Em referência ao vosso ofício n º …, de …, e ao assunto mencionado em epígrafe, temos a informar o seguinte:
1. Pressupostos de facto:
O Tribunal Administrativo e Fiscal de … declarou, em 14 de Junho de 2007, a perda de mandato a um vereador desse município, por este não ter enviado a declaração de rendimentos, património e incompatibilidades ao Tribunal Constitucional, declaração obrigatória nos termos da lei.
O referido vereador não informou a Câmara Municipal que tinha perdido o mandato, tendo a mesma tido conhecimento desta ocorrência apenas por ofício recebido da Inspecção-Geral da Administração do Território, datado de 21 de Setembro de 2007, e recebida na Câmara Municipal em 26/09/2007.
A Câmara Municipal posteriormente informou-se junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de … sobre a data da notificação desta decisão de perda de mandato e, segundo pudemos perceber, terá sido recebida em 18 de Junho de 2007 pelo referido ex-vereador.
Por último, em reunião de 28 de Setembro de 2007 o executivo substituiu o vereador em causa e procedeu à instalação do seu substituto ( note-se que os eleitos locais não tomam posse, são instalados).
2. A Câmara Municipal interroga-nos sobre a legalidade dos actos praticados pelo executivo municipal com a participação do referido vereador e dos actos praticados apenas pelo próprio, presumimos que apenas por delegação de competências, dado que não nos informaram que o mesmo fosse vice-presidente (se fosse vice-presidente teríamos ainda que equacionar a prática de actos enquanto tal, ou seja, praticados nos casos de faltas ou impedimentos do Presidente, de acordo com o estipulado no n º 3 do artigo 57 º da lei n º 169/99, de 18 de Setembro, com a redacção dada pela lei n º 5-A/2002, de 11 de Janeiro).
A Câmara não nos questiona sobre as remunerações indevidamente recebidas pelo que pressupomos que as mesmas já terão sido repostas, nos termos legais.
De acordo com estes pressupostos, há que diferenciar os actos praticados pelo órgão executivo com a participação do referido vereador dos praticados apenas por ele próprio, por delegação de competências.
2. Do Direito
No que respeita aos actos praticados pelo órgão executivo com a participação do referido vereador, há que averiguar se a presença do referido vereador foi ou não essencial para que tivesse existido quorum de reunião e quorum de deliberação, de acordo com o preceituado no artigo 89.º da lei n º 169/99, de 18 de Setembro, com a redacção dada pela lei n º 5-A/2002, de 11 de Janeiro.
Quorum de reunião é a percentagem mínima do número legal dos seus membros cuja presença é necessária par que haja reunião e quorum de deliberação é essa percentagem mínima do número legal de membros do órgão cuja presença é necessária para que possam ser votadas deliberações.
Assim, se a presença do referido ex-vereador foi determinante parra que tivesse existido quorum de reunião ou de deliberação, a Câmara Municipal tem que ratificar todas as deliberações em que sem a presença do vereador não teria existido quorum.
Com se sabe, no artigo 137 º do Código do Procedimento Administrativo referem-se as várias formas de sanação ou supressão de ilegalidades de actos «consistindo em confirmar ou substituir o acto inválido, harmonizando-o com a ordem jurídica» 1 «em vez de se revogar o acto que está ferido de ilegalidade, ele é depurado nas suas imperfeições iniciais e mantido (total ou parcialmente) na ordem jurídica, técnica que deve ser considerada como manifestação do princípio do aproveitamento do acto administrativo.»2
A ratificação (sanação) segundo os mesmos autores citados, é «o acto através do qual o órgão competente sana o vício de incompetência de um acto de autoria de um órgão incompetente», bem como quaisquer outros vícios do acto desde que não respeitantes ao seu conteúdo, ou seja, respeitantes a invalidades formais e procedimentais, vício do tipo do presente caso se faltou legitimação ao autor do acto pelo facto de ter sido determinante para a existência de quorum a presença deste ex-vereador.
Por outro lado, também terão que ser ratificados os actos para cuja aprovação tenha sido determinante o voto favorável do referido vereador.
Poderá ter sucedido que a sua presença não tenha sido determinante para a existência de quorum de reunião mas o tenha sido para a própria aprovação de deliberações.
Por outras palavras, se o voto do referido eleito tiver sido determinante não para a existência de quorum de reunião mas para a aprovação de determinadas deliberações há que ratificar essas mesmas deliberações (acrescente-se que nem é difícil equacionar-se tal hipótese nem que não seja pelo facto de ser possível a existência de abstenções nas deliberações dos órgãos autárquicos, n º 2 do artigo 89 º da lei n º 169/99 de 18 de Setembro, com a redacção dada pela lei n º 5-A/2002, de 11 de Janeiro). Assim, também terão que ser ratificadas pela Câmara Municipal as deliberações que não teriam sido aprovadas sem o voto favorável do referido ex-vereador.
