About Fátima Rodrigues

This author has not yet filled in any details.
So far Fátima Rodrigues has created 1052 blog entries.

Gravação das Reuniões da Assembleia e da Câmara Municipal.

 

Solicita o Presidente da Câmara Municipal de …, por seu ofício de …, referência n.º …, a emissão de parecer sobre as seguintes questões:

  1. É possível nas sessões da Assembleia Municipal, que por natureza são públicas, que terceiros, designadamente jornalistas ou outros, procedam à gravação integral dos trabalhos e intervenções dos Senhores Membros da Assembleia e dos Senhores Membros do Executivo Municipal?
  2. Em caso afirmativo - poder ser feita gravação integral da sessão -, pode qualquer dos Membros da Assembleia ou do Executivo, impedir que a sua intervenção seja gravada, dando nota expressa dessa vontade à Mesa da Assembleia?
  3. O Órgão Executivo tem mensalmente duas reuniões. Uma dessas reuniões é pública, com um período para intervenção e esclarecimento do público. Esta reunião pública mensal pode ser integralmente gravada por terceiros, designadamente por jornalistas ou outros?
  4. Na reunião mensal sem período para intervenção e esclarecimento do público pode ser feita a sua gravação por terceiros, designadamente por jornalistas ou outros?

Para os efeitos previstos no n. ° 2 do artigo 2.° da Portaria n.° 314/2010 de 14 de Junho, adianta-se que o parecer interno dos serviços da Câmara Municipal é o seguinte:

  1. a) O artigo 49.° da Lei 75/2013, de 12.09 (regime jurídico das autarquias locais) consagra o carácter público das sessões dos órgãos deliberativos das autarquias e a possibilidade de, no seu regimento, se fixar um período de intervenção e esclarecimento ao público;
  2. b) Quanto aos órgãos executivos, o mesmo artigo consagra a realização de, pelo menos, uma reunião pública mensal;
  3. c) Ali se estabelece ainda que nenhum cidadão pode intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tornadas;
  4. d) Porém, quanto à possibilidade de gravação integra! das assembleias municipais por terceiros ou jornalistas, quer a referida Lei, quer o Regimento da Assembleia Municipal de … são omissos;
  5. e) Da secção VIII do Regimento ("Da publicidade dos trabalhos e dos atos da Assembleia") parece resultar que a publicidade é assegurada pelas atas e pela publicação das deliberações em DR (quando a lei o determine) e em edital, no sítio da internei, no boletim da autarquia e em jornais regionais (se verificados certos requisitos);
  6. f) por sua vez. o Estatuto do Jornalista (Lei 64/2007 de 06.11, que alterou a Lei 1/99 de 13.01), consagra para a Administração Pública, o dever de assegurar aos Jornalistas o acesso às fontes de informação (artigo 8.°);
  7. g) o mesmo diploma consagra aos jornalistas (artigos 9.° e 10.°), o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa (portanto, no exercício da atividade profissional), podendo os órgãos de comunicação social utilizar os meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua atividade;
  8. h) no entanto, o artigo 14.° fixa aos jornalistas deveres vários, designadamente o de não recolher imagens/sons com recurso a meios não autorizados (exceto em caso de estado de necessidade) e o de se identificar como Jornalista (salvo razões de interesse público);
  9. i) do exposto parece resultar que os jornalistas não podem recolher som e imagem, nas reuniões dos órgãos deliberativo e executivo se não tiverem prévia autorização para tal;
  10. J) no caso das gravações por terceiros não identificados como Jornalistas, desconhece-se previsão legal, pelo que, por maioria de razão, devem ser proibidas;
  11. k) Quanto a saber se pode ser feita gravação integral da sessão quando um dos Membros da Assembleia ou do Executivo impedir a gravação da sua intervenção, entende-se que a resposta há-de ser negativa, a menos que, no caso do órgão deliberativo, o respetivo Regimento tenha admitido a gravação integral das reuniões;

  

Apreciando

  1. Do pedido

No presente pedido são colocadas quatro questões atinentes à admissibilidade da (livre) gravação das sessões da assembleia municipal e das reuniões da câmara municipal, por terceiros, membros do público ou jornalistas.

Cuidar-se-á assim de saber se nas sessões e reuniões públicas da assembleia municipal e da câmara municipal, é admissível a sua gravação integral por terceiras pessoas ou jornalistas, sem dependência de qualquer (prévia) autorização, e sendo-o, se na assembleia municipal qualquer seu membro ou elemento da câmara municipal nela presente pode vedar, proibindo, a gravação das suas intervenções.

Esclarecer-se-á ainda se na reunião reservada (privada) da câmara municipal, pode haver lugar à sua gravação por jornalistas ou terceiras pessoas.

 

  1. Análise

2.1. Quadro geral

2.1.1. A matéria em apreço já foi abordada em nosso anterior parecer[1], que ora se retoma nos segmentos que para aqui importam:

(…)

2.1. A Constituição estabelece como regra que as reuniões das assembleias que funcionem como órgãos (…) do poder local são públicas, excepto nos casos previstos na lei1. Ao referir-se a reuniões das assembleias, a norma constitucional, em matéria de poder local, dirige-se (apenas) aos órgãos considerados “assembleias”, a saber, assembleia municipal e assembleia de freguesia2.

Assim, na administração autárquica – municípios e freguesias - a regra relativa às sessões dos seus órgãos deliberativos é a de que são públicas3.

Esta abertura à presença de público4 não significa, contudo, liberdade de participação ou de intervenção deste nos debates e nos trabalhos das assembleias. É que a mesma lei que prevê a possibilidade dessa presença determina igualmente que a nenhum cidadão é permitido intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tomadas5. O público é, assim, considerado mero assistente, podendo estar presente, ver e ouvir tudo quanto se debate, mas sendo-lhe vedado ter outra qualquer intervenção para além disso.

Porém, não obstante este princípio de mera presença e assistência aos trabalhos, a lei prevê a possibilidade da existência, no decurso da sessão, de um período para intervenção e esclarecimento do público, cuja concreta disciplina cabe ser estabelecida pelo regimento do órgão6.

Assim, o regimento do órgão deliberativo deve cuidar da previsão, na agenda dos trabalhos, de um período destinado a intervenções e esclarecimento do público7, no decurso do qual este pode interpelar directamente o órgão, colocando questões, e dele obter esclarecimentos e informações8.

2.2. A velha regra (a “tradição”), neste âmbito, é a de que as reuniões decorrem com a presença física dos seus membros9 – e não através de videoconferência.

Ainda que podendo ser suportada em documentos escritos, a reunião decorre sempre de forma oral, pessoal e directa, não havendo qualquer intermediação entre os membros que nela intervenham (ou seja, “falem”) e o colégio a quem se dirigem, ressalvadas as indicações destinadas a assegurar a “boa ordem” no decurso dos trabalhos que ao presidente cabe assegurar, dirigindo-se, assim, o orador directamente ao colégio e por ele (por cada um dos seus membros) podendo ser interpelado.

A memória futura de tudo quanto se passa nas reuniões dos órgãos colegiais – e o instrumento (documento) que garante a produção de efeitos jurídicos (eficácia jurídica) de tudo quanto nelas seja deliberado – é, nos termos da lei, assegurada unicamente pelas actas das reuniões.

A acta da reunião (de qualquer reunião de órgão colegial, quer no âmbito de entes públicos quer de privados10) é, na definição do CPA, um resumo de tudo o que nela tenha ocorrido e seja relevante para o conhecimento e a apreciação da legalidade das deliberações tomadas, designadamente a data e o local da reunião, a ordem do dia, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas, a forma e o resultado das respetivas votações e as decisões do presidente, cujo conteúdo – ou seja, o relato de tudo quanto haja ocorrido na reunião e seja relevante para o órgão - é consensualizado, aceite e aprovado pelos membros do órgão que nela estiveram presentes, tendo então tido ou não qualquer intervenção.

