Home>Legal Opinions up to 2017>Regulamentos; Invalidade das suas normas.
Home Legal Opinions up to 2017 Regulamentos; Invalidade das suas normas.
Regulamentos; Invalidade das suas normas.

 

Solicita o Vice-Presidente da Câmara Municipal …, por seu ofício de …, referência n.º …, a emissão de parecer sobre a seguinte questão: 

De maio a outubro do ano de 2014, teve lugar neste Município uma Auditoria Temática na área do urbanismo promovida pela Inspeção Gera de Finanças a qual, entre outras questões, veio a ordenar, em sede de relatório preliminar dessa auditoria, a declaração de nulidade do art. 4.º do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização deste Município, bem como do art.49.º do Regulamento Geral e Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de …, por violação do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação, mais concretamente o Regime das Obras de lmpacte Semelhante e Obras de lmpacte Relevante a uma operação de loteamento, bem como aplicação da Taxa pela realização, manutenção e reforço das infraestruturas urbanísticas, ordem essa que o Município, de imediato, acatou conforme se pode verificar pela publicação das alterações a tais disposições publicadas na II Série do Diário da República n.º 49 de 11 de março do corrente ano.
Vem agora aquela entidade em sede de relatório definitivo da auditoria, solicitar, para além dos comprovativos de tais alterações (publicação em Diário da República), deliberação da Câmara Municipal em conjunto com a Assembleia Municipal, sobre a nulidade daqueles preceitos regulamentares.
Ora, considerando o procedimento já concretizado de alteração daquelas disposições, vimos solicitar a Vossas Ex.as com a maior brevidade possível (prazo de resposta do Município á IGF termina a 13 de Novembro), parecer jurídico sobre a necessidade, ou não, e em que modos, de tal declaração de nulidade.
Posteriormente, através de mail recebido em 15/10/2015, 16:14, a edilidade fez chegar a esta CCDRC cópia dos trechos do Relatório da IGF n.º 2331/2014, Proc. 2014/185/B1/593, pertinentes para a análise da questão colocada.
Aí é dito, quanto aos regulamentos ora visados (não são transcritas as referências e o texto das notas de rodapé):
2.3. Regulamento do PDM e regulamentos municipais
Em matéria de gestão urbanística, em especial na urbanização e edificação, a abranger o período temporal da ação, o Município dispôs dos seguintes regulamentos:

– Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização (RMEU), publicado no DR, II.ª Série, de 11/jan/2011;
– Regulamento Geral e Tabela de Taxas e Licenças do Município de … (RGTTLMA), publicado no DR, II.ª Série, de 5/mai/2010;
– Regulamento Geral e Tabela de Taxas e Licenças do Município de … (RGTTLMA), publicado no DR, II.ª Série, de 13/ago/2012;

2.3.2. RMEU
O RMEU foi aprovado ao abrigo Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) e respetivas alterações a que o mesmo foi, entretanto, sujeito.
Este regulamento contempla a concretização do RJUE, no que respeita à urbanização e edificação em matéria de operações urbanísticas, deixando o que se prende com o lançamento, liquidação e cobrança das taxas e demais encargos para regulamentação autónoma.
O RMEU prevê e define no seu artigo 4.º as intervenções urbanísticas com impacte semelhante a uma operação de loteamento, dando cumprimento ao disposto no art.º 57.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aplicável a “edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si”, não prevendo, contudo, as operações urbanísticas que devem ser consideradas como de impacte relevante, atento o disposto no art.º 44.º, n.º 5, daquele mesmo regime.
Esta falta de previsão de operações urbanísticas, consideradas como de impacte relevante, que não constituam “edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si”, pode dispensar da sujeição às cedências e compensações em dinheiro ou em espécie previstas para as operações de loteamento, em relação às quais se justificaria a obrigatoriedade das referidas contrapartidas ao Município, com claro prejuízo para esta entidade.
Acresce que a maior parte das situações descritas de “Impacte semelhante a uma operação de loteamento” no mencionado art.º 4.º do RMEU não respeitam necessariamente a “edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si”, antes podendo caber no conceito mais alargado de “impacte relevante”, previsto no art.º 44.º, n.º 5, do RJUE, que falta regulamentar pelo MA.
Uma vez que o conteúdo do artigo 4.º do RMEU extravasa claramente a previsão do artigo 57.º, n.º 5, do RJUE, encontra-se ferido de nulidade.
A CMA deverá, por isso, declarar a nulidade do art.º 4.º do RMEU, sob pena de participação ao Ministério Público junto do TAF de Viseu, e, simultaneamente, proceder a uma alteração ao RMEU com vista a estabelecer a previsão de operações urbanísticas com “Impacte semelhante a uma operação de loteamento” e com “Impacte relevante”,nos termos do art.º 57.º, n.º 5, e do art.º 44.º, n.º 5, do RJUE, respetivamente.
No contraditório institucional, a autarquia, quanto ao RMEU, alega que:
– O Município convocou, imediatamente a seguir à receção do projeto de relatório da IGF, em 10/dez/2014, reunião extraordinária do órgão executivo (anexando ata), na qual a CM deliberou, por unanimidade, aprovar as alterações ao art.º 4.º do RMEU, no sentido de corrigir as ilegalidades apontadas, bem como conceder o período de 30 dias para discussão pública das mesmas, nos termos do art.º 118.º do CPA;
– Porém, o limite temporal concedido para dar resposta ao projeto de relatório, não permitiu desencadear quaisquer outras alterações àquele Regulamento relativamente ao qual, o Município reconhece a premente necessidade de revisão e atualização;
– No futuro, tão breve quanto possível, esse Regulamento será objeto de uma profunda e ponderada revisão.
Na referida ata da reunião extraordinária, de10/dez/2014, foi proposta e aprovada a seguinte nova redação do art.º 4.º do RMEU:

