Solicita o Presidente da Câmara Municipal de …, por seu ofício de …, referência n.º …, a emissão de parecer sobre a seguinte questão:
Qual o enquadramento jurídico em matéria de poluição sonora de sinos de igrejas [acompanhados de uma melodia religiosa] e respetivos amplificadores sonoros, maxime da hipotética necessidade de estes terem licença especial de ruído, nos termos do art.º 30.º e do n.º 2 do art.º 32.º, ambos do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, que regula o regime jurídico do licenciamento e fiscalização de atividades pelas câmaras municipais.
No caso decidendum a factologia é o seguinte:
a) No cimo da torre da igreja encontram-se quatro amplificadores sonoros, que a cada 15 minutos emitem sinais horários que consistem numa melodia religiosa.
b) Tais emissões decorrem entre as 07h00 e as 22h00, cessando no período noturno;
c) Entende a GNR que não tendo a fábrica da igreja de … requerido a correspondente licença especial de ruído para a emissão sonoro dos sinais horários supra aludidos, esta praticou facto subsumível em contraordenação, por força da conjugação do art.º 30.º e do n.º 2 do art.º 32.º e da al. i), do n.º 1, do art.º 47.º, todas do já supra aludido Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 30.º do Decreto-Lei 310/2002, de 18 de dezembro, na sua atual redação, “O funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projectem sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários2, só poderá ocorrer entre as 8 e as 22 horas e mediante a autorização referida no artigo 32.º”, estabelecendo por sua vez o artigo 32.º do mesmo diploma que “1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a realização de festividades, de divertimentos públicos e de espectáculos ruidosos nas vias púbicas e demais lugares públicos nas proximidades de edifícios de habitação, escolares durante o horário de funcionamento, hospitalares ou similares, bem como estabelecimentos hoteleiros e meios complementares de alojamento só é permitida quando, cumulativamente:
a) Circunstâncias excepcionais o justifiquem;
b) Seja emitida, pelo presidente da câmara municipal, licença especial de ruído;
c) Respeite o disposto no n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, quando a licença é concedida por período superior a um mês.
2 – Não é permitido o funcionamento ou o exercício contínuo dos espectáculos ou actividades ruidosas nas vias púbicas e demais lugares púbicos na proximidade de edifícios hospitalares ou similares ou na de edifícios escolares durante o respectivo horário de funcionamento.
3 – Das licenças emitidas nos termos do presente capítulo deve constar a referência ao seu objecto, a fixação dos respectivos limites horários e as demais condições julgadas necessárias para preservar a tranquilidade das populações.”
Ora, atenta a letra da lei, parece-nos que os sinais horários [mormente os produzidos pelos sinos de igrejas e respetivos amplificadores sonoros] estão sujeitos a licença especial de ruído.
No entanto tal não nos parece inteiramente líquido. Vejamos,
O exercício do direito constitucional à liberdade do culto religioso, garantido pelo n.º 4 do art.º 41.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP), não tem natureza de direito absoluto, antes tendo de sofrer as restrições necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também constitucionalmente garantidos, como expressamente dispõe o n.º 2, do art.º 18.º da CRP.
Com efeito, são também constitucionalmente garantidos o direito à habitação «(…) em condições de higiene e conforto que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar (…)», nos termos do n.º 1 do art.º 65.º da CRP e o direito «(…) a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado (…)», conforme dispõe o n.º 1, do art.º 66.º, da CRP.
Está, portanto, «afastada a possibilidade de o princípio da liberdade de culto servir de suporte para isentar a recorrente das obrigações ou deveres que são impostos à generalidade dos cidadãos, designadamente da observância das regras do ordenamento urbanístico e das que visam satisfazer interesses ambientais» – cfr. acórdão do STA de 31/10/2002, proferido no âmbito do Proc. n.º 01102/02.
Concludentemente, da necessária ponderação que aqui impera efetuar, atendendo aos bens jusconstitucionais em presença, resulta que, salvaguardando o direito e o dever que assiste no quadro da liberdade religiosa às igrejas e demais comunidades religiosas de fidelidade à sua missão, onde o uso dos sinos assume um cariz especial de convocação e anúncio pastoral (os sinos assinalam o passar das horas, convocam à oração), não menos deve ser igualmente ressalvado o respeito pela qualidade do ambiente e vida das populações.
Nessa medida, e concretamente em matéria da sistematização da problemática dos sinos dos locais de culto enquanto hipotéticos instrumentos potenciadores de poluição sonora, cumpre ter presente, atendendo à factologia supra referida, o teor de dois diplomas legislativos: o Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, que regula o regulamento geral do ruído, e o supra citado Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro, que regula o regime jurídico do licenciamento e fiscalização de atividades pelas câmaras municipais, sendo que estes, como bem decorre do preambulo do primeiro, se encontram articulados.
O primeiro consubstancia o regime geral disciplinador da prevenção do ruído e o controlo da poluição sonora, assim, visando a salvaguarda da saúde humana e o bem-estar das populações, enquanto o segundo, maxime nos seus artigos 29.º a 34.º regula o licenciamento do exercício da atividade de realização de espetáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos, nomeadamente, o funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projetem sons para as vias e demais lugares públicos (incluindo sinais horários).
Numa primeira leitura – sobretudo atendendo ao facto de que in casu o sino se encontra interligado com quatro amplificadores sonoros – parece-nos que o caso recai diretamente no âmbito de aplicação dos supra citados artigos 29.º a 34.º e que, como tal, será exigível, nos termos dos artigos 30.º, n.º 2 e 32.º a solicitação prévia de licença especial de ruído.
Todavia, no quadro da ponderação supra mencionada dos bens jusconstitucionais ora em presença, cumpre ter igualmente presente que a lei de liberdade religiosa – Lei n.º 16/2001, de 22 de junho – determina que os locais de culto não devem ser alvo de constrangimentos administrativos – cfr. acórdão de 25/02/2011, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no âmbito do proc. n.º 00189/06.5BEMDL.
Assim, subsistem dúvidas relativamente ao enquadramento dos referidos sinais horários/melodia nos artigos 29.º a 34.º do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro, na sua atual redação, pois estes artigos, aliás como todo o capítulo, disciplinam o “Licenciamento do exercício da actividade de realização de espectáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos.” [e como tal fazem depender de prévia licença] tão-somente divertimentos públicos de diversa natureza, organizados nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre, tais como, arraiais, romarias, bailes, provas desportivas e outros divertimentos públicos, pelo que, imputar aos sinais horários – mesmo quando a sonoridade destes se encontra mecanicamente amplificada idêntico enquadramento poderá consubstanciar um constrangimento administrativo, dado que, o sino, com os toques dos sinais horários/melodias, surge intimamente interligado com o relógio da torre da igreja, acabando por ter a função social [cuja génese apresenta uma dimensão religiosa] de enunciar diariamente as horas, atividade intemporal, estranha e independente de quaisquer festividades.
É nosso entendimento, como acima melhor explanado, que deverá ser emitida uma licença especial de ruído [que foi, aliás, já requerida pela entidade responsável pela Igreja] ao abrigo das normas supra referidas, no entanto subsistindo dúvidas, solicitamos a V Exa a emissão de parecer jurídico quanto à questão colocada.
APRECIANDO
1. DO PEDIDO
A questão que se coloca no presente pedido é a de (se) saber se o funcionamento de (quatro) amplificadores sonoros (que se presume serem aquilo que tecnicamente é designado por altifalantes de corneta) colocados na torre sineira de uma igreja (que se presume ser a de …) e que entre as 07h00 e as 22h00 emitem, a cada quarto de hora, sinais horários que consistem numa melodia religiosa, carece de ser autorizado por licença especial de ruído1 camarária, por, no caso, se estar perante o funcionamento de emissor[es], amplificador[es] e outro[s] aparelho[s] sonoro[s] que projecte[m] sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários , na falta de cuja referida licença se estará perante facto infraccional de natureza contraordenacional, sancionado com coima3 (entendimento em que se louva a estrita legalidade cartesiana da GNR) – ou seja, incluir e tratar esta situação (de toque [horário] de sinos, ainda que de forma electrónica e amplificada e já não no ancestral modo mecânico de percussão) no âmbito do licenciamento do exercício da actividade de realização de espectáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos, como, implicitamente, pretende e resulta da actuação da GNR – ou se esta questão deve ser vista e apreciada noutro âmbito, qual seja, o do princípio da liberdade religiosa, constitucionalmente consagrado, regulado na Lei da Liberdade Religiosa e detalhado na Concordata de 2004, celebrada entre a Santa Sé e a República Portuguesa.
2. ANÁLISE
2.1. UMA BREVE NOTA HISTÓRICO-POLÍTICO-SOCIAL DOS (TOQUES DOS) SINOS
Para que melhor se possa situar e analisar a questão colocada convirá, antes, fazer um breve excurso sobre a história dos sinos ao longo dos tempos na civilização ocidental e, mais precisamente no nosso país, vista à luz do prisma não só religioso como temporal e social.
2.1.1. Pode dizer-se que a produção de sons através da percussão dos objectos é tão velha quanto o homem, sons esse que serviam para as mais diversas finalidade mas que tinham sempre um objectivo central: comunicar com os demais. Assim, desde sempre, a percussão de troncos, pedaços de madeira (escavada para produzir diferentes sons) e, com os advir da idade dos metais, de (pedaços de) metal, tambores e outros objectos percutíveis, serviu para transmitir mensagens através da produção de sons típicos (identificados) com as mais diversas finalidades, quase sempre comunitárias: anunciar a guerra e a paz, dar a conhecer a outras comunidades acontecimentos felizes ou infelizes, chamar ou pedir auxílio, pedir chuva ou afastar tempestades, esconjurar o mal e o demónio, invocar os deuses ou chamar à oração.
As campainhas e os sinos, (também eles) instrumentos de percussão e idiofones, assumiram, em todas as civilizações e desde tempos imemoriais, um lugar central na vida social, quer como modo de comunicação entre os homens quer em rituais sagrados como forma de ligação e invocação do divino4.
A Igreja Católica cedo acolheu as campainhas e sinos quer na sua prática religiosa5, quer na vivência dos clérigos e monges e no chamamento à oração da comunidade cristã.
Porém os sinos, para além da matriz religiosa e de chamamento à oração e invocação do divino6, foram assumindo uma eminente função social7, tanto nas cidades e burgos como nas aldeias e nos campos, seja como modo de informação da comunidade sobre certos acontecimentos sociais (que, aliás, eram igualmente religiosos, como batizados, casamentos e decessos), seja como meio de chamamento da comunidade a actividades seculares, como convocar comunidade a reunir-se ou tocar a rebate em caso de incêndio ou calamidade, seja, ainda, como meio de informação comunitário sobre o decurso do tempo, através do toque das horas.
Ora terão sido as necessidades da vida religiosa que impulsionaram, na Idade Média, a invenção do relógio mecânico, já que os processos de medição do tempo através de relógios de sol, relógios de água ou clepsidras e de areia ou ampulhetas eram limitados e erráticos para quem se regia diariamente por sete tempos de oração8.
Inventado no final do século X, diz-se pelo Beneditino Gerbert d’Aurillac, depois Papa Silvestre II, os relógios mecânicos (a mais importante invenção europeia em plena Idade Média), ainda que apenas dotados de um único ponteiro a indicar (imprecisamente) as (doze) horas, saíram dos mosteiros e começaram a ser também instalados nas torres das igrejas, passando as servir não apenas as comunidades religiosas como as populações9.
O século XV foi acentuando a importância do tempo público, marcado primeiro a partir de relógios de torre de mosteiros, com mecanismos que accionavam os sinos, passando a pouco e pouco a estar instalados nas torres municipais10. Situação que originava, não poucas vezes, conflitos entre os poderes religioso e secular11.
2.1.2. Pode pois ter-se por assente que os sinos têm uma ancestral ligação com o homem que remonta a muitos milénios atrás e teve origem em distantes civilizações, de onde foi irradiando para outros locais e outras gentes. Essa ligação foi importada também para o ocidente e introduzida na sua cultura e civilização, tendo-se divulgado e ritualizado com o catolicismo, que fez dos sinos um dos seus símbolos12. A partir do momento em que a religião católica (e também, as suas dissidências: ortodoxos e protestantes [anglicanos, luteranos, presbiterianos, etc.]), fizeram do sino um elemento central da prática religiosa, ele e o seus toques passaram a assumir um papel fundamental nas diversas comunidades, congregadas à volta da torre da sua igreja, capela ou templo, quer em matéria estritamente religiosa quer, de modo muito sensível e sentido, como elemento congregador e informador dessa comunidade, através dos códigos sob a forma de símbolos sonoros com que informavam a comunidade dos principais factos que nela ocorriam. E um desses factos era precisamente o decurso do tempo, marcado por determinados toques, tocados pelo sineiro ou sacristão, e mais tarde, quando as torres sineiras passaram a ter um relógio que marcava as horas, por badaladas accionadas mecanicamente por mecanismos de relojoaria – porque o tempo, ou seja a vida, e o conhecimento do seu decurso (isto é, a sua medição) foi sempre um momento central da vivência humana desde que o homem dele tomou consciência, passando a medi-lo com gnómones e relógios de sol até chegar ao generalizado e, por isso, agora banal, relógio dos dias de hoje que pode já não ser o objecto mecânico ou electrónico, cheio de mistério, dedicado à medição do tempo mas constituir apenas umas das (múltiplas) funções do computador, tablet ou telemóvel.
