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Home Legal Opinions up to 2017 Acesso às Gravações das Sessões da Assembleia Municipal.
Acesso às Gravações das Sessões da Assembleia Municipal.

 

O Presidente da Assembleia Municipal de … remeteu a esta CCDRC, por seu ofício de …, referência n.º …, um extracto da acta, em minuta, da reunião desse órgão de 26 de Fevereiro de 2016, relativo ao seu ponto Sétimo – Regimento da Assembleia Municipal (aprovado em 2014-02-26) – 1.ª alteração – Deliberação sobre a disponibilização das gravações das sessões da AM, bem como a moção então apresentada e aprovada por maioria, no final da qual é dito o seguinte:

Que a presente moção seja remetida à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, à Direção-Geral das Autarquias Locais, à Associação Nacional dos Municípios Portugueses e ao Provedor de Justiça, a fim de promover um debate mais alargado e, eventualmente, obter alguns contributos/pareceres que ajudem a um melhor enquadramento desta matéria complexa.

 

Apreciando

  1. Do pedido

O pedido remetido a esta CCDRC pelo Presidente da Assembleia Municipal do município supra referido – e que, ao que nele é dito, foi igualmente dirigido a um conjunto de diversas outras entidades – tem apenas como objectivo, tal como se explica na moção, a obtenção, por esse órgão, de alguns contributos/pareceres que ajudem a um melhor enquadramento [da] matéria em causa, qual seja, a relativa à temática da gravação das sessões desse órgão autárquico, do acesso e disponibilização dessas gravações bem como da sua qualificação como documento administrativo.

Transcreve-se a referida moção, subscrita pelo Presidente e pelos 1.º e 2.º Secretários da Mesa da Assembleia Municipal, para lograr maior clareza e um melhor enquadramento do pedido efectuado:

Moção – Acesso às gravações das sessões da Assembleia Municipal

Fundamento:

O Membro desta Assembleia Municipal (AM), Sr. …, Presidente da Junta de Freguesia de …, solicitou via e-mail em 2016-01-11 e em 2016-01-25, que lhe fosse disponibilizada uma cópia das gravações da sessão ordinária desta Assembleia realizada em 2015.11.27

Em 2016-01-31, o Presidente da Assembleia respondeu pela mesma via nos seguintes termos: “Exmo Membro da Assembleia Municipal, Senhor Presidente da Junta de Freguesia de …. Acuso a receção do seu pedido da gravação da última sessão da Assembleia Municipal, o qual mereceu a melhor atenção. Todavia, não colocando em causa a legitimidade do seu pedido também não poderei ignorar os seguintes aspetos: O facto das Sessões da AM serem públicas não significa, de per si, que as gravações sejam consideradas públicas; As gravações das sessões, não sendo obrigatórias por lei, julgo que terão sido implementadas pela própria Assembleia com o fim específico de auxiliar na elaboração das atas, estas sim, de elaboração e publicitação legalmente previstas; O regimento da AM nada dispõe sobre as referidas gravações; As gravações podem conter afirmações ou expressões pessoais, proferidas por qualquer membro, que se descontextualizadas poderão conduzir a interpretações erradas e dar origem a situações perigosamente sensíveis; Tenho dúvidas que a utilização das gravações para outros fins que não o da elaboração e conferência das atas não careça de autorização expressa dos membros intervenientes nas sessões. Face ao exposto, entendo que deve ser a própria Assembleia a deliberar sobre a utilização e disponibilização das gravações, pelo que desde já me comprometo a levar o assunto à próxima sessão. Neste contexto fica, para já, prejudicada a satisfação do seu pedido. Com os melhores cumprimentos. O Presidente da Assembleia …”.

Em 2016-02-01 insistiu o Sr. … no seu pedido, juntando um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) e ameaçando que faria queixa àquela entidade caso não fosse deferido o seu pedido em 5 dias.

Em 2016-02-18 foi remetida a todos os Membros da AM a convocatória para a sessão ordinária a realizar em 2016-02-26. Da ordem do dia respetiva, enviada juntamente, consta uma proposta do seguinte teor: “7.º – Regimento da Assembleia Municipal (aprovado em 2014-02-26) – 1.ª alteração – Deliberação sobre a disponibilização das gravações das sessões da AM.”

Considerações:

Da análise do referido parecer da CADA, identificado com o n.º 241/2015, Processo n.º 175/2015, parece inferir-se que as gravações das sessões da Assembleia Municipal devem ser disponibilizadas como se de documentos administrativos se tratasse, acautelando, no entanto, o período que decorre até à aprovação da ata. No essencial, a CADA sustenta o seu parecer em dois aspetos que são o órgão ou serviço onde se encontram arquivadas e a indiferença perante a forma do suporte da informação, encontrando a base legal na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto, também designada por Lei de Acesso aos Documentos da Administração (LADA). Assim, afigura-se-nos que aquele parecer assenta numa perspetiva marcadamente formal e redutora.

Com efeito, uma leitura integral da LADA leva-nos a considerar também outros aspetos mais relacionados com o conteúdo e em nosso entendimento não menos importantes no que respeita à situação controvertida, capazes de conduzir a uma orientação divergente da que emana do parecer que nos foi presente e de que desconhecemos as circunstâncias e os propósitos em que o mesmo foi emitido.

Antes de mais, pela respetiva relevância, transcrevemos na íntegra o teor do artigo 3.o da Lei em apreço: “Artigo 3.º Definições 1 – Para efeitos da presente lei, considera-se: a) «Documento Administrativo» qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome; b) «Documento nominativo» o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada. 2 – Não se consideram documentos administrativos, para efeitos da presente lei: a) As notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante; b) Os documentos cuja elaboração não releve da atividade administrativa, designadamente referentes à reunião do Conselho de Ministros e de secretários de Estado, bem como à sua preparação.”

Será oportuno aqui relembrar que “À mulher de César não basta que o seja, terá também que o parecer”. Neste caso, invertendo os termos, por maioria de razão poderemos afirmar que a qualquer suporte de informação não basta parecer documento administrativo, terá também que o ser para que possa, efetivamente, ser tratado como tal e sujeito a acesso livre por qualquer pessoa. Na realidade, qualquer suporte de informação para poder ser considerado documento administrativo não basta que esteja na posse de um dos órgãos ou serviços identificados no âmbito da sujeição da LADA mas, antes de mais, deverá ser classificado como tal à luz do mesmo diploma. Por outro lado, mesmo sendo considerado documento administrativo, o respetivo acesso ainda poderá ser condicionado por diversas razões, designadamente quando se tratar de documento nominativo.

Ora, acontece que a generalidade das intervenções dos deputados desta Assembleia assumem a forma de improvisos pejados de apreciações e/ou juízos de valor, emitidas pelos oradores sobre a sua própria pessoa ou sobre a pessoa de outros Membros da Assembleia, de qualquer forma perfeitamente identificáveis, pelo que as mesmas podem ser enquadradas no âmbito da al. b) do n.º 1 do artigo 3.º da LADA, devendo, nesta perspetiva, as gravações ser consideradas documentos nominativos.