A lei não prevê qualquer outra forma, documento ou instrumento, que possa ter ou desempenhar idêntica função, tenha o mesmo valor e produza os iguais efeitos jurídicos.

Temos assim que só a acta, aprovada na devida forma, “relataautenticamente o ocorrido na reunião. E quanto a esse relato, os membros do órgão não se podem opor a que nele, nominativamente, sejam citados e dele constem as suas intervenções ou resumos das mesmas – a cujo conteúdo eles, aliás, podem sugerir alterações, a quando do momento da leitura e aprovação da acta, para melhor o fazerem corresponder ao que entendam ter nela sido dito e ocorrido, ou mesmo de ele dissentir, votando contra a aprovação da acta (ficando esta aprovada apenas pela maioria) e fazendo declaração de voto.

2.3. A tomada de som (gravação áudio), de imagem e de som e imagem (gravação vídeo) das/nas reuniões de órgãos colegiais, maxime, no caso que ora importa, de órgão deliberativo autárquico, não se encontra legislativamente prevista, nem em lugar algum a lei aborda essa questão.

Não parece, porém que, um tal registo, em qualquer das suas formas, possa ter lugar de forma livre e indiscriminada, por iniciativa de qualquer cidadão, mesmo que autarca e membro do órgão.

(…)

Ora, nas assembleias municipais, ainda que constitucional e legalmente públicas, é absolutamente vedado aos cidadãos presentes intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tomadas, pelo que a sua participação no normal desenrolar dos trabalhos colegiais se limita à (mera) assistência, expectação ou testemunho (do trabalho) dos mesmos - mas tomando total e irrestrito conhecimento auditivo e visual do tudo quanto nestes seja dito ou mostrado – para além de, no decurso do período para intervenção e esclarecimento do público, os munícipes assistentes (ou melhor, quem quer que tenha assuntos de interesse ou conexionados com o município ou a actividade dos seus órgãos, pois que estas intervenções nem são reservadas apenas aos munícipes nem devem ser diletantes, mas antes, objectivas e pertinentes) podem interpelar directamente a assembleia (em regra, na pessoa do seu presidente, mas também os diversos membros) colocando questões e obtendo esclarecimentos e informações, do que deve ser feito expressa nota na acta da respectiva reunião após o relato dos assuntos incluídos na ordem do dia, através de uma referência sumária às eventuais intervenções do público na solicitação de esclarecimentos e às respostas dadas13.

Por outro lado, o ocorrido nas reuniões é igualmente acessível, a posteriori, através das actas das mesmas, aliás única forma que a lei considera autêntica e juridicamente eficaz de relatar os assuntos abordados e discutidos e as decisões (deliberações) nelas tomadas.

São, pois, estas as (duas) formas como se concretiza o direito fundamental informação no que toca às sessões públicas dos órgãos deliberativos das autarquias locais.

Neste âmbito, haverá ainda que levar ainda em conta, para além do referido, a informação veiculada pela comunicação social no quadro do exercício do direito dos jornalistas a informar e à liberdade de imprensa.

2.4. Em face de quanto fica dito, não pode deixar de se considerar que a gravação de som e de som e imagem das reuniões das assembleias não só não se encontra legalmente prevista e regulada como difere, ou melhor, não constitui, substancialmente, aquilo que a lei reputa como admissível (a presença de público) ou indispensável (elaboração e aprovação da acta) para, de modo juridicamente válido, ser acedido e reportado o conteúdo das reuniões dos órgãos deliberativos autárquicos.

Ainda que assim seja, poder-se-á considerar que, não obstante o silêncio da lei na matéria, o próprio órgão pode entender, por seu livre alvedrio14, que deve haver lugar à gravação das suas reuniões.

Neste caso, uma tal decisão sujeitá-lo-á naturalmente às disposições legais relativas à protecção de dados pessoais, em especial ao disposto na LPDP, pois que no caso e seja qual for o tipo de registo efectuado – apenas de som ou de imagem ou de som e imagem – se está, indubitavelmente, perante uma operação de tratamento de dados pessoais15, de que o órgão é o responsável pelo tratamento16, na medida em que é ele que determina as finalidades e meios de tratamento desses dados17.

1 Artigo 116.º, n.º 1, da Constituição da República (CRP). A este respeito dizem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4ª edição revista (reimp.), 2014, pág. 113, que o princípio da publicidade (…) é um princípio fundamental do direito constitucional, cujo sentido, no âmbito dos órgãos colegiais do tipo de assembleia, é o seguinte: (a) possibilidade jurídica de livre acesso das pessoas e órgãos de comunicação à sala das sessões; (b) proibição de reuniões secretas; (c) exigência de publicação das actas dos respectivos trabalhos. E mais dizem ainda que a base do princípio da publicidade é ainda o princípio democrático de fiscalização popular dos actos públicos e do direito à informação.

2 A CRP, ao abordar, no artigo 239.º, os órgãos do poder local, diz serem eles de dois tipos ou dupla natureza, uma assembleia eleita e um órgão executivo, que a lei posteriormente consagra nos artigos 5.º e 6.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro. Em sentido idêntico, vd. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição… cit., pág. 113.

3 Artigo 49, n.º 1, do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro.

4 A possibilidade da presença de público nas sessões das assembleias deliberativas pode-se designar, neologísticamente, de “publicalidade”, de modo a diferenciá-la da publicidade das mesmas reuniões - entendendo-se por esta (publicidade) a divulgação da ocorrência ou realização da reunião ou sessão do órgão e do que nele se haja decidido e por aquela (publicalidade) como a qualidade relativa à sessão ou reunião de órgão que pode ser, ou não, assistida ou presenciada por pessoas estranhas ao mesmo (ou seja, presenciada por “público”).

5 Artigo 49, n.º 4, do RJAL.

6 Quanto aos órgãos executivos, as reuniões destes são, por regra, reservadas. Porém, a lei dispõe que deve ser promovida, pelo menos, uma reunião pública mensal (artigo 49, n.º 2, do RJAL), a qual fica sujeita a condicionalismos idênticos aos previstos, nesta matéria, aos das reuniões dos órgãos deliberativos. Esta mesma reserva constitui igualmente a regra geral quanto ao acesso do público (“publicalidade”) às reuniões dos órgãos da Administração, pois que também elas não são públicas - o que é por dizer que são reservadas aos seus membros – salvo no caso de previsão legal em contrário (artigo 27.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA)).

7 Artigo 49, n.º 1, do RJAL.

8 Diz JORGE PAÇÃO, Os órgãos colegiais no Novo Código do Procedimento Administrativo, in CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDES NEVES, TIAGO SERRÃO (coord.) Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, 2.ª reimp., 2015, pág. 203, que dá-se, deste modo, efetiva aplicação aos princípios da participação e colaboração (…) aquando do funcionamento dos órgãos colegiais, sendo que quanto ao modelo de intervenção adotado, consagra-se a “tripla capacidade interventiva”(…): divulgação, colaboração e esclarecimento, permitindo que o contributo dos assistentes à reunião seja significativo e com efetiva preponderância na formação da vontade do órgão colegial.

9 É quanto parece resultar da exigência legal de quórum de funcionamento e de deliberação dos órgãos colegiais autárquicos, que se verifica apenas quando neles esteja presente a maioria no número legal dos seus membros [sublinhado nosso] (artigo 54.º, n.º 1,0 da RJAL). Também o artigo 29.º do CPA acolhe idêntico princípio ao prever que os órgãos colegiais só podem, em regra, deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros com direito a voto (n.º 1) e, em segunda convocatória, desde que esteja presente um terço dos seus membros com direito a voto (n.º 3) [sublinhados nossos].

10 Diz-se no artigo 37.º do Código Comercial, a respeito das actas das reuniões dos órgãos societários, que os livros ou as folhas das actas das sociedades servirão para neles se lançarem as actas das reuniões de sócios, de administradores e dos órgãos sociais, devendo cada uma delas expressar a data em que foi celebrada, os nomes dos participantes ou referência à lista de presenças autenticada pela mesa, os votos emitidos, as deliberações tomadas e tudo o mais que possa servir para fazer conhecer e fundamentar estas, e ser assinada pela mesa, quando a houver, e, não a havendo, pelos participantes.