Por último, e muito embora a Câmara Municipal não nos tivesse informado se o Presidente da Câmara tinha ou não delegado ou subdelegado competências neste ex-vereador, temos que equacionar tal possibilidade.
Assim, se o ex-vereador praticou actos, por delegação ou eventualmente subdelegação de competências, após a decisão de perda de mandato, é óbvio que praticou actos ilegais.
Quanto à qualificação das ilegalidades praticadas poder-se-á apenas considerar que (a)já não estava legitimado para tal, pelo que esses actos estavam feridos de incompetência e, portanto, seriam anuláveis, nos termos legais
Ou
(b)que mais do que falta de legitimação e, portanto, de incompetência, estaria em causa a usurpação de funções administrativas por alguém que embora não investido como titular de um órgão administrativo, mas arrogando-se essa qualidade, praticou actos administrativos e, consequentemente, praticou actos nulos.
Ora, parece-nos que devemos optar apenas pela falta de legitimação, dado tratar-se de alguém que era eleito local e que tendo perdido o mandato por decisão judicial não atendeu ao início da produção de efeitos dessa mesma decisão, sendo, portanto, situação bastante diversa de um estranho que nunca tendo sido eleito daquela Câmara Municipal tivesse usurpado essa situação de eleito e tivesse praticado, nessa qualidade de usurpador de funções, actos administrativos.
Considerando nós que esses actos foram apenas praticados com falta de legitimação ou incompetência, poderão também ser sanados por ratificação, nos mesmos termos referidos anteriormente para os actos praticados com falta de quorum ou aprovados graças ao voto determinante do ex-eleito.
Acrescente-se que são aplicáveis à sanação por ratificação as normas que regulam a competência para a revogação dos actos inválidos e a sua tempestividade ( n º 2 do artigo 137 º do CPA ), pelo que poderão tais actos ser ratificados no prazo máximo de um ano pela Câmara Municipal ou pelo órgão delegante ou subdelegante, isto para os actos praticados por delegação ou subdelegação.
Maria José L. Castanheira Neves
(Directora de Serviços de Apoio Jurídico e à Administração Local)
1. Freitas do Amaral, citado em Código do Procedimento Administrativo , anotado, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, 2 ª edição, Almedina, pag. 663.
2. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, ob. cit., pag. 663.
Em referência ao vosso ofício n º …, de …, e ao assunto mencionado em epígrafe, temos a informar o seguinte:
1. Pressupostos de facto:
O Tribunal Administrativo e Fiscal de … declarou, em 14 de Junho de 2007, a perda de mandato a um vereador desse município, por este não ter enviado a declaração de rendimentos, património e incompatibilidades ao Tribunal Constitucional, declaração obrigatória nos termos da lei.
O referido vereador não informou a Câmara Municipal que tinha perdido o mandato, tendo a mesma tido conhecimento desta ocorrência apenas por ofício recebido da Inspecção-Geral da Administração do Território, datado de 21 de Setembro de 2007, e recebida na Câmara Municipal em 26/09/2007.
A Câmara Municipal posteriormente informou-se junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de … sobre a data da notificação desta decisão de perda de mandato e, segundo pudemos perceber, terá sido recebida em 18 de Junho de 2007 pelo referido ex-vereador.
Por último, em reunião de 28 de Setembro de 2007 o executivo substituiu o vereador em causa e procedeu à instalação do seu substituto ( note-se que os eleitos locais não tomam posse, são instalados).
2. A Câmara Municipal interroga-nos sobre a legalidade dos actos praticados pelo executivo municipal com a participação do referido vereador e dos actos praticados apenas pelo próprio, presumimos que apenas por delegação de competências, dado que não nos informaram que o mesmo fosse vice-presidente (se fosse vice-presidente teríamos ainda que equacionar a prática de actos enquanto tal, ou seja, praticados nos casos de faltas ou impedimentos do Presidente, de acordo com o estipulado no n º 3 do artigo 57 º da lei n º 169/99, de 18 de Setembro, com a redacção dada pela lei n º 5-A/2002, de 11 de Janeiro).
A Câmara não nos questiona sobre as remunerações indevidamente recebidas pelo que pressupomos que as mesmas já terão sido repostas, nos termos legais.
De acordo com estes pressupostos, há que diferenciar os actos praticados pelo órgão executivo com a participação do referido vereador dos praticados apenas por ele próprio, por delegação de competências.
2. Do Direito
No que respeita aos actos praticados pelo órgão executivo com a participação do referido vereador, há que averiguar se a presença do referido vereador foi ou não essencial para que tivesse existido quorum de reunião e quorum de deliberação, de acordo com o preceituado no artigo 89.º da lei n º 169/99, de 18 de Setembro, com a redacção dada pela lei n º 5-A/2002, de 11 de Janeiro.