E se a torre foi sempre um elemento transversal na história da arquitetura humana, a torre do sino ou campanário e, mais tarde, a torre do relógio, constituíam o elemento central e mais visível da povoação, onde todos, para além de buscar o aconchego espiritual, podiam “ver as horas” no mostrador do relógio ou ouvir as badaladas do sino que “batiam” as horas que este “marcava”. Era o tempo em que (ainda) havia tempo mas (ainda) não havia relógios (de bolso e, menos ainda, de pulso).
2.1.3. Porém, o (não) toque dos sinos foi, em certas épocas e pelas mais diversas razões, sociais, religiosas, mas também políticas, uma questão central e candente do quotidiano e da vida das comunidades. Portugal não foi excepção.
Para além da intrínseca ligação à Igreja, aos seus rituais e ritmos da religião católica e, mesmo da própria vida, e não obstante a sua óbvia utilidade pública, designadamente no que tangia às informações que veiculava para as populações das comunidades, certo é que o toque dos sinos já causava incómodo em tempos idos, quando se estava bem longe não só de (se) pensar em ambiente ou em poluição sonora como nos moldes actuais, mas também da necessidade de medir e conter o ruído em limites aceitáveis e previamente definidos, para assim se garantir a saúde e bem-estar das populações13.
Com a implantação da República14 e a separação da Igreja do Estado ditada pela Lei da Separação de 20 de Abril de 191115, esta passa a determinar que os toques dos sinos serão regulados pela autoridade administrativa municipal de acordo com os usos e costumes de cada localidade, contanto que não causem incómodo aos habitantes, e se restrinjam, quando muito, aos casos previstos no decreto de 6 de Agosto de 1833. De noite, os toques de sinos só podem ser autorizados para fins civis e em casos de perigo comum, como incêndios e outros. Interrompia-se assim o controlo dos sinos e da sua simbologia sonora (e do poder que isso significava) pela Igreja Católica e passava-se tal controlo para o poder secular. Ressalvado era ainda que o seu toque não causasse incómodo aos habitantes – mesmo que esse “incómodo” pudesse ser menos por razões sonoras do que por razões (anti)religiosas e de acérrimo republicanismo.
Esta proibição dos toques tradicionais dos sinos de acordo com as regras da Igreja Católica era corolário das fortes restrições – ou, mais precisamente, da perseguição16 – que a República moveu à Igreja e suas instituições, limitando a prática religiosa e proibindo cerimónias, procissões e outras manifestações exteriores de culto17.
A partir de então os sinos emudeceram e viram drasticamente contida a sua função de chamamento às obrigações religiosas, designadamente em termos de intensidade e tempo de toque.
Anos transcorridos abrir-se-ia nova crise política (e religiosa) ainda por causa (do toque) dos sinos em razão de uma Portaria – a designada Portaria dos Sinos18 – que partindo da consideração de que o toque dos sinos constituía um acto de culto público19, e que por essa razão podia ser realizado, independentemente de autorização ou participação, a qualquer hora, determinava que não se ponham embaraços ao toque de sinos a qualquer hora, … competindo à autoridade administrativa regular-lhe a duração em condições que não inutilizem o fim a que visa20.
Certo é que não obstante estas vicissitudes “sineiras” era e continuou a ser entendimento que o toque dos sinos convocando ou anunciando cerimónias, procissões ou quaisquer manifestações de culto religiosas, como acto litúrgico que era, fazia intrínseca parte da prática religiosa, pelo que se deveria considerar abrangido pela liberdade de culto21.
2.2. O TOQUE DOS SINOS À LUZ DO QUADRO JURÍDICO-LEGAL VIGENTE
O entendimento de que o toque dos sinos constitui um acto litúrgico intrinsecamente ligado à prática religiosa e, por isso, abrangido pela liberdade de culto, não foi tratado pela lei da Lei da Liberdade Religiosa22 nem abordado na Concorda da 200423 – o que há-de significar que a sua natureza e o entendimento sobre ela se mantém como o que tem sempre sido até então e agora.
2.2.1. CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA, LEI DA LIBERDADE RELIGIOSA E CONCORDATA DE 2004
De entre os direitos, liberdades e garantias considerados como direitos fundamentais, a Constituição da República Portuguesa consagra a inviolabilidade da liberdade de consciência de religião e de culto (artigo 41.º, n.º 1, CRP) como um deles. Tendo uma matriz primordialmente individual (pessoal), este direito é também, em algumas das suas vertentes, um direito usufruível colectivamente (ou por pessoas colectivas) – ou seja tem também a natureza de direito colectivo. E, nessa dimensão, a Constituição dispõe que as igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto27 (artigo 41.º, n.º 4, CRP) ou seja, pode dizer-se, como o faz MANUEL BRAGA DA CRUZ, que o Estado tem, em relação à religião, uma autonomia própria. O Estado não é competente em matéria religiosa e o inverso também é válido: as religiões também não são competentes em matéria politica24.
… [O]s direitos colectivos de liberdade religiosa, cujos titulares são as igrejas e outras confissões religiosas (e ainda as pessoas colectivas por elas criadas) incluem o direito à auto-organização (…) e o direito à autodeterminação (…) e o direito à organização do culto e à assistência religiosa dos crentes (templos e locais de culto, recrutamento e formação dos ministros, organização de cerimónia religiosas)25.
A Lei da Liberdade Religiosa consagrando a liberdade de culto26, estabelece, por um lado, o princípio da separação entre o Estado e as igrejas, por via do qual estas são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto , ao mesmo tempo que determina a não confessionalidade do Estado, em via do que este não se pronuncia sobre questões religiosas28.
A esta liberdade a lei concede uma verdadeira força jurídica vinculativa que leva a que, sobre ela, apenas sejam admitidas as restrições necessárias para salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos29.
Na parte reservada aos direitos colectivos de liberdade religiosa a Lei da Liberdade Religiosa garante, de modo expresso, às igrejas – que caracteriza como comunidades sociais organizadas e duradouras em que os crentes podem realizar todos os fins religiosos que lhes são propostos pela respectiva confissão30 e, portanto, garante também à Igreja Católica, a liberdade no exercício das suas funções e do culto, podendo, nomeadamente, sem interferência do Estado ou de terceiros … exercer os actos de culto, privado ou público, sem prejuízo das exigências de polícia e trânsito31.
Pode pois dizer-se que à luz da Lei da Liberdade Religiosa e à partida nenhuma limitação se coloca à prática religiosa e ao culto rectius, no caso, à prática religiosa e culto da Igreja Católica – nem, em circunstância alguma, estes dependem de prévia autorização ou licença administrativa.
Por seu lado, por via da Concordata de 2004, a República Portuguesa reconhece à Igreja Católica o direito de exercer a sua missão apostólica e garante o exercício público e livre das suas actividades, nomeadamente as de culto, magistério e ministério, bem como a jurisdição em matéria eclesiástica32 ao mesmo tempo que é reconhecida à Igreja Católica, aos seus fiéis e às pessoas jurídicas que se constituam nos termos do direito canónico a liberdade religiosa, nomeadamente nos domínios da consciência, culto, reunião, associação, expressão pública, ensino e acção caritativa33.
Limitação (ou seja, compressão, mas nunca ablação) a estas liberdades apenas as que resultem da Constituição – designadamente da necessidade de tutela de e compatibilização com outros direitos fundamentais – ou que sejam expressamente previstas na lei ou resultem de exigências de polícia administrativa, quando para tutela de bens ou valores de idêntica natureza e valia.
2.2.2. AS NORMAS LEGAIS INVOCADAS
2.2.2.1. O DECRETO-LEI N.º 310/2002
A questão ora em apreço apresenta-se colocada no âmbito da disciplina estabelecida pelo Decreto Lei n.º 310//2002, e, mais concretamente, do que nele se dispõe na norma do n.º 2 do artigo 30.º, onde se afirma que o funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projetem sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários, só poderá ocorrer entre as 9 e as 22 horas e mediante a autorização referida no artigo 32.º (sublinhado nosso).
Antes de sobre o problema se adiantarem outras razões, analise-se do objecto do diploma em questão e da inserção sistemática desta norma.
Em primeiro lugar o diploma em causa visa(va) regula[r] o regime jurídico de acesso, exercício e fiscalização de certas actividades34, algumas das quais de livre acesso35, outras carecendo para o seu exercício de licenciamento municipal36.
De entre as actividades que careciam de licenciamento municipal encontrava-se a de realização de espectáculos desportivos e de divertimentos públicos nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre, que era depois especialmente disciplinada no capítulo VII do mesmo diploma, epigrafado Licenciamento do exercício de actividades de realização de espectáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos capítulo esse no qual se encontra integrado o artigo 30.º ora em questão.
Ora terá que ser nesse quadro de realização de espectáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos que tem que ser lida e interpretada a norma do n.º 2 do artigo 30.º.
Dispunha o n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 310/2002, anteriormente à alteração introduzida pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro37, que os arraiais, romarias, bailes, provas desportivas e outros divertimentos públicos organizados nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre dependem de licenciamento da câmara municipal. Entretanto, o artigo 16.º, n.º 3, al. c), do RJAL, veio cometer às juntas de freguesia a competência para o licenciamento, entre outras, das actividades ruidosas de caráter temporário que respeitem a festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes deixando agora no âmbito municipal apenas o licenciamento de provas desportivas e de outros divertimentos públicos que não os atrás apontados.
Por seu lado, o artigo 30.º, epigrafado de espectáculos e actividades ruidosas, ao mesmo tempo que, no âmbito da matéria da sua epígrafe, veda a actuação de bandas de música, grupos filarmónicos, tunas e outros agrupamentos musicais … nas vias e demais lugares públicos dos aglomerados urbanos desde as 0 até às 9 horas (n.º 1), limita, ainda no mesmo âmbito, o funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projetem sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários, circunscrevendo-o ao período entre as 9 e as 22 horas e condicionando-o a autorização referida no artigo 32.º (n.º 2), ao que acresce o facto de o “funcionamento” das actividades ruidosas referidas neste último número só poder ser consentido, diz-se no n.º 3 do mesmo artigo, por ocasião de festas tradicionais, espetáculos ao ar livre ou em outros casos análogos devidamente justificados (al. a)) e desde que cumpridos os limites estabelecidos no n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, quando a licença é concedida por período superior a um mês (al. b))38. Ora pretender enquadrar o toque dos sinos no âmbito desta licença ou é dizer que estes apenas poderão tocar esporadicamente por ocasião de festas tradicionais, espetáculos ao ar livre ou em outros casos análogos devidamente justificados e que, no demais tempo, deverão permanecer silenciosos ou então é usar esta norma opara abranger situações que não recaem na sua previsão e no seu âmbito de aplicação.
2.2.2.1. O REGULAMENTO GERAL DO RUÍDO
Por outro lado, também não se afigura que a licença especial de ruído de que trata o artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído seja aplicável no caso pois que esta é/pode ser concedida quando esteja em causa unicamente uma «actividade ruidosa temporária», ou seja, a actividade que, não constituindo um acto isolado, tenha carácter não permanente e que produza ruído nocivo ou incomodativo para quem habite ou permaneça em locais onde se fazem sentir os efeitos dessa fonte de ruído tais como obras de construção civil, competições desportivas, espectáculos, festas ou outros divertimentos, feiras e mercados, pois que o toque dos sinos (nas suas diversas funções, litúrgicas, laicas ou comunitárias) além da sua ancestralidade e de sua continuidade ou permanência, não se enquadra também em qualquer das situações apontadas, pois que não ocorre apenas e por ocasião de qualquer delas.
Para além disso, e em termos comparativos, há que notar que o exercício de uma actividade ruidosa temporária promovida pelo município, não carece de qualquer licenciamento ainda que também fique sujeita aos valores limites fixados no n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruido (artigo 15.º, n.º 7, al. a), do Regulamento Geral do Ruido).
2.3. Ora não se afigura que a prática religiosa e de culto da Igreja Católica, prática e culto esses onde o toque dos sinos assume um profundo e relevante significado litúrgico, possa ser considerada como um divertimento público e, menos ainda, como um espectáculo de natureza desportiva. E menos ainda que se encontre sujeita a licenciamento administrativo ou a qualquer prática autorizatória das entidades administrativas.
Como antes já se referiu, a Lei da Liberdade Religiosa garante às igrejas e demais comunidades religiosas a liberdade no exercício das suas funções e do culto, podendo, nomeadamente, sem interferência do Estado ou de terceiros … exercer os actos de culto, privado ou público, sem prejuízo das exigências de polícia e trânsito. Por seu lado, como também se disse, pela Concordata de 2004 a República Portuguesa reconhece à Igreja Católica o direito de exercer a sua missão apostólica e garante o exercício público e livre das suas actividades, nomeadamente as de culto e reconhece à Igreja Católica, aos seus fiéis e às pessoas jurídicas que se constituam nos termos do direito canónico a liberdade religiosa, nomeadamente nos domínios da consciência, culto, reunião, associação, expressão pública.
A este respeito diz-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25 de Fevereiro de 201139:
A lei de liberdade religiosa – Lei nº 16/2001 de 22/6 – não contém qualquer norma a prever o prévio licenciamento ou autorização para o exercício de culto (…). Bem pelo contrário, no que respeita aos locais de culto, dá indicação de que não deve haver constrangimentos administrativos. A alínea b) do artigo 23º preceitua que «as igrejas de demais comunidades religiosas são livres no exercício das suas funções e do culto, podendo, nomeadamente, sem interferências do Estado ou de terceiros, estabelecer lugares de culto ou de reunião para fins religiosos» (…).