(…)

13 Artigo 49.º, n.º 6, do RJAL.

14 Decisão cuja aplicação prática deverá ser devidamente regulada no respectivo regimento.

15 No sentido resultante do previsto nas alíneas a) e b) do artigo 3.º da Lei n.º 67/98.

16 À luz da definição contida na al. d) do artigo 3.º da Lei n.º 67/98.

17 Artigo 3.º, al. d), da LPDP.

2.1.2. Sobre a possibilidade de gravação integral das reuniões de assembleia municipal por jornalista, afirmou-se igualmente em nosso outro parecer[2]:

2.2. Os direitos concedidos ao jornalista pelo seu estatuo

2.2.1. O estatuto do jornalista – e jornalistas são todos aqueles que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem com capacidade editorial funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação, com fins informativos, pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por qualquer outro meio electrónico de difusão11, ainda que não desenvolvam actividade jornalística quando se encontrem ao serviço de publicações que visem predominantemente promover actividades, produtos, serviços ou entidades de natureza comercial ou industrial12 - prevê que estes têm o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa13, aos quais não podem ser impedidos de entrar ou permanecer (…) quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional, sem outras limitações além das decorrentes da lei14.

Por outro lado, ainda no âmbito do direito de acesso aos locais públicos onde se possam recolher informações noticiosas, prevê a lei que os órgãos de comunicação social têm direito a utilizar os meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua actividade15.

Resumindo, o estatuto do jornalista assegura a estes a entrada e permanência nos lugares públicos onde pretendam exercer a sua actividade (ou seja, onde haja razão para cobertura informativa, para notícia) e garante aos órgãos de comunicação social o direito à utilização dos meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua actividade informativa.

2.2.2. Porém, ao lado do direito de livre acesso aos locais públicos e de aí poderem recolher toda a informação que considerem pertinente, os jornalistas encontram-se também sujeitos ao dever de não recolher imagens e sons com o recurso a meios não autorizados a não ser que se verifique um estado de necessidade para a segurança das pessoas envolvidas e o interesse público o justifique16.

2.3. Os poderes da assembleia quanto à divulgação do conteúdo das suas reuniões

2.3.1. Como se disse antes, a assembleia municipal pode, no seu regimento, disciplinar a tomada de som e/ou imagem das suas reuniões, designadamente para fins jornalísticos.

Assim, pode a assembleia municipal, em previsão expressa no seu regimento, divulgada de forma evidente e visível no local onde sejam realizadas as suas reuniões17, deliberar que não seja permitida a recolha, por qualquer meio, de imagens e de som das respectivas sessões por terceiros18, ficando desse modo os jornalistas impedidos de o fazer, em observância do, e por respeito ao, seu dever de oficio, pois que contra essa limitação não podem invocar a verificação de um estado de necessidade justificante para a gravação, conforme é conformado na lei, já que o quadro permissivo que ela prevê só muito excepcionalmete, como é óbvio, se poderá verificar.

2.3.2. Esta limitação ou, mais claramente, esta compressão do direito dos jornalistas, apenas se verifica quanto à tomada de imagem e de som, mas já não quanto à tomada de apontamentos escritos de tudo quanto presenciem (vejam e ouçam) ou lhes chegue ao conhecimento e de, com base em tais elementos, produzir informação jornalística (notícias).

A este respeito será de relembrar que não só as reuniões da assembleia municipal são públicas – o que permite a quem quer que seja nelas estar presente e tomar conhecimento (presencial) dos assuntos tratadas e (do sentido) das deliberações tomadas – como não pode ser atribuído ao acto de aprovação da acta de uma reunião um caracter autorizatório ou permissivo do conhecimento e divulgação de quanto nela se passou (e que conste da acta), pois que, como se disse, não só a reunião é pública e, nessa medida, conhecido o seu desenrolar e os assuntos nela tratados por todos quanto nela sejam presentes, como a acta é apenas condição de eficácia (jurídica) das deliberações nela tomadas, o que significa unicamente que uma deliberação, antes de ser aprovada a acta da reunião onde haja sido tomada e de onde ela conste, não é juridicamente eficaz, apesar de ter sido tomada na forma devida e o seu conteúdo ser (do conhecimento) público19.

2.3.3. Assim, não se pode dizer que nas reuniões públicas dos órgãos colegiais a aprovação da acta seja requisito e condição para a divulgação e notícia do conteúdo da reunião a que respeite – pois que a sua publicidade, ou seja a sua acessibilidade pelo público em geral, é condição única para tal.

11 Artigo 1.º, n.º 1, do Estatuto do Jornalista, constante da Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro, alterada pela Lei n.º 64/2007, de 6 de Novembro, esta rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 114/2007, de 20 de Dezembro.

12 Artigo 1.º, n.º 2, do Estatuto do Jornalista.

13 Artigo 9.º, n.º 1, do Estatuto do Jornalista.

14 Artigo 10.º, n.º 1, do Estatuto do Jornalista.

15 Artigo 10.º, n.º 2, do Estatuto do Jornalista.

16 Artigo 14.º, n.º 2, al. f), do Estatuto do Jornalista.

17 E, eventualmente, comunicada directamente e por escrito ao(s) jornalista(s), para que não subsista qualquer dúvida ou possa ser alegado desconhecimento.

18 Não obstante esta proibição, o regimento da Assembleia Municipal pode prever que haja lugar à gravação (ex officio) das sessões do órgão através de meios próprios. Porém a conservação destas gravações transforma-as em documentos administrativos, acessíveis e acedíveis como tal, mormente após a aprovação da respectiva acta.

19 Vd. artigo 34.º, n.º 6, do CPA.  

2.3. Considerações adicionais

2.3.1. A juntar ao que fica dito, cabe ainda fazer uma referência às reuniões da câmara municipal, em especial no que toca à possibilidade de presença e intervenção do público nas mesmas.

2.3.1.1. Como antes já se deixou dito, apenas as reuniões dos órgãos colegiais que tenham a qualidade e funcionem como assembleia[3] e sejam considerados como órgãos de soberania, das regiões autónomas ou do poder local, é que, nos termos constitucionais, são públicas por natureza, implicando tal facto o livre acesso e permanência do público nas suas sessões, conquanto, em regra, esteja completamente vedado a este ter qualquer manifestação ou intervenção no decurso dos trabalhos, o que significar ser-lhe apenas permitida a (pura) assistência - ou seja, poder ser espectador presencial dos trabalhos, vendo e ouvindo, mas nunca intervindo.

Porém, os órgãos executivos - e aqui, em especial, os órgãos executivos autárquicos, a saber, câmara municipal e junta de freguesia - ainda que sendo também órgãos colegiais, não têm, contudo, a natureza de assembleia. Ora, quanto a eles e em matéria de (presença de) público, vale o princípio, oposto ao vigente para as assembleias, plasmado no artigo 27.º, n.º 1, do CPA: as reuniões dos órgãos da Administração Pública não são públicas, salvo disposição legal em contrário [realce nosso].

Para o caso de as reuniões destes órgãos da administração serem públicas por expressa determinação legal nesse sentido, o n.º 3 do mesmo artigo 27.º do CPA prevê que os assistentes às reuniões públicas [possam] intervir para comunicar ou pedir informações, ou expressar opiniões, sobre assuntos relevantes da competência daquele, desde que a lei assim o preveja ou o próprio órgão delibere nesse sentido. Caso contrário – ou seja, caso a lei permita a presença de público mas não abra a possibilidade da sua intervenção, oral ou escrita, nas reuniões, nem esta seja autorizada pelo órgão - o público apenas poderá assistir, como espectador, ao desenrolar dos trabalhos, em situação idêntica à que lhe cabe nas assembleias.