Acresce que, por outro lado e em bom rigor, uma boa parte das nossas intervenções nesta Assembleia são a exposição oral das nossas notas pessoais, esboços e apontamentos, que nos permitimos partilhar com os demais Membros, podendo assim constituir, as respetivas gravações, outros registos de natureza semelhante, o que as coloca sob a proteção da alínea a) do n.º 2 do artigo citado, e não é por as mesmas serem por nós autorizadas que podem ver alterada a respetiva natureza. Noutra perspetiva ainda mais direta, temos presente que as gravações vieram substituir as notas ou apontamentos pessoais que alguém era incumbido de fazer, com o único objetivo de ajudar na elaboração das atas em momento posterior, pelo que as mesmas só podem ser entendidas como “outros registos de natureza semelhante”.

Por outro lado, estamos cientes que as sessões da Assembleia Municipal são públicas, é verdade!

Mas não é menos verdade que na sua maioria não têm qualquer público a assistir e, quando têm, a maior parte das vezes trata-se de pessoas familiarizadas com o respetivo funcionamento, o que faz com que os oradores fiquem mais descontraídos e as intervenções se tornem mais informais escapando, com alguma frequência, palavras ou expressões que seguramente seriam evitadas caso houvesse a noção exata que as mesmas seriam acedíveis de forma livre e generalizada potenciando a respetiva publicitação descontextualizada, o que originaria interpretações erradas e abusivas e colocaria os respetivos autores em situações humilhantes e de chacota. Esta possibilidade levaria os Membros da Assembleia a pensar duas vezes antes de pedirem a palavra e, naturalmente, muitas vezes acabariam por deixar de o fazer ou fá-lo-iam de forma condicionada. Ou seja, a transparência levada ao limite teria como consequência um prejuízo significativo em termos de espontaneidade, de participação democrática e liberdade de expressão.

É neste enquadramento que autorizamos as gravações das nossas intervenções na Assembleia Municipal, autorizações que pretendemos manter caso o enquadramento descrito seja legitimado e respeitado pelas entidades que venham a apreciar esta moção. Caso contrário, alegando prejuízo no equilíbrio necessário entre os valores da transparência, da espontaneidade, da participação democrática, da liberdade de expressão e da boa-fé, consideraremos que as gravações das nossas intervenções jamais foram por nós autorizadas e, como tal, considerar-se-ão as mesmas ilegítimas com as consequências que daí possam advir.

Propostas/Recomendações:

Em face do exposto, mormente em benefício do equilíbrio entre os valores da transparência, da espontaneidade, da participação democrática, da liberdade de expressão e da boa-fé, somos a propor o seguinte:

  1. As sessões da Assembleia Municipal são gravadas em áudio, considerando-se tais gravações como outros registos de natureza semelhante a notas pessoais, esboços ou apontamentos e, como tal, enquadráveis na alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto, também designada por Lei de Acesso aos Documentos da Administração (LADA).
  2. Qualquer Membro da Assembleia poderá solicitar a não gravação das suas intervenções.
  3. O acesso às gravações das sessões da Assembleia Municipal apenas deve ser permitido no âmbito da elaboração ou revisão das atas a que as mesmas servem de suporte, aos Técnicos da Autarquia e Membros da Mesa da Assembleia que intervenham nos referidos procedimentos.
  4. Aos restantes Membros da Assembleia Municipal também deve ser permitido o acesso às referidas gravações, mas apenas às partes que diretamente lhes respeitem, enquanto oradores ou quando citados por outros oradores. Estes acessos devem ser solicitados com uma antecedência mínima de 48 horas e após o envio do projeto da ata aos Membros da Assembleia. Os mesmos são gratuitos e concretizam-se de forma direta e assistida por Técnico da Autarquia que preste apoio à Assembleia.

No caso das presentes propostas lograrem merecer a aprovação por parte desta Assembleia Municipal, recomenda-se ainda o seguinte:

Que as mesmas sejam integradas no Regimento desta Assembleia Municipal, eventualmente aditando-se o artigo n.º 14.º-A com a epígrafe “Gravações das Sessões”;

Que a presente moção seja remetida à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, à Direção-Geral das Autarquias Locais, à Associação Nacional dos Municípios Portugueses e ao Provedor de Justiça, a fim de promover um debate mais alargado e, eventualmente, obter alguns contributos/pareceres que ajudem a um melhor enquadramento desta matéria complexa.

 

  1. Análise

Como se diz no pedido, este visa apenas a obtenção de contributos para um debate alargado e para um melhor enquadramento da matéria que aí se expõe. Em função disso, elaboram apenas algumas considerações tópicas sobre a temática em apreço a respeito de alguns aspectos que nela se colocam.

2.1. A Constituição estabelece como regra que as reuniões das assembleias que funcionem como órgãos (…) do poder local são públicas, excepto nos casos previstos na lei[1]. Ao referir-se a reuniões das assembleias, a norma constitucional, em matéria de poder local, dirige-se (apenas) aos órgãos considerados assembleias: assembleia municipal e assembleia de freguesia[2]. 

Assim, na administração autárquica – municípios e freguesias – a regra relativa às sessões dos seus órgãos deliberativos é a de que são públicas[3].

É assim constitucional e legalmente previsto e admitido que outras pessoas que não os respectivos membros – ou seja, público em geral, e não, apenas, necessariamente munícipes – possam estar presentes e assistir aos trabalhos[4], sem necessidade de qualquer autorização, ainda que tal presença não signifique liberdade de participação ou de intervenção nos debates e nos trabalhos das assembleias[5].

A lei prevê ainda que no decurso da sessão, haja um período para intervenção e esclarecimento do público, cuja concreta disciplina cabe ser estabelecida pelo regimento do órgão[6]. Assim, o regimento do órgão deliberativo deve cuidar da possibilidade de previsão, na agenda dos trabalhos, de um período destinado a intervenções e esclarecimento do público[7], no decurso do qual este pode interpelar directamente o órgão, colocando questões, e dele obter esclarecimentos e informações[8].

O facto de, em alguns casos, ser mais ou menos comum não haver público presente às reuniões da assembleia municipal, ou de este rarear, não altera em nada a natureza pública da reunião, com todas as consequências daí advenientes.

2.2. A regra, neste contexto, é a de que as reuniões decorrem com a presença física dos seus membros[9] – e não por qualquer forma de participação remota como videoconferência. Ainda que as questões nela debatidas possam suportar-se em documentos escritos, a reunião decorre sempre de forma oral, pessoal e directa, não havendo qualquer intermediação entre os membros que nela intervenham (ou seja, “falem”) e o colégio a quem se dirigem, ressalvadas as indicações destinadas a assegurar a “boa ordem” no decurso dos trabalhos que ao presidente cabe assegurar, dirigindo-se, assim, o orador directamente ao colégio e por ele (por cada um dos seus membros) podendo ser interpelado.

Assim, tudo quanto é dito no decurso de uma reunião da assembleia releva para o seu conteúdo e para quanto nela se aprecia, discute e decide.