Isto não significa que a liberdade de culto prevista no nº 1 do artigo 41º da CRP não possa ser limitada em função de outras direitos fundamentais, tal como a saúde e o ambiente. Com qualquer outro direito fundamental, a lei pode estabelecer as restrições necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também constitucionalmente garantidos, como expressamente se prevê no nº 2 do artigo 18º da CRP. Como se diz no acórdão do STA de 23/10/2002 (proc. nº 01102/02, in www. dgsi.pt) «está afastada a possibilidade de o princípio da liberdade de culto servir de suporte para isentar a recorrente das obrigações ou deveres que são impostos à generalidade dos cidadãos, designadamente da observância das regras do ordenamento urbanístico e das que visam satisfazer interesses ambientais». Só que não há norma que, para controlo das condições de segurança e de saúde, exija que os locais de culto sejam previamente autorizados.
Temo assim por óbvio e evidente que a prática e ritual litúrgico da Igreja Católica, do qual faz parte integrante o ancestral toque dos sinos nas torres sineiras suas catedrais, basílicas, igrejas, capelas, mosteiros, cenóbios e todos os demais lugares de culto, em razão desse mesmo culto, não está sujeita a qualquer licenciamento administrativo, porque a tal se opõe o princípio da liberdade religiosa que se assume como direito liberdade e garantia com a natureza de direito fundamental, consagrado na Constituição, densificado na Lei da Liberdade Religiosa e garantido à Igreja Católica pela Concordata de 2004.
O mesmo deve ser entendido quanto ao toque das horas. Em boa verdade, se as horas que os sinos começaram a “dar” eram as horas litúrgicas, horas de oração, primeiro para dentro do mosteiro e depois também para a comunidade circundante, como uma função eminentemente congregadora e de ligação telúrica40, essa horas acabaram por ir servindo igualmente para regular um tempo paulatinamente transmudado em tempo civil, na medida que as horas do livro deixaram de ter uma função eminentemente litúrgica e foram passando a regular o quotidiano do trabalho e da vida. E, por isso, também não se vê que o toque das horas, regulado pelo “relógio da torre” e “vistas” no seu mostrador, careça de ser licenciado, não apenas pelas suas origens e função – que ainda hoje se mantêm – como também pela sua prática secular, eminentemente social em benefício da comunidade. Razões estas a que acresce uma outra, de identidade de tratamento, pois caso (o relógio e) o sino esteja(m) numa torre municipal, marcando um tempo laico ou civil, não carecerá de licenciamento, em função da isenção que nesta matéria gozam os municípios.
É evidente que como se disse há pouco, em cima, isto não significa que a liberdade de culto prevista no nº 1 do artigo 41º da CRP não possa ser limitada em função de outras direitos fundamentais, tal como a saúde e o ambiente. Como [com] qualquer outro direito fundamental, a lei pode estabelecer as restrições necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também constitucionalmente garantidos. E é por isso que já desde a Concordata de 1940 o Estado assegurava à Igreja Católica o livre exercício de todos os actos de culto, privado ou público, sem prejuízo das exigências de polícia e de trânsito.
Ora, é pois no âmbito dessa polícia administrativa41 que em caso de ruído provocado pelas actividade de culto religioso, o presidente da câmara municipal dispõe de poderes de fiscalização e poderes cautelares que evitam a ocorrência de danos à saúde e sossego dos moradores, designadamente o poder de suspender ou encerrar preventivamente a actividade ou o local de culto42. Mas, se até esse limite vigora o princípio da liberdade religiosa, a sua compressão por razões ambientais e de “ruído” no caso do toque dos sinos, deve também ter presente e atender à função social dos mesmos. Na verdade, se bem que hoje exista um sistema de protecção civil, com cobertura nacional, que providencia meios de auxílio em caso de catástrofe ou acidente, convém lembrar que em algumas comunidades o sino poderá ser (ainda) um elemento essencial e congregador da protecção civil, tocando a rebate em caso de desastre – pelo que o seu toque audível é condição da emergência do socorro.
A questão “pós-moderna” que agora se coloca com a utilização de aparelhagens sonoras amplificadoras para, eletronicamente, reproduzir o som e toques dos sinos, não retira a questão do ponto onde foi analisada (salvo, eventualmente, o eventual mau gosto dos som dos toques): Na verdade, a utilização de aparelhagens para reproduzir o som dos sinos nos toques litúrgicos deixa a questão no ponto onde tem que ser colocada: a da liberdade religiosa, designadamente da liberdade de práticas religiosas. Isto sem prejuízo dos já referidos poderes de polícia administrativa que cabem às autarquias locais dirigidos ao controlo dos excessos e abusos (de som), de modo a que não sejam postos em causa direitos, designadamente direitos fundamentais de terceiros, e acautelando as questões em matéria de ruído.
CONCLUINDO
a) A prática e ritual litúrgico da Igreja Católica, do qual faz parte integrante o ancestral toque dos sinos nas torres sineiras suas catedrais, basílicas, igrejas, capelas, mosteiros, cenóbios e todos os demais lugares de culto, em razão desse mesmo culto, não está sujeita a qualquer licenciamento administrativo, porque a tal se opõe o princípio da liberdade religiosa que se assume como direito liberdade e garantia com a natureza de direito fundamental, consagrado na Constituição, densificado na Lei da Liberdade Religiosa e garantido à Igreja Católica pela Concordata de 2004.
b) O mesmo deve ser entendido quanto ao toque das horas nos sinos das torres das igrejas.
c) Isto não significa que a liberdade de culto prevista no nº 1 do artigo 41º da CRP não possa ser limitada em função de outras direitos fundamentais, tal como a saúde e o ambiente. Como [com] qualquer outro direito fundamental, a lei pode estabelecer as restrições necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também constitucionalmente garantidos.
d) No âmbito dos poderes de polícia administrativa, em caso de ruído provocado pelas actividades de culto religioso, o presidente da câmara municipal dispõe de poderes de fiscalização e poderes cautelares que evitam a ocorrência de danos à saúde e sossego dos moradores, designadamente o poder de suspender ou encerrar preventivamente a actividade ou o local de culto.
e) A utilização de aparelhagens para reproduzir o som dos sinos nos toques litúrgicos deixa a questão no ponto onde tem que ser colocada: a da liberdade religiosa, designadamente da liberdade de práticas religiosas, sem prejuízo dos já referidos poderes de polícia administrativa que cabem às autarquias locais dirigidos ao controlo dos excessos e abusos (de som), de modo a que não sejam postos em causa direitos, designadamente direitos fundamentais de terceiros, e acautelando as questões em matéria de ruído.
Salvo semper meliori judicio
Ricardo da Veiga Ferrão
(Jurista. Técnico Superior)
1. Licença essa que, ainda que não exactamente a mesma, pode ser assimilada à licença especial de ruído prevista no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro.
2. Artigo 30.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro.
3. Infracção prevista e punida pela al. i) do n.º 1 do artigo 47.º do Decreto-Lei n.º 310/2002.
4. Os sinos e as campainhas acompanham o homem desde tempos imemoriais, assumindo várias e distintas funções, mas sempre tendo estado presentes nos momentos mais importantes da sua vida. De facto, para além de se destinarem a produzir determinados sons, com determinados usos e funções, trata-se de instrumentos de todo indissociáveis dos ciclos vitais dos homens, não raro assumindo funções rituais e usos mágicos.
Os sinos integram o conjunto dos chamados idiofones percutidos (porventura os de mais antigas e primitivas origens) na medida em que os sons são obtidos graças à acção de um batimento sobre o corpo vibrante com um objecto estranho ao mesmo.
Com o advento do Cristianismo, aliou-se à sua função primordial de reunião e de comunicação um carácter intrinsecamente sagrado, tornando-se autênticos porta-vozes de uma linguagem universal cuja vigência se manteve até ao presente (Joaquín Diaz). O que implicou, naturalmente, a criação de todo um processo de significados e de significantes de modo a operar a respectiva sacralização. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos na Terra de Miranda, ed. do Centro de Musica Tradicional Sons da Terra, 2005, pag. 5. Desta obra há 2.ª edição, Editora Âncora, 2012.
5. O uso dos sinos nas práticas do culto cristão pode filiar-se numa continuidade de utilização de instrumentos musicais, como os cornos de carneiro e as trompetas de prata que são citadas no Antigo Testamento para o anúncio de um festim, ou as campainhas de ouro que são mencionados no livro do Êxodo (28; 31-35). Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 10. Porém, importa ter bem presente o facto de os sinos não terem sido inicialmente aceites como símbolos do Cristianismo, sobretudo devido ao facto de, quer na Grécia quer em Roma, estarem profundamente associados a rituais pagãos e a práticas seculares. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 6.
6. Aos sinos foi atribuída pela Igreja Católica uma relevante carga simbólica …, sobretudo numa altura em que era de todo imperativo congregar as comunidades em torno das respectivas igrejas e templos, bem como manter permanentemente informadas as pessoas sobre os seus deveres e obrigações religiosas (sobretudo no que se refere aos tempos/momentos dedicados à oração). Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 6.
7. Com o decurso dos tempos, este simbolismo cristão foi diminuindo, mantendo-se, porém, a sua importância como um sinal da comunidade (Schafer, 1997:89):
O sinal sonoro mais significativo da comunidade cristã é o sino da igreja. Num sentido bem verdadeiro, ele define a comunidade, pois a paróquia é um espaço acústico circunscrito pela sua abrangência.
O sino é um som centrípeto; atrai e une a comunidade num sentido social, do mesmo modo que une homem e Deus. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 7.
…na literatura abund[a]m as referências ao … uso e funções dos tipos de toques de sinos, sinetas e campainhas, integrando as “paisagens sonoras” das comunidades… Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 34.
São muitos e variados os toques de sinos, com distintas funções e diferentes significados…
O sino pode soar, dobrar, repicar, tocar, bater, voltear… Eram tantos os toques diferentes que quase em cada momento o podíamos designar de forma distinta. Havia três momentos do dia que eram recordados através do som dos bronzes: o amanhecer, toque que recebia o nome de Ave-Maria, ao meio-dia, que correspondia ao Ângelus, e o anoitecer quando o sino tocava para a oração. Juntamente com estes três toques fixos quotidianos soavam toques para recordar os actos litúrgicos, como as missas, os terços, as procissões, os casamentos, os funerais e os toques de defuntos, E misturados com eles, convocatórias para acontecimentos civis ou religiosos como o podiam ser o toque para a reunião do conselho, irmandade ou confraria, os toques para a vezeira, a fogo ou inclusivamente contra o enevoado que ameaçava as colheitas.
Quando o tempo não tinha o valor que hoje lhe é atribuído, quando esse tempo era só marcado pelo nascer e pôr-do-sol, pelas nove badaladas do toque de Trindades, caídas das torres das igrejas das aldeias ou das capelinhas dispersas pelos outeiros, ao meio-dia ou aos crepúsculos do seu começo e findar, quando os trabalhos eram marcados pelas festas do ano ou pelos dias dos Santos de maior devoção, quando não era ainda considerada a velocidade do tempo, a vida, nos meio s rurais, era bastante diferente. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pags. 39-40.
… três momentos muito importantes na vida das comunidades, com os sinos a desempenharem um papel relevante de aviso: o toque da manhã era também designado de toque das Avé Marias; o toque do meio-dia correspondia ao Angelus; e o toque do fim da tarde, que recomendava um tempo consagrado à oração, era designado o toque das Trindades…
O toque das Trindades era religiosamente respeitado pelas gentes das comunidades rurais: cessava o trabalho e todos recolhiam a suas casas… Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 41.
8. Cfr. FERNANDO CORREIA DE OLIVEIRA, História do Tempo em Portugal – Elementos para uma história do tempo, da relojoaria e das mentalidades em Portugal, edição do autor, 2003, pag. 30.
A prática das orações comunitárias diárias adveio ao cristianismo da prática judaica de récita de orações em horas fixas do dia, prática essa que passou para os Apóstolos e depois se generalizou e padronizou com a expansão da vida monástica na Europa. S. Bento de Núrsia estabeleceu sete horas canónicas: Matinas, Prima, Terça. Sexta, Noa, Vésperas e Completa, ainda que os momentos de oração (horas) pudessem chegar a ser oito diurnos e três ou quatro nocturnos.
9. Cfr. FERNANDO CORREIA DE OLIVEIRA, História do Tempo… cit., pag. 31. Relata este autor que de 1377 há notícia de ter sido instalado na Sé de Lisboa um “relógio de torre, batendo sinos”.
10. FERNANDO CORREIA DE OLIVEIRA, História do Tempo… cit., pag. 31.
11. Caso de um desses conflitos foi a disputa, nos tempo de D. João I, entre o Bispo do Porto e a Câmara dessa cidade, sobre o pagamento da manutenção de um relógio e toque do sino a ele adstrito, que estando na Porta do Olival, marcando assim um tempo leigo e municipal, passou para uma torre da Sé, marcando agora um tempo clerical acima desse tempo laico. Cfr. FERNANDO CORREIA DE OLIVEIRA, História do Tempo… cit., pag. 33.
12. A chegada dos sinos à Europa registou-se através de Bizâncio e a primeira notícia da sua utilização refere-se a Nola, cidade situada na província de Campania, na Itália.
De facto, a instalação de sinos nos templos cristãos tem vindo a ser atribuída a S. Paulino (353-431), bispo de Nola, que justamente no ano da sua morte assinou uma disposição nesse mesmo sentido, depois de ter mandado instalar um conjunto de vários sinos, designados tintinabula, feitos a partir de folhas de cobre e de estanho, com diferentes dimensões e com a função de comunicar aos fiéis o distinto conteúdo das ecclesiae.