Ora o Regime Jurídico das Autarquias Locais[4] prevê de modo expresso que os órgãos executivos autárquicos – seja, a câmara municipal e a junta de freguesia – realizem, pelo menos, uma reunião pública mensal – a qual deverá ser, no caso da câmara municipal, uma das reuniões ordinárias previstas no n.º 1 do artigo 40.º do RJAL – no decurso da qual, de acordo com a regulação que for estabelecida pelo próprio órgão para esse efeito, haverá lugar a um período para intervenção e esclarecimento do público[5] - o que significa que ela terá que ser uma reunião pública.

Esta reunião pública não o será apenas quanto ao período destinado às intervenções e esclarecimentos do público, mas sê-lo-á igualmente desde a abertura dos trabalhos até ao seu encerramento, em razão do que o público poderá estar presente durante todo o tempo da sua realização, ainda que apenas venha a poder intervir e ser respondido pelos edis unicamente durante o período temporal destinado para esse efeito. 

2.3.1.2. Considerando tudo quanto antes ficou dito, podemos, desde já, ir-nos aproximando de algumas conclusões dirigidas, visando a resposta às questões colocadas.

Uma dessas conclusões – que pode ser a primeira – é a de que a assistência do público à assembleia municipal e à reunião da câmara municipal tem esse exacto conteúdo e dimensão: o público é (considerado) mero espectador, ou seja é tido unicamente como aquele que, passivamente, presencia (testemunha) ou observa (observador) in loco o decurso da reunião.

A segunda conclusão é a de que essa presença e observação (passivas) do público se atinge apenas e exclusivamente de modo sensorial, comumente através da audição (ouvido) e da visão: o público, como testemunha e observador, pode ver e ouvir (não se crê que, no caso em apreço, possa haver lugar à intervenção de outros sentidos) tudo quanto se desenrola na reunião e pode guardar na sua memória (mais propriamente, na memoria de cada elemento do público) tudo quanto veja e ouça.

A lei aplicável, maxime, as leis aplicáveis, RJAL e CPA, não preveem – nem delas resulta ou se pode inferir, mesmo que indirectamente - que ao público presente às reuniões da assembleia municipal ou da câmara municipal caiba qualquer outra forma de participação que não a de presença como observador e testemunha, não lhe cabendo qualquer papel activo, outro que seja, para além da possibilidade de intervir e obter esclarecimentos nos períodos destinados para esse efeito.

Uma outra conclusão – a terceira – será assim a de que, face ao quadro de possibilidades de participação/intervenção que a lei reserva ao público, é de concluir que esta não prevê nem lhe permite outra diferente intervenção nas reuniões em haja lugar à sua presença - mormente a possibilidade de proceder à gravação das reuniões, integral ou mesmo parcial, quer através da tomada de som (gravação áudio) quer de som e imagem (gravação vídeo).

A possibilidade de gravação pelos membros do público das reuniões dos órgãos em causa – mesmo que restrita aos segmentos das reuniões abertos à intervenção do público ou só mesmo à gravação da própria intervenção por um elemento do público – não parece que, presentemente, se encontre contida ou pressuposta no quadro jurídico que define e permite essa presença.

Do facto de as reuniões serem públicas, por sua própria natureza ou por ser permitido, quanto a algumas delas, a presença de público, não resulta e, menos ainda, tal não implica necessariamente, a possibilidade de livre, incontrolada e, no limite, sistemática, gravação, integral ou parcial, das reuniões dos órgãos em apreço, pelo público que a elas possa assistir. A faculdade (o direito) que a lei concedo ao público é somente a da sua presença física, implicando a visão e audição de todo o desenrolar dos trabalhos – mas já não o seu armazenamento sonoro e/ou visual (ou seja a gravação do som e de imagens da reunião[6]).

As intervenções dos membros dos órgãos colegiais no decurso das reuniões dos órgãos e a interacção que se estabelece entre eles é a matéria de que que constitui o trabalho desses órgãos. Se todos os membros de um órgão colegial, estando presentes, se mantivessem mudos e quedos durante todo o tempo de reunião, não se poderia dizer que verdadeiramente tivesse existido qualquer reunião, pois que no espaço de tempo destinado para o efeito não houve qualquer manifestação de vontade de nenhum dos seus membros. Ora a vontade de um órgão colegial resulta - ainda que possa não ser a pura soma - das vontades expressas dos seus membros. Por essa razão os membros dos órgãos colegiais não podem evitar (ou proibir) que, nas reuniões públicas do órgão, as suas intervenções sejam presenciadas, ouvidas e vistas por todos os presentes (membros do órgão e público). Essa é, precisamente a natureza e qualidade intrínseca das sessões públicas: as intervenções dos membros do órgão podem ser presenciadas, ouvidas e vistas, por todos os presentes. A possibilidade de gravação (ou da sua proibição) de qualquer dessas intervenções não constitui, assim, um problema a se, que possa ser tratado e resolvido individual e isoladamente, mas antes se apresenta como inserido numa questão mais vasta e de natureza orgânica, que é a da possibilidade (ou não) da (livre) gravação dos trabalhos das reuniões públicas dos órgãos autárquicos.   

2.3.2. A mais do que já antes foi dito na matéria, há apenas que precisar alguns pontos sobre o acesso à informação pelos jornalistas.

Em primeiro lugar, os jornalistas, desde que para fins de cobertura informativa, têm direito de acesso a locais abertos ao público (ou a locais que não sendo acessíveis ao público, sejam-no, contudo, para a generalidade da comunicação social). Tal significa portanto que, para efeitos de recolha de informação, os jornalistas podem aceder às reuniões (aos locais das reuniões) públicas dos órgãos municipais, por se tratar de locais acessíveis ao, e acedíveis pelo, público.

Porém, no caso das reuniões reservadas da câmara municipal, já não há nelas, pela sua própria natureza de reservadas, lugar à presença do público, apenas nela participando os membros do próprio órgão (vereação) e, eventualmente, funcionários municipais, de modo coadjuvante. Ora, não se tratando então de local aberto ao público nem, à partida, de local acessível à generalidade da comunicação social, então resta concluir que não assiste aos jornalistas a possibilidade (o direito) de poderem presenciar as reuniões reservadas da câmara municipal para recolha de informação. 

2.3.3. Por fim - porque melhor que solucionar problemas é evitá-los - apenas sublinhar que os órgãos aqui em apreço - assembleia municipal e câmara municipal – têm a possibilidade de – ou melhor, devem – nos respectivos regimentos, prever e regular estas matérias de forma clara e precisa, como lhes cabe, estabelecendo o regime que o órgão, a cada momento[7], entenda dever ser observado em matéria de gravação das sessões do órgão por terceiros[8] (evidentemente, com estrito respeito pelo quadro legal vigente e aplicável) – de cujo regime deverá ser feita pública e ampla divulgação e aviso.

Só a regulação presente no regimento do órgão pode estabelecer e modular o regime a observar nesta matéria quer quanto a gravações e filmagem de reuniões públicas por terceiros (público ou jornalistas) quer no que toca à gravação oficial das mesmas (para efeito de elaboração de actas) e sua conservação[9].

Por outro lado o público presente e os jornalistas, sendo caso disso, devem ser clara e objectivamente informados e advertidos, em cada reunião, de qual a política adoptada pelo órgão em matéria de gravações das suas reuniões.