2.3 A memória futura de tudo quanto se passa nas reuniões dos órgãos colegiais – e o instrumento (documento) que garante a produção de efeitos jurídicos (eficácia jurídica) de tudo quanto nelas seja deliberado – é, nos termos da lei, assegurada unicamente pelas actas das reuniões.

acta da reunião (de qualquer reunião de órgão colegial, quer no âmbito de entes públicos quer de entidades privadas, ou melhor, de direito privado[10]) é, na definição do CPA, um resumo de tudo o que nela tenha ocorrido e seja relevante para o conhecimento e a apreciação da legalidade das deliberações tomadas, designadamente a data e o local da reunião, a ordem do dia, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas, a forma e o resultado das respetivas votações e as decisões do presidente, cujo conteúdo – ou seja, o relato de tudo quanto haja ocorrido na reunião e seja relevante para o órgão – é consensualizado, aceite e aprovado pelos membros do órgão que nela estiveram presentes, tendo então tido ou não qualquer intervenção.

A lei não prevê qualquer outra forma, documento ou instrumento, que possa ter ou desempenhar a mesma função, tenha o mesmo valor e produza os iguais efeitos jurídicos.

Temos assim que só a acta, aprovada na devida forma, “relata” autenticamente o ocorrido na reunião. E quanto a esse relato, os membros do órgão não se podem opor a que nele, nominativamente, sejam citados e dele constem as suas intervenções ou resumos das mesmas – a cujo conteúdo eles, aliás, podem sugerir alterações para melhor o fazerem corresponder ao que entendam ter-se efectivamente passado, a quando do momento da leitura e aprovação da acta, ou mesmo dele dissentir, votando contra a aprovação da acta se aprovada apenas pela maioria, e fazendo declaração de voto.

2.4. A tomada de som (gravação áudio) das reuniões de órgãos colegiais, maxime, no caso que ora importa, de órgão deliberativo autárquico, não se encontra constitucional ou legislativamente prevista, nem em lugar algum a lei aborda essa questão.

Contudo nada parece impedir que a gravação das sessões dos órgãos colegiais, maxime da assembleia municipal, possa ser prevista e disciplinada, designadamente quanto às condições da sua realização e conservação, no respectivo regimento[11].

2.5. Contudo em tal circunstância não deve ser olvidado que da gravação de som passam a constar não apenas o teor das intervenções dos membros da assembleia, e de toda a demais interlocução na pendência da reunião[12], como a indicação dos assuntos e das pessoas que nesses assuntos possam ter interesse e estar em causa, e, bem assim, a indicação/identificação dos cidadãos que intervenham nas reuniões onde haja lugar à intervenção do público, o que pode colidir com matéria atinente à protecção de dados pessoais[13].

2.6. Por via da sua conservação[14], as gravações de som das reuniões, maxime das assembleias municipais, transformam-se ou “constituem-se”, ope legis, em documentos administrativos e, em consequência, livremente acessíveis e acedíveis por qualquer um, em razão do princípio da administração aberta (ou, antes, do princípio do arquivo aberto[15]) e independentemente (da titularidade) de qualquer interesse nesse acesso[16].

Por essa razão, não é legalmente admissível que o órgão cujas reuniões sejam gravadas e conservadas, estabeleça restrições ou denegações ao livre acesso a essas gravações, seja por que motivo seja (designadamente pela sua classificação como outros registos de natureza semelhante a notas pessoais, esboços ou apontamentos de modo a desconsiderá-las como documento administrativo[17]), salvo, naturalmente, pelas razões expressamente previstas na lei: informações que possam por em risco ou causar dano à segurança interna e externa do Estado[18], matérias em segredo de justiça[19], documentos nominativos[20] e segredos comerciais, industriais, ou sobre a vida interna de uma empresa[21].

2.7. Sendo o regimento de um órgão (colegial) da administração um regulamento administrativo ainda que de uma especial natureza, a sua alteração – ou seja, o procedimento formal próprio e determinante da validade substancial da mesma – deve observar o previsto na lei.

Assim qualquer intenção de alteração do regimento da Assembleia Municipal deve constar de proposta nesse sentido, apresentada pela Mesa da Assembleia[22], a apreciar e aprovar pela Assembleia[23], fazendo-se de imediato constar do regimento as alterações nele introduzidas de modo a que possa ser conhecido com a sua nova redacção.

Não parece assim que a utilização da figura (parlamentar e “política”) da moção, vocacionada para constituir tipicamente a forma de manifestação parlamentar de apoio e de rejeição[24] do executivo – e que também existe ao nível da administração local, como seja a moção de censura da Assembleia Municipal à comissão executiva metropolitana ou ao secretariado executivo intermunicipal[25] ou a moção de censura da Assembleia Intermunicipal ao secretariado executivo intermunicipal[26], determinando a sua aprovação a demissão do órgão censurado[27] – possa servir de veículo a intervenções de carácter normativo-regulamentar, designadamente alterações ao regimento.

Aliás não resulta claro (nem se assim foi entendido pela Assembleia) se com a aprovação da moção contendo uma alteração ao regimento, foi este considerado efectivamente alterado – como era proposto na agenda da reunião[28] – ou se este não foi alterado mas doravante e para todos os efeitos as gravações das reuniões da Assembleia Municipal passam a reger-se de acordo com o que nela se diz – o que de todo o modo, num caso e noutro, se afigura pouco curial.

 

 Salvo semper meliori judicio

  

Ricardo da Veiga Ferrão

(Jurista. Técnico Superior)

 

[1] Artigo 116.º, n.º 1, da Constituição da República (CRP).

[2] A CRP, ao abordar, no artigo 239.º, os órgãos do poder local, diz serem eles de dois tipos ou dupla natureza, uma assembleia eleita e um órgão executivo, que a lei posteriormente consagra nos artigos 5.º e 6.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro.

Em sentido idêntico, vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4ª edição revista (reimp.), 2014, pág. 113.

[3] Artigo 49, n.º 1, do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro.

[4] A possibilidade da presença de público nas sessões das assembleias deliberativas pode-se designar, neologísticamente, de “publicalidade”, de modo a diferenciá-la da publicidade das mesmas reuniões ‑ entendendo-se por esta (publicidade) a divulgação da ocorrência ou realização da reunião ou sessão do órgão e do que nele se haja decidido e por aquela (publicalidade) como a qualidade relativa à sessão ou reunião de órgão que pode ser, ou não, assistida ou presenciada por pessoas estranhas ao mesmo (ou seja, presenciada por “público”).

[5] Sob a forma de assistência às reuniões, o artigo 49, n.º 4, do RJAL diz que a nenhum cidadão é permitido intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tomadas. O público é, portanto, considerado mero assistente, no sentido que que pode estar presente, ver e ouvir tudo quanto se debate, mas sendo-lhe vedado ter outra qualquer intervenção.

[6] Quanto aos órgãos executivos autárquicos, as reuniões destes são, por regra, reservadas. Porém, a lei dispõe que deve ser promovida, pelo menos, uma reunião pública mensal (artigo 49, n.º 2, do RJAL), a qual fica sujeita a condicionalismos idênticos aos previstos, nesta matéria, aos das reuniões dos órgãos deliberativos.

Esta mesma reserva constitui igualmente a regra geral quanto ao acesso do público (“publicalidade”) às reuniões dos órgãos da Administração, pois que também elas não são públicas – o que é por dizer que são reservadas aos seus membros – salvo no caso de previsão legal em contrário (artigo 27.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA)).

[7] Artigo 49, n.º 1, do RJAL.