Quorum de reunião é a percentagem mínima do número legal dos seus membros cuja presença é necessária par que haja reunião e quorum de deliberação é essa percentagem mínima do número legal de membros do órgão cuja presença é necessária para que possam ser votadas deliberações.
Assim, se a presença do referido ex-vereador foi determinante parra que tivesse existido quorum de reunião ou de deliberação, a Câmara Municipal tem que ratificar todas as deliberações em que sem a presença do vereador não teria existido quorum.
Com se sabe, no artigo 137 º do Código do Procedimento Administrativo referem-se as várias formas de sanação ou supressão de ilegalidades de actos «consistindo em confirmar ou substituir o acto inválido, harmonizando-o com a ordem jurídica» 1 «em vez de se revogar o acto que está ferido de ilegalidade, ele é depurado nas suas imperfeições iniciais e mantido (total ou parcialmente) na ordem jurídica, técnica que deve ser considerada como manifestação do princípio do aproveitamento do acto administrativo.»2
A ratificação (sanação) segundo os mesmos autores citados, é «o acto através do qual o órgão competente sana o vício de incompetência de um acto de autoria de um órgão incompetente», bem como quaisquer outros vícios do acto desde que não respeitantes ao seu conteúdo, ou seja, respeitantes a invalidades formais e procedimentais, vício do tipo do presente caso se faltou legitimação ao autor do acto pelo facto de ter sido determinante para a existência de quorum a presença deste ex-vereador.
Por outro lado, também terão que ser ratificados os actos para cuja aprovação tenha sido determinante o voto favorável do referido vereador.
Poderá ter sucedido que a sua presença não tenha sido determinante para a existência de quorum de reunião mas o tenha sido para a própria aprovação de deliberações.
Por outras palavras, se o voto do referido eleito tiver sido determinante não para a existência de quorum de reunião mas para a aprovação de determinadas deliberações há que ratificar essas mesmas deliberações (acrescente-se que nem é difícil equacionar-se tal hipótese nem que não seja pelo facto de ser possível a existência de abstenções nas deliberações dos órgãos autárquicos, n º 2 do artigo 89 º da lei n º 169/99 de 18 de Setembro, com a redacção dada pela lei n º 5-A/2002, de 11 de Janeiro). Assim, também terão que ser ratificadas pela Câmara Municipal as deliberações que não teriam sido aprovadas sem o voto favorável do referido ex-vereador.
Por último, e muito embora a Câmara Municipal não nos tivesse informado se o Presidente da Câmara tinha ou não delegado ou subdelegado competências neste ex-vereador, temos que equacionar tal possibilidade.
Assim, se o ex-vereador praticou actos, por delegação ou eventualmente subdelegação de competências, após a decisão de perda de mandato, é óbvio que praticou actos ilegais.
Quanto à qualificação das ilegalidades praticadas poder-se-á apenas considerar que (a)já não estava legitimado para tal, pelo que esses actos estavam feridos de incompetência e, portanto, seriam anuláveis, nos termos legais
Ou
(b)que mais do que falta de legitimação e, portanto, de incompetência, estaria em causa a usurpação de funções administrativas por alguém que embora não investido como titular de um órgão administrativo, mas arrogando-se essa qualidade, praticou actos administrativos e, consequentemente, praticou actos nulos.
Ora, parece-nos que devemos optar apenas pela falta de legitimação, dado tratar-se de alguém que era eleito local e que tendo perdido o mandato por decisão judicial não atendeu ao início da produção de efeitos dessa mesma decisão, sendo, portanto, situação bastante diversa de um estranho que nunca tendo sido eleito daquela Câmara Municipal tivesse usurpado essa situação de eleito e tivesse praticado, nessa qualidade de usurpador de funções, actos administrativos.
Considerando nós que esses actos foram apenas praticados com falta de legitimação ou incompetência, poderão também ser sanados por ratificação, nos mesmos termos referidos anteriormente para os actos praticados com falta de quorum ou aprovados graças ao voto determinante do ex-eleito.
Acrescente-se que são aplicáveis à sanação por ratificação as normas que regulam a competência para a revogação dos actos inválidos e a sua tempestividade ( n º 2 do artigo 137 º do CPA ), pelo que poderão tais actos ser ratificados no prazo máximo de um ano pela Câmara Municipal ou pelo órgão delegante ou subdelegante, isto para os actos praticados por delegação ou subdelegação.
Maria José L. Castanheira Neves
(Directora de Serviços de Apoio Jurídico e à Administração Local)
1. Freitas do Amaral, citado em Código do Procedimento Administrativo , anotado, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, 2 ª edição, Almedina, pag. 663.
2. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, ob. cit., pag. 663.
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