A partir do século V, os sinos surgem referenciados nos mais diversos textos, sendo o mais antigo que se conhece sobre os seus vários usos litúrgicos da autoria do Bispo de Tours, S. Gregório (576-595), sendo então considerada primordial a função de chamamento por eles desempenhada.
… a colocação de sinos nos templos cristãos foi decisivamente incrementada graças à acção nesse sentido desenvolvida pelo Papa Sabiniano que, por bula datada de 604, referenciada por Polidoro Virgílio (na sua obra De inventionibus rerum) chegou mesmo a instituir o toque de sinos nas horas canónicas (Díaz, 1997:19). Nesta bula decretava-se expressamente que os sinos dos mosteiros … deviam ser tangidos sete oito vezes ao dia, ficando tais momentos a ser conhecidos como sendo as horas canónicas … .
Terá sido a partir do século XIII que se passou a colocar os sinos no alto de torres instaladas nas igrejas com esse fim (e designadas de campanários). De facto, embora o uso dos sinos nos templos cristão tenha sido sancionado pelo Papa Sabiniano nos inícios do século VII (com a cerimónia ritual da respectiva bênção a ser instituída um pouco mais tarde), só por volta do século XI é que se começaram a construir torres sineiras. Num livro datado do século VIII, o Liber Pontificalis, refere-se expressamente o facto de o Papa Estêvão II (752-757) ter mandado erigir um campanário com três sinos na Basílica Velha de S. Pedro, em Roma, sendo nessa época as torres sineiras já consideradas como um elemento essencial dos templos consagrados ao culto católico.
Enquanto as igrejas só tiveram um sino de mediana grandeza, limitaram-se os fiéis a fazer no cume, por cima do coro, ume espécie de nicho de madeira onde colocavam o sino.
Mas apenas as igrejas possuíam sinos maiores, edificavam-lhes torres; colocou-se sobre a maior parte delas uma pirâmide terminada por um globo, em cima do qual se arvorou a cruz; sobre a cruz se pôs um galo, emblema popular que indica o uso dos sinos na Igreja. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 10 e segs.
13. Desse incómodo e do que ele já representava para as populações, é claro e expressivo exemplo o ofício dirigido pelo Secretário de Estado dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça ao Cardeal Patriarca de Lisboa, a 19 de Junho de 1837, com o seguinte teor:
Em.mo e Rev.mo Sr.
Constando a Sua Magestade a RAINHA que a despeito de reiteradas ordens, expedidas por este Ministerio, continúa a praticar-se um intolerável abuso no toque dos sinos, com grave incómmodo dos habitantes desta Capital: Quer Sua Magestade que V. Em.ª se sirva de remetter a esta Secretaria d’Estado as instrucções que sobre tal objecto lhe foram pedidas em Aviso de 28 d’Abril ultimo, a fim de poder-se definitivamente regular o toque dos mesmos sinos, e a duração deles. Quer outro sim Sua Magestade que V. Em.ª expeça desde já as ordens mais terminantes para que esses toques sejam promptamente reduzidos aos que annuciam a saudação angelica, aos que chamam os Fieis á Missa, e aos que dão signal de incendio: devendo V. Em.ª fazer saber ao Conego que serve de Thesoureiro Mór da Cathedral de Lisboa, e aos Parochos da Capital, que ficam responsáveis por qualquer abuso que se cometta neste negocio, e que em tal caso o Governo os fará inexoravelmente castigar pelos meios que tem á sua disposição.
Deus guarde a V. Em.ª
Este documento é consultável em http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/18/15/p354.
Também um edital de 18 de Fevereiro de 1892 do governador civil interino do distrito do Porto, Joaquim Traibner de Morais, … regulava [o toque dos sinos] …: só o bispo, o pároco ou os capelães têm o direito de mandar tocar os sinos das igrejas, capelas e ermidas para os ofícios, orações públicas e outros actos religiosos, mas estes toques não poderão durar mais de cinco minutos cada um, excepto para finados, pois nesse caso poderá haver três toques de cinco minutos cada um dom intervalo ao menos de um quarto de hora; era proibido qualquer toque de sinos antes do amanhecer e depois das 9 horas da noite desde a Páscoa até 31 de Outubro, e antes do amanhecer e depois das 8 horas da noite desde 1 de Novembro até à Páscoa, com excepção da noite de Natal. A 12 de Julho de 1892, um ofício do mesmo governador civil, permitia que o toque dos sinos não se limitasse ao número de três, mas que fossem os necessários. Cfr. RITA MARIA CRISTOVAM CIPRIANO ALMEIDA DE CARVALHO, A Concordata De Salazar, Portugal-Santa Sé 1940, Tese de Doutoramento, FCSH – UNL. 2009, pag. 12, nota 64, consultável em http://run.unl.pt/handle/10362/5685. Há edição em livro: RITA ALMEIDA DE CARVALHO, A Concordata de Salazar, Temas e Debates, 2013.
14. A Constituição de 1911 acompanhou, nestas matérias, o espirito revolucionário da época: laicista e anticatólico. Ainda que garantindo formalmente a liberdade de consciência e de crença e a igualdade política e civil de todos os cultros mantinha a legislação em vigor que extinguiu e dissolveu em Portugal a Companhia de Jesus, as sociedades nela filiadas e todas as congregações religiosas e ordens monásticas (artigo 3.º, n.º 12). Cfr. JORGE MIRANDA, Liberdade Religioso, Igrejas e Estado em Portugal, in Nação e Defesa, n.º 39, Julho-Setembro 1986, pag. 120-121.
15. Decreto com força de lei de 20 de abril, separando o Estado das igrejas, publicado no Diário do Governo n.º 91, de 21 de Abril de 1911.
16. Nesse sentido, JORGE MIRANDA, Estado, Liberdade Religiosa e Laicidade, in Gaudium Sciendi, n.º 4, Julho de 2013, pag. 31-32. O artigo, em formato de revista electrónica, pode ser acedido em http://tinyurl.com/h6jgb4k
17. Nesse sentido, vd. os artigos 43.º e seguintes da Lei da Separação, em especial os artigos 55.º a 57.º. Sobre as limitações impostas vd. também, RITA ALMEIDA DE CARVALHO, A Concordata … cit, pag. 11.
18. Portaria n.º 6259, de 26 de Junho, publicada no Diário do Governo, n.º 146, 1º suplemento, de 19 de Junho de 1929.
19. Nos termos do artigo 2.º do Decreto n.º 3856, de 22 de Fevereiro de 1918, publicado no Diário do Governo de 23 de Fevereiro do mesmo ano, o culto público de qualquer religião passava a poder exercer se a qualquer hora, sem dependência de licença da autoridade pública.
20. A este respeito dizem RITA ALMEIDA DE CARVALHO E ANTÓNIO DE ARAÚJO, A Voz dos Sinos: o «diário» de Mário de Figueiredo sobre a crise política de 1929, in ESTUDOS, Revista do Centro Académico de Democracia Cristã, Nova Série, n.º 5 – Coimbra 2005, pag. 460: A «portaria dos sinos» suscitou a oposição de alguns membros do Governo de Vicente de Freitas, os quais entendiam que ela revogava a Lei da Separação do Estado e das Igrejas, pelo que acabaria por ser anulada na reunião do Conselho de Ministros que teve lugar no dia 2 de Julho de 1929. Na sequência desta deliberação, Mário de Figueiredo demite-se e no dia 3 de Julho Oliveira Salazar, então Ministro das Finanças, pede a sua exoneração ao Presidente do Ministério.
Para o efeito, alegou que durante o período em que fora titular da pasta das Finanças nunca procurara «melhorar a situação legal dos católicos», porque a sua acção estava confinada aos problemas financeiros, mas, considerando que a portaria se limitava a interpretar disposições legais anteriores, «seria faltar a um compromisso tomado comigo, adoptar o Governo qualquer medida que violasse direitos já concedidos por leis ou governos anteriores aos católicos ou à Igreja em Portugal». Ora, a revogação da portaria fazia-o.
21. Nesse sentido, a propósito da preparação da Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 1940, vd. RITA ALMEIDA DE CARVALHO, A Concordata … cit, pag. 217.
O texto da Concordata de 1940, assinada na Cidade do Vaticano em 7 de Maio de 1940, aprovada por resolução da Assembleia Nacional promulgado pela Lei n.º 1984 (DG, I, n.º 125, de 30 de Maio de 1940), e ratificada pela Carta de Confirmação e Ratificação do Presidente da República de 1 de Junho de 1940, encontra-se publicado no Diário do Governo, I série, n.º 158, de 10 de Julho de 1940. A Concordata foi alterada pelo Protocolo Adicional celebrado a 15 de Fevereiro de 1975, aprovado para ratificação pelo Decreto n.º 187/75, de 4 de Abril, tendo sido substituída pela Concordata celebrada a 18 de Maio de 2004.
22. Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho, alterada pela Lei n.º 91/2009, de 31 de Agosto, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro e Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
23. A Concordata de 2004, assinada a 18 de Maio de 2004, foi aprovada para ratificação pela Resolução da AR n.º 74/2004 de 16 de Novembro e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 80/2004, de 16 de Novembro.
24. MANUEL BRAGA DA CRUZ, A liberdade religiosa – dos direitos individuais aos direitos sociais, in Revista Portuguesa de Ciência das Religiões, ano I, 2002, n.º 1, pag. 145.
25. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, 2007, pág. 611.
26. Diz o artigo 1.º da Lei da Liberdade Religiosa que a liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável e garantida a todos em conformidade com a Constituição, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o direito internacional aplicável e a presente lei.
27. Artigo 3.º da Lei da Liberdade Religiosa.
28. Artigo 4.º, n.º 1, da Lei da Liberdade Religiosa.
29. Artigo 6.º, n.º 1, da Lei da Liberdade Religiosa.
30. Artigo 20.º da Lei da Liberdade Religiosa.
31. Artigo 23.º, al. a), da Lei da Liberdade Religiosa. Não deixa de ser curioso que parte da redacção (e previsão legal) desta norma seja idêntica à do Artigo XVI da Concordata de 1940.
32. Artigo 2.º, n.º 1, da Concordata de 2004.
33. Artigo 2.º, n.º 4, da Concordata de 2004.
34. Artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 310/2002.
35. Era o caso da exploração de máquinas automáticas, mecânicas, elétricas e eletrónicas de diversão e da venda de bilhetes para espetáculos ou divertimentos públicos em agência ou postos de venda – artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 310/2002.
36. De entre as que careceriam de licenciamento municipal para poderem ser exercidas incluíam-se as actividades de guarda-nocturno, venda ambulante de lotarias, arrumador de automóveis, realização de acampamentos ocasionais, realização de espectáculos desportivos e de divertimentos públicos nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre, e realização de fogueiras e queimadas – artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 310/2002.
37. A Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, que aprovou, em anexo, o Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), ao mesmo tempo que dispunha, na alínea e), do n.º 1, do seu artigo 3.º, que é revogado … o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 156/2004, de 30 de junho, 9/2007, de 17 de janeiro, 114/2008, de 1 de julho, 48/2011, de 1 de abril, e 204/2012, de 29 de agosto, na parte em que refere as alíneas b), c) e f) do artigo 1.º do mesmo diploma, bem como as suas subsequentes disposições relativas à titularidade da competência para o licenciamento das atividades de venda ambulante de lotarias, de arrumador de automóveis e atividades ruidosas de caráter temporário que respeitem a festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes, passou a cometer (artigo 16.º, n.º 3, al. c), do RJAL) às juntas de freguesia a competência para o licenciamento de, entre outras, actividades ruidosas de caráter temporário que respeitem a festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes.
38. De acordo com o n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, a licença especial de ruído, quando emitida por um período superior a um mês, fica condicionada ao respeito nos receptores sensíveis do valor limite do indicador LAeq do ruído ambiente exterior de 60 dB(A) no período do entardecer e de 55 dB(A) no período nocturno.
Curiosa e problemática é a incongruência que passou a existir em matéria de licenciamento de actividades ruidosas (temporárias) face ao que hoje se dispõe na lei, quer por via das alterações introduzidas no Decreto-Lei n.º 310/2002 pela Lei n.º 75/2013 quer pelo que ora o RJAL dispõe, pois que passou a haver um conflito legal sobre a entidade competente para licenciar actividades ruidosas, designadamente quando esteja em causa ruído proveniente ou gerado por causa ou no contexto de festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes, pois que o licenciamento dessas “actividades ruidosas” (como se diz expressamente na lei) se encontra presentemente cometido às juntas de freguesia (artigo 16.º, n.º 3, al. c), do RJAL) mas a atribuição de licença especial de ruído (actividade ruidosa temporária) continua a caber ao município (artigo 15, n.º 1, do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro).
Existe, assim, uma evidente colisão legal quanto à entidade licenciante em matéria de ruído nestas situações, consideradas as competências para o efeito atribuídas pelos diversos regimes legais aplicáveis.
39. Consultável em http://tinyurl.com/zoffnux
40. É a isso que se refere Pessoa quando escreve: Ó sino da minha aldeia,/Dolente na tarde calma,/Cada tua badalada/Soa dentro da minha alma.
(Ó sino da minha aldeia in Renascença, Fevereiro de 1924).
41. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10.ª ed., 3.º reimp. 2004, vol. II, p. 1150 considera polícia administrativa como o modo de actuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir.
42. É quanto se diz no sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25 de Fevereiro de 2011, já antes citado.
