Local)
Directora de Serviços de Apoio Jurídico e à Administração Local
Em referência ao ofício n º …, de …, da Câmara Municipal de …, e ao assunto mencionado em epígrafe, temos a informar:
Questiona-nos, o Senhor Presidente da Câmara, concretamente, se o entendimento que obteve sobre os efeitos remuneratórios que resultam da acumulação do exercício do seu cargo de Presidente com o exercício de actividade privada remunerada implicam apenas a redução da sua remuneração base para 50 % , ou deveriam ter tido um outro efeito remuneratório que seria a redução para 50 % das suas despesas de representação.
A resposta a esta questão obriga-nos a uma incursão nos regimes em que os eleitos podem exercer os seus mandatos, dado que será necessário enquadra primeiro a forma de exercício da actividade de eleito local para, seguidamente, analisarmos o conceito de remuneração e os efeitos remuneratórios da acumulação de atividades.
I
Os Eleitos Locais são, de acordo com o artigo 1º do estatuto dos eleitos,1 os membros dos órgãos deliberativos e executivos dos municípios e das freguesias.
Estes eleitos podem desempenhar funções em regime de permanência, em regime de meio tempo e em regime de não permanência.
Os presidentes das Câmaras Municipais, os presidentes das Juntas de Freguesia , em regime de tempo inteiro, e os vereadores a tempo inteiro são classificados inequivocamente em regime de permanência ( artigo 2º do referido estatuto ).
Os membros das assembleias deliberativas quer dos municípios quer das freguesias bem como os vereadores e os vogais das juntas que não estejam nem em regime de tempo inteiro nem em regime de meio tempo são considerados em regime de não permanência.
Os Presidentes de Câmara, no entanto, têm a particularidade de desempenharem funções sempre em regime de permanência ( tempo inteiro) não podendo nunca optar pelo exercício em regime de meio tempo.
Por sua vez, no que respeita à remuneração a que os autarcas têm direito há que referir o seguinte:
A remuneração é um direito essencial que assume o carácter de contrapartida pelo exercício do cargo de eleito a tempo inteiro ou a meio tempo.
A fórmula de cálculo é diferenciada não só consoante se seja eleito municipal ou da freguesia mas também de acordo com o cargo que se desempenha.
Assim, o valor base da remuneração do Presidente da Câmara é fixado por referência ao vencimento base atribuído ao Presidente da República, de acordo com os índices seguintes, constantes no n.º 2 do artigo 6º da lei 29/87, de 30/06:
• Municípios de Lisboa e Porto – 55%;
• Municípios com 40000 ou mais eleitores – 50%;
• Municípios com mais de 10000 e menos de 40000 eleitores – 45%;
• Restantes municípios – 40%
Exercendo os Presidentes de Câmara sempre funções em regime de tempo inteiro (permanência) facto é que este exercício poderá ser realizado em acumulação com outras funções privadas ou públicas ou em exclusividade.
Se o Presidente de Câmara ( ou um vereador em regime de tempo inteiro) acumular o exercício do seu cargo com outras funções, continuará a exercê-las em regime de tempo inteiro ( permanência) mas essa acumulação poderá ter efeitos remuneratórios na sua remuneração base.
Assim, determina o artigo 7 º do Estatuto dos Eleitos Locais:
1 – As remunerações fixadas no artigo anterior são atribuídas do seguinte modo:
a) Aqueles que exerçam exclusivamente as suas funções autárquicas recebem a totalidade das remunerações previstas nos n.os 2 e 3 do artigo anterior;
b) Aqueles que exerçam uma profissão liberal, quando o respectivo estatuto profissional permitir a acumulação, ou qualquer actividade privada perceberão 50% do valor da base da remuneração, sem prejuízo da totalidade das regalias sociais a que tenham direito.
c) Revogado
d)…
II
Como já referimos, questionam-nos sobre os efeitos remuneratórios que resultam da acumulação do exercício do cargo de Presidente com o exercício de actividade privada remunerada, mais concretamente, se tal acumulação implica apenas a redução da sua remuneração base para 50 % , ou se deveria ter tido um outro efeito remuneratório que seria a redução para 50 % das despesas de representação.
Esta questão obriga-nos à análise dos conceitos de remuneração base e de despesas de representação, muito embora o elemento literal da norma nos pudesse ( mas não deveria nunca) simplificar a nossa análise dado que a lei prescreve que « Aqueles que exerçam uma profissão liberal, quando o respectivo estatuto profissional permitir a acumulação, ou qualquer actividade privada perceberão 50% do valor da base da remuneração».