Face ao exposto, a CMA deverá submeter a esta IGF, no prazo de 60 dias a contar da notificação o presente relatório, a publicação em DR do RMEU, com a nova redação do art.º 4.º, bem como deliberar (em conjunto com a AM) sobre a nulidade desse artigo do RMEU, sob pena de participação ao Ministério Público junto do TAF de Coimbra.
2.3.3. RGTTLMA
O RGTTLMA de 2010, entre outras matérias, regulamentou as operações urbanísticas quanto ao lançamento, liquidação e cobrança das taxas e demais encargos, tal como a versão de 2012 que substituiu o anterior e, de diferente, essencialmente, passou a enquadrar o regime fixado, em especial com os Decretos-Leis n.ºs 123/2009, de 21/mai e 498/2011, de 1/abr, para as atividades económicas abrangidas pelo licenciamento zero.
O RGTTLMA em vigor (2012), tal como sucedia com a versão de 2010 que também referenciava na nota justificativa introdutória “…a fundamentação económico-financeira relativa ao valor das taxas…”, refere que constam do anexo II do diploma as taxas e preços referentes a loteamentos e obras de urbanização e respetiva fundamentação económico-financeira.
Porém, do RGTTLMA e de toda a documentação disponibilizada não extraímos quaisquer elementos, mormente através de um relatório de suporte, quanto aos reais critérios e sua fundamentação de índole económica e financeira que nos permita aferir os coeficientes e fatores encontrados e plasmados para o cálculo das taxas urbanísticas, em obediência ao disposto no art.º 8.º, n.º 2, al. c) do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL).
A fundamentação económico-financeira assume especial enfoque em relação à TMU, atenta a especificidade da exigência prevista no art.º 116.º, n.º 5 do RJUE, a qual deve tender para uma relação proporcional entre o valor do seu cálculo e o investimento municipal programado na execução, manutenção e reforço das infraestruturas urbanísticas (cobertura do custo).
Igualmente não está evidenciada a fundamentação em relação às isenções que o RGTTLMA prevê no art.º 7.º, nem relativamente às compensações previstas nos art.ºs 43.º e 45.º desse mesmo regulamento, nos termos da exigência do disposto no art.º 8.º, n.º 2, alínea d), do RGTAL.
Por outro lado, a taxa pela realização, manutenção e reforço das infraestruturas urbanísticas abrange a emissão do alvará de licença e a admissão da comunicação prévia de loteamento e de obras de construção ou ampliação em área não abrangida por operações de loteamento, conforme previsão do art.º 6, n.º 1, al. a), do RGTAL, conjugado pelo art.º 116.º, n.ºs 2 e 3 do RJUE.
Sobre o âmbito de aplicação da referida taxa, o RGTTLMA, aqui designada de TMI, estipula no art.º 49.º, n.º 1, para o que agora nos interessa, que “…é devida no licenciamento ou comunicação prévia nas seguintes situações:
a) Loteamentos;
b) Obras de construção e ou de ampliação, que originem aumento do número de fogos e não inseridas em loteamentos.”.
Esta redação quanto à aplicação da TMI no MA é igual à que constava em regulamentos anteriores ao que se encontra em vigor, sendo interpretada pelos serviços como só estando sujeita ao pagamento da referida taxa, além dos loteamentos, as construções e ampliações para habitação que originassem aumento de fogos, desde que não inseridas em loteamentos.
Os termos da regulamentação prevista no art.º 49.º do RGTTLMA, exclui algumas operações urbanísticas da sujeição à aplicação da TMI, contrariando o art.º 116, n.º 3 do RJUE que engloba todas as construções e ampliações, não inseridas em loteamento, independentemente do uso que as mesmas possam vir a ter (comércio, serviços, indústria ou armazéns, etc.).
O art.º 4 do RGTTLMA ao não incluir ”todas as construções e ampliações, independentemente do uso que lhes possa ser dado é ilegal por violar o art.º 116.º, n.º 3 do RJUE.
Deverão, pois, estar previstas em regulamento municipal, todas as operações urbanísticas sujeitas ao pagamento da TMU/TMI, por força do já citado art.º 116.º, n.º 3 do RJUE, podendo, contudo, o Município isentar ou reduzir do pagamento de taxas, concretamente desta ou de quaisquer outras, algumas intervenções urbanísticas que a ela estavam sujeitas, igualmente pela via regulamentar, como, aliás, sucede, com as situações previstas no art.º 7.º do RGTTLMA e sempre com a devida fundamentação, tendo em consideração o art.º 8.º, n.º 2, alínea d), da Lei n.º 53-E/2O06, de 29/dez.
O Município dispõe de um RGTTLMA quanto ao lançamento, liquidação e cobrança das taxas e demais encargos que enferma de algumas ilegalidades, nomeadamente no seu artº49.º, que viola o art.º 116.º, n.º 3, do RJUE.
No contraditório institucional, a autarquia, quanto ao RGTTLMA, veio alegar o que atrás já foi referido aquando da análise do RMEU (item 2.3.2.).
Na referida ata da reunião extraordinária, de10/dez/2014, foi proposta e aprovada a seguinte nova redação do art.º 49.º do RGTTLORMA:

Face ao exposto, a CMA deverá submeter a esta IGF, no prazo de 60 dias a contar da notificação do presente relatório, a publicação em DR do RGTTLORMA, com a nova redação do art.º 49.º, bem como deliberar (em conjunto com a AM) sobre a nulidade desse artigo do RGTTLORMA, sob pena de participação ao Ministério Público junto do TAF de Coimbra.

APRECIANDO
1. DO PEDIDO
O que ora está em causa – e que é questionado pela Câmara Municipal de … – é saber se, não obstante o facto das normas dos regulamentos postas em crise pela IGF terem sido devidamente alteradas no sentido apontado no relatório inspetivo daquela entidade (como se pode constatar da publicação de tais alterações no DR, II, n.º 49, de 11 de Março de 2015, pags. 6118-6126), subsiste (ainda) a necessidade de proceder à anulação dessas mesmas normas, na redação que foi revogada por via desta alteração (revogação essa ainda que não sendo expressa1 é-o, seguramente, tácita, por via do princípio “lex posterior derrogat priori”), como o exige a IGF, por, diz esta, se estar perante normas ilegais e por tal nulas – “sob pena” de, em caso de não cumprimento, participar ao Ministério Público competente.
Mas solicita a edilidade que, caso a resposta a esta questão venha a ser afirmativa, se esclareça igualmente em que modos [deve ser feita] tal declaração de nulidade.