[8] Diz Jorge Pação, Os órgãos colegiais no Novo Código do Procedimento Administrativo, in Carla Amado Gomes, Ana Fernandes Neves, Tiago Serrão (coord.) Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, 2.ª reimp., 2015, pág. 203, que dá-se, deste modo, efetiva aplicação aos princípios da participação e colaboração (…) aquando do funcionamento dos órgãos colegiais, sendo que quanto ao modelo de intervenção adotado, consagra-se a “tripla capacidade interventiva”(…): divulgação, colaboração e esclarecimento, permitindo que o contributo dos assistentes à reunião seja significativo e com efetiva preponderância na formação da vontade do órgão colegial.

[9] É quanto parece resultar da exigência legal de quórum de funcionamento e de deliberação dos órgãos colegiais autárquicos, que se verifica apenas quando neles esteja presente a maioria no número legal dos seus membros [sublinhado nosso] (artigo 54.º, n.º 1, da RJAL). Também o artigo 29.º do CPA acolhe idêntico princípio ao prever que os órgãos colegiais só podem, em regra, deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros com direito a voto (n.º 1) e, em segunda convocatória, desde que esteja presente um terço dos seus membros com direito a voto (n.º 3) [sublinhados nossos].

[10] Diz-se no artigo 37.º do Código Comercial que os livros ou as folhas das actas das sociedades servirão para neles se lançarem as actas das reuniões de sócios, de administradores e dos órgãos sociais, devendo cada uma delas expressar a data em que foi celebrada, os nomes dos participantes ou referência à lista de presenças autenticada pela mesa, os votos emitidos, as deliberações tomadas e tudo o mais que possa servir para fazer conhecer e fundamentar estas, e ser assinada pela mesa, quando a houver, e, não a havendo, pelos participantes.

[11] O facto da gravação das reuniões da assembleia não se encontrar prevista no regimento, mas ser prática corrente, aceite e do conhecimento geral (designadamente entre os membros do órgão), não altera a natureza das gravações nem concede qualquer direito ou prerrogativa aos membros do órgão de poderem dispor sobre o conteúdo ou o destino das mesmas. Na verdade, estas gravações constituem-se como documentos administrativos nos mesmos termos que as demais, estando assim fora do poder de disposição do órgão ou dos seus membros.

[12] Afigura-se que a gravação, enquanto registo sonoro da reunião de um órgão, apenas pode ser efectuada e registar som entre os momentos de abertura e encerramento da reunião, declarados por quem presida à mesma, não podendo ser gravadas conversas ou locuções prévias ou posteriores a esses momentos. Caso o sejam devem ser desgravadas, não relevando e sendo sempre desconsideradas para quaisquer efeitos, designadamente administrativos. No caso das reuniões da assembleia municipal, a gravação abrangerá, portanto, os períodos de antes da ordem do dia (artigo 52.º do RJAL) e da ordem do dia (artigo 53.º do RJAL).

Porém, para que possa ser mantida a integralidade e fidedignidade da gravação – valores maiores da mesma, como de qualquer documento administrativo – nada dela pode ser alterado ou removido (ou seja ser a gravação “retocada”) pois que isso a transforma em documento adulterado ou contrafeito e, por isso, inverídico, ficando assim despido de fé ou capacidade probatória.

[13] Em termos de tratamento de dados, caso tal questão se coloque, é de considerar que os dados recolhidos respeitantes aos membros do órgão deverão ser considerados como “manifestamente tornados públicos” e portanto, contendo uma implícita autorização para o seu tratamento, tanto mais quanto foram os mesmos a autorizar a gravação.

No que toca ao público presente já não se pode considerar que a sua presença na reunião represente uma autorização implícita para eventual tratamento dos dados pessoais que se lhes refiram, pelo que deverá ser necessária uma autorização individual.

O mesmos se diga, e neste caso ainda com mais acuidade, quanto ao tratamento dos dados pessoais das pessoas cujos assuntos venham a ser abordados, discutidos e decididos na reunião, pois que esse facto não significa qualquer autorização. Assim também aqui será necessário, para o efeito, obter o consentimento expresso e inequívoco.

[14] A Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, alterada pelo Decreto-Lei n.º 214‑G/2015, de 2 de Outubro) (LADA), toma por “documento administrativo” qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome (artigo 3.º, n.º 1, al. a) da LADA) [sublinhados nossos], sendo que os órgãos das autarquias locais encontram-se incluídos no seu âmbito de aplicação (artigo 4.º, n.º 1, al. e) da LADA).

[15] O artigo 268.º, n.º 2 da Constituição, de entre os direitos e garantias dos administrados, prevê que os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, princípio ou regra que o artigo 17.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo recebe e concretiza ao afirmar que todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso (…). Prevê-se e regula-se, assim, a informação não procedimental, forma de informação administrativa que está “fora” ou para além da informação (administrativa) relativa ao procedimento administrativo.

[16] É quanto resulta do artigo 5.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, alterada pelo Decreto-Lei n.º 214‑G/2015, de 2 de Outubro (LADA), ao aí dizer-se que todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.

[17] Nos termos da al. a) do n.º 2, do artigo 3.º da LADA, não se consideram documentos administrativos, para efeitos da [LADA] as notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante.

A este respeito, diz-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 4 de Novembro de 2010 (Proc. n.º 6744/10):

A gravação sonora de uma reunião apenas para permitir a elaboração da acta respectiva consubstancia um documento administrativo, por se tratar de um suporte de informação, sob a forma sonora, produzido por uma entidade pública e que está na sua posse.

(…) A circunstância de a gravação sonora apenas se destinar à elaboração da acta, não ficando conservada em arquivo, não põe em causa o seu carácter de documento administrativo. Efectivamente, para que tenha essa qualificação basta que se trate, como sucede no caso em apreço, de um suporte de informação, sob a forma sonora, produzido por uma entidade pública e que esteja na sua posse, sendo irrelevante, para efeitos do disposto no art. 3º., nº 1, al. a), da Lei nº 46/2007, a forma da sua manutenção.

[18] Artigo 6.º, n.º 1, da LADA. O Regime do Segredo do Estado consta da Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto. As regras para classificação de documentos constam da Resolução do Conselho de Ministros n.º 50/88, de 3 de Dezembro.

[19] Artigo 6.º, n.º 2, da LADA.

[20] Artigo 6.º, n.º 5, da LADA.

[21] Artigo 6.º, n.º 6, da LADA.

[22] Artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAL.

[23] Artigo 26.º, n.º 1, al. a), do RJAL.

[24] Assim a moção de confiança (artigo 193.º da Constituição) cuja não aprovação determina a queda do Governo (artigo 195.º, n.º 1, al. e), da Constituição) ou a moção de censura (artigo 193.º da Constituição) cuja aprovação [por maioria absoluta] determina igualmente a queda do Governo (artigo 195.º, n.º 1, al. f), da Constituição).

[25] Artigo 25.º, n.º 5, al. b), do RJAL.

[26] Artigo 84.º, al. f), do RJAL.

[27] Artigo 102.º, n.º1, als. a) e b), do RJAL.

[28] Como consta do ponto 7.º da Ordem de Trabalhos para a reunião da Assembleia Municipal de 26 de Fevereiro de 2016 (por lapso é referido 2015), constante de Edital de 18 de Fevereiro de 2016 subscrito pelo Presidente do órgão.