  

Concluindo

  1. As reuniões dos órgãos colegiais que tenham a qualidade e funcionem como assembleia e sejam órgãos do poder local são, nos termos constitucionais, públicas por natureza, implicando tal facto o livre acesso e permanência do público nas suas sessões.
  2. Não obstante a possibilidade de livre acesso e permanência de público nas sessões das assembleias municipais está-lhe completamente vedado, em regra, ter qualquer manifestação ou intervenção no decurso dos trabalhos, o que significar ser-lhe apenas permitida a (pura) assistência - ou seja, poder ser espectador presencial dos trabalhos, vendo e ouvindo, mas nunca intervindo.
  3. Os órgãos executivos autárquicos - câmara municipal e junta de freguesia - ainda que sendo também órgãos colegiais, não têm natureza de assembleia, pelo que quanto a eles e em matéria de (presença de) público, vale o princípio, plasmado no artigo 27.º, n.º 1, do CPA, de que as reuniões dos órgãos da Administração Pública não são públicas, salvo disposição legal em contrário, conclusão que igualmente se extrai, a contrario, do disposto no artigo 49.º, n.º 2, do RJAL.
  4. A lei pode prever, como efectivamente prevê, que as reuniões (ou algumas reuniões) dos órgãos executivos autárquicos sejam públicas.
  5. No caso das reuniões dos órgãos executivos autárquicos serem públicas, o n.º 3 do artigo 27.º do CPA prevê a possibilidade dos assistentes às reuniões públicas nelas intervirem para comunicar ou pedir informações, ou expressar opiniões, sobre assuntos relevantes da competência daquele, desde que tal seja admitido na lei ou o próprio órgão delibere nesse sentido.
  6. No caso em que a lei permita a presença de público mas não abra a porta à possibilidade da sua intervenção, oral ou escrita, nas reuniões dos órgãos executivos, nem esta seja autorizada pelo próprio órgão, então o público apenas poderá assistir, como espectador, ao desenrolar dos trabalhos, em situação idêntica à que lhe cabe nas assembleias.
  7. O Regime Jurídico das Autarquias Locais prevê que os órgãos executivos autárquicos, câmara municipal e junta de freguesia, realizem, pelo menos, uma reunião pública mensal, a qual, no caso da câmara municipal, deverá ser uma das reuniões ordinárias previstas no n.º 1 do artigo 40.º do RJAL
  8. No decurso desta reunião pública e de acordo com a regulação que for estabelecida pelo próprio órgão para o efeito, haverá lugar a um período para intervenção e esclarecimento do público.
  9. Esta reunião pública não o será apenas quanto ao período destinado às intervenções e esclarecimentos do público, mas sê-lo-á igualmente desde a abertura dos trabalhos até ao seu encerramento, em razão do que o público poderá estar presente durante todo o tempo da sua realização, ainda que apenas venha a poder intervir e ser respondido pelos edis unicamente durante o período temporal destinado para esse efeito.
  10. A assistência do público às sessões da assembleia municipal e às reuniões da câmara municipal tem o exacto conteúdo e dimensão de o público ser considerado como mero espectador, ou seja, passivamente presencia (testemunha) e observa (observador) in loco o decorrer da reunião.
  11. O público, como testemunha e observador, pode ver e ouvir tudo quanto se desenrola na reunião e pode guardar na sua memória (na memoria de cada elemento do público) tudo quanto veja e ouça.
  12. Das normas do RJAL ou do CPA (ou outras) aplicáveis, não resulta ou se pode inferir, mesmo que indirectamente, que ao público possa caber qualquer outra forma de participação que não a de presença como observador e testemunha.
  13. Face ao quadro de possibilidades de participação/intervenção que a lei reserva ao público, é de concluir que esta não prevê nem lhe permite outra diferente intervenção nas reuniões em haja lugar à sua presença, mormente a possibilidade de proceder à sua gravação, integral ou só parcial, quer de som (gravação áudio) quer de som e imagem (gravação vídeo).
  14. A possibilidade de gravação pelos membros do público das reuniões dos órgãos em causa – mesmo que restrita aos segmentos das reuniões abertos à intervenção do público ou só mesmo à gravação da própria intervenção por um elemento do público – não parece que, presentemente, se encontre contida, admitida ou pressuposta no quadro jurídico que define e permite essa presença.
  15. Do facto de as reuniões serem públicas, por natureza ou por ser permitida a presença de público, não resulta nem tal implica necessariamente a possibilidade de livre, incontrolada e, no limite, sistemática, gravação, integral ou parcial, dessas reuniões, pelo público presente, pois que a faculdade (o direito) que a lei concedo ao público é unicamente a da sua presença física, testemunhando todo o desenrolar dos trabalhos, mas já não o armazenamento sonoro e/ou visual da reunião.
  16. As intervenções dos membros dos órgãos colegiais no decurso das reuniões dos órgãos e a interacção que se estabelece entre eles é a matéria de que que constitui o trabalho desses órgãos, pelo que os membros dos órgãos colegiais não podem evitar (ou proibir) que, nas reuniões públicas, as suas intervenções sejam presenciadas, ouvidas e vistas por todos os presentes porque essa é, precisamente a natureza e qualidade intrínseca das sessões públicas.
  17. A possibilidade de gravação (ou da sua proibição) de qualquer dessas intervenções antes referidas não constitui, assim, um problema a se, que possa ser tratado e resolvido individual e isoladamente, mas antes se apresenta como inserido numa questão mais vasta e de natureza orgânica, que é a da possibilidade (ou não) da (livre) gravação dos trabalhos das reuniões públicas dos órgãos autárquicos.
  18. Os jornalistas, desde que para fins de cobertura informativa, têm direito de acesso a locais abertos ao público (ou a locais que não sendo acessíveis ao público, sejam-no, contudo, para a generalidade da comunicação social). Tal significa portanto que, para efeitos de recolha de informação, os jornalistas podem aceder às reuniões (aos locais das reuniões) públicas dos órgãos municipais, por se tratar de locais acessíveis ao, e acedíveis pelo, público.
  19. Por seu lado, os órgãos de comunicação social têm direito a utilizar os meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua actividade.
  20. Contudo os jornalistas encontram-se também sujeitos ao dever de não recolher imagens e sons com o recurso a meios não autorizados a não ser que se verifique um estado de necessidade para a segurança das pessoas envolvidas e o interesse público o justifique.
  21. Os órgãos colegais autárquicos podem, prevendo-o expressamente no seu regimento, deliberar que não seja permitida a recolha, por qualquer meio, de imagens e de som das respectivas sessões por terceiros, designadamente jornalistas, ficando estes, desse modo, impedidos de o fazer, em observância do e por respeito ao seu dever de oficio.
  22. Tal não significa que os jornalistas não possam continuar a tomar, como tradicionalmente, apontamento escrito de tudo quanto presenciem (vejam e ouçam) ou lhes chegue ao conhecimento e de, com base em tais elementos, produzir informação jornalística (notícias).
  23. Nas reuniões reservadas da câmara municipal, por essa própria natureza, não há lugar à presença do público, nelas estando presentes apenas os membros do próprio órgão (vereação) e, eventualmente, funcionários municipais, com funções coadjuvantes.
  24. Não se tratando, nesse caso, de local aberto ao público nem, à partida, de local acessível à generalidade da comunicação social, resta então concluir que não assiste aos jornalistas a possibilidade de poderem presenciar as reuniões reservadas da câmara municipal para recolha de informação.
  25. Do mesmo modo e por maioria de razão não podem terceiros, por sua própria iniciativa, estar presente e proceder à gravação ou filmagem das reuniões.
  26. A assembleia municipal e câmara municipal têm o poder de prever e regular nos respectivos regimentos, estas matérias, estabelecendo o regime que o órgão entenda dever vigorar em matéria de gravação das suas reuniões por terceiros (público ou jornalistas), quer no que toca à gravação oficial das mesmas (para efeito de elaboração de actas) e sua conservação.
  27. Quer o público presente quer os jornalistas, sendo caso disso, devem ser clara e objectivamente informados e advertidos, em cada reunião, de qual a política adoptada pelo órgão em matéria de gravações das suas reuniões.

  

Salvo semper meliori judicio

 

 Ricardo da Veiga Ferrão

(Jurista. Técnico Superior)

 

[1] Parecer DSAJAL 32/16, de 10 de Fevereiro de 2016.

[2] Parecer DSAJAL 118/16, de 27 de Junho de 2016.

[3] Diz Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, tomo V – Actividade Constitucional do Estado, 3.ª edição, 2004, pág. 78 e seg.) que na acepção mais geral, assembleia é qualquer reunião de pessoas, mais ou menos numerosa e estável, sempre predeterminada por normas jurídicas, com vista à prática de certos actos ou actividades.