2. ANÁLISE
2.1. AS NORMAS REGULAMENTARES EM APREÇO
As normas regulamentares sindicadas pela IGF são o artigo 4.º do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização (RMEU), publicado no DR, II, n.º 6, de 10 de Janeiro de 2011, como Regulamento n.º 17/2011, e o artigo 49.º do Regulamento Geral e Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de … (RGTTLORMA ou “Regulamento e Tabela de Taxas”), publicado no DR, II, n.º 156, de 13 de Agosto de 2012, como Regulamento n.º 356/2012 – encontrando-se ambos os regulamentos vigentes e aplicáveis, à data da inspeção e presentemente, na Edilidade peticionante.
Por via das recomendações constantes do relatório da inspeção, ambos os regulamentos foram alterados, quanto às normas anteindicadas, pelo Regulamento n.º 109/2015, publicado no DR, II, n.º 49, de 11 de Março de 2015, como Regulamento n.º 17/2011. De referir que no Regulamento e Tabela de Taxas foi também alterado, para além da norma já referida, o artigo 41.º, sendo que a ambos os regulamentos foi aditado um novo artigo final – o artigo 97.º-A quanto ao primeiro e o artigo 59.º-A relativamente ao segundo – contendo a regra relativa ao início de vigência das normas alteradas.
2.2. OS ALEGADOS VÍCIOS FUNDANTES DA INVALIDADE REGULAMENTAR
Sobre os vícios que a IGF diz atacarem irremediavelmente a validade das normas em questão quando na sua forma original, diz-se no dito Relatório a respeito do RMEU que este prevê e define no seu artigo 4.º as intervenções urbanísticas com impacte semelhante a uma operação de loteamento, …, não prevendo, contudo, as operações urbanísticas que devem ser consideradas como de impacte relevante, …. Esta falta de previsão de operações urbanísticas … (pag. 18 do Relatório) [sublinhados nossos].
Quanto ao RGTTLORMA ou “Regulamento e Tabela de Taxas”, o mesmo Relatório afirma que o art.º 4 do RGTTLMA ao não incluir ”todas as construções e ampliações, independentemente do uso que lhes possa ser dado é ilegal por violar o art.º 116.º, n.º 3 do RJUE. Deverão, pois, estar previstas em regulamento municipal, todas as operações urbanísticas sujeitas ao pagamento da TMU/TMI … (pag. 21 do Relatório) [sublinhados nossos].
Do afirmado pela IGF resulta evidente que o vício que o Relatório diz detectar em ambos regulamentos não é propriamente uma insanável contradição entre a materialidade das referidas normas – a previsão normativa – e as (respectivas) normas paramétricas superiores2, acarretando a violação destas e, por via disso, tornando as normas regulamentares ilegais mas, antes, a ausência de previsão regulamentar (nesse[s] artigo[s] ou noutra[s] qualquer[quaisquer] norma[s] do regulamento) de (outras) situações que decorrendo do quadro normativo paramétrico, deveriam receber acolhimento e ser feito constar das normas regulamentares.
Assim, não se poderá dizer que se está propriamente perante uma ilegalidade “por contradição” com ou “conflituante desrespeito3” da norma paramétrica, mas antes face a uma “insuficiência de previsão” regulamentar. Isto é por dizer que as normas regulamentares em apreço afinal disciplinam (apenas) parte(s) ou aspecto(s) das situações que, tendo em conta as normas habilitantes, lhes caberia disciplinar; mas tudo quanto nelas é previsto e disciplinado não viola nem conflitua com as respectivas normas habilitantes.
2.3. O DESTINO DAS NORMAS REGUALMENTARES
O que assim fica, dito releva para aquilo que quanto a ambas as normas o Relatório da IGF recomenda à câmara municipal: deliberar (em conjunto com a AM) sobre a nulidade desse artigo …, sob pena de participação ao Ministério Público ….
Acontece porém que para que haja invalidade, o conflito normativo deve ser necessário e não simplesmente contingente. Só quando em toda e qualquer ocasião aplicativa a norma regulamentar conflituar com uma norma superior será a primeira inválida4.
Por outro lado, a invalidade de (ii) normas regulamentares dependentes ou remetidas, destinadas a completar a previsão de normas legais auto-limitadas, (i.e., não auto-exequíveis) resulta, quanto a este parâmetro, da violação do âmbito vinculado da previsão normativa que completam5.
Tendo ficado evidente, como se viu antes, que as normas em apreço apenas pecam por defeito e não por excesso – pois que ambas “sofrem” de “falta de previsão” – então tais normas não são inválidas. Podem ter uma previsão incompleta ou insuficiente, mas tal não significa que sejam irremediavelmente inválidas. Aliás, essas normas – ou mais propriamente, esses “segmentos” de norma porque apenas aspectos de um todo normativo-regulamentar (que deveria ser) mais vasto – continuam a ser recebidas e previstas nas alterações regulamentares agora efetuadas (já que constituem realmente aspectos de uma disciplina regulamentar que, em qualquer circunstância, tem que existir para que se respeite o determinado na lei), às quais (apenas) se juntaram outros aspetos normativos até então regulamentarmente omissos.
Ora, devendo considerar-se como revogadas estas aludidas normas por via da nova disciplina vertida nas alterações regulamentares entretanto aprovada e já vigente (como referido supra), não se compreende qual a necessidade jurídica ou vantagem prática de proceder à declaração de invalidade da redacção original e já revogada das normas regulamentares ora em causa – pois que é disso que se trata.
Se, por um lado, a nova redacção das normas (ou, mais precisamente, as normas com nova redacção) não tem nem lhe pode ser atribuída eficácia retroactiva (princípio agora expressamente consagrado no n.º 1 do artigo 141.º do CPA), por outro, o efeito ex tunc inerente à declaração de invalidade de normas (n.º 3 do artigo 144.º do CPA) além de criar um “vazio normativo” (porque apesar do efeito repristinatório [artigo 144.º, n.º 3, do CPA], não existe, nos casos em apreço, no regulamento imediatamente anterior àquele que contém a disposição revogada, outra norma que disponha sobre a mesma matéria) tem, ainda, a consequência de, apesar de não afeta[r] os casos julgados nem os atos administrativos que se tenham tornado inimpugnáveis, pôr em crise todos os atos administrativos que se tenham tornado inimpugnáveis, desde que estes desfavoráveis para os destinatários (n.º 4 do artigo 144.º do CPA).
Ora sendo certo, como antes se viu, que em boa verdade o vício que afeta as normas em crise é de natureza “omissiva” – por a(s) norma(s) não disciplinar(em) exaustivamente (ou de forma mais abrangente) o quadro legal a regular – e não de natureza “comitiva” – por contrariar(em) o quadro legal habilitante – a (declaração de) invalidade da norma pode (via a) significar um conjunto de efeitos desfavoráveis para a, e geradores de responsabilidade (civil) da, autarquia nos casos que actos por ela praticados (ou, evidentemente, praticados pelos seus órgãos) com fundamento na norma declarada inválida possam ser considerados como atos desfavoráveis para os destinatários em consequência dessa invalidade, por via do favor a que a situação de vazio regulamentar vem dar origem – basta lembrar, por exemplo, o pagamento de taxas previstas n(ess)as normas, as quais deixaram de ter fundamento regulamentar e cujo pagamento representa (sempre) um “desfavor” para os administrados “pagantes” – ainda que essas mesmas taxas continuem a ser previstas e devidas após as alterações regulamentares, por a nova norma conter exatamente os (mesmos) pressupostos de facto tributários presentes na norma original declarada inválida.
Acresce que, no atual estádio da normação jurídico-administrativa, a declaração administrativa de invalidade de normas, prevista no artigo 144.º do CPA, não permite a modulação dos efeitos desta, como o permite a declaração judicial, designadamente quando para esta se prevê a possibilidade do tribunal fixar que os efeitos da decisão se produzam apenas a partir da data do trânsito em julgado da sentença quando razões de segurança jurídica, de equidade ou de interesse público de excecional relevo, devidamente fundamentadas, o justifiquem (n.º 2 do artigo 76.º do CPTA 2002 que se mantém no CPTA 2015).
Por outro lado, a declaração judicial de ilegalidade de norma não afeta os casos julgados nem os atos administrativos que entretanto se tenham tornado inimpugnáveis, salvo decisão em contrário do tribunal, quando a norma respeite a matéria sancionatória e seja de conteúdo menos favorável ao particular (n.º 3 do artigo 76.º do CPTA 2002 e n.º 4 do mesmo artigo no CPTA 2015) ao contrário do que acontece na declaração administrativa de ilegalidade, onde a retroatividade da declaração de invalidade afecta, automática, irrestrita e incondicionalmente, ou seja, sem possibilidade de qualquer modulação, todos os actos administrativos ainda que (já) inimpugnáveis, quando se apresentem (ou passem a apresentar) como desfavoráveis para os seus destinatários (e não apenas quando se trate unicamente de actos sancionatórios).
De referir a final, que em caso de dissídio sobre estas questões, caberá sempre aos tribunais, em última análise, a apreciação e decisão sobre a legalidade de normas regulamentares (artigos 46.º, n.º 1, al. c) e 72.º e segs. do CPTA 2002 ou artigos 37.º, n.º 1, al. d) e 72.º e segs. do CPTA 2015) – e, portanto, das normas ora aqui em causa.