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Acesso às Gravações das Sessões da Assembleia Municipal.
Acesso às Gravações das Sessões da Assembleia Municipal.

 

O Presidente da Assembleia Municipal de … remeteu a esta CCDRC, por seu ofício de …, referência n.º …, um extracto da acta, em minuta, da reunião desse órgão de 26 de Fevereiro de 2016, relativo ao seu ponto Sétimo – Regimento da Assembleia Municipal (aprovado em 2014-02-26) – 1.ª alteração – Deliberação sobre a disponibilização das gravações das sessões da AM, bem como a moção então apresentada e aprovada por maioria, no final da qual é dito o seguinte:

Que a presente moção seja remetida à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, à Direção-Geral das Autarquias Locais, à Associação Nacional dos Municípios Portugueses e ao Provedor de Justiça, a fim de promover um debate mais alargado e, eventualmente, obter alguns contributos/pareceres que ajudem a um melhor enquadramento desta matéria complexa.

 

Apreciando

  1. Do pedido

O pedido remetido a esta CCDRC pelo Presidente da Assembleia Municipal do município supra referido – e que, ao que nele é dito, foi igualmente dirigido a um conjunto de diversas outras entidades – tem apenas como objectivo, tal como se explica na moção, a obtenção, por esse órgão, de alguns contributos/pareceres que ajudem a um melhor enquadramento [da] matéria em causa, qual seja, a relativa à temática da gravação das sessões desse órgão autárquico, do acesso e disponibilização dessas gravações bem como da sua qualificação como documento administrativo.

Transcreve-se a referida moção, subscrita pelo Presidente e pelos 1.º e 2.º Secretários da Mesa da Assembleia Municipal, para lograr maior clareza e um melhor enquadramento do pedido efectuado:

Moção – Acesso às gravações das sessões da Assembleia Municipal

Fundamento:

O Membro desta Assembleia Municipal (AM), Sr. …, Presidente da Junta de Freguesia de …, solicitou via e-mail em 2016-01-11 e em 2016-01-25, que lhe fosse disponibilizada uma cópia das gravações da sessão ordinária desta Assembleia realizada em 2015.11.27

Em 2016-01-31, o Presidente da Assembleia respondeu pela mesma via nos seguintes termos: “Exmo Membro da Assembleia Municipal, Senhor Presidente da Junta de Freguesia de …. Acuso a receção do seu pedido da gravação da última sessão da Assembleia Municipal, o qual mereceu a melhor atenção. Todavia, não colocando em causa a legitimidade do seu pedido também não poderei ignorar os seguintes aspetos: O facto das Sessões da AM serem públicas não significa, de per si, que as gravações sejam consideradas públicas; As gravações das sessões, não sendo obrigatórias por lei, julgo que terão sido implementadas pela própria Assembleia com o fim específico de auxiliar na elaboração das atas, estas sim, de elaboração e publicitação legalmente previstas; O regimento da AM nada dispõe sobre as referidas gravações; As gravações podem conter afirmações ou expressões pessoais, proferidas por qualquer membro, que se descontextualizadas poderão conduzir a interpretações erradas e dar origem a situações perigosamente sensíveis; Tenho dúvidas que a utilização das gravações para outros fins que não o da elaboração e conferência das atas não careça de autorização expressa dos membros intervenientes nas sessões. Face ao exposto, entendo que deve ser a própria Assembleia a deliberar sobre a utilização e disponibilização das gravações, pelo que desde já me comprometo a levar o assunto à próxima sessão. Neste contexto fica, para já, prejudicada a satisfação do seu pedido. Com os melhores cumprimentos. O Presidente da Assembleia …”.

Em 2016-02-01 insistiu o Sr. … no seu pedido, juntando um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) e ameaçando que faria queixa àquela entidade caso não fosse deferido o seu pedido em 5 dias.

Em 2016-02-18 foi remetida a todos os Membros da AM a convocatória para a sessão ordinária a realizar em 2016-02-26. Da ordem do dia respetiva, enviada juntamente, consta uma proposta do seguinte teor: “7.º – Regimento da Assembleia Municipal (aprovado em 2014-02-26) – 1.ª alteração – Deliberação sobre a disponibilização das gravações das sessões da AM.”

Considerações:

Da análise do referido parecer da CADA, identificado com o n.º 241/2015, Processo n.º 175/2015, parece inferir-se que as gravações das sessões da Assembleia Municipal devem ser disponibilizadas como se de documentos administrativos se tratasse, acautelando, no entanto, o período que decorre até à aprovação da ata. No essencial, a CADA sustenta o seu parecer em dois aspetos que são o órgão ou serviço onde se encontram arquivadas e a indiferença perante a forma do suporte da informação, encontrando a base legal na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto, também designada por Lei de Acesso aos Documentos da Administração (LADA). Assim, afigura-se-nos que aquele parecer assenta numa perspetiva marcadamente formal e redutora.

Com efeito, uma leitura integral da LADA leva-nos a considerar também outros aspetos mais relacionados com o conteúdo e em nosso entendimento não menos importantes no que respeita à situação controvertida, capazes de conduzir a uma orientação divergente da que emana do parecer que nos foi presente e de que desconhecemos as circunstâncias e os propósitos em que o mesmo foi emitido.

Antes de mais, pela respetiva relevância, transcrevemos na íntegra o teor do artigo 3.o da Lei em apreço: “Artigo 3.º Definições 1 – Para efeitos da presente lei, considera-se: a) «Documento Administrativo» qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome; b) «Documento nominativo» o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada. 2 – Não se consideram documentos administrativos, para efeitos da presente lei: a) As notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante; b) Os documentos cuja elaboração não releve da atividade administrativa, designadamente referentes à reunião do Conselho de Ministros e de secretários de Estado, bem como à sua preparação.”

Será oportuno aqui relembrar que “À mulher de César não basta que o seja, terá também que o parecer”. Neste caso, invertendo os termos, por maioria de razão poderemos afirmar que a qualquer suporte de informação não basta parecer documento administrativo, terá também que o ser para que possa, efetivamente, ser tratado como tal e sujeito a acesso livre por qualquer pessoa. Na realidade, qualquer suporte de informação para poder ser considerado documento administrativo não basta que esteja na posse de um dos órgãos ou serviços identificados no âmbito da sujeição da LADA mas, antes de mais, deverá ser classificado como tal à luz do mesmo diploma. Por outro lado, mesmo sendo considerado documento administrativo, o respetivo acesso ainda poderá ser condicionado por diversas razões, designadamente quando se tratar de documento nominativo.

Ora, acontece que a generalidade das intervenções dos deputados desta Assembleia assumem a forma de improvisos pejados de apreciações e/ou juízos de valor, emitidas pelos oradores sobre a sua própria pessoa ou sobre a pessoa de outros Membros da Assembleia, de qualquer forma perfeitamente identificáveis, pelo que as mesmas podem ser enquadradas no âmbito da al. b) do n.º 1 do artigo 3.º da LADA, devendo, nesta perspetiva, as gravações ser consideradas documentos nominativos.