As assembleias não são produto de liberdade de reunião. São expressão de poder (ou de liberdade de associação, quando se trate de assembleias de associações e formações análogas); e são expressões de poder público, quando se trate de assembleias de Direito constitucional e administrativo (ainda que ligadas a um princípio de participação); só o sentido imprimido pelas normas habilita a distinguir.

(…) numa acepção restrita e específica, assembleia vem a ser uma categoria de órgãos colegiais definida não tanto pela sua extensão quanto pelo regime peculiar que preside à sua composição e pelas funções que lhe andam conexas.[realce nosso]

Há assembleias que não chegam a ser órgãos, que não se elevam a centros institucionalizados de criação e manifestação de uma vontade jurídica imediata ou a se e há assembleias próprio sensu, as quais recebem, a par de outros órgãos competências dentro do Estado (ou, sendo caso disso, de outras entidades públicas ou privadas). Entre as primeiras contam-se as assembleias de voto nos sistemas representativos; entre as segundas, os Parlamentos e as demais assembleias políticas e administrativas.

[4] Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, rectificado pelas Declarações de Rectificação n.º 46-C/2013, de 1 de Novembro, e n.º 50‑A/2013, de 11 de Novembro, e alterada pela Lei n.º 25/2015, de 30 de Março, Lei n.º 69/2015, de 16 de Julho e Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

[5] Artigo 49.º, n.º 2, do RJAL.

[6] Ou de várias reuniões, o que pode prefigurar uma situação de tratamento de dados pessoais, que se encontra sujeita a especiais restrições e condicionantes e exige sempre prévia autorização.

[7] É evidente que o regime (ou qualquer dos seus aspectos) que venha a ser regimentalmente estabelecido pode, posteriormente e a todo o tempo, ser modificado pelo órgão, em qualquer sentido (seja, no limite, passar da permissão para a proibição e vice-versa) no respeito do quadro legal vigente, através da figura da alteração do regimento.

[8] Também seria positivo que, sendo caso disso, fosse também normativamente disciplinado o regime aplicável à gravação das sessões ex officio, pelo próprio órgão, caso a elas haja lugar.

[9] De sublinhar que não só a gravação de uma reunião de qualquer órgão constitui um documento administrativo, integralmente acedível nos termos em que o são todos os demais documentos administrativos (designadamente através de cópia), como a realização e conservação dessas gravações pode constituir um tratamento de dados pessoais, implicando prévia autorização para poder ser legalmente efectuado.

By |2023-10-23T09:28:05+00:0012/08/2016|Legal Opinions up to 2017|Comments Off on Gravação das Reuniões da Assembleia e da Câmara Municipal.

Subsídio de turno; férias e subsídio de férias.

 

Tendo em atenção o exposto pelo ofício n.º …, de …, da Câmara Municipal de …, sobre o assunto referenciado em epígrafe, cumpre tecer as seguintes considerações:

 

Debruçando-nos sobre a única questão, de entre as referidas no pedido de parecer, relativamente à qual nos é solicitada reflexão, valerá salientar que resulta do disposto no artigo 146.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – abreviadamente, LTFP –, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, aplicada à administração local pelo Decreto-lei n.º 209/2009, de 3 de setembro (cfr., n.º 3 do artigo 42.º da Lei n.º 35/2014), que a remuneração dos trabalhadores que exercem funções públicas ao abrigo de relações jurídicas de emprego público é composta pela remuneração base (com o montante fixado na tabela remuneratória única), pelos suplementos remuneratórios e pelos prémios de desempenho.

 

E, no artigo 150.º da LTFP, dispõe-se que:

“1 - A remuneração base é o montante pecuniário correspondente ao nível remuneratório da posição remuneratória onde o trabalhador se encontra na categoria de que é titular ou do cargo exercido em comissão de serviço.

2 - A remuneração base anual é paga em 14 mensalidades, correspondendo uma delas ao subsídio de Natal e outra ao subsídio de férias, nos termos da lei.”

 

Por seu turno, diz-nos o artigo 159.º da LTFP que são suplementos remuneratórios os acréscimos remuneratórios devidos pelo exercício de funções em postos de trabalho que apresentam condições mais exigentes relativamente a outros postos de trabalho caracterizados por idêntico cargo ou idênticas carreira e categoria e que os suplementos remuneratórios são devidos a quem ocupe aqueles postos de trabalho e exerça efetivamente as funções a eles inerentes, perdurando enquanto se mantiverem as condições de trabalho que determinaram a sua atribuição.

 

Mais resulta do preceito citado que os suplementos podem fundamentar-se em condições de caráter transitório (ex.: trabalho suplementar e trabalho noturno) ou em situações de caráter permanente (ex.: trabalho por turnos, secretariado de direcção e isenção de horário).

 

Ora, estabelece o n.º 1 artigo 152.º da LTFP que “a remuneração do período de férias corresponde à remuneração que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo, com exceção do subsídio de refeição.”

 

Parece-nos, assim, poder concluir-se que, em face do disposto nas normas transcritas, durante o período de férias, tendo o trabalhador direito à remuneração que receberia se estivesse em serviço efetivo, deverá esta remuneração incluir os suplementos remuneratórios decorrentes de situações de caráter permanente, de que o subsídio de turno é exemplo, em virtude de perdurarem as condições de trabalho que determinaram a sua atribuição, de igual modo se devendo concluir relativamente a todas as ausências ao serviço legalmente equiparadas a serviço efetivo e que não pressuponham a substituição da remuneração mensal por prestação pecuniária de natureza diferente, de que são exemplo as elencadas no pedido de parecer.

 

Mas, se assim nos parece poder concluir-se relativamente à remuneração a que o trabalhador tem direito durante as férias, de forma claramente distintiva regulou o legislador no tocante ao montante do subsídio de férias.

 

De facto, dispondo o n.º 2 do artigo 152.º da LTFP, que “além da remuneração mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias de valor igual a um mês de remuneração base mensal, que deve ser pago por inteiro no mês de junho de cada ano ou em conjunto com a remuneração mensal do mês anterior ao do gozo das férias, quando a aquisição do respetivo direito ocorrer em momento posterior”, outra conclusão não se poderá retirar – atenta a caracterização dos componentes da remuneração a que acima se alude – que não seja a de que não subsistirá fundamentação jurídica que sustente a ponderação ou a inclusão dos suplementos remuneratórios (no caso, do subsídio de turno) no cálculo do montante do subsídio em apreço.

 

 

O técnico superior

 

(José Manuel Martins de Lima)

 

By |2023-10-23T10:11:46+00:0012/07/2016|Legal Opinions up to 2017|Comments Off on Subsídio de turno; férias e subsídio de férias.

Senhas de presença; Remuneração; Presidente do Conselho Fiscal; Exercício de funções em regime de tempo inteiro.

 

Recebemos do Presidente de Junta de Freguesia um pedido de parecer sobre as seguintes questões:

 

  • Um Presidente de Junta de Freguesia a exercer o cargo a tempo inteiro, em regime de exclusividade, pode exercer o cargo de Presidente do Conselho Fiscal de uma Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, sendo este cargo remunerado?
  • Deverá informar a Assembleia de Freguesia?
  • Deve comunicar à DGAL?

 

I

 

As incompatibilidades são um corolário do princípio constitucional da imparcialidade – artigo 266º nº 2 da CRP – e significam a impossibilidade de acumular simultaneamente dois cargos ou funções por a lei considerar em abstrato, independentemente da pessoa em concreto que os acumula, que essa acumulação é suscetível de pôr em causa a isenção e imparcialidade exigida ao cargo.

A PGR, no parecer nº 100/82, de 27/07/82, refere que « as incompatibilidades visam proteger a independência das funções » e  Vital  Moreira e Gomes Canotilho[1] referem que o sistema das incompatibilidades visa garantir não só o princípio da imparcialidade da Administração mas também o princípio da eficiência ( boa administração ).

O exercício de funções nos órgãos autárquicos é incompatível com o desempenho efetivo dos cargos ou funções elencados no artigo 221 º da lei orgânica 1/2001, de 14 de Agosto.