Nesta análise, vamo-nos socorrer do Parecer da Procuradoria-Geral da República 10/2011, publicado no DR, II série, de 28 de Setembro de 2011, que clarifica superiormente estes dois conceitos.
Assim:
«Um dos componentes da remuneração é a remuneração base conforme o artigo 67.º da Lei 12-A/2008 que, embora integrado em diploma dirigido aos trabalhadores da Administração Pública, poderá ser operativo para todas as funções públicas, e, assim, também para se tentar fixar o conceito da retribuição devida pelo exercício de cargos políticos autárquicos.
Os eleitos locais em regime de permanência têm direito, como se disse, a uma remuneração mensal fixada por referência ao vencimento base atribuído ao Presidente da República, de acordo com determinados índices fixados no EEL e na Lei n.º 11/96 e a dois subsídios extraordinários pagos em Junho e de Novembro de cada ano.
O operador jurídico «remuneração» contido no artigo 6.º, n.os 1 e 3, do EEL e, bem assim, no artigo 5.º da Lei n.º 11/96 corresponde exactamente à atribuição pecuniária contrapartida do trabalho, do desempenho das funções inerentes ao cargo em que os eleitos locais em causa estão investidos. Corresponderá, a nosso ver à remuneração básica, nuclear, directamente relacionada com o exercício das funções.
……..
Os outros abonos previstos – ajudas de custo, subsídio de transporte e despesas de representação – não se apresentam propriamente como correspectivos das funções exercidas, inexistindo uma relação de sinalagmaticidade com a prestação funcional, como sucede com o vencimento. Tais abonos são pagos por força da verificação de circunstâncias especiais que rodeiam o exercício do cargo » .
No mesmo sentido, exclusão das despesas de representação do conceito de remuneração base, já tinha sido aprovada uma conclusão, acordada em reunião de coordenação jurídica, realizada em 7 de Maio de 2002, que embora se tivesse baseado num anterior quadro jurídico mantém actualidade no que respeita á natureza dos conceitos.
A conclusão foi a seguinte:
«a) As despesas de representação dos eleitos locais não integram a remuneração – base mensal, têm a natureza de suplemento (cf. Artºs 15º, nº 1 e 19º, nº 2, alínea b) do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, e nº 3 do artº 6 do Estatuto da Aposentação).
b) O artº 8 da Lei nº 29/87, de 30 de Junho (Estatuto dos Eleitos locais), na redacção dada pela Lei nº 86/2001, de 10 de Agosto, ao estabelecer que os eleitos locais em regime de meio tempo têm direito a metade das remunerações e subsídios fixados para os respectivos cargos em regime de tempo inteiro não abrange os suplementos, pelo que os vereadores em regime de meio tempo não têm direito a abono de despesas de representação.»
Concordamos inteiramente quer com o entendimento inserto no parecer da Procuradoria-Geral da República que citámos, quer na conclusão da reunião de coordenação jurídica.
De facto, as despesas de representação destinam-se a « compensar os encargos extraordinários que resultem do exercício do cargo…. tendo por isso o carácter de um abono indemnizatório que, como tal, deve reverter a favor de quem, estando legalmente investido no cargo, ficou sujeito a despesas determinadas pelo exercício da função para ocorrer às quais a lei o atribuiu »2.
Estas despesas só são devidas a quem exerça funções em regime de permanência, ou seja, em regime de tempo inteiro, nas Câmaras Municipais ou nas Juntas de Freguesia.
Os eleitos das Câmaras Municipais, em regime de permanência, têm direito a despesas de representação correspondentes a 30% das respectivas remunerações, no caso do Presidente da Câmara, e 20%, para os vereadores a tempo inteiro, pagas doze vezes ao ano ( n.º 4 do artigo 6º do Estatuto dos Eleitos Locais, com a redacção dada pela lei nº 50/99, de 24/06).
Os membros das juntas de freguesia em regime de permanência a tempo inteiro têm direito a despesas de representação correspondentes a 30 % das respectivas remunerações base, no caso do presidente e a 20% no caso dos vogais, e que são pagas 12 vezes ao ano. ( veja-se a lei n º 87/2001, de 10 de Agosto ).