Solicita o Presidente da Câmara Municipal de …, por seu ofício de …, referência n.º …, a emissão de parecer sobre a seguinte questão:
Qual o enquadramento jurídico em matéria de poluição sonora de sinos de igrejas [acompanhados de uma melodia religiosa] e respetivos amplificadores sonoros, maxime da hipotética necessidade de estes terem licença especial de ruído, nos termos do art.º 30.º e do n.º 2 do art.º 32.º, ambos do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, que regula o regime jurídico do licenciamento e fiscalização de atividades pelas câmaras municipais.
No caso decidendum a factologia é o seguinte:
a) No cimo da torre da igreja encontram-se quatro amplificadores sonoros, que a cada 15 minutos emitem sinais horários que consistem numa melodia religiosa.
b) Tais emissões decorrem entre as 07h00 e as 22h00, cessando no período noturno;
c) Entende a GNR que não tendo a fábrica da igreja de … requerido a correspondente licença especial de ruído para a emissão sonoro dos sinais horários supra aludidos, esta praticou facto subsumível em contraordenação, por força da conjugação do art.º 30.º e do n.º 2 do art.º 32.º e da al. i), do n.º 1, do art.º 47.º, todas do já supra aludido Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 30.º do Decreto-Lei 310/2002, de 18 de dezembro, na sua atual redação, “O funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projectem sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários2, só poderá ocorrer entre as 8 e as 22 horas e mediante a autorização referida no artigo 32.º”, estabelecendo por sua vez o artigo 32.º do mesmo diploma que “1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a realização de festividades, de divertimentos públicos e de espectáculos ruidosos nas vias púbicas e demais lugares públicos nas proximidades de edifícios de habitação, escolares durante o horário de funcionamento, hospitalares ou similares, bem como estabelecimentos hoteleiros e meios complementares de alojamento só é permitida quando, cumulativamente:
a) Circunstâncias excepcionais o justifiquem;
b) Seja emitida, pelo presidente da câmara municipal, licença especial de ruído;
c) Respeite o disposto no n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, quando a licença é concedida por período superior a um mês.
2 – Não é permitido o funcionamento ou o exercício contínuo dos espectáculos ou actividades ruidosas nas vias púbicas e demais lugares púbicos na proximidade de edifícios hospitalares ou similares ou na de edifícios escolares durante o respectivo horário de funcionamento.
3 – Das licenças emitidas nos termos do presente capítulo deve constar a referência ao seu objecto, a fixação dos respectivos limites horários e as demais condições julgadas necessárias para preservar a tranquilidade das populações.”
Ora, atenta a letra da lei, parece-nos que os sinais horários [mormente os produzidos pelos sinos de igrejas e respetivos amplificadores sonoros] estão sujeitos a licença especial de ruído.
No entanto tal não nos parece inteiramente líquido. Vejamos,
O exercício do direito constitucional à liberdade do culto religioso, garantido pelo n.º 4 do art.º 41.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP), não tem natureza de direito absoluto, antes tendo de sofrer as restrições necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também constitucionalmente garantidos, como expressamente dispõe o n.º 2, do art.º 18.º da CRP.
Com efeito, são também constitucionalmente garantidos o direito à habitação «(…) em condições de higiene e conforto que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar (…)», nos termos do n.º 1 do art.º 65.º da CRP e o direito «(…) a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado (…)», conforme dispõe o n.º 1, do art.º 66.º, da CRP.
Está, portanto, «afastada a possibilidade de o princípio da liberdade de culto servir de suporte para isentar a recorrente das obrigações ou deveres que são impostos à generalidade dos cidadãos, designadamente da observância das regras do ordenamento urbanístico e das que visam satisfazer interesses ambientais» – cfr. acórdão do STA de 31/10/2002, proferido no âmbito do Proc. n.º 01102/02.
Concludentemente, da necessária ponderação que aqui impera efetuar, atendendo aos bens jusconstitucionais em presença, resulta que, salvaguardando o direito e o dever que assiste no quadro da liberdade religiosa às igrejas e demais comunidades religiosas de fidelidade à sua missão, onde o uso dos sinos assume um cariz especial de convocação e anúncio pastoral (os sinos assinalam o passar das horas, convocam à oração), não menos deve ser igualmente ressalvado o respeito pela qualidade do ambiente e vida das populações.
Nessa medida, e concretamente em matéria da sistematização da problemática dos sinos dos locais de culto enquanto hipotéticos instrumentos potenciadores de poluição sonora, cumpre ter presente, atendendo à factologia supra referida, o teor de dois diplomas legislativos: o Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, que regula o regulamento geral do ruído, e o supra citado Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro, que regula o regime jurídico do licenciamento e fiscalização de atividades pelas câmaras municipais, sendo que estes, como bem decorre do preambulo do primeiro, se encontram articulados.
O primeiro consubstancia o regime geral disciplinador da prevenção do ruído e o controlo da poluição sonora, assim, visando a salvaguarda da saúde humana e o bem-estar das populações, enquanto o segundo, maxime nos seus artigos 29.º a 34.º regula o licenciamento do exercício da atividade de realização de espetáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos, nomeadamente, o funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projetem sons para as vias e demais lugares públicos (incluindo sinais horários).
Numa primeira leitura – sobretudo atendendo ao facto de que in casu o sino se encontra interligado com quatro amplificadores sonoros – parece-nos que o caso recai diretamente no âmbito de aplicação dos supra citados artigos 29.º a 34.º e que, como tal, será exigível, nos termos dos artigos 30.º, n.º 2 e 32.º a solicitação prévia de licença especial de ruído.
Todavia, no quadro da ponderação supra mencionada dos bens jusconstitucionais ora em presença, cumpre ter igualmente presente que a lei de liberdade religiosa – Lei n.º 16/2001, de 22 de junho – determina que os locais de culto não devem ser alvo de constrangimentos administrativos – cfr. acórdão de 25/02/2011, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no âmbito do proc. n.º 00189/06.5BEMDL.
Assim, subsistem dúvidas relativamente ao enquadramento dos referidos sinais horários/melodia nos artigos 29.º a 34.º do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro, na sua atual redação, pois estes artigos, aliás como todo o capítulo, disciplinam o “Licenciamento do exercício da actividade de realização de espectáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos.” [e como tal fazem depender de prévia licença] tão-somente divertimentos públicos de diversa natureza, organizados nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre, tais como, arraiais, romarias, bailes, provas desportivas e outros divertimentos públicos, pelo que, imputar aos sinais horários – mesmo quando a sonoridade destes se encontra mecanicamente amplificada idêntico enquadramento poderá consubstanciar um constrangimento administrativo, dado que, o sino, com os toques dos sinais horários/melodias, surge intimamente interligado com o relógio da torre da igreja, acabando por ter a função social [cuja génese apresenta uma dimensão religiosa] de enunciar diariamente as horas, atividade intemporal, estranha e independente de quaisquer festividades.
É nosso entendimento, como acima melhor explanado, que deverá ser emitida uma licença especial de ruído [que foi, aliás, já requerida pela entidade responsável pela Igreja] ao abrigo das normas supra referidas, no entanto subsistindo dúvidas, solicitamos a V Exa a emissão de parecer jurídico quanto à questão colocada.
APRECIANDO
1. DO PEDIDO
A questão que se coloca no presente pedido é a de (se) saber se o funcionamento de (quatro) amplificadores sonoros (que se presume serem aquilo que tecnicamente é designado por altifalantes de corneta) colocados na torre sineira de uma igreja (que se presume ser a de …) e que entre as 07h00 e as 22h00 emitem, a cada quarto de hora, sinais horários que consistem numa melodia religiosa, carece de ser autorizado por licença especial de ruído1 camarária, por, no caso, se estar perante o funcionamento de emissor[es], amplificador[es] e outro[s] aparelho[s] sonoro[s] que projecte[m] sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários , na falta de cuja referida licença se estará perante facto infraccional de natureza contraordenacional, sancionado com coima3 (entendimento em que se louva a estrita legalidade cartesiana da GNR) – ou seja, incluir e tratar esta situação (de toque [horário] de sinos, ainda que de forma electrónica e amplificada e já não no ancestral modo mecânico de percussão) no âmbito do licenciamento do exercício da actividade de realização de espectáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos, como, implicitamente, pretende e resulta da actuação da GNR – ou se esta questão deve ser vista e apreciada noutro âmbito, qual seja, o do princípio da liberdade religiosa, constitucionalmente consagrado, regulado na Lei da Liberdade Religiosa e detalhado na Concordata de 2004, celebrada entre a Santa Sé e a República Portuguesa.
2. ANÁLISE
2.1. UMA BREVE NOTA HISTÓRICO-POLÍTICO-SOCIAL DOS (TOQUES DOS) SINOS
Para que melhor se possa situar e analisar a questão colocada convirá, antes, fazer um breve excurso sobre a história dos sinos ao longo dos tempos na civilização ocidental e, mais precisamente no nosso país, vista à luz do prisma não só religioso como temporal e social.
2.1.1. Pode dizer-se que a produção de sons através da percussão dos objectos é tão velha quanto o homem, sons esse que serviam para as mais diversas finalidade mas que tinham sempre um objectivo central: comunicar com os demais. Assim, desde sempre, a percussão de troncos, pedaços de madeira (escavada para produzir diferentes sons) e, com os advir da idade dos metais, de (pedaços de) metal, tambores e outros objectos percutíveis, serviu para transmitir mensagens através da produção de sons típicos (identificados) com as mais diversas finalidades, quase sempre comunitárias: anunciar a guerra e a paz, dar a conhecer a outras comunidades acontecimentos felizes ou infelizes, chamar ou pedir auxílio, pedir chuva ou afastar tempestades, esconjurar o mal e o demónio, invocar os deuses ou chamar à oração.
As campainhas e os sinos, (também eles) instrumentos de percussão e idiofones, assumiram, em todas as civilizações e desde tempos imemoriais, um lugar central na vida social, quer como modo de comunicação entre os homens quer em rituais sagrados como forma de ligação e invocação do divino4.
A Igreja Católica cedo acolheu as campainhas e sinos quer na sua prática religiosa5, quer na vivência dos clérigos e monges e no chamamento à oração da comunidade cristã.
Porém os sinos, para além da matriz religiosa e de chamamento à oração e invocação do divino6, foram assumindo uma eminente função social7, tanto nas cidades e burgos como nas aldeias e nos campos, seja como modo de informação da comunidade sobre certos acontecimentos sociais (que, aliás, eram igualmente religiosos, como batizados, casamentos e decessos), seja como meio de chamamento da comunidade a actividades seculares, como convocar comunidade a reunir-se ou tocar a rebate em caso de incêndio ou calamidade, seja, ainda, como meio de informação comunitário sobre o decurso do tempo, através do toque das horas.
Ora terão sido as necessidades da vida religiosa que impulsionaram, na Idade Média, a invenção do relógio mecânico, já que os processos de medição do tempo através de relógios de sol, relógios de água ou clepsidras e de areia ou ampulhetas eram limitados e erráticos para quem se regia diariamente por sete tempos de oração8.
Inventado no final do século X, diz-se pelo Beneditino Gerbert d’Aurillac, depois Papa Silvestre II, os relógios mecânicos (a mais importante invenção europeia em plena Idade Média), ainda que apenas dotados de um único ponteiro a indicar (imprecisamente) as (doze) horas, saíram dos mosteiros e começaram a ser também instalados nas torres das igrejas, passando as servir não apenas as comunidades religiosas como as populações9.
O século XV foi acentuando a importância do tempo público, marcado primeiro a partir de relógios de torre de mosteiros, com mecanismos que accionavam os sinos, passando a pouco e pouco a estar instalados nas torres municipais10. Situação que originava, não poucas vezes, conflitos entre os poderes religioso e secular11.
2.1.2. Pode pois ter-se por assente que os sinos têm uma ancestral ligação com o homem que remonta a muitos milénios atrás e teve origem em distantes civilizações, de onde foi irradiando para outros locais e outras gentes. Essa ligação foi importada também para o ocidente e introduzida na sua cultura e civilização, tendo-se divulgado e ritualizado com o catolicismo, que fez dos sinos um dos seus símbolos12. A partir do momento em que a religião católica (e também, as suas dissidências: ortodoxos e protestantes [anglicanos, luteranos, presbiterianos, etc.]), fizeram do sino um elemento central da prática religiosa, ele e o seus toques passaram a assumir um papel fundamental nas diversas comunidades, congregadas à volta da torre da sua igreja, capela ou templo, quer em matéria estritamente religiosa quer, de modo muito sensível e sentido, como elemento congregador e informador dessa comunidade, através dos códigos sob a forma de símbolos sonoros com que informavam a comunidade dos principais factos que nela ocorriam. E um desses factos era precisamente o decurso do tempo, marcado por determinados toques, tocados pelo sineiro ou sacristão, e mais tarde, quando as torres sineiras passaram a ter um relógio que marcava as horas, por badaladas accionadas mecanicamente por mecanismos de relojoaria – porque o tempo, ou seja a vida, e o conhecimento do seu decurso (isto é, a sua medição) foi sempre um momento central da vivência humana desde que o homem dele tomou consciência, passando a medi-lo com gnómones e relógios de sol até chegar ao generalizado e, por isso, agora banal, relógio dos dias de hoje que pode já não ser o objecto mecânico ou electrónico, cheio de mistério, dedicado à medição do tempo mas constituir apenas umas das (múltiplas) funções do computador, tablet ou telemóvel.