CONCLUINDO
a) O vício invalidante assacado pela IGF ao artigo 4.º do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização (RMEU) e ao artigo 49.º do Regulamento Geral e Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de … (RGTTLORMA ou “Regulamento e Tabela de Taxas”), ambos da Câmara Municipal de …, é, em ambos os casos, um vício por omissão de norma, no primeiro deles, por a norma não prever as operações urbanísticas que devem ser consideradas como de impacte relevante e, no segundo, por a norma não conter todas as operações urbanísticas sujeitas ao pagamento da TMU/TMI;
b) Ora, tratando-se de um vício por omissão de previsão, a invalidação daquelas duas referidas normas na sua redação original, que, aliás, já se encontra revogada, é insusceptível de sanar tal vício – pois que tal vício apenas se sana pela aprovação de normas que prevejam as situações omitidas;
c) A isto acresce ainda o facto de a invalidação das normas em questão, ao criar, na matéria que disciplinam, um vazio normativo, poder vir a dar origem a que situações de atos desfavoráveis para os seus destinatários deixem de ter respaldo em norma jurídica (regulamentar) que os previam, com a admissível e consequencial responsabilização do município.
d) Não se encontra, assim, justificação para que as normas em causa, aliás já revogadas, careçam de ser declaradas inválidas pelos órgãos autárquicos que intervieram no procedimento da sua aprovação.
e) Em caso de dissídio sobre a (i)legalidade de normas regulamentares, caberá sempre aos tribunais, em última análise, a apreciação e decisão sobre a mesma.

 

Ricardo da Veiga Ferrão
(Jurista. Técnico Superior)

 

1. Ainda que tal se encontre em contradição quer com o que à época era disposto no n.º 2 do artigo 119.º do CPA1991, ainda vigente no momento da aprovação das alterações aos regulamentos em causa, bem como do atual n.º 4 do artigo 146.º do CPA.

2. Sobre a invalidade normativa diz PEDRO MONIZ LOPES, O regime substantivo dos regulamentos no projecto de revisão do Código do Procedimento Administrativo: algumas considerações estruturantes., in e pública, Revista Electrónica de Direito Público, n.º 1, 2014, pag 22, consultável em http://e-publica.pt/regimesubstantivodosregulamentos.html (acedida em 21/10/2015) que a invalidade normativa é uma consequência (i) de se verificar uma relação de hierarquia entre duas ou mais normas e (ii) de, em qualquer das várias circunstâncias às quais a norma inferior possa ser aplicada, se gerar uma contradição necessária com a(s) norma(s) superior(es). Tal sucede quer estas últimas sejam normas atributivas de competência, normas sobre o procedimento criativo, normas sobre a forma dos actos ou normas sobre o conteúdo de outras normas.

3. PEDRO MONIZ LOPES, Objecto, condições e consequências da invalidade regulamentar no novo Código do Procedimento Administrativo, in CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES E TIAGO SERRÃO (coorden), Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, 2015, pag. 521, fala em proibição de incompatibilidade na contraposição norma<->norma.