Acresce que, por outro lado e em bom rigor, uma boa parte das nossas intervenções nesta Assembleia são a exposição oral das nossas notas pessoais, esboços e apontamentos, que nos permitimos partilhar com os demais Membros, podendo assim constituir, as respetivas gravações, outros registos de natureza semelhante, o que as coloca sob a proteção da alínea a) do n.º 2 do artigo citado, e não é por as mesmas serem por nós autorizadas que podem ver alterada a respetiva natureza. Noutra perspetiva ainda mais direta, temos presente que as gravações vieram substituir as notas ou apontamentos pessoais que alguém era incumbido de fazer, com o único objetivo de ajudar na elaboração das atas em momento posterior, pelo que as mesmas só podem ser entendidas como “outros registos de natureza semelhante”.

Por outro lado, estamos cientes que as sessões da Assembleia Municipal são públicas, é verdade!

Mas não é menos verdade que na sua maioria não têm qualquer público a assistir e, quando têm, a maior parte das vezes trata-se de pessoas familiarizadas com o respetivo funcionamento, o que faz com que os oradores fiquem mais descontraídos e as intervenções se tornem mais informais escapando, com alguma frequência, palavras ou expressões que seguramente seriam evitadas caso houvesse a noção exata que as mesmas seriam acedíveis de forma livre e generalizada potenciando a respetiva publicitação descontextualizada, o que originaria interpretações erradas e abusivas e colocaria os respetivos autores em situações humilhantes e de chacota. Esta possibilidade levaria os Membros da Assembleia a pensar duas vezes antes de pedirem a palavra e, naturalmente, muitas vezes acabariam por deixar de o fazer ou fá-lo-iam de forma condicionada. Ou seja, a transparência levada ao limite teria como consequência um prejuízo significativo em termos de espontaneidade, de participação democrática e liberdade de expressão.

É neste enquadramento que autorizamos as gravações das nossas intervenções na Assembleia Municipal, autorizações que pretendemos manter caso o enquadramento descrito seja legitimado e respeitado pelas entidades que venham a apreciar esta moção. Caso contrário, alegando prejuízo no equilíbrio necessário entre os valores da transparência, da espontaneidade, da participação democrática, da liberdade de expressão e da boa-fé, consideraremos que as gravações das nossas intervenções jamais foram por nós autorizadas e, como tal, considerar-se-ão as mesmas ilegítimas com as consequências que daí possam advir.

Propostas/Recomendações:

Em face do exposto, mormente em benefício do equilíbrio entre os valores da transparência, da espontaneidade, da participação democrática, da liberdade de expressão e da boa-fé, somos a propor o seguinte:

  1. As sessões da Assembleia Municipal são gravadas em áudio, considerando-se tais gravações como outros registos de natureza semelhante a notas pessoais, esboços ou apontamentos e, como tal, enquadráveis na alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto, também designada por Lei de Acesso aos Documentos da Administração (LADA).
  2. Qualquer Membro da Assembleia poderá solicitar a não gravação das suas intervenções.
  3. O acesso às gravações das sessões da Assembleia Municipal apenas deve ser permitido no âmbito da elaboração ou revisão das atas a que as mesmas servem de suporte, aos Técnicos da Autarquia e Membros da Mesa da Assembleia que intervenham nos referidos procedimentos.
  4. Aos restantes Membros da Assembleia Municipal também deve ser permitido o acesso às referidas gravações, mas apenas às partes que diretamente lhes respeitem, enquanto oradores ou quando citados por outros oradores. Estes acessos devem ser solicitados com uma antecedência mínima de 48 horas e após o envio do projeto da ata aos Membros da Assembleia. Os mesmos são gratuitos e concretizam-se de forma direta e assistida por Técnico da Autarquia que preste apoio à Assembleia.

No caso das presentes propostas lograrem merecer a aprovação por parte desta Assembleia Municipal, recomenda-se ainda o seguinte:

Que as mesmas sejam integradas no Regimento desta Assembleia Municipal, eventualmente aditando-se o artigo n.º 14.º-A com a epígrafe “Gravações das Sessões”;

Que a presente moção seja remetida à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, à Direção-Geral das Autarquias Locais, à Associação Nacional dos Municípios Portugueses e ao Provedor de Justiça, a fim de promover um debate mais alargado e, eventualmente, obter alguns contributos/pareceres que ajudem a um melhor enquadramento desta matéria complexa.

 

  1. Análise

Como se diz no pedido, este visa apenas a obtenção de contributos para um debate alargado e para um melhor enquadramento da matéria que aí se expõe. Em função disso, elaboram apenas algumas considerações tópicas sobre a temática em apreço a respeito de alguns aspectos que nela se colocam.

2.1. A Constituição estabelece como regra que as reuniões das assembleias que funcionem como órgãos (…) do poder local são públicas, excepto nos casos previstos na lei[1]. Ao referir-se a reuniões das assembleias, a norma constitucional, em matéria de poder local, dirige-se (apenas) aos órgãos considerados assembleias: assembleia municipal e assembleia de freguesia[2]. 

Assim, na administração autárquica – municípios e freguesias – a regra relativa às sessões dos seus órgãos deliberativos é a de que são públicas[3].

É assim constitucional e legalmente previsto e admitido que outras pessoas que não os respectivos membros – ou seja, público em geral, e não, apenas, necessariamente munícipes – possam estar presentes e assistir aos trabalhos[4], sem necessidade de qualquer autorização, ainda que tal presença não signifique liberdade de participação ou de intervenção nos debates e nos trabalhos das assembleias[5].

A lei prevê ainda que no decurso da sessão, haja um período para intervenção e esclarecimento do público, cuja concreta disciplina cabe ser estabelecida pelo regimento do órgão[6]. Assim, o regimento do órgão deliberativo deve cuidar da possibilidade de previsão, na agenda dos trabalhos, de um período destinado a intervenções e esclarecimento do público[7], no decurso do qual este pode interpelar directamente o órgão, colocando questões, e dele obter esclarecimentos e informações[8].

O facto de, em alguns casos, ser mais ou menos comum não haver público presente às reuniões da assembleia municipal, ou de este rarear, não altera em nada a natureza pública da reunião, com todas as consequências daí advenientes.

2.2. A regra, neste contexto, é a de que as reuniões decorrem com a presença física dos seus membros[9] – e não por qualquer forma de participação remota como videoconferência. Ainda que as questões nela debatidas possam suportar-se em documentos escritos, a reunião decorre sempre de forma oral, pessoal e directa, não havendo qualquer intermediação entre os membros que nela intervenham (ou seja, “falem”) e o colégio a quem se dirigem, ressalvadas as indicações destinadas a assegurar a “boa ordem” no decurso dos trabalhos que ao presidente cabe assegurar, dirigindo-se, assim, o orador directamente ao colégio e por ele (por cada um dos seus membros) podendo ser interpelado.

Assim, tudo quanto é dito no decurso de uma reunião da assembleia releva para o seu conteúdo e para quanto nela se aprecia, discute e decide.