No que respeita ao conceito de despesas de representação o já citado Parecer da Procuradoria-Geral da República 10/2011, publicado no DR, II série, de 28 de Setembro de 2011, é francamente elucidativo quanto á natureza do mesmo.
«Considerou-se já ser tal abono um vencimento acessório destinado a compensar os encargos sociais extraordinários que resultem do normal e correspondente exercício do cargo – desde os actos de cortesia individual, passando pelas exigências de vestuário, os gastos, enfim, que a pessoa investida no cargo tem necessariamente de fazer por causa do seu desempenho – e que se não fosse isso poderia dispensar-se de efectuar, tendo por isso o carácter de um abono indemnizatório que, como tal, deve reverter a favor de quem, estando legalmente investido no desempenho do cargo, ficou sujeito às despesas determinadas pelo exercício da função para acorrer às quais a lei o atribuiu.
Na mesma linha fundamental de entendimento considerou-se, em outra oportunidade, que o abono de despesas de representação se destinava à compensação directa de despesas ou a indemnizar os funcionários de despesas especiais a que os sujeitava o exercício da função.
Também se salientou que as despesas de representação não estão directamente relacionadas como exercício da função, projectando-se numa esfera diferente que toca com uma maneira de ser e está para além de simples relação funcional, destinando-se a compensar as despesas provocadas mediatamente pelo exercício da função.
A evolução legislativa, por seu lado, oferece algumas referências que podem constituir elementos a atender na caracterização do abono para despesas de representação.
No Decreto-Lei n.º 49410, de 24 de Novembro de 1969, estabelecia-se que os servidores do Estado não podiam receber pelo exercício do respectivo cargo mais de 95% do ordenado correspondente à categoria imediatamente superior do mesmo quadro e que para esse efeito não eram consideradas, além do mais, as despesas de representação e outras que constituíssem simples compensação de despesas feitas por motivo de serviço (artigo 8.º, n.os 1, alínea b), e 2).
No Decreto-Lei n.º 305/71, de 15 de Julho, consideraram-se as despesas de representação, a par dos salários e vencimentos, integradas no grupo das remunerações certas e permanentes (artigo 11.º, n.º 1).
Para efeitos de execução do referido diploma, entendeu a administração financeira do Estado que o abono para despesas de representação era “a forma de remuneração constituída pelos abonos feitos a determinadas pessoas que ocupam altos cargos do Estado ou nele exercem funções de relevo, por considerar que não devem suportar os encargos que se entende serem obrigados a satisfazer em razão do decoro e da dignidade necessariamente observados no desempenho desses cargos e funções”.
No Estatuto da Aposentação – EA –, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, dispõe-se, por seu lado, que para efeitos de aplicação do respectivo regime e salvo disposição especial em contrário, se consideram remunerações os ordenados, salários, gratificações, emolumentos e outras retribuições certas ou acidentais, fixas ou variáveis, correspondentes aos cargos exercidos não isentas de quota, mas que para tal efeito não se consideravam remunerações, além do mais, as destinadas a despesas de representação (artigo 6.º, n.os 1 e 3).
No Decreto-Lei n.º 110-A/81, de 14 de Maio, prescreveu-se, por um lado, ser proibida a criação, aumento ou extensão das remunerações acessórias e que estas eram referidas ao cargo, independentemente da pessoa do respectivo titular, e, por outro, que eram consideradas acessórias as remunerações que acrescessem ao vencimento ou remuneração principal mas com exclusão, além do mais, das despesas de representação e quaisquer outras que revestissem a natureza de simples compensação ou reembolso de despesas feitas por motivo de serviço (artigo 8.º).
Regime idêntico foi mantido nos diplomas que actualizaram os vencimentos da função pública como se verifica, por exemplo, dos artigos 7.º do Decreto-Lei n.º 57-C/84, de 20 de Fevereiro, e 15.º do Decreto-Lei n.º 40-A/85, de 11 de Fevereiro.
De toda a evolução legislativa recenseada resulta, assim, que, no sistema retributivo da função pública sempre se distinguiu – noções com inteira autonomia categorial e qualificativa – entre vencimento e despesas de representação.»
O mesmo sucedeu no regime resultante da reforma de 1989 que se mantém, actualmente, na LVCR.
Como vimos, os suplementos, envolvendo um acréscimo à remuneração base, destinam-se a remunerar as específicas condições em que o trabalho é prestado ou as particularidades que envolve a sua execução.