4. PEDRO MONIZ LOPES, Objeto…, pag. 531.

5. PEDRO MONIZ LOPES, Objeto…, pag. 534.

Home Legal Opinions up to 2017 Regulamentos; Invalidade das suas normas.
Regulamentos; Invalidade das suas normas.
Regulamentos; Invalidade das suas normas.

 

Solicita o Vice-Presidente da Câmara Municipal …, por seu ofício de …, referência n.º …, a emissão de parecer sobre a seguinte questão: 

De maio a outubro do ano de 2014, teve lugar neste Município uma Auditoria Temática na área do urbanismo promovida pela Inspeção Gera de Finanças a qual, entre outras questões, veio a ordenar, em sede de relatório preliminar dessa auditoria, a declaração de nulidade do art. 4.º do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização deste Município, bem como do art.49.º do Regulamento Geral e Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de …, por violação do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação, mais concretamente o Regime das Obras de lmpacte Semelhante e Obras de lmpacte Relevante a uma operação de loteamento, bem como aplicação da Taxa pela realização, manutenção e reforço das infraestruturas urbanísticas, ordem essa que o Município, de imediato, acatou conforme se pode verificar pela publicação das alterações a tais disposições publicadas na II Série do Diário da República n.º 49 de 11 de março do corrente ano.
Vem agora aquela entidade em sede de relatório definitivo da auditoria, solicitar, para além dos comprovativos de tais alterações (publicação em Diário da República), deliberação da Câmara Municipal em conjunto com a Assembleia Municipal, sobre a nulidade daqueles preceitos regulamentares.
Ora, considerando o procedimento já concretizado de alteração daquelas disposições, vimos solicitar a Vossas Ex.as com a maior brevidade possível (prazo de resposta do Município á IGF termina a 13 de Novembro), parecer jurídico sobre a necessidade, ou não, e em que modos, de tal declaração de nulidade.
Posteriormente, através de mail recebido em 15/10/2015, 16:14, a edilidade fez chegar a esta CCDRC cópia dos trechos do Relatório da IGF n.º 2331/2014, Proc. 2014/185/B1/593, pertinentes para a análise da questão colocada.
Aí é dito, quanto aos regulamentos ora visados (não são transcritas as referências e o texto das notas de rodapé):
2.3. Regulamento do PDM e regulamentos municipais
Em matéria de gestão urbanística, em especial na urbanização e edificação, a abranger o período temporal da ação, o Município dispôs dos seguintes regulamentos:

– Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização (RMEU), publicado no DR, II.ª Série, de 11/jan/2011;
– Regulamento Geral e Tabela de Taxas e Licenças do Município de … (RGTTLMA), publicado no DR, II.ª Série, de 5/mai/2010;
– Regulamento Geral e Tabela de Taxas e Licenças do Município de … (RGTTLMA), publicado no DR, II.ª Série, de 13/ago/2012;

2.3.2. RMEU
O RMEU foi aprovado ao abrigo Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) e respetivas alterações a que o mesmo foi, entretanto, sujeito.
Este regulamento contempla a concretização do RJUE, no que respeita à urbanização e edificação em matéria de operações urbanísticas, deixando o que se prende com o lançamento, liquidação e cobrança das taxas e demais encargos para regulamentação autónoma.
O RMEU prevê e define no seu artigo 4.º as intervenções urbanísticas com impacte semelhante a uma operação de loteamento, dando cumprimento ao disposto no art.º 57.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aplicável a “edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si”, não prevendo, contudo, as operações urbanísticas que devem ser consideradas como de impacte relevante, atento o disposto no art.º 44.º, n.º 5, daquele mesmo regime.
Esta falta de previsão de operações urbanísticas, consideradas como de impacte relevante, que não constituam “edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si”, pode dispensar da sujeição às cedências e compensações em dinheiro ou em espécie previstas para as operações de loteamento, em relação às quais se justificaria a obrigatoriedade das referidas contrapartidas ao Município, com claro prejuízo para esta entidade.
Acresce que a maior parte das situações descritas de “Impacte semelhante a uma operação de loteamento” no mencionado art.º 4.º do RMEU não respeitam necessariamente a “edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si”, antes podendo caber no conceito mais alargado de “impacte relevante”, previsto no art.º 44.º, n.º 5, do RJUE, que falta regulamentar pelo MA.
Uma vez que o conteúdo do artigo 4.º do RMEU extravasa claramente a previsão do artigo 57.º, n.º 5, do RJUE, encontra-se ferido de nulidade.
A CMA deverá, por isso, declarar a nulidade do art.º 4.º do RMEU, sob pena de participação ao Ministério Público junto do TAF de Viseu, e, simultaneamente, proceder a uma alteração ao RMEU com vista a estabelecer a previsão de operações urbanísticas com “Impacte semelhante a uma operação de loteamento” e com “Impacte relevante”,nos termos do art.º 57.º, n.º 5, e do art.º 44.º, n.º 5, do RJUE, respetivamente.
No contraditório institucional, a autarquia, quanto ao RMEU, alega que:
– O Município convocou, imediatamente a seguir à receção do projeto de relatório da IGF, em 10/dez/2014, reunião extraordinária do órgão executivo (anexando ata), na qual a CM deliberou, por unanimidade, aprovar as alterações ao art.º 4.º do RMEU, no sentido de corrigir as ilegalidades apontadas, bem como conceder o período de 30 dias para discussão pública das mesmas, nos termos do art.º 118.º do CPA;
– Porém, o limite temporal concedido para dar resposta ao projeto de relatório, não permitiu desencadear quaisquer outras alterações àquele Regulamento relativamente ao qual, o Município reconhece a premente necessidade de revisão e atualização;
– No futuro, tão breve quanto possível, esse Regulamento será objeto de uma profunda e ponderada revisão.
Na referida ata da reunião extraordinária, de10/dez/2014, foi proposta e aprovada a seguinte nova redação do art.º 4.º do RMEU:

Face ao exposto, a CMA deverá submeter a esta IGF, no prazo de 60 dias a contar da notificação o presente relatório, a publicação em DR do RMEU, com a nova redação do art.º 4.º, bem como deliberar (em conjunto com a AM) sobre a nulidade desse artigo do RMEU, sob pena de participação ao Ministério Público junto do TAF de Coimbra.
2.3.3. RGTTLMA
O RGTTLMA de 2010, entre outras matérias, regulamentou as operações urbanísticas quanto ao lançamento, liquidação e cobrança das taxas e demais encargos, tal como a versão de 2012 que substituiu o anterior e, de diferente, essencialmente, passou a enquadrar o regime fixado, em especial com os Decretos-Leis n.ºs 123/2009, de 21/mai e 498/2011, de 1/abr, para as atividades económicas abrangidas pelo licenciamento zero.
O RGTTLMA em vigor (2012), tal como sucedia com a versão de 2010 que também referenciava na nota justificativa introdutória “…a fundamentação económico-financeira relativa ao valor das taxas…”, refere que constam do anexo II do diploma as taxas e preços referentes a loteamentos e obras de urbanização e respetiva fundamentação económico-financeira.
Porém, do RGTTLMA e de toda a documentação disponibilizada não extraímos quaisquer elementos, mormente através de um relatório de suporte, quanto aos reais critérios e sua fundamentação de índole económica e financeira que nos permita aferir os coeficientes e fatores encontrados e plasmados para o cálculo das taxas urbanísticas, em obediência ao disposto no art.º 8.º, n.º 2, al. c) do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL).
A fundamentação económico-financeira assume especial enfoque em relação à TMU, atenta a especificidade da exigência prevista no art.º 116.º, n.º 5 do RJUE, a qual deve tender para uma relação proporcional entre o valor do seu cálculo e o investimento municipal programado na execução, manutenção e reforço das infraestruturas urbanísticas (cobertura do custo).
Igualmente não está evidenciada a fundamentação em relação às isenções que o RGTTLMA prevê no art.º 7.º, nem relativamente às compensações previstas nos art.ºs 43.º e 45.º desse mesmo regulamento, nos termos da exigência do disposto no art.º 8.º, n.º 2, alínea d), do RGTAL.
Por outro lado, a taxa pela realização, manutenção e reforço das infraestruturas urbanísticas abrange a emissão do alvará de licença e a admissão da comunicação prévia de loteamento e de obras de construção ou ampliação em área não abrangida por operações de loteamento, conforme previsão do art.º 6, n.º 1, al. a), do RGTAL, conjugado pelo art.º 116.º, n.ºs 2 e 3 do RJUE.
Sobre o âmbito de aplicação da referida taxa, o RGTTLMA, aqui designada de TMI, estipula no art.º 49.º, n.º 1, para o que agora nos interessa, que “…é devida no licenciamento ou comunicação prévia nas seguintes situações:
a) Loteamentos;
b) Obras de construção e ou de ampliação, que originem aumento do número de fogos e não inseridas em loteamentos.”.
Esta redação quanto à aplicação da TMI no MA é igual à que constava em regulamentos anteriores ao que se encontra em vigor, sendo interpretada pelos serviços como só estando sujeita ao pagamento da referida taxa, além dos loteamentos, as construções e ampliações para habitação que originassem aumento de fogos, desde que não inseridas em loteamentos.
Os termos da regulamentação prevista no art.º 49.º do RGTTLMA, exclui algumas operações urbanísticas da sujeição à aplicação da TMI, contrariando o art.º 116, n.º 3 do RJUE que engloba todas as construções e ampliações, não inseridas em loteamento, independentemente do uso que as mesmas possam vir a ter (comércio, serviços, indústria ou armazéns, etc.).
O art.º 4 do RGTTLMA ao não incluir ”todas as construções e ampliações, independentemente do uso que lhes possa ser dado é ilegal por violar o art.º 116.º, n.º 3 do RJUE.
Deverão, pois, estar previstas em regulamento municipal, todas as operações urbanísticas sujeitas ao pagamento da TMU/TMI, por força do já citado art.º 116.º, n.º 3 do RJUE, podendo, contudo, o Município isentar ou reduzir do pagamento de taxas, concretamente desta ou de quaisquer outras, algumas intervenções urbanísticas que a ela estavam sujeitas, igualmente pela via regulamentar, como, aliás, sucede, com as situações previstas no art.º 7.º do RGTTLMA e sempre com a devida fundamentação, tendo em consideração o art.º 8.º, n.º 2, alínea d), da Lei n.º 53-E/2O06, de 29/dez.
O Município dispõe de um RGTTLMA quanto ao lançamento, liquidação e cobrança das taxas e demais encargos que enferma de algumas ilegalidades, nomeadamente no seu artº49.º, que viola o art.º 116.º, n.º 3, do RJUE.
No contraditório institucional, a autarquia, quanto ao RGTTLMA, veio alegar o que atrás já foi referido aquando da análise do RMEU (item 2.3.2.).
Na referida ata da reunião extraordinária, de10/dez/2014, foi proposta e aprovada a seguinte nova redação do art.º 49.º do RGTTLORMA:

Face ao exposto, a CMA deverá submeter a esta IGF, no prazo de 60 dias a contar da notificação do presente relatório, a publicação em DR do RGTTLORMA, com a nova redação do art.º 49.º, bem como deliberar (em conjunto com a AM) sobre a nulidade desse artigo do RGTTLORMA, sob pena de participação ao Ministério Público junto do TAF de Coimbra.

APRECIANDO
1. DO PEDIDO
O que ora está em causa – e que é questionado pela Câmara Municipal de … – é saber se, não obstante o facto das normas dos regulamentos postas em crise pela IGF terem sido devidamente alteradas no sentido apontado no relatório inspetivo daquela entidade (como se pode constatar da publicação de tais alterações no DR, II, n.º 49, de 11 de Março de 2015, pags. 6118-6126), subsiste (ainda) a necessidade de proceder à anulação dessas mesmas normas, na redação que foi revogada por via desta alteração (revogação essa ainda que não sendo expressa1 é-o, seguramente, tácita, por via do princípio “lex posterior derrogat priori”), como o exige a IGF, por, diz esta, se estar perante normas ilegais e por tal nulas – “sob pena” de, em caso de não cumprimento, participar ao Ministério Público competente.
Mas solicita a edilidade que, caso a resposta a esta questão venha a ser afirmativa, se esclareça igualmente em que modos [deve ser feita] tal declaração de nulidade.