E se a torre foi sempre um elemento transversal na história da arquitetura humana, a torre do sino ou campanário e, mais tarde, a torre do relógio, constituíam o elemento central e mais visível da povoação, onde todos, para além de buscar o aconchego espiritual, podiam “ver as horas” no mostrador do relógio ou ouvir as badaladas do sino que “batiam” as horas que este “marcava”. Era o tempo em que (ainda) havia tempo mas (ainda) não havia relógios (de bolso e, menos ainda, de pulso).
2.1.3. Porém, o (não) toque dos sinos foi, em certas épocas e pelas mais diversas razões, sociais, religiosas, mas também políticas, uma questão central e candente do quotidiano e da vida das comunidades. Portugal não foi excepção.
Para além da intrínseca ligação à Igreja, aos seus rituais e ritmos da religião católica e, mesmo da própria vida, e não obstante a sua óbvia utilidade pública, designadamente no que tangia às informações que veiculava para as populações das comunidades, certo é que o toque dos sinos já causava incómodo em tempos idos, quando se estava bem longe não só de (se) pensar em ambiente ou em poluição sonora como nos moldes actuais, mas também da necessidade de medir e conter o ruído em limites aceitáveis e previamente definidos, para assim se garantir a saúde e bem-estar das populações13.
Com a implantação da República14 e a separação da Igreja do Estado ditada pela Lei da Separação de 20 de Abril de 191115, esta passa a determinar que os toques dos sinos serão regulados pela autoridade administrativa municipal de acordo com os usos e costumes de cada localidade, contanto que não causem incómodo aos habitantes, e se restrinjam, quando muito, aos casos previstos no decreto de 6 de Agosto de 1833. De noite, os toques de sinos só podem ser autorizados para fins civis e em casos de perigo comum, como incêndios e outros. Interrompia-se assim o controlo dos sinos e da sua simbologia sonora (e do poder que isso significava) pela Igreja Católica e passava-se tal controlo para o poder secular. Ressalvado era ainda que o seu toque não causasse incómodo aos habitantes – mesmo que esse “incómodo” pudesse ser menos por razões sonoras do que por razões (anti)religiosas e de acérrimo republicanismo.
Esta proibição dos toques tradicionais dos sinos de acordo com as regras da Igreja Católica era corolário das fortes restrições – ou, mais precisamente, da perseguição16 – que a República moveu à Igreja e suas instituições, limitando a prática religiosa e proibindo cerimónias, procissões e outras manifestações exteriores de culto17.
A partir de então os sinos emudeceram e viram drasticamente contida a sua função de chamamento às obrigações religiosas, designadamente em termos de intensidade e tempo de toque.
Anos transcorridos abrir-se-ia nova crise política (e religiosa) ainda por causa (do toque) dos sinos em razão de uma Portaria – a designada Portaria dos Sinos18 – que partindo da consideração de que o toque dos sinos constituía um acto de culto público19, e que por essa razão podia ser realizado, independentemente de autorização ou participação, a qualquer hora, determinava que não se ponham embaraços ao toque de sinos a qualquer hora, … competindo à autoridade administrativa regular-lhe a duração em condições que não inutilizem o fim a que visa20.
Certo é que não obstante estas vicissitudes “sineiras” era e continuou a ser entendimento que o toque dos sinos convocando ou anunciando cerimónias, procissões ou quaisquer manifestações de culto religiosas, como acto litúrgico que era, fazia intrínseca parte da prática religiosa, pelo que se deveria considerar abrangido pela liberdade de culto21.
2.2. O TOQUE DOS SINOS À LUZ DO QUADRO JURÍDICO-LEGAL VIGENTE
O entendimento de que o toque dos sinos constitui um acto litúrgico intrinsecamente ligado à prática religiosa e, por isso, abrangido pela liberdade de culto, não foi tratado pela lei da Lei da Liberdade Religiosa22 nem abordado na Concorda da 200423 – o que há-de significar que a sua natureza e o entendimento sobre ela se mantém como o que tem sempre sido até então e agora.
2.2.1. CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA, LEI DA LIBERDADE RELIGIOSA E CONCORDATA DE 2004
De entre os direitos, liberdades e garantias considerados como direitos fundamentais, a Constituição da República Portuguesa consagra a inviolabilidade da liberdade de consciência de religião e de culto (artigo 41.º, n.º 1, CRP) como um deles. Tendo uma matriz primordialmente individual (pessoal), este direito é também, em algumas das suas vertentes, um direito usufruível colectivamente (ou por pessoas colectivas) – ou seja tem também a natureza de direito colectivo. E, nessa dimensão, a Constituição dispõe que as igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto27 (artigo 41.º, n.º 4, CRP) ou seja, pode dizer-se, como o faz MANUEL BRAGA DA CRUZ, que o Estado tem, em relação à religião, uma autonomia própria. O Estado não é competente em matéria religiosa e o inverso também é válido: as religiões também não são competentes em matéria politica24.
… [O]s direitos colectivos de liberdade religiosa, cujos titulares são as igrejas e outras confissões religiosas (e ainda as pessoas colectivas por elas criadas) incluem o direito à auto-organização (…) e o direito à autodeterminação (…) e o direito à organização do culto e à assistência religiosa dos crentes (templos e locais de culto, recrutamento e formação dos ministros, organização de cerimónia religiosas)25.
A Lei da Liberdade Religiosa consagrando a liberdade de culto26, estabelece, por um lado, o princípio da separação entre o Estado e as igrejas, por via do qual estas são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto , ao mesmo tempo que determina a não confessionalidade do Estado, em via do que este não se pronuncia sobre questões religiosas28.
A esta liberdade a lei concede uma verdadeira força jurídica vinculativa que leva a que, sobre ela, apenas sejam admitidas as restrições necessárias para salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos29.
Na parte reservada aos direitos colectivos de liberdade religiosa a Lei da Liberdade Religiosa garante, de modo expresso, às igrejas – que caracteriza como comunidades sociais organizadas e duradouras em que os crentes podem realizar todos os fins religiosos que lhes são propostos pela respectiva confissão30 e, portanto, garante também à Igreja Católica, a liberdade no exercício das suas funções e do culto, podendo, nomeadamente, sem interferência do Estado ou de terceiros … exercer os actos de culto, privado ou público, sem prejuízo das exigências de polícia e trânsito31.
Pode pois dizer-se que à luz da Lei da Liberdade Religiosa e à partida nenhuma limitação se coloca à prática religiosa e ao culto rectius, no caso, à prática religiosa e culto da Igreja Católica – nem, em circunstância alguma, estes dependem de prévia autorização ou licença administrativa.
Por seu lado, por via da Concordata de 2004, a República Portuguesa reconhece à Igreja Católica o direito de exercer a sua missão apostólica e garante o exercício público e livre das suas actividades, nomeadamente as de culto, magistério e ministério, bem como a jurisdição em matéria eclesiástica32 ao mesmo tempo que é reconhecida à Igreja Católica, aos seus fiéis e às pessoas jurídicas que se constituam nos termos do direito canónico a liberdade religiosa, nomeadamente nos domínios da consciência, culto, reunião, associação, expressão pública, ensino e acção caritativa33.
Limitação (ou seja, compressão, mas nunca ablação) a estas liberdades apenas as que resultem da Constituição – designadamente da necessidade de tutela de e compatibilização com outros direitos fundamentais – ou que sejam expressamente previstas na lei ou resultem de exigências de polícia administrativa, quando para tutela de bens ou valores de idêntica natureza e valia.
2.2.2. AS NORMAS LEGAIS INVOCADAS
2.2.2.1. O DECRETO-LEI N.º 310/2002
A questão ora em apreço apresenta-se colocada no âmbito da disciplina estabelecida pelo Decreto Lei n.º 310//2002, e, mais concretamente, do que nele se dispõe na norma do n.º 2 do artigo 30.º, onde se afirma que o funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projetem sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários, só poderá ocorrer entre as 9 e as 22 horas e mediante a autorização referida no artigo 32.º (sublinhado nosso).
Antes de sobre o problema se adiantarem outras razões, analise-se do objecto do diploma em questão e da inserção sistemática desta norma.
Em primeiro lugar o diploma em causa visa(va) regula[r] o regime jurídico de acesso, exercício e fiscalização de certas actividades34, algumas das quais de livre acesso35, outras carecendo para o seu exercício de licenciamento municipal36.
De entre as actividades que careciam de licenciamento municipal encontrava-se a de realização de espectáculos desportivos e de divertimentos públicos nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre, que era depois especialmente disciplinada no capítulo VII do mesmo diploma, epigrafado Licenciamento do exercício de actividades de realização de espectáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos capítulo esse no qual se encontra integrado o artigo 30.º ora em questão.
Ora terá que ser nesse quadro de realização de espectáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos que tem que ser lida e interpretada a norma do n.º 2 do artigo 30.º.
Dispunha o n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 310/2002, anteriormente à alteração introduzida pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro37, que os arraiais, romarias, bailes, provas desportivas e outros divertimentos públicos organizados nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre dependem de licenciamento da câmara municipal. Entretanto, o artigo 16.º, n.º 3, al. c), do RJAL, veio cometer às juntas de freguesia a competência para o licenciamento, entre outras, das actividades ruidosas de caráter temporário que respeitem a festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes deixando agora no âmbito municipal apenas o licenciamento de provas desportivas e de outros divertimentos públicos que não os atrás apontados.
Por seu lado, o artigo 30.º, epigrafado de espectáculos e actividades ruidosas, ao mesmo tempo que, no âmbito da matéria da sua epígrafe, veda a actuação de bandas de música, grupos filarmónicos, tunas e outros agrupamentos musicais … nas vias e demais lugares públicos dos aglomerados urbanos desde as 0 até às 9 horas (n.º 1), limita, ainda no mesmo âmbito, o funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projetem sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários, circunscrevendo-o ao período entre as 9 e as 22 horas e condicionando-o a autorização referida no artigo 32.º (n.º 2), ao que acresce o facto de o “funcionamento” das actividades ruidosas referidas neste último número só poder ser consentido, diz-se no n.º 3 do mesmo artigo, por ocasião de festas tradicionais, espetáculos ao ar livre ou em outros casos análogos devidamente justificados (al. a)) e desde que cumpridos os limites estabelecidos no n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, quando a licença é concedida por período superior a um mês (al. b))38. Ora pretender enquadrar o toque dos sinos no âmbito desta licença ou é dizer que estes apenas poderão tocar esporadicamente por ocasião de festas tradicionais, espetáculos ao ar livre ou em outros casos análogos devidamente justificados e que, no demais tempo, deverão permanecer silenciosos ou então é usar esta norma opara abranger situações que não recaem na sua previsão e no seu âmbito de aplicação.
2.2.2.1. O REGULAMENTO GERAL DO RUÍDO
Por outro lado, também não se afigura que a licença especial de ruído de que trata o artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído seja aplicável no caso pois que esta é/pode ser concedida quando esteja em causa unicamente uma «actividade ruidosa temporária», ou seja, a actividade que, não constituindo um acto isolado, tenha carácter não permanente e que produza ruído nocivo ou incomodativo para quem habite ou permaneça em locais onde se fazem sentir os efeitos dessa fonte de ruído tais como obras de construção civil, competições desportivas, espectáculos, festas ou outros divertimentos, feiras e mercados, pois que o toque dos sinos (nas suas diversas funções, litúrgicas, laicas ou comunitárias) além da sua ancestralidade e de sua continuidade ou permanência, não se enquadra também em qualquer das situações apontadas, pois que não ocorre apenas e por ocasião de qualquer delas.
Para além disso, e em termos comparativos, há que notar que o exercício de uma actividade ruidosa temporária promovida pelo município, não carece de qualquer licenciamento ainda que também fique sujeita aos valores limites fixados no n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruido (artigo 15.º, n.º 7, al. a), do Regulamento Geral do Ruido).
2.3. Ora não se afigura que a prática religiosa e de culto da Igreja Católica, prática e culto esses onde o toque dos sinos assume um profundo e relevante significado litúrgico, possa ser considerada como um divertimento público e, menos ainda, como um espectáculo de natureza desportiva. E menos ainda que se encontre sujeita a licenciamento administrativo ou a qualquer prática autorizatória das entidades administrativas.
Como antes já se referiu, a Lei da Liberdade Religiosa garante às igrejas e demais comunidades religiosas a liberdade no exercício das suas funções e do culto, podendo, nomeadamente, sem interferência do Estado ou de terceiros … exercer os actos de culto, privado ou público, sem prejuízo das exigências de polícia e trânsito. Por seu lado, como também se disse, pela Concordata de 2004 a República Portuguesa reconhece à Igreja Católica o direito de exercer a sua missão apostólica e garante o exercício público e livre das suas actividades, nomeadamente as de culto e reconhece à Igreja Católica, aos seus fiéis e às pessoas jurídicas que se constituam nos termos do direito canónico a liberdade religiosa, nomeadamente nos domínios da consciência, culto, reunião, associação, expressão pública.
A este respeito diz-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25 de Fevereiro de 201139:
A lei de liberdade religiosa – Lei nº 16/2001 de 22/6 – não contém qualquer norma a prever o prévio licenciamento ou autorização para o exercício de culto (…). Bem pelo contrário, no que respeita aos locais de culto, dá indicação de que não deve haver constrangimentos administrativos. A alínea b) do artigo 23º preceitua que «as igrejas de demais comunidades religiosas são livres no exercício das suas funções e do culto, podendo, nomeadamente, sem interferências do Estado ou de terceiros, estabelecer lugares de culto ou de reunião para fins religiosos» (…).