Muito pelo contrário, o exercício cumulativo de outras atividades públicas ou privadas deixou de ser considerado incompatível com o exercício de funções autárquicas, dado o que estabelecia o artigo 6 º da Lei nº 64/93, de 26/08.

Efetivamente, o nº1 do art. 6º da Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, repristinado na sua redação originária pela Lei nº 12/98, de 24 de Fevereiro, estabelecia que “ Os presidentes e vereadores de câmaras municipais, mesmo em regime de permanência, a tempo inteiro ou parcial, podem exercer outras atividades, devendo comunicá-las, quando de exercício continuado, quanto à sua natureza e identificação, ao Tribunal Constitucional e à assembleia municipal, na primeira reunião desta a seguir ao início do mandato ou previamente à entrada em funções nas atividades não autárquicas ”, aplicável às freguesias, por remissão do artigo 11 º da lei n º 11/96, de 18 de abril.

A norma do referido artigo 6 º deve, presentemente, ser lida à luz do que ora se dispõe, sobre a matéria, no Estatuto dos Eleitos Locais, após as alterações nelas introduzidas pela Lei nº 52-A/2005, de 10 de Outubro.

Em reunião de coordenação jurídica realizada em 18/10/2005, entre a DGAL, as CCDR, a DRAPL Madeira e a DROAP Açores, ao abrigo do despacho n º 6695/2000, publicado no DR,  II série, n º  74, de 28/03/2000, concluiu-se o seguinte:

 

«Os números 1 e 2 do artigo 3 º da lei n º 29/87, de 30/06 (EEL), alterada pela lei n º 52-A/2005, de 10/10, revogaram tacitamente os n ºs 1 e 2 do artigo 6 º da lei n º 64/93, de 26/08, dado que contêm a mesma redação, com exceção da expressão «a tempo inteiro ou parcial» expressa no revogado n º 1».

 

É o seguinte o texto dos números 1 e 2 deste artigo 3 º:

 

«1-Os presidentes e vereadores de câmaras municipais, mesmo em regime de permanência, podem exercer outras atividades, devendo comunicá-las, quando de exercício continuado, quanto à sua natureza e identificação, ao Tribunal Constitucional e à assembleia municipal, na primeira reunião desta a seguir ao início do mandato ou previamente à entrada em funções nas atividades não autárquicas.

2- O disposto no número anterior não revoga os regimes de incompatibilidades e impedimentos previstos noutras leis para o exercício de cargos ou atividades profissionais.»

 

Posto isto, resulta claro do nº 1 deste artigo 3 º do Estatuto dos Eleitos Locais ( EEL ), aplicável às freguesias por remissão do artigo 11 º da lei n º 11/96, de 18 de abril,  que os eleitos locais, mesmo em regime de permanência, podem exercer outras atividades - públicas ou privadas - para além das que exercem como autarcas.

Permite assim a lei, neste artigo, a acumulação dos cargos de eleitos, mesmo em regime de permanência, com o exercício de outras atividades, sejam públicas ou privadas, dado que não se faz qualquer distinção quanto à sua natureza.

No entanto o sistema legal vigente exceciona duas situações sobre as quais não permite a referida acumulação:

  • Quando as funções públicas a acumular correspondam a titulares de órgãos de soberania, de cargos políticos ou de altos cargos públicos, que devam ser exercidos em regime de exclusividade;
  • Quando as funções a exercer correspondam a outros cargos ou atividades profissionais relativamente aos quais outras leis estabeleçam regimes de incompatibilidades ou impedimentos de acumulação com as referidas funções autárquicas (art. nº2 do artigo 3 º do atual EEL).

 

Assim o Presidente da Junta de Freguesia enquanto titular destes cargos pode acumular com outras atividades públicas ou privadas mas essas outras atividades é que poderão estabelecer algumas incompatibilidades.

 

Nestes termos, não havendo incompatibilidade na acumulação em causa enquanto eleito importará averiguar se no regime jurídico das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo existe alguma incompatibilidade quanto à ocupação do cargo de Presidente do Conselho Fiscal por um eleito local.

 

Ora, analisando o referido regime (Decreto-Lei n º 24/91, de 11 de janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n º 142/2009, de 16 de junho), verificamos ser tal incompatibilidade inexistente (artigo 23 º).

 

 

 

II

Não existindo incompatibilidade na acumulação dos cargos, importará agora averiguar os efeitos remuneratórios de tal acumulação.

 

Antes iremos, ainda, tecer umas breves considerações sobre o regime remuneratório dos eleitos locais em regime de permanência (tempo inteiro) das juntas de freguesia.

 

O valor base da remuneração do presidente da junta de freguesia em regime de permanência é fixado por referência ao vencimento base atribuído ao Presidente da República, de acordo com os escalões seguintes, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 11/96, de 18 de abril:

- Freguesias com mais de 20 000 eleitores – 25%;

- Freguesias com mais de 10 000 e menos de 20 000 eleitores – 22%;

- Freguesias com mais de 5 000 e menos de 10 000 eleitores – 19%;

- Freguesias com menos de 5 000 eleitores – 16%.

 

Os eleitos locais em regime de tempo inteiro (e de meio tempo) têm direito a dois subsídios extraordinários anuais, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º e do artigo 14.º do EEL, aplicável aos eleitos das freguesias por remissão do artigo 11 º da lei n º 11/96.

 

Se o presidente de junta (ou vogal em regime de tempo inteiro) acumular o exercício do seu cargo com outras funções, continuará a exercê-las em regime de tempo inteiro (permanência), mas essa acumulação poderá ter efeitos remuneratórios na sua remuneração base, prescritos no artigo 7.º do EEL.

O artigo 7.º do EEL respeita apenas aos efeitos remuneratórios da acumulação de outras funções públicas ou privadas pelos eleitos locais em regime de tempo inteiro.

De facto, a acumulação de atividades pelos eleitos em regime de meio tempo consta do artigo 8.º do EEL, não havendo quaisquer efeitos remuneratórios para quem acumular atividades estando neste regime nem, obviamente, para quem exercer funções de autarca em regime de não permanência.

Assim, se um eleito a tempo inteiro acumular as suas funções de autarca com atividades privadas não remuneradas, continua a receber a sua remuneração a 100%.

 

É a seguinte a atual redação das alíneas a) e b) do n º 1 do artigo 7 º do EEL, com a redação da lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro:

 

 “Artigo 7.º

1 – [...]

  1. a) Aqueles que exerçam exclusivamente funções autárquicas, ou em acumulação com o desempenho não remunerado de funções privadas, recebem a totalidade das remunerações previstas no artigo anterior;
  2. b) Aqueles que exerçam funções remuneradas de natureza privada percebem 50% do valor de base da remuneração, sem prejuízo da totalidade das regalias sociais a que tenham direito;

…..”.

 

Com esta redação dada pela Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, ao artigo 7.º, diferenciam-se agora os efeitos remuneratórios resultantes da acumulação das funções de eleito local a tempo inteiro com outras funções privadas ou públicas.

Assim, com esta nova redação a acumulação com outras atividades privadas não remuneradas não tem efeitos remuneratórios, enquanto que a acumulação com atividades privadas remuneradas reduz em 50% a remuneração dos autarcas.

 

Haverá, assim, que determinar, para efeitos de aplicação da citada norma duas questões de facto:

  • Poderá ser considerada uma atividade profissional o exercício do cargo de Presidente do Conselho Fiscal de uma Caixa de Crédito Agrícola Mútuo?
  • As senhas de presença, com previsão de um teto fixo mensal de auferimento máximo, durante doze meses, poderão ser equiparadas a remuneração?

 

O parecer da PGR n º 77/2002 – compl. , publicado no Diário da República , II série, de 1 de julho de 2004,  considera que a expressão atividade ( função ) privada constante da alínea b) do n º 1 do artigo 7 º do EEL , tem conotação profissional, equivalendo a « forma de ganho de vida», tendo, em princípio, como contrapartida, qualquer compensação económica».

