Em referência ao vosso ofício n º …, de …, e ao assunto mencionado em epígrafe, temos a informar:
O artigo 54º da Lei 91/95, de 2/9, na redacção que lhe foi dada pelo Lei n.º 64/2003, de 23 de Agosto, determina que:
“1- A celebração de quaisquer actos ou negócios jurídicos entre vivos de que possa vir a resultar a constituição de compropriedade ou a ampliação do número de compartes de prédios rústicos carece de parecer favorável da câmara municipal do local da situação dos prédios.
2- O parecer previsto no número anterior só pode ser desfavorável com fundamento em que o acto ou negócio visa ou dele resulta parcelamento físico em violação do regime legal dos loteamentos urbanos, nomeadamente pela exiguidade da quota ideal a transmitir para qualquer rendibilidade económica não urbana.
3-…
4- …”
Resulta assim claramente da letra do preceito transcrito que só são objecto de parecer da Câmara municipal os actos ou negócios jurídicos inter vivos, (expressão esta que é usada para qualificar os actos celebrados entre sujeitos jurídicos vivos e destinados a produzir efeitos durante a vida desses sujeitos, ou para qualificar a situação em que alguém sucede num direito de outrem em razão de facto que não é a morte do anterior titular do direito,) pelo que, por contraposição, não estão sujeitos a parecer da Câmara os negócios jurídicos mortis causa, onde incluímos a partilha.
Contudo o entendimento que foi perfilhado pela Direcção Geral dos Registos e do Notariado é a de que a partilha extrajudicial da herança é um negócio jurídico entre vivos por entender que “o negócio jurídico que a tem por fim exclusivo (a partilha) é um negócio jurídico entre vivos”.
Ora, permitimo-nos discordar de tal interpretação, socorrendo-nos precisamente dos ensinamentos de Menezes Cordeiro, citados no parecer da DGRN, que claramente delimita os conceitos em presença dizendo que “o verdadeiro negócio mortis causa é intrinsecamente concebido pelo Direito para reger situações jurídicas desencadeadas com a morte de uma pessoa”, ao que haverá de acrescer, quanto a nós, o argumento dos efeitos retroactivos conferidos à partilha pelo artigo 2119.º do Código Civil, ao dispôr que “feita a partilha cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da sucessão, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos…”.
É por isso que na discussão Doutrinária sobre se a partilha tem carácter declarativo ou constitutivo (vide anotação ao artigo 2119.º, Abílio Neto, C.Civil Anotado) a solução que melhor se ajusta às disposições do C. Civil é a que defende que a partilha é um negócio certificativo, um negócio que se destina a tornar certa uma situação anterior, uma vez que cada um dos herdeiros já tinha direito a uma parte ideal da herança antes da partilha, sendo que, através desta, esse direito (a uma parte ideal da herança) se vai concretizar em bens certos e determinados. O direito a bens determinados que existe depois da partilha é o mesmo direito a bens indeterminados que existia antes da partilha; é o mesmo direito, apenas modificado no seu objecto.
Reafirmamos assim o entendimento de que a partilha extrajudicial da herança é um negócio mortis causa por ter na sua origem a morte do de cujus e, assim sendo, encontra-se excluída do âmbito de aplicação do artigo 54.º da Lei 91/95, de 2 de Setembro, na redacção da lei 64/2003, de 23 de Agosto.
Embora sem prescindir do nosso entendimento, não podemos deixar de alertar a Câmara Municipal para que na posição a assumir, pondere o facto dos nossos pareceres não serem vinculativos, ao contrário do que acontece, para os serviços de registos e de notariado, quanto às deliberação do Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, homologadas pelo respectivo Director Geral.
Quanto à sua abrangência, o objectivo do legislador (embora obscuramente transposto) terá sido, parece-nos, o de possibilitar o controlo sobre o parcelamento físico ou jurídico dos prédios rústicos, (incluídos ou não no perímetro urbano) no sentido de evitar que tal parcelamento contrarie, ou vise contornar, o regime legal dos loteamentos, ou de que possam derivar parcelas sem qualquer rendibilidade económica não urbana, como poderá acontecer, a título meramente exemplificativo, nas seguintes situações:
– quando da compropriedade resulte o parcelamento (ainda que apenas físico) de prédio rústico localizado fora de perímetro urbano ,com o objectivo de o destinar à edificação, por contrariar a regra da localização prevista no artigo 41º do DL 555/99, excepto, obviamente, se for um caso subsumível à figura do destaque;
– quando, ainda que não seja para construção, resultem parcelas que não viabilizem qualquer exploração económica;
– quando, mesmo dentro do perímetro urbano, o parcelamento em questão contrarie um qualquer instrumento de gestão territorial (p.ex. o parcelamento de um plano de pormenor).