Isto não significa que a liberdade de culto prevista no nº 1 do artigo 41º da CRP não possa ser limitada em função de outras direitos fundamentais, tal como a saúde e o ambiente. Com qualquer outro direito fundamental, a lei pode estabelecer as restrições necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também constitucionalmente garantidos, como expressamente se prevê no nº 2 do artigo 18º da CRP. Como se diz no acórdão do STA de 23/10/2002 (proc. nº 01102/02, in www. dgsi.pt) «está afastada a possibilidade de o princípio da liberdade de culto servir de suporte para isentar a recorrente das obrigações ou deveres que são impostos à generalidade dos cidadãos, designadamente da observância das regras do ordenamento urbanístico e das que visam satisfazer interesses ambientais». Só que não há norma que, para controlo das condições de segurança e de saúde, exija que os locais de culto sejam previamente autorizados.
Temo assim por óbvio e evidente que a prática e ritual litúrgico da Igreja Católica, do qual faz parte integrante o ancestral toque dos sinos nas torres sineiras suas catedrais, basílicas, igrejas, capelas, mosteiros, cenóbios e todos os demais lugares de culto, em razão desse mesmo culto, não está sujeita a qualquer licenciamento administrativo, porque a tal se opõe o princípio da liberdade religiosa que se assume como direito liberdade e garantia com a natureza de direito fundamental, consagrado na Constituição, densificado na Lei da Liberdade Religiosa e garantido à Igreja Católica pela Concordata de 2004.
O mesmo deve ser entendido quanto ao toque das horas. Em boa verdade, se as horas que os sinos começaram a “dar” eram as horas litúrgicas, horas de oração, primeiro para dentro do mosteiro e depois também para a comunidade circundante, como uma função eminentemente congregadora e de ligação telúrica40, essa horas acabaram por ir servindo igualmente para regular um tempo paulatinamente transmudado em tempo civil, na medida que as horas do livro deixaram de ter uma função eminentemente litúrgica e foram passando a regular o quotidiano do trabalho e da vida. E, por isso, também não se vê que o toque das horas, regulado pelo “relógio da torre” e “vistas” no seu mostrador, careça de ser licenciado, não apenas pelas suas origens e função – que ainda hoje se mantêm – como também pela sua prática secular, eminentemente social em benefício da comunidade. Razões estas a que acresce uma outra, de identidade de tratamento, pois caso (o relógio e) o sino esteja(m) numa torre municipal, marcando um tempo laico ou civil, não carecerá de licenciamento, em função da isenção que nesta matéria gozam os municípios.
É evidente que como se disse há pouco, em cima, isto não significa que a liberdade de culto prevista no nº 1 do artigo 41º da CRP não possa ser limitada em função de outras direitos fundamentais, tal como a saúde e o ambiente. Como [com] qualquer outro direito fundamental, a lei pode estabelecer as restrições necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também constitucionalmente garantidos. E é por isso que já desde a Concordata de 1940 o Estado assegurava à Igreja Católica o livre exercício de todos os actos de culto, privado ou público, sem prejuízo das exigências de polícia e de trânsito.
Ora, é pois no âmbito dessa polícia administrativa41 que em caso de ruído provocado pelas actividade de culto religioso, o presidente da câmara municipal dispõe de poderes de fiscalização e poderes cautelares que evitam a ocorrência de danos à saúde e sossego dos moradores, designadamente o poder de suspender ou encerrar preventivamente a actividade ou o local de culto42. Mas, se até esse limite vigora o princípio da liberdade religiosa, a sua compressão por razões ambientais e de “ruído” no caso do toque dos sinos, deve também ter presente e atender à função social dos mesmos. Na verdade, se bem que hoje exista um sistema de protecção civil, com cobertura nacional, que providencia meios de auxílio em caso de catástrofe ou acidente, convém lembrar que em algumas comunidades o sino poderá ser (ainda) um elemento essencial e congregador da protecção civil, tocando a rebate em caso de desastre – pelo que o seu toque audível é condição da emergência do socorro.
A questão “pós-moderna” que agora se coloca com a utilização de aparelhagens sonoras amplificadoras para, eletronicamente, reproduzir o som e toques dos sinos, não retira a questão do ponto onde foi analisada (salvo, eventualmente, o eventual mau gosto dos som dos toques): Na verdade, a utilização de aparelhagens para reproduzir o som dos sinos nos toques litúrgicos deixa a questão no ponto onde tem que ser colocada: a da liberdade religiosa, designadamente da liberdade de práticas religiosas. Isto sem prejuízo dos já referidos poderes de polícia administrativa que cabem às autarquias locais dirigidos ao controlo dos excessos e abusos (de som), de modo a que não sejam postos em causa direitos, designadamente direitos fundamentais de terceiros, e acautelando as questões em matéria de ruído.
CONCLUINDO
a) A prática e ritual litúrgico da Igreja Católica, do qual faz parte integrante o ancestral toque dos sinos nas torres sineiras suas catedrais, basílicas, igrejas, capelas, mosteiros, cenóbios e todos os demais lugares de culto, em razão desse mesmo culto, não está sujeita a qualquer licenciamento administrativo, porque a tal se opõe o princípio da liberdade religiosa que se assume como direito liberdade e garantia com a natureza de direito fundamental, consagrado na Constituição, densificado na Lei da Liberdade Religiosa e garantido à Igreja Católica pela Concordata de 2004.
b) O mesmo deve ser entendido quanto ao toque das horas nos sinos das torres das igrejas.
c) Isto não significa que a liberdade de culto prevista no nº 1 do artigo 41º da CRP não possa ser limitada em função de outras direitos fundamentais, tal como a saúde e o ambiente. Como [com] qualquer outro direito fundamental, a lei pode estabelecer as restrições necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também constitucionalmente garantidos.
d) No âmbito dos poderes de polícia administrativa, em caso de ruído provocado pelas actividades de culto religioso, o presidente da câmara municipal dispõe de poderes de fiscalização e poderes cautelares que evitam a ocorrência de danos à saúde e sossego dos moradores, designadamente o poder de suspender ou encerrar preventivamente a actividade ou o local de culto.
e) A utilização de aparelhagens para reproduzir o som dos sinos nos toques litúrgicos deixa a questão no ponto onde tem que ser colocada: a da liberdade religiosa, designadamente da liberdade de práticas religiosas, sem prejuízo dos já referidos poderes de polícia administrativa que cabem às autarquias locais dirigidos ao controlo dos excessos e abusos (de som), de modo a que não sejam postos em causa direitos, designadamente direitos fundamentais de terceiros, e acautelando as questões em matéria de ruído.
Salvo semper meliori judicio
Ricardo da Veiga Ferrão
(Jurista. Técnico Superior)
1. Licença essa que, ainda que não exactamente a mesma, pode ser assimilada à licença especial de ruído prevista no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro.
2. Artigo 30.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro.
3. Infracção prevista e punida pela al. i) do n.º 1 do artigo 47.º do Decreto-Lei n.º 310/2002.
4. Os sinos e as campainhas acompanham o homem desde tempos imemoriais, assumindo várias e distintas funções, mas sempre tendo estado presentes nos momentos mais importantes da sua vida. De facto, para além de se destinarem a produzir determinados sons, com determinados usos e funções, trata-se de instrumentos de todo indissociáveis dos ciclos vitais dos homens, não raro assumindo funções rituais e usos mágicos.
Os sinos integram o conjunto dos chamados idiofones percutidos (porventura os de mais antigas e primitivas origens) na medida em que os sons são obtidos graças à acção de um batimento sobre o corpo vibrante com um objecto estranho ao mesmo.
Com o advento do Cristianismo, aliou-se à sua função primordial de reunião e de comunicação um carácter intrinsecamente sagrado, tornando-se autênticos porta-vozes de uma linguagem universal cuja vigência se manteve até ao presente (Joaquín Diaz). O que implicou, naturalmente, a criação de todo um processo de significados e de significantes de modo a operar a respectiva sacralização. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos na Terra de Miranda, ed. do Centro de Musica Tradicional Sons da Terra, 2005, pag. 5. Desta obra há 2.ª edição, Editora Âncora, 2012.
5. O uso dos sinos nas práticas do culto cristão pode filiar-se numa continuidade de utilização de instrumentos musicais, como os cornos de carneiro e as trompetas de prata que são citadas no Antigo Testamento para o anúncio de um festim, ou as campainhas de ouro que são mencionados no livro do Êxodo (28; 31-35). Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 10. Porém, importa ter bem presente o facto de os sinos não terem sido inicialmente aceites como símbolos do Cristianismo, sobretudo devido ao facto de, quer na Grécia quer em Roma, estarem profundamente associados a rituais pagãos e a práticas seculares. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 6.
6. Aos sinos foi atribuída pela Igreja Católica uma relevante carga simbólica …, sobretudo numa altura em que era de todo imperativo congregar as comunidades em torno das respectivas igrejas e templos, bem como manter permanentemente informadas as pessoas sobre os seus deveres e obrigações religiosas (sobretudo no que se refere aos tempos/momentos dedicados à oração). Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 6.
7. Com o decurso dos tempos, este simbolismo cristão foi diminuindo, mantendo-se, porém, a sua importância como um sinal da comunidade (Schafer, 1997:89):
O sinal sonoro mais significativo da comunidade cristã é o sino da igreja. Num sentido bem verdadeiro, ele define a comunidade, pois a paróquia é um espaço acústico circunscrito pela sua abrangência.
O sino é um som centrípeto; atrai e une a comunidade num sentido social, do mesmo modo que une homem e Deus. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 7.
…na literatura abund[a]m as referências ao … uso e funções dos tipos de toques de sinos, sinetas e campainhas, integrando as “paisagens sonoras” das comunidades… Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 34.
São muitos e variados os toques de sinos, com distintas funções e diferentes significados…
O sino pode soar, dobrar, repicar, tocar, bater, voltear… Eram tantos os toques diferentes que quase em cada momento o podíamos designar de forma distinta. Havia três momentos do dia que eram recordados através do som dos bronzes: o amanhecer, toque que recebia o nome de Ave-Maria, ao meio-dia, que correspondia ao Ângelus, e o anoitecer quando o sino tocava para a oração. Juntamente com estes três toques fixos quotidianos soavam toques para recordar os actos litúrgicos, como as missas, os terços, as procissões, os casamentos, os funerais e os toques de defuntos, E misturados com eles, convocatórias para acontecimentos civis ou religiosos como o podiam ser o toque para a reunião do conselho, irmandade ou confraria, os toques para a vezeira, a fogo ou inclusivamente contra o enevoado que ameaçava as colheitas.
Quando o tempo não tinha o valor que hoje lhe é atribuído, quando esse tempo era só marcado pelo nascer e pôr-do-sol, pelas nove badaladas do toque de Trindades, caídas das torres das igrejas das aldeias ou das capelinhas dispersas pelos outeiros, ao meio-dia ou aos crepúsculos do seu começo e findar, quando os trabalhos eram marcados pelas festas do ano ou pelos dias dos Santos de maior devoção, quando não era ainda considerada a velocidade do tempo, a vida, nos meio s rurais, era bastante diferente. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pags. 39-40.
… três momentos muito importantes na vida das comunidades, com os sinos a desempenharem um papel relevante de aviso: o toque da manhã era também designado de toque das Avé Marias; o toque do meio-dia correspondia ao Angelus; e o toque do fim da tarde, que recomendava um tempo consagrado à oração, era designado o toque das Trindades…
O toque das Trindades era religiosamente respeitado pelas gentes das comunidades rurais: cessava o trabalho e todos recolhiam a suas casas… Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 41.
8. Cfr. FERNANDO CORREIA DE OLIVEIRA, História do Tempo em Portugal – Elementos para uma história do tempo, da relojoaria e das mentalidades em Portugal, edição do autor, 2003, pag. 30.
A prática das orações comunitárias diárias adveio ao cristianismo da prática judaica de récita de orações em horas fixas do dia, prática essa que passou para os Apóstolos e depois se generalizou e padronizou com a expansão da vida monástica na Europa. S. Bento de Núrsia estabeleceu sete horas canónicas: Matinas, Prima, Terça. Sexta, Noa, Vésperas e Completa, ainda que os momentos de oração (horas) pudessem chegar a ser oito diurnos e três ou quatro nocturnos.
9. Cfr. FERNANDO CORREIA DE OLIVEIRA, História do Tempo… cit., pag. 31. Relata este autor que de 1377 há notícia de ter sido instalado na Sé de Lisboa um “relógio de torre, batendo sinos”.
10. FERNANDO CORREIA DE OLIVEIRA, História do Tempo… cit., pag. 31.
11. Caso de um desses conflitos foi a disputa, nos tempo de D. João I, entre o Bispo do Porto e a Câmara dessa cidade, sobre o pagamento da manutenção de um relógio e toque do sino a ele adstrito, que estando na Porta do Olival, marcando assim um tempo leigo e municipal, passou para uma torre da Sé, marcando agora um tempo clerical acima desse tempo laico. Cfr. FERNANDO CORREIA DE OLIVEIRA, História do Tempo… cit., pag. 33.
12. A chegada dos sinos à Europa registou-se através de Bizâncio e a primeira notícia da sua utilização refere-se a Nola, cidade situada na província de Campania, na Itália.
De facto, a instalação de sinos nos templos cristãos tem vindo a ser atribuída a S. Paulino (353-431), bispo de Nola, que justamente no ano da sua morte assinou uma disposição nesse mesmo sentido, depois de ter mandado instalar um conjunto de vários sinos, designados tintinabula, feitos a partir de folhas de cobre e de estanho, com diferentes dimensões e com a função de comunicar aos fiéis o distinto conteúdo das ecclesiae.