2.3 A memória futura de tudo quanto se passa nas reuniões dos órgãos colegiais – e o instrumento (documento) que garante a produção de efeitos jurídicos (eficácia jurídica) de tudo quanto nelas seja deliberado – é, nos termos da lei, assegurada unicamente pelas actas das reuniões.

acta da reunião (de qualquer reunião de órgão colegial, quer no âmbito de entes públicos quer de entidades privadas, ou melhor, de direito privado[10]) é, na definição do CPA, um resumo de tudo o que nela tenha ocorrido e seja relevante para o conhecimento e a apreciação da legalidade das deliberações tomadas, designadamente a data e o local da reunião, a ordem do dia, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas, a forma e o resultado das respetivas votações e as decisões do presidente, cujo conteúdo – ou seja, o relato de tudo quanto haja ocorrido na reunião e seja relevante para o órgão – é consensualizado, aceite e aprovado pelos membros do órgão que nela estiveram presentes, tendo então tido ou não qualquer intervenção.

A lei não prevê qualquer outra forma, documento ou instrumento, que possa ter ou desempenhar a mesma função, tenha o mesmo valor e produza os iguais efeitos jurídicos.

Temos assim que só a acta, aprovada na devida forma, “relata” autenticamente o ocorrido na reunião. E quanto a esse relato, os membros do órgão não se podem opor a que nele, nominativamente, sejam citados e dele constem as suas intervenções ou resumos das mesmas – a cujo conteúdo eles, aliás, podem sugerir alterações para melhor o fazerem corresponder ao que entendam ter-se efectivamente passado, a quando do momento da leitura e aprovação da acta, ou mesmo dele dissentir, votando contra a aprovação da acta se aprovada apenas pela maioria, e fazendo declaração de voto.

2.4. A tomada de som (gravação áudio) das reuniões de órgãos colegiais, maxime, no caso que ora importa, de órgão deliberativo autárquico, não se encontra constitucional ou legislativamente prevista, nem em lugar algum a lei aborda essa questão.

Contudo nada parece impedir que a gravação das sessões dos órgãos colegiais, maxime da assembleia municipal, possa ser prevista e disciplinada, designadamente quanto às condições da sua realização e conservação, no respectivo regimento[11].

2.5. Contudo em tal circunstância não deve ser olvidado que da gravação de som passam a constar não apenas o teor das intervenções dos membros da assembleia, e de toda a demais interlocução na pendência da reunião[12], como a indicação dos assuntos e das pessoas que nesses assuntos possam ter interesse e estar em causa, e, bem assim, a indicação/identificação dos cidadãos que intervenham nas reuniões onde haja lugar à intervenção do público, o que pode colidir com matéria atinente à protecção de dados pessoais[13].

2.6. Por via da sua conservação[14], as gravações de som das reuniões, maxime das assembleias municipais, transformam-se ou “constituem-se”, ope legis, em documentos administrativos e, em consequência, livremente acessíveis e acedíveis por qualquer um, em razão do princípio da administração aberta (ou, antes, do princípio do arquivo aberto[15]) e independentemente (da titularidade) de qualquer interesse nesse acesso[16].

Por essa razão, não é legalmente admissível que o órgão cujas reuniões sejam gravadas e conservadas, estabeleça restrições ou denegações ao livre acesso a essas gravações, seja por que motivo seja (designadamente pela sua classificação como outros registos de natureza semelhante a notas pessoais, esboços ou apontamentos de modo a desconsiderá-las como documento administrativo[17]), salvo, naturalmente, pelas razões expressamente previstas na lei: informações que possam por em risco ou causar dano à segurança interna e externa do Estado[18], matérias em segredo de justiça[19], documentos nominativos[20] e segredos comerciais, industriais, ou sobre a vida interna de uma empresa[21].

2.7. Sendo o regimento de um órgão (colegial) da administração um regulamento administrativo ainda que de uma especial natureza, a sua alteração – ou seja, o procedimento formal próprio e determinante da validade substancial da mesma – deve observar o previsto na lei.

Assim qualquer intenção de alteração do regimento da Assembleia Municipal deve constar de proposta nesse sentido, apresentada pela Mesa da Assembleia[22], a apreciar e aprovar pela Assembleia[23], fazendo-se de imediato constar do regimento as alterações nele introduzidas de modo a que possa ser conhecido com a sua nova redacção.

Não parece assim que a utilização da figura (parlamentar e “política”) da moção, vocacionada para constituir tipicamente a forma de manifestação parlamentar de apoio e de rejeição[24] do executivo – e que também existe ao nível da administração local, como seja a moção de censura da Assembleia Municipal à comissão executiva metropolitana ou ao secretariado executivo intermunicipal[25] ou a moção de censura da Assembleia Intermunicipal ao secretariado executivo intermunicipal[26], determinando a sua aprovação a demissão do órgão censurado[27] – possa servir de veículo a intervenções de carácter normativo-regulamentar, designadamente alterações ao regimento.

Aliás não resulta claro (nem se assim foi entendido pela Assembleia) se com a aprovação da moção contendo uma alteração ao regimento, foi este considerado efectivamente alterado – como era proposto na agenda da reunião[28] – ou se este não foi alterado mas doravante e para todos os efeitos as gravações das reuniões da Assembleia Municipal passam a reger-se de acordo com o que nela se diz – o que de todo o modo, num caso e noutro, se afigura pouco curial.

 

 Salvo semper meliori judicio

  

Ricardo da Veiga Ferrão

(Jurista. Técnico Superior)

 

[1] Artigo 116.º, n.º 1, da Constituição da República (CRP).

[2] A CRP, ao abordar, no artigo 239.º, os órgãos do poder local, diz serem eles de dois tipos ou dupla natureza, uma assembleia eleita e um órgão executivo, que a lei posteriormente consagra nos artigos 5.º e 6.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro.

Em sentido idêntico, vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4ª edição revista (reimp.), 2014, pág. 113.

[3] Artigo 49, n.º 1, do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro.

[4] A possibilidade da presença de público nas sessões das assembleias deliberativas pode-se designar, neologísticamente, de “publicalidade”, de modo a diferenciá-la da publicidade das mesmas reuniões ‑ entendendo-se por esta (publicidade) a divulgação da ocorrência ou realização da reunião ou sessão do órgão e do que nele se haja decidido e por aquela (publicalidade) como a qualidade relativa à sessão ou reunião de órgão que pode ser, ou não, assistida ou presenciada por pessoas estranhas ao mesmo (ou seja, presenciada por “público”).

[5] Sob a forma de assistência às reuniões, o artigo 49, n.º 4, do RJAL diz que a nenhum cidadão é permitido intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tomadas. O público é, portanto, considerado mero assistente, no sentido que que pode estar presente, ver e ouvir tudo quanto se debate, mas sendo-lhe vedado ter outra qualquer intervenção.

[6] Quanto aos órgãos executivos autárquicos, as reuniões destes são, por regra, reservadas. Porém, a lei dispõe que deve ser promovida, pelo menos, uma reunião pública mensal (artigo 49, n.º 2, do RJAL), a qual fica sujeita a condicionalismos idênticos aos previstos, nesta matéria, aos das reuniões dos órgãos deliberativos.

Esta mesma reserva constitui igualmente a regra geral quanto ao acesso do público (“publicalidade”) às reuniões dos órgãos da Administração, pois que também elas não são públicas – o que é por dizer que são reservadas aos seus membros – salvo no caso de previsão legal em contrário (artigo 27.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA)).

[7] Artigo 49, n.º 1, do RJAL.