O suplemento para despesas de representação continua a assumir natureza indemnizatória e destina-se a compensar o funcionário ou agente do acréscimo de despesas determinado pelo exercício de funções inerentes aos respectivos cargos.
A doutrina reafirma o descrito perfil do abono de despesas de representação. PAULO VEIGA E MOURA pondera, a este propósito, que:
«Aos funcionários ou agentes que ocupem uma determinada posição hierárquica no seio de uma pessoa colectiva pública, podem ser atribuídas funções representativas da instituição que servem.
Sempre que tal suceda, o funcionário ou agente identifica-se com a pessoa colectiva que representa em todos os actos externos em que participe.
A representatividade em que são investidos justifica a adopção de um conjunto de cuidados, não exigíveis aos demais funcionários ou agentes, que implicam a realização de despesas tendentes a assegurar a dignidade e o prestígio da instituição representada.
O suplemento por despesas de representação destina-se, justamente, a compensar o acréscimo de despesas inerentes à necessidade do funcionário ou agente representar de forma condigna a pessoa pública para que trabalha (-) (-)»
Reafirmando-se a natureza autónoma, que já se assinalou, das despesas de representação relativamente ao vencimento, cumpre salientar, citando-se, novamente o parecer n.º 40/98, que tais atribuições «não estão directamente relacionadas com o exercício da função; projectam-se numa esfera diferente que toca com uma maneira de ser e estar para além da simples relação funcional».
Às despesas de representação, acrescenta-se ali, «numa dada perspectiva, falta-lhes a correspectividade da retribuição, pois visam simplesmente a reintegração (directa e específica ou “à forfait”) de desembolsos ou de encargos especiais que o trabalhador tem de suportar».
Como se lê no Acórdão de 15 de Fevereiro de 2001 do Supremo Tribunal Administrativo, a atribuição de despesas de representação aos titulares de certos cargos dirigentes «funda-se primacialmente no interesse público, estando em causa a salvaguarda da dignidade e prestígio das funções e especiais exigências de disponibilidade permanente do dirigente para o seu exercício e a compensá-los pela necessidade de suportar despesas acrescidas de carácter social que tal exercício geralmente implica».
No mesmo sentido, o Acórdão do mesmo Tribunal, de 31 de Outubro de 2007, onde se considera que as despesas de representação «não são vencimento do cargo, destinando-se, antes, a indemnizar os respectivos beneficiários de despesas especiais determinadas por motivos de serviço». Conforme sumário desse Acórdão, «as despesas de representação não fazem parte do conceito de remuneração em sentido estrito. São suplementos ou acréscimos remuneratórios que visam compensar o funcionário pelas despesas que ele tenha de efectuar em razão das especificidades próprias do cargo e da dignidade e do prestígio, tanto da função desempenhada, como da instituição representada».
Conclusão:
1. Podemos, então, concluir que as despesas de representação não integram o conceito de remuneração base, são suplementos ou acréscimos remuneratórios que visam compensar o eleito pelas despesas que ele tenha de efectuar em razão do cargo desempenhado e da representação da autarquia, pelo que um Presidente de Câmara que acumule o exercício do seu cargo com actividade privada remunerada aufere 50 % do valor de base da sua remuneração mas aufere por inteiro as despesas de representação;
2. Um Presidente de Câmara exerce sempre as suas funções em regime de tempo inteiro, com ou sem exclusividade;
3. Um Presidente de Câmara que acumular o exercício do seu cargo com actividades privadas remuneradas recebe 50 % da sua remuneração;
4. Dado que as despesas de representação não integram o conceito de remuneração, são suplementos remuneratórios, são integralmente recebidas pelo Presidente da Câmara, que continua a exercer o seu cargo em regime de tempo inteiro;
5. Há que clarificar que um Presidente da Câmara exerce sempre as suas funções em regime de tempo inteiro, pelo que tem sempre direito a receber despesas de representação, que são unicamente auferidas pelas autarcas que exercem funções em regime de tempo inteiro;
Maria José l. Castanheira Neves
(Diretora de serviços de Apoio Jurídico e à Administração local)
1. Lei nº 29/87, de 30/06, com as alterações introduzidas pelas leis 97/89, de 15/12, 1/91, de 10/01, 11/91, de 17/05, 11/96, de 18/04, 127/97, de 11/12, 50/99, de 24/06, e 86/2001, de 10/08 .
2. Parecer da PGR, processo n.º 40/98, publicado no D.R. , n.º 90, II série, de 17/04/1999.
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