A partir do século V, os sinos surgem referenciados nos mais diversos textos, sendo o mais antigo que se conhece sobre os seus vários usos litúrgicos da autoria do Bispo de Tours, S. Gregório (576-595), sendo então considerada primordial a função de chamamento por eles desempenhada.
… a colocação de sinos nos templos cristãos foi decisivamente incrementada graças à acção nesse sentido desenvolvida pelo Papa Sabiniano que, por bula datada de 604, referenciada por Polidoro Virgílio (na sua obra De inventionibus rerum) chegou mesmo a instituir o toque de sinos nas horas canónicas (Díaz, 1997:19). Nesta bula decretava-se expressamente que os sinos dos mosteiros … deviam ser tangidos sete oito vezes ao dia, ficando tais momentos a ser conhecidos como sendo as horas canónicas … .
Terá sido a partir do século XIII que se passou a colocar os sinos no alto de torres instaladas nas igrejas com esse fim (e designadas de campanários). De facto, embora o uso dos sinos nos templos cristão tenha sido sancionado pelo Papa Sabiniano nos inícios do século VII (com a cerimónia ritual da respectiva bênção a ser instituída um pouco mais tarde), só por volta do século XI é que se começaram a construir torres sineiras. Num livro datado do século VIII, o Liber Pontificalis, refere-se expressamente o facto de o Papa Estêvão II (752-757) ter mandado erigir um campanário com três sinos na Basílica Velha de S. Pedro, em Roma, sendo nessa época as torres sineiras já consideradas como um elemento essencial dos templos consagrados ao culto católico.
Enquanto as igrejas só tiveram um sino de mediana grandeza, limitaram-se os fiéis a fazer no cume, por cima do coro, ume espécie de nicho de madeira onde colocavam o sino.
Mas apenas as igrejas possuíam sinos maiores, edificavam-lhes torres; colocou-se sobre a maior parte delas uma pirâmide terminada por um globo, em cima do qual se arvorou a cruz; sobre a cruz se pôs um galo, emblema popular que indica o uso dos sinos na Igreja. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 10 e segs.
13. Desse incómodo e do que ele já representava para as populações, é claro e expressivo exemplo o ofício dirigido pelo Secretário de Estado dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça ao Cardeal Patriarca de Lisboa, a 19 de Junho de 1837, com o seguinte teor:
Em.mo e Rev.mo Sr.
Constando a Sua Magestade a RAINHA que a despeito de reiteradas ordens, expedidas por este Ministerio, continúa a praticar-se um intolerável abuso no toque dos sinos, com grave incómmodo dos habitantes desta Capital: Quer Sua Magestade que V. Em.ª se sirva de remetter a esta Secretaria d’Estado as instrucções que sobre tal objecto lhe foram pedidas em Aviso de 28 d’Abril ultimo, a fim de poder-se definitivamente regular o toque dos mesmos sinos, e a duração deles. Quer outro sim Sua Magestade que V. Em.ª expeça desde já as ordens mais terminantes para que esses toques sejam promptamente reduzidos aos que annuciam a saudação angelica, aos que chamam os Fieis á Missa, e aos que dão signal de incendio: devendo V. Em.ª fazer saber ao Conego que serve de Thesoureiro Mór da Cathedral de Lisboa, e aos Parochos da Capital, que ficam responsáveis por qualquer abuso que se cometta neste negocio, e que em tal caso o Governo os fará inexoravelmente castigar pelos meios que tem á sua disposição.
Deus guarde a V. Em.ª
Este documento é consultável em http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/18/15/p354.
Também um edital de 18 de Fevereiro de 1892 do governador civil interino do distrito do Porto, Joaquim Traibner de Morais, … regulava [o toque dos sinos] …: só o bispo, o pároco ou os capelães têm o direito de mandar tocar os sinos das igrejas, capelas e ermidas para os ofícios, orações públicas e outros actos religiosos, mas estes toques não poderão durar mais de cinco minutos cada um, excepto para finados, pois nesse caso poderá haver três toques de cinco minutos cada um dom intervalo ao menos de um quarto de hora; era proibido qualquer toque de sinos antes do amanhecer e depois das 9 horas da noite desde a Páscoa até 31 de Outubro, e antes do amanhecer e depois das 8 horas da noite desde 1 de Novembro até à Páscoa, com excepção da noite de Natal. A 12 de Julho de 1892, um ofício do mesmo governador civil, permitia que o toque dos sinos não se limitasse ao número de três, mas que fossem os necessários. Cfr. RITA MARIA CRISTOVAM CIPRIANO ALMEIDA DE CARVALHO, A Concordata De Salazar, Portugal-Santa Sé 1940, Tese de Doutoramento, FCSH – UNL. 2009, pag. 12, nota 64, consultável em http://run.unl.pt/handle/10362/5685. Há edição em livro: RITA ALMEIDA DE CARVALHO, A Concordata de Salazar, Temas e Debates, 2013.
14. A Constituição de 1911 acompanhou, nestas matérias, o espirito revolucionário da época: laicista e anticatólico. Ainda que garantindo formalmente a liberdade de consciência e de crença e a igualdade política e civil de todos os cultros mantinha a legislação em vigor que extinguiu e dissolveu em Portugal a Companhia de Jesus, as sociedades nela filiadas e todas as congregações religiosas e ordens monásticas (artigo 3.º, n.º 12). Cfr. JORGE MIRANDA, Liberdade Religioso, Igrejas e Estado em Portugal, in Nação e Defesa, n.º 39, Julho-Setembro 1986, pag. 120-121.
15. Decreto com força de lei de 20 de abril, separando o Estado das igrejas, publicado no Diário do Governo n.º 91, de 21 de Abril de 1911.
16. Nesse sentido, JORGE MIRANDA, Estado, Liberdade Religiosa e Laicidade, in Gaudium Sciendi, n.º 4, Julho de 2013, pag. 31-32. O artigo, em formato de revista electrónica, pode ser acedido em http://tinyurl.com/h6jgb4k
17. Nesse sentido, vd. os artigos 43.º e seguintes da Lei da Separação, em especial os artigos 55.º a 57.º. Sobre as limitações impostas vd. também, RITA ALMEIDA DE CARVALHO, A Concordata … cit, pag. 11.
18. Portaria n.º 6259, de 26 de Junho, publicada no Diário do Governo, n.º 146, 1º suplemento, de 19 de Junho de 1929.
19. Nos termos do artigo 2.º do Decreto n.º 3856, de 22 de Fevereiro de 1918, publicado no Diário do Governo de 23 de Fevereiro do mesmo ano, o culto público de qualquer religião passava a poder exercer se a qualquer hora, sem dependência de licença da autoridade pública.
20. A este respeito dizem RITA ALMEIDA DE CARVALHO E ANTÓNIO DE ARAÚJO, A Voz dos Sinos: o «diário» de Mário de Figueiredo sobre a crise política de 1929, in ESTUDOS, Revista do Centro Académico de Democracia Cristã, Nova Série, n.º 5 – Coimbra 2005, pag. 460: A «portaria dos sinos» suscitou a oposição de alguns membros do Governo de Vicente de Freitas, os quais entendiam que ela revogava a Lei da Separação do Estado e das Igrejas, pelo que acabaria por ser anulada na reunião do Conselho de Ministros que teve lugar no dia 2 de Julho de 1929. Na sequência desta deliberação, Mário de Figueiredo demite-se e no dia 3 de Julho Oliveira Salazar, então Ministro das Finanças, pede a sua exoneração ao Presidente do Ministério.
Para o efeito, alegou que durante o período em que fora titular da pasta das Finanças nunca procurara «melhorar a situação legal dos católicos», porque a sua acção estava confinada aos problemas financeiros, mas, considerando que a portaria se limitava a interpretar disposições legais anteriores, «seria faltar a um compromisso tomado comigo, adoptar o Governo qualquer medida que violasse direitos já concedidos por leis ou governos anteriores aos católicos ou à Igreja em Portugal». Ora, a revogação da portaria fazia-o.
21. Nesse sentido, a propósito da preparação da Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 1940, vd. RITA ALMEIDA DE CARVALHO, A Concordata … cit, pag. 217.
O texto da Concordata de 1940, assinada na Cidade do Vaticano em 7 de Maio de 1940, aprovada por resolução da Assembleia Nacional promulgado pela Lei n.º 1984 (DG, I, n.º 125, de 30 de Maio de 1940), e ratificada pela Carta de Confirmação e Ratificação do Presidente da República de 1 de Junho de 1940, encontra-se publicado no Diário do Governo, I série, n.º 158, de 10 de Julho de 1940. A Concordata foi alterada pelo Protocolo Adicional celebrado a 15 de Fevereiro de 1975, aprovado para ratificação pelo Decreto n.º 187/75, de 4 de Abril, tendo sido substituída pela Concordata celebrada a 18 de Maio de 2004.
22. Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho, alterada pela Lei n.º 91/2009, de 31 de Agosto, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro e Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
23. A Concordata de 2004, assinada a 18 de Maio de 2004, foi aprovada para ratificação pela Resolução da AR n.º 74/2004 de 16 de Novembro e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 80/2004, de 16 de Novembro.
24. MANUEL BRAGA DA CRUZ, A liberdade religiosa – dos direitos individuais aos direitos sociais, in Revista Portuguesa de Ciência das Religiões, ano I, 2002, n.º 1, pag. 145.
25. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, 2007, pág. 611.
26. Diz o artigo 1.º da Lei da Liberdade Religiosa que a liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável e garantida a todos em conformidade com a Constituição, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o direito internacional aplicável e a presente lei.
27. Artigo 3.º da Lei da Liberdade Religiosa.
28. Artigo 4.º, n.º 1, da Lei da Liberdade Religiosa.
29. Artigo 6.º, n.º 1, da Lei da Liberdade Religiosa.
30. Artigo 20.º da Lei da Liberdade Religiosa.
31. Artigo 23.º, al. a), da Lei da Liberdade Religiosa. Não deixa de ser curioso que parte da redacção (e previsão legal) desta norma seja idêntica à do Artigo XVI da Concordata de 1940.
32. Artigo 2.º, n.º 1, da Concordata de 2004.
33. Artigo 2.º, n.º 4, da Concordata de 2004.
34. Artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 310/2002.
35. Era o caso da exploração de máquinas automáticas, mecânicas, elétricas e eletrónicas de diversão e da venda de bilhetes para espetáculos ou divertimentos públicos em agência ou postos de venda – artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 310/2002.
36. De entre as que careceriam de licenciamento municipal para poderem ser exercidas incluíam-se as actividades de guarda-nocturno, venda ambulante de lotarias, arrumador de automóveis, realização de acampamentos ocasionais, realização de espectáculos desportivos e de divertimentos públicos nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre, e realização de fogueiras e queimadas – artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 310/2002.
37. A Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, que aprovou, em anexo, o Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), ao mesmo tempo que dispunha, na alínea e), do n.º 1, do seu artigo 3.º, que é revogado … o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 156/2004, de 30 de junho, 9/2007, de 17 de janeiro, 114/2008, de 1 de julho, 48/2011, de 1 de abril, e 204/2012, de 29 de agosto, na parte em que refere as alíneas b), c) e f) do artigo 1.º do mesmo diploma, bem como as suas subsequentes disposições relativas à titularidade da competência para o licenciamento das atividades de venda ambulante de lotarias, de arrumador de automóveis e atividades ruidosas de caráter temporário que respeitem a festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes, passou a cometer (artigo 16.º, n.º 3, al. c), do RJAL) às juntas de freguesia a competência para o licenciamento de, entre outras, actividades ruidosas de caráter temporário que respeitem a festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes.
38. De acordo com o n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, a licença especial de ruído, quando emitida por um período superior a um mês, fica condicionada ao respeito nos receptores sensíveis do valor limite do indicador LAeq do ruído ambiente exterior de 60 dB(A) no período do entardecer e de 55 dB(A) no período nocturno.
Curiosa e problemática é a incongruência que passou a existir em matéria de licenciamento de actividades ruidosas (temporárias) face ao que hoje se dispõe na lei, quer por via das alterações introduzidas no Decreto-Lei n.º 310/2002 pela Lei n.º 75/2013 quer pelo que ora o RJAL dispõe, pois que passou a haver um conflito legal sobre a entidade competente para licenciar actividades ruidosas, designadamente quando esteja em causa ruído proveniente ou gerado por causa ou no contexto de festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes, pois que o licenciamento dessas “actividades ruidosas” (como se diz expressamente na lei) se encontra presentemente cometido às juntas de freguesia (artigo 16.º, n.º 3, al. c), do RJAL) mas a atribuição de licença especial de ruído (actividade ruidosa temporária) continua a caber ao município (artigo 15, n.º 1, do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro).
Existe, assim, uma evidente colisão legal quanto à entidade licenciante em matéria de ruído nestas situações, consideradas as competências para o efeito atribuídas pelos diversos regimes legais aplicáveis.
39. Consultável em http://tinyurl.com/zoffnux
40. É a isso que se refere Pessoa quando escreve: Ó sino da minha aldeia,/Dolente na tarde calma,/Cada tua badalada/Soa dentro da minha alma.
(Ó sino da minha aldeia in Renascença, Fevereiro de 1924).
41. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10.ª ed., 3.º reimp. 2004, vol. II, p. 1150 considera polícia administrativa como o modo de actuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir.
42. É quanto se diz no sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25 de Fevereiro de 2011, já antes citado.
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