2. ANÁLISE
2.1. AS NORMAS REGULAMENTARES EM APREÇO
As normas regulamentares sindicadas pela IGF são o artigo 4.º do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização (RMEU), publicado no DR, II, n.º 6, de 10 de Janeiro de 2011, como Regulamento n.º 17/2011, e o artigo 49.º do Regulamento Geral e Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de … (RGTTLORMA ou “Regulamento e Tabela de Taxas”), publicado no DR, II, n.º 156, de 13 de Agosto de 2012, como Regulamento n.º 356/2012 – encontrando-se ambos os regulamentos vigentes e aplicáveis, à data da inspeção e presentemente, na Edilidade peticionante.
Por via das recomendações constantes do relatório da inspeção, ambos os regulamentos foram alterados, quanto às normas anteindicadas, pelo Regulamento n.º 109/2015, publicado no DR, II, n.º 49, de 11 de Março de 2015, como Regulamento n.º 17/2011. De referir que no Regulamento e Tabela de Taxas foi também alterado, para além da norma já referida, o artigo 41.º, sendo que a ambos os regulamentos foi aditado um novo artigo final – o artigo 97.º-A quanto ao primeiro e o artigo 59.º-A relativamente ao segundo – contendo a regra relativa ao início de vigência das normas alteradas.
2.2. OS ALEGADOS VÍCIOS FUNDANTES DA INVALIDADE REGULAMENTAR
Sobre os vícios que a IGF diz atacarem irremediavelmente a validade das normas em questão quando na sua forma original, diz-se no dito Relatório a respeito do RMEU que este prevê e define no seu artigo 4.º as intervenções urbanísticas com impacte semelhante a uma operação de loteamento, …, não prevendo, contudo, as operações urbanísticas que devem ser consideradas como de impacte relevante, …. Esta falta de previsão de operações urbanísticas … (pag. 18 do Relatório) [sublinhados nossos].
Quanto ao RGTTLORMA ou “Regulamento e Tabela de Taxas”, o mesmo Relatório afirma que o art.º 4 do RGTTLMA ao não incluir ”todas as construções e ampliações, independentemente do uso que lhes possa ser dado é ilegal por violar o art.º 116.º, n.º 3 do RJUE. Deverão, pois, estar previstas em regulamento municipal, todas as operações urbanísticas sujeitas ao pagamento da TMU/TMI … (pag. 21 do Relatório) [sublinhados nossos].
Do afirmado pela IGF resulta evidente que o vício que o Relatório diz detectar em ambos regulamentos não é propriamente uma insanável contradição entre a materialidade das referidas normas – a previsão normativa – e as (respectivas) normas paramétricas superiores2, acarretando a violação destas e, por via disso, tornando as normas regulamentares ilegais mas, antes, a ausência de previsão regulamentar (nesse[s] artigo[s] ou noutra[s] qualquer[quaisquer] norma[s] do regulamento) de (outras) situações que decorrendo do quadro normativo paramétrico, deveriam receber acolhimento e ser feito constar das normas regulamentares.
Assim, não se poderá dizer que se está propriamente perante uma ilegalidade “por contradição” com ou “conflituante desrespeito3” da norma paramétrica, mas antes face a uma “insuficiência de previsão” regulamentar. Isto é por dizer que as normas regulamentares em apreço afinal disciplinam (apenas) parte(s) ou aspecto(s) das situações que, tendo em conta as normas habilitantes, lhes caberia disciplinar; mas tudo quanto nelas é previsto e disciplinado não viola nem conflitua com as respectivas normas habilitantes.
2.3. O DESTINO DAS NORMAS REGUALMENTARES
O que assim fica, dito releva para aquilo que quanto a ambas as normas o Relatório da IGF recomenda à câmara municipal: deliberar (em conjunto com a AM) sobre a nulidade desse artigo …, sob pena de participação ao Ministério Público ….
Acontece porém que para que haja invalidade, o conflito normativo deve ser necessário e não simplesmente contingente. Só quando em toda e qualquer ocasião aplicativa a norma regulamentar conflituar com uma norma superior será a primeira inválida4.
Por outro lado, a invalidade de (ii) normas regulamentares dependentes ou remetidas, destinadas a completar a previsão de normas legais auto-limitadas, (i.e., não auto-exequíveis) resulta, quanto a este parâmetro, da violação do âmbito vinculado da previsão normativa que completam5.
Tendo ficado evidente, como se viu antes, que as normas em apreço apenas pecam por defeito e não por excesso – pois que ambas “sofrem” de “falta de previsão” – então tais normas não são inválidas. Podem ter uma previsão incompleta ou insuficiente, mas tal não significa que sejam irremediavelmente inválidas. Aliás, essas normas – ou mais propriamente, esses “segmentos” de norma porque apenas aspectos de um todo normativo-regulamentar (que deveria ser) mais vasto – continuam a ser recebidas e previstas nas alterações regulamentares agora efetuadas (já que constituem realmente aspectos de uma disciplina regulamentar que, em qualquer circunstância, tem que existir para que se respeite o determinado na lei), às quais (apenas) se juntaram outros aspetos normativos até então regulamentarmente omissos.
Ora, devendo considerar-se como revogadas estas aludidas normas por via da nova disciplina vertida nas alterações regulamentares entretanto aprovada e já vigente (como referido supra), não se compreende qual a necessidade jurídica ou vantagem prática de proceder à declaração de invalidade da redacção original e já revogada das normas regulamentares ora em causa – pois que é disso que se trata.
Se, por um lado, a nova redacção das normas (ou, mais precisamente, as normas com nova redacção) não tem nem lhe pode ser atribuída eficácia retroactiva (princípio agora expressamente consagrado no n.º 1 do artigo 141.º do CPA), por outro, o efeito ex tunc inerente à declaração de invalidade de normas (n.º 3 do artigo 144.º do CPA) além de criar um “vazio normativo” (porque apesar do efeito repristinatório [artigo 144.º, n.º 3, do CPA], não existe, nos casos em apreço, no regulamento imediatamente anterior àquele que contém a disposição revogada, outra norma que disponha sobre a mesma matéria) tem, ainda, a consequência de, apesar de não afeta[r] os casos julgados nem os atos administrativos que se tenham tornado inimpugnáveis, pôr em crise todos os atos administrativos que se tenham tornado inimpugnáveis, desde que estes desfavoráveis para os destinatários (n.º 4 do artigo 144.º do CPA).
Ora sendo certo, como antes se viu, que em boa verdade o vício que afeta as normas em crise é de natureza “omissiva” – por a(s) norma(s) não disciplinar(em) exaustivamente (ou de forma mais abrangente) o quadro legal a regular – e não de natureza “comitiva” – por contrariar(em) o quadro legal habilitante – a (declaração de) invalidade da norma pode (via a) significar um conjunto de efeitos desfavoráveis para a, e geradores de responsabilidade (civil) da, autarquia nos casos que actos por ela praticados (ou, evidentemente, praticados pelos seus órgãos) com fundamento na norma declarada inválida possam ser considerados como atos desfavoráveis para os destinatários em consequência dessa invalidade, por via do favor a que a situação de vazio regulamentar vem dar origem – basta lembrar, por exemplo, o pagamento de taxas previstas n(ess)as normas, as quais deixaram de ter fundamento regulamentar e cujo pagamento representa (sempre) um “desfavor” para os administrados “pagantes” – ainda que essas mesmas taxas continuem a ser previstas e devidas após as alterações regulamentares, por a nova norma conter exatamente os (mesmos) pressupostos de facto tributários presentes na norma original declarada inválida.
Acresce que, no atual estádio da normação jurídico-administrativa, a declaração administrativa de invalidade de normas, prevista no artigo 144.º do CPA, não permite a modulação dos efeitos desta, como o permite a declaração judicial, designadamente quando para esta se prevê a possibilidade do tribunal fixar que os efeitos da decisão se produzam apenas a partir da data do trânsito em julgado da sentença quando razões de segurança jurídica, de equidade ou de interesse público de excecional relevo, devidamente fundamentadas, o justifiquem (n.º 2 do artigo 76.º do CPTA 2002 que se mantém no CPTA 2015).
Por outro lado, a declaração judicial de ilegalidade de norma não afeta os casos julgados nem os atos administrativos que entretanto se tenham tornado inimpugnáveis, salvo decisão em contrário do tribunal, quando a norma respeite a matéria sancionatória e seja de conteúdo menos favorável ao particular (n.º 3 do artigo 76.º do CPTA 2002 e n.º 4 do mesmo artigo no CPTA 2015) ao contrário do que acontece na declaração administrativa de ilegalidade, onde a retroatividade da declaração de invalidade afecta, automática, irrestrita e incondicionalmente, ou seja, sem possibilidade de qualquer modulação, todos os actos administrativos ainda que (já) inimpugnáveis, quando se apresentem (ou passem a apresentar) como desfavoráveis para os seus destinatários (e não apenas quando se trate unicamente de actos sancionatórios).
De referir a final, que em caso de dissídio sobre estas questões, caberá sempre aos tribunais, em última análise, a apreciação e decisão sobre a legalidade de normas regulamentares (artigos 46.º, n.º 1, al. c) e 72.º e segs. do CPTA 2002 ou artigos 37.º, n.º 1, al. d) e 72.º e segs. do CPTA 2015) – e, portanto, das normas ora aqui em causa.