Assim, para além das situações identificadas supra, e particularmente no que diz respeito ao factor da rendibilidade económica não urbana, parece-nos adequado, na falta de clarificação por parte do legislador, a consideração das áreas da unidade mínima de cultura fixadas para o país, bem como do regime de emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos (DL 103/90 de 22/3, com as alterações do DL 59/91, de 30/1), particularmente os seus artigos 44º a 47º sobre fraccionamento de explorações agrícolas e indivisão das explorações agrícolas em compropriedade, sem esquecer os “projectos de intervenção em espaço rural”, um dos tipos de plano de pormenor simplificado previstos no DL 380/99, de 22/9. Não se optando por esta interpretação, parece-nos, que a solução passará por, casuisticamente, consultar o Ministério da Agricultura sobre a rendibilidade económica não urbana da parcela em questão.
Sobre a necessidade de sistematização dos critérios previstos no nº 2 do citado art. 54º, entendemos que a preocupação não deve incidir sobre os critérios uniformizadores para a emissão de parecer favorável (que será a regra), mas sim sobre os critérios que respeitam às situações inversas, dada a indicação do legislador de que o parecer “só pode ser desfavorável” nas hipóteses que identifica.
Por último, de acordo com o disposto no referido artigo, quando em causa esteja a celebração de quaisquer actos ou negócio entre vivos dos quais resulte a constituição de compropriedade ou o aumento do número de compartes de prédios rústicos cabe à Câmara Municipal dar parecer sobre o local da situação do prédio e não apenas certificar que determinado prédio não configura uma área urbana de génese ilegal.
Conclusão
Em conclusão, é nosso entendimento que a partilha extrajudicial da herança é um negócio mortis causa por ter na sua origem a morte do de cujus e, assim sendo, encontra-se excluída do âmbito de aplicação do artigo 54.º da Lei 91/95, de 2 de Setembro, na redacção da lei 64/2003, de 23 de Agosto.
Maria José L. Castanheira Neves
Directora de Serviços de Apoio Jurídico e à Administração Local
Em referência ao vosso ofício n º …, de …, e ao assunto mencionado em epígrafe, temos a informar:
O artigo 54º da Lei 91/95, de 2/9, na redacção que lhe foi dada pelo Lei n.º 64/2003, de 23 de Agosto, determina que:
“1- A celebração de quaisquer actos ou negócios jurídicos entre vivos de que possa vir a resultar a constituição de compropriedade ou a ampliação do número de compartes de prédios rústicos carece de parecer favorável da câmara municipal do local da situação dos prédios.
2- O parecer previsto no número anterior só pode ser desfavorável com fundamento em que o acto ou negócio visa ou dele resulta parcelamento físico em violação do regime legal dos loteamentos urbanos, nomeadamente pela exiguidade da quota ideal a transmitir para qualquer rendibilidade económica não urbana.
3-…
4- …”
Resulta assim claramente da letra do preceito transcrito que só são objecto de parecer da Câmara municipal os actos ou negócios jurídicos inter vivos, (expressão esta que é usada para qualificar os actos celebrados entre sujeitos jurídicos vivos e destinados a produzir efeitos durante a vida desses sujeitos, ou para qualificar a situação em que alguém sucede num direito de outrem em razão de facto que não é a morte do anterior titular do direito,) pelo que, por contraposição, não estão sujeitos a parecer da Câmara os negócios jurídicos mortis causa, onde incluímos a partilha.
Contudo o entendimento que foi perfilhado pela Direcção Geral dos Registos e do Notariado é a de que a partilha extrajudicial da herança é um negócio jurídico entre vivos por entender que “o negócio jurídico que a tem por fim exclusivo (a partilha) é um negócio jurídico entre vivos”.
Ora, permitimo-nos discordar de tal interpretação, socorrendo-nos precisamente dos ensinamentos de Menezes Cordeiro, citados no parecer da DGRN, que claramente delimita os conceitos em presença dizendo que “o verdadeiro negócio mortis causa é intrinsecamente concebido pelo Direito para reger situações jurídicas desencadeadas com a morte de uma pessoa”, ao que haverá de acrescer, quanto a nós, o argumento dos efeitos retroactivos conferidos à partilha pelo artigo 2119.º do Código Civil, ao dispôr que “feita a partilha cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da sucessão, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos…”.