[8] Diz Jorge Pação, Os órgãos colegiais no Novo Código do Procedimento Administrativo, in Carla Amado Gomes, Ana Fernandes Neves, Tiago Serrão (coord.) Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, 2.ª reimp., 2015, pág. 203, que dá-se, deste modo, efetiva aplicação aos princípios da participação e colaboração (…) aquando do funcionamento dos órgãos colegiais, sendo que quanto ao modelo de intervenção adotado, consagra-se a “tripla capacidade interventiva”(…): divulgação, colaboração e esclarecimento, permitindo que o contributo dos assistentes à reunião seja significativo e com efetiva preponderância na formação da vontade do órgão colegial.

[9] É quanto parece resultar da exigência legal de quórum de funcionamento e de deliberação dos órgãos colegiais autárquicos, que se verifica apenas quando neles esteja presente a maioria no número legal dos seus membros [sublinhado nosso] (artigo 54.º, n.º 1, da RJAL). Também o artigo 29.º do CPA acolhe idêntico princípio ao prever que os órgãos colegiais só podem, em regra, deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros com direito a voto (n.º 1) e, em segunda convocatória, desde que esteja presente um terço dos seus membros com direito a voto (n.º 3) [sublinhados nossos].

[10] Diz-se no artigo 37.º do Código Comercial que os livros ou as folhas das actas das sociedades servirão para neles se lançarem as actas das reuniões de sócios, de administradores e dos órgãos sociais, devendo cada uma delas expressar a data em que foi celebrada, os nomes dos participantes ou referência à lista de presenças autenticada pela mesa, os votos emitidos, as deliberações tomadas e tudo o mais que possa servir para fazer conhecer e fundamentar estas, e ser assinada pela mesa, quando a houver, e, não a havendo, pelos participantes.

[11] O facto da gravação das reuniões da assembleia não se encontrar prevista no regimento, mas ser prática corrente, aceite e do conhecimento geral (designadamente entre os membros do órgão), não altera a natureza das gravações nem concede qualquer direito ou prerrogativa aos membros do órgão de poderem dispor sobre o conteúdo ou o destino das mesmas. Na verdade, estas gravações constituem-se como documentos administrativos nos mesmos termos que as demais, estando assim fora do poder de disposição do órgão ou dos seus membros.

[12] Afigura-se que a gravação, enquanto registo sonoro da reunião de um órgão, apenas pode ser efectuada e registar som entre os momentos de abertura e encerramento da reunião, declarados por quem presida à mesma, não podendo ser gravadas conversas ou locuções prévias ou posteriores a esses momentos. Caso o sejam devem ser desgravadas, não relevando e sendo sempre desconsideradas para quaisquer efeitos, designadamente administrativos. No caso das reuniões da assembleia municipal, a gravação abrangerá, portanto, os períodos de antes da ordem do dia (artigo 52.º do RJAL) e da ordem do dia (artigo 53.º do RJAL).

Porém, para que possa ser mantida a integralidade e fidedignidade da gravação – valores maiores da mesma, como de qualquer documento administrativo – nada dela pode ser alterado ou removido (ou seja ser a gravação “retocada”) pois que isso a transforma em documento adulterado ou contrafeito e, por isso, inverídico, ficando assim despido de fé ou capacidade probatória.

[13] Em termos de tratamento de dados, caso tal questão se coloque, é de considerar que os dados recolhidos respeitantes aos membros do órgão deverão ser considerados como “manifestamente tornados públicos” e portanto, contendo uma implícita autorização para o seu tratamento, tanto mais quanto foram os mesmos a autorizar a gravação.

No que toca ao público presente já não se pode considerar que a sua presença na reunião represente uma autorização implícita para eventual tratamento dos dados pessoais que se lhes refiram, pelo que deverá ser necessária uma autorização individual.

O mesmos se diga, e neste caso ainda com mais acuidade, quanto ao tratamento dos dados pessoais das pessoas cujos assuntos venham a ser abordados, discutidos e decididos na reunião, pois que esse facto não significa qualquer autorização. Assim também aqui será necessário, para o efeito, obter o consentimento expresso e inequívoco.

[14] A Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, alterada pelo Decreto-Lei n.º 214‑G/2015, de 2 de Outubro) (LADA), toma por “documento administrativo” qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome (artigo 3.º, n.º 1, al. a) da LADA) [sublinhados nossos], sendo que os órgãos das autarquias locais encontram-se incluídos no seu âmbito de aplicação (artigo 4.º, n.º 1, al. e) da LADA).

[15] O artigo 268.º, n.º 2 da Constituição, de entre os direitos e garantias dos administrados, prevê que os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, princípio ou regra que o artigo 17.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo recebe e concretiza ao afirmar que todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso (…). Prevê-se e regula-se, assim, a informação não procedimental, forma de informação administrativa que está “fora” ou para além da informação (administrativa) relativa ao procedimento administrativo.

[16] É quanto resulta do artigo 5.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, alterada pelo Decreto-Lei n.º 214‑G/2015, de 2 de Outubro (LADA), ao aí dizer-se que todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.

[17] Nos termos da al. a) do n.º 2, do artigo 3.º da LADA, não se consideram documentos administrativos, para efeitos da [LADA] as notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante.

A este respeito, diz-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 4 de Novembro de 2010 (Proc. n.º 6744/10):

A gravação sonora de uma reunião apenas para permitir a elaboração da acta respectiva consubstancia um documento administrativo, por se tratar de um suporte de informação, sob a forma sonora, produzido por uma entidade pública e que está na sua posse.

(…) A circunstância de a gravação sonora apenas se destinar à elaboração da acta, não ficando conservada em arquivo, não põe em causa o seu carácter de documento administrativo. Efectivamente, para que tenha essa qualificação basta que se trate, como sucede no caso em apreço, de um suporte de informação, sob a forma sonora, produzido por uma entidade pública e que esteja na sua posse, sendo irrelevante, para efeitos do disposto no art. 3º., nº 1, al. a), da Lei nº 46/2007, a forma da sua manutenção.

[18] Artigo 6.º, n.º 1, da LADA. O Regime do Segredo do Estado consta da Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto. As regras para classificação de documentos constam da Resolução do Conselho de Ministros n.º 50/88, de 3 de Dezembro.

[19] Artigo 6.º, n.º 2, da LADA.

[20] Artigo 6.º, n.º 5, da LADA.

[21] Artigo 6.º, n.º 6, da LADA.

[22] Artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAL.

[23] Artigo 26.º, n.º 1, al. a), do RJAL.

[24] Assim a moção de confiança (artigo 193.º da Constituição) cuja não aprovação determina a queda do Governo (artigo 195.º, n.º 1, al. e), da Constituição) ou a moção de censura (artigo 193.º da Constituição) cuja aprovação [por maioria absoluta] determina igualmente a queda do Governo (artigo 195.º, n.º 1, al. f), da Constituição).

[25] Artigo 25.º, n.º 5, al. b), do RJAL.

[26] Artigo 84.º, al. f), do RJAL.

[27] Artigo 102.º, n.º1, als. a) e b), do RJAL.

[28] Como consta do ponto 7.º da Ordem de Trabalhos para a reunião da Assembleia Municipal de 26 de Fevereiro de 2016 (por lapso é referido 2015), constante de Edital de 18 de Fevereiro de 2016 subscrito pelo Presidente do órgão.