CONCLUINDO
a) O vício invalidante assacado pela IGF ao artigo 4.º do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização (RMEU) e ao artigo 49.º do Regulamento Geral e Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de … (RGTTLORMA ou “Regulamento e Tabela de Taxas”), ambos da Câmara Municipal de …, é, em ambos os casos, um vício por omissão de norma, no primeiro deles, por a norma não prever as operações urbanísticas que devem ser consideradas como de impacte relevante e, no segundo, por a norma não conter todas as operações urbanísticas sujeitas ao pagamento da TMU/TMI;
b) Ora, tratando-se de um vício por omissão de previsão, a invalidação daquelas duas referidas normas na sua redação original, que, aliás, já se encontra revogada, é insusceptível de sanar tal vício – pois que tal vício apenas se sana pela aprovação de normas que prevejam as situações omitidas;
c) A isto acresce ainda o facto de a invalidação das normas em questão, ao criar, na matéria que disciplinam, um vazio normativo, poder vir a dar origem a que situações de atos desfavoráveis para os seus destinatários deixem de ter respaldo em norma jurídica (regulamentar) que os previam, com a admissível e consequencial responsabilização do município.
d) Não se encontra, assim, justificação para que as normas em causa, aliás já revogadas, careçam de ser declaradas inválidas pelos órgãos autárquicos que intervieram no procedimento da sua aprovação.
e) Em caso de dissídio sobre a (i)legalidade de normas regulamentares, caberá sempre aos tribunais, em última análise, a apreciação e decisão sobre a mesma.

 

Ricardo da Veiga Ferrão
(Jurista. Técnico Superior)

 

1. Ainda que tal se encontre em contradição quer com o que à época era disposto no n.º 2 do artigo 119.º do CPA1991, ainda vigente no momento da aprovação das alterações aos regulamentos em causa, bem como do atual n.º 4 do artigo 146.º do CPA.

2. Sobre a invalidade normativa diz PEDRO MONIZ LOPES, O regime substantivo dos regulamentos no projecto de revisão do Código do Procedimento Administrativo: algumas considerações estruturantes., in e pública, Revista Electrónica de Direito Público, n.º 1, 2014, pag 22, consultável em http://e-publica.pt/regimesubstantivodosregulamentos.html (acedida em 21/10/2015) que a invalidade normativa é uma consequência (i) de se verificar uma relação de hierarquia entre duas ou mais normas e (ii) de, em qualquer das várias circunstâncias às quais a norma inferior possa ser aplicada, se gerar uma contradição necessária com a(s) norma(s) superior(es). Tal sucede quer estas últimas sejam normas atributivas de competência, normas sobre o procedimento criativo, normas sobre a forma dos actos ou normas sobre o conteúdo de outras normas.

3. PEDRO MONIZ LOPES, Objecto, condições e consequências da invalidade regulamentar no novo Código do Procedimento Administrativo, in CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES E TIAGO SERRÃO (coorden), Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, 2015, pag. 521, fala em proibição de incompatibilidade na contraposição norma<->norma.

4. PEDRO MONIZ LOPES, Objeto…, pag. 531.

5. PEDRO MONIZ LOPES, Objeto…, pag. 534.