É por isso que na discussão Doutrinária sobre se a partilha tem carácter declarativo ou constitutivo (vide anotação ao artigo 2119.º, Abílio Neto, C.Civil Anotado) a solução que melhor se ajusta às disposições do C. Civil é a que defende que a partilha é um negócio certificativo, um negócio que se destina a tornar certa uma situação anterior, uma vez que cada um dos herdeiros já tinha direito a uma parte ideal da herança antes da partilha, sendo que, através desta, esse direito (a uma parte ideal da herança) se vai concretizar em bens certos e determinados. O direito a bens determinados que existe depois da partilha é o mesmo direito a bens indeterminados que existia antes da partilha; é o mesmo direito, apenas modificado no seu objecto.
Reafirmamos assim o entendimento de que a partilha extrajudicial da herança é um negócio mortis causa por ter na sua origem a morte do de cujus e, assim sendo, encontra-se excluída do âmbito de aplicação do artigo 54.º da Lei 91/95, de 2 de Setembro, na redacção da lei 64/2003, de 23 de Agosto.
Embora sem prescindir do nosso entendimento, não podemos deixar de alertar a Câmara Municipal para que na posição a assumir, pondere o facto dos nossos pareceres não serem vinculativos, ao contrário do que acontece, para os serviços de registos e de notariado, quanto às deliberação do Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, homologadas pelo respectivo Director Geral.
Quanto à sua abrangência, o objectivo do legislador (embora obscuramente transposto) terá sido, parece-nos, o de possibilitar o controlo sobre o parcelamento físico ou jurídico dos prédios rústicos, (incluídos ou não no perímetro urbano) no sentido de evitar que tal parcelamento contrarie, ou vise contornar, o regime legal dos loteamentos, ou de que possam derivar parcelas sem qualquer rendibilidade económica não urbana, como poderá acontecer, a título meramente exemplificativo, nas seguintes situações:
– quando da compropriedade resulte o parcelamento (ainda que apenas físico) de prédio rústico localizado fora de perímetro urbano ,com o objectivo de o destinar à edificação, por contrariar a regra da localização prevista no artigo 41º do DL 555/99, excepto, obviamente, se for um caso subsumível à figura do destaque;
– quando, ainda que não seja para construção, resultem parcelas que não viabilizem qualquer exploração económica;
– quando, mesmo dentro do perímetro urbano, o parcelamento em questão contrarie um qualquer instrumento de gestão territorial (p.ex. o parcelamento de um plano de pormenor).
Assim, para além das situações identificadas supra, e particularmente no que diz respeito ao factor da rendibilidade económica não urbana, parece-nos adequado, na falta de clarificação por parte do legislador, a consideração das áreas da unidade mínima de cultura fixadas para o país, bem como do regime de emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos (DL 103/90 de 22/3, com as alterações do DL 59/91, de 30/1), particularmente os seus artigos 44º a 47º sobre fraccionamento de explorações agrícolas e indivisão das explorações agrícolas em compropriedade, sem esquecer os “projectos de intervenção em espaço rural”, um dos tipos de plano de pormenor simplificado previstos no DL 380/99, de 22/9. Não se optando por esta interpretação, parece-nos, que a solução passará por, casuisticamente, consultar o Ministério da Agricultura sobre a rendibilidade económica não urbana da parcela em questão.
Sobre a necessidade de sistematização dos critérios previstos no nº 2 do citado art. 54º, entendemos que a preocupação não deve incidir sobre os critérios uniformizadores para a emissão de parecer favorável (que será a regra), mas sim sobre os critérios que respeitam às situações inversas, dada a indicação do legislador de que o parecer “só pode ser desfavorável” nas hipóteses que identifica.
Por último, de acordo com o disposto no referido artigo, quando em causa esteja a celebração de quaisquer actos ou negócio entre vivos dos quais resulte a constituição de compropriedade ou o aumento do número de compartes de prédios rústicos cabe à Câmara Municipal dar parecer sobre o local da situação do prédio e não apenas certificar que determinado prédio não configura uma área urbana de génese ilegal.
Conclusão
Em conclusão, é nosso entendimento que a partilha extrajudicial da herança é um negócio mortis causa por ter na sua origem a morte do de cujus e, assim sendo, encontra-se excluída do âmbito de aplicação do artigo 54.º da Lei 91/95, de 2 de Setembro, na redacção da lei 64/2003, de 23 de Agosto.
Maria José L. Castanheira Neves
Directora de Serviços de Apoio Jurídico e à Administração Local
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