Ora, os órgãos sociais – administração e fiscalização - da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, de acordo com o seu regime jurídico, aprovado pelo decreto-lei n º 24/91, de 11/01, alterado pela última vez pelo Decreto-Lei n º 142/2009, de 16/06, são estruturados segundo as modalidades previstas para as sociedades anónimas no Código das Sociedades Comerciais (CSC), com as devidas adaptações.

Por sua vez, este CSC, dado o alargamento dos deveres e competências do Conselho Fiscal, atribuiu, através da alteração dada pelo Decreto-Lei n º 76-A/2006, expressamente aos membros do Conselho Fiscal o direito a uma remuneração, a fixar pela assembleia geral ou comissão de remunerações, tendo em conta a dimensão da sociedade, as funções desempenhadas e a situação económica da sociedade (artigos 399 º, n º 1, e 422 º-A, n º 2).

Ou seja, dado o alargamento de competências destes conselhos fiscais, maxime em determinado tipo de sociedades anónimas de certa dimensão, permitiu-se a «funcionalização» dos membros do Conselho Fiscal, sendo a sua atividade considerada uma atividade profissional, e por essa via remunerada.

Ora, não só o regime jurídico da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo remete para essas normas do CSC, como referimos, como tal é expressamente consagrado no n º 2 do seu artigo 24 º (« O exercício efetivo dos cargos dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização pode ser remunerado, de acordo com o que seja definido pela assembleia geral.»).

Ora, no caso presente ao ter sido determinada expressamente uma remuneração aos membros do Conselho Fiscal da Caixa de Crédito Agrícola de Águeda (propõe-se ao Presidente do Conselho Fiscal desta Caixa Agrícola uma remuneração através de pagamento de um valor fixo, por reunião a que estejam presentes – senha de presença, sendo o valor máximo mensal o indicado (875 €, 12 meses), significa que se considera que há o desempenho de uma atividade profissional que, como tal, deve ser remunerada.

Refira-se, ainda, que o Código do IRS considera como rendimentos de trabalho dependente as remunerações dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas de entidades equiparadas, com exceção dos que neles participem como revisores oficiais de contas.

 

Conclusão:

  • Não há incompatibilidade na acumulação do Cargo de Presidente de Junta de Freguesia em regime de permanência (tempo inteiro) com o cargo de Presidente do Conselho Fiscal de uma Caixa de Crédito Agrícola Mútuo;

 

  • No entanto, aqueles que exerçam funções remuneradas de natureza privada percebem 50% do valor de base da remuneração, sem prejuízo da totalidade das regalias sociais a que tenham direito, nos termos da alínea a), do n º 1 do artigo 7 º do EEL;

 

  • Um presidente do Conselho Fiscal uma Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, com as competências que tem que exercer, exerce um atividade profissional, sendo por esse facto remunerado, de acordo com o n º 2 do seu artigo 24 º da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo;
  • Nestes termos, o Presidente de Junta de Freguesia em regime de permanência, tempo inteiro, deve passar a perceber 50 % valor de base da remuneração, e as despesas de representação por inteiro (dado que estas não estão incluídas na remuneração base);
  • O presidente de Junta deve comunicar as atividades que vai acumular ao Tribunal Constitucional e à assembleia de freguesia, na primeira sessão previamente à entrada em funções nas atividades não autárquicas (n º 2 do artigo 3 º do EEL, por remissão do artigo 11 º da lei n º 11/96);
  • Deve ser também comunicada à DGAL a acumulação em causa e os seus efeitos remuneratórios, especialmente se a remuneração do Presidente de Junta provem do orçamento de Estado;

 

Maria José L. Castanheira Neves

  

(Diretora de Serviços de Apoio Jurídico e à Administração Local)

 

[1] J. J. Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993,  pag 948.

 

 

By |2023-10-23T10:15:24+00:0011/07/2016|Legal Opinions up to 2017|Comments Off on Senhas de presença; Remuneração; Presidente do Conselho Fiscal; Exercício de funções em regime de tempo inteiro.

Emprego público. Necessidade de inscrição em Ordem Profissional.


Tendo presente o conteúdo do fax do Presidente da Câmara Municipal de ..., ref. 94/2015, e informação a ele anexa, recebido a 17 de Dezembro corrente, cumpre informar, a respeito de quanto nele é solicitado, que a avaliação da necessidade de inscrição em Ordem profissional de técnico superior camarário por via do exercício de funções na edilidade1, depende do conteúdo das funções para as quais se encontra contratado ou efectivamente exerce ou seja, dos elementos constantes das várias alíneas do n.º 2 do artigo 29.º da LTFP2, que caracterizam o posto de trabalho por ele ocupado no mapa de pessoal da câmara municipal, em especial da atribuição, competência ou atividade que o seu ocupante se destina a cumprir ou a executar, da área de formação académica ou profissional de que o seu ocupante deva ser titular e do perfil de competências transversais da respetiva carreira ou categoria, (…) e complementado com as competências associadas à especificidade do posto de trabalho3.
A este respeito cabe referir que a LTFP prevê que o exercício de funções públicas pode ser condicionado à titularidade de (…) título profissional, nos termos definidos nas normas reguladoras das carreiras4.
Portanto, e em primeira linha, é perante as concretas funções desempenhadas pelo técnico superior na edilidade, enquanto trabalhador em funções públicas contratado para ocupar um determinado posto de trabalho no mapa de pessoal ao qual correspondem determinadas atribuições, competências ou actividades, que se pode fazer a aferição da necessidade de inscrição, ou não, na ordem profissional do respectivo mester.
Por outro lado, certo é que o novo regime jurídico de criação organização e funcionamento das associações públicas profissionais5, parece querer ir além da regulação do exercício de profissões em regime (de actividade) liberal6 e cometer às ordens e câmaras profissionais a regulação do acesso e do exercício da profissão7 bem como a concessão, em exclusivo, dos títulos profissionais das profissões que representam8, quer a respectiva actividade seja desenvolvida em regime de profissão liberal, quer seja prestada como trabalhador por contra de outrem, no sector privado ou público, ou como sócio de sociedade de profissionais ou outra, podendo mesmo ser estendida a todos os profissionais a obrigatoriedade de inscrição na respectiva ordem desde que a lei (ou seja, os estatutos de cada ordem profissional) assim o venha a determinar9.
Será portanto face à atribuição, competência ou atividade que o (…) ocupante de determinado lugar do mapa de pessoal de uma autarquia local se destina a cumprir ou a executar e do que se dispõe nos Estatutos de cada ordem profissional e das regras e exigências neles estabelecidas quanto à inscrição dos profissionais da arte que melhor se poderá aferir da indispensabilidade de inscrição na respectiva ordem de todos, ou apenas certos profissionais, bem como das situações profissionais em tal haja de ocorrer, designadamente para efeitos de se considerar a inscrição nessa agremiação como condição indispensável para o exercício legítimo da respectiva profissão ou actividade – considerando especialmente, como é o caso, a circunstância desse exercício profissional se efectuar no âmbito da administração pública autárquica, em regime de trabalho dependente – pois que a necessidade de inscrição poderá ser dependente do concreto exercício de (apenas) determinadas funções ou actividades e não generalizada por via do “título” concedido por regra “social” ou de “cortesia” a determinado agente que possua certas habilitações académicas.
Relativamente às Ordens Profissionais indicadas na informação anexa ao fax supra referido, encontram-se nos respectivos Estatutos as seguintes disposições:
a) ADVOGADOS
Estatuto da Ordem dos Advogados10
Artigo 66.º
Exercício da advocacia em território nacional
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 205.º, só os advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem, em todo o território nacional, praticar atos próprios da advocacia, nos termos definidos na Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto.
Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto - Actos próprios dos advogados e dos solicitadores
Artigo 1.º
Actos próprios dos advogados e dos solicitadores
1 - Apenas os licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados e os solicitadores inscritos na Câmara dos Solicitadores podem praticar os actos próprios dos advogados e dos solicitadores.
(…)
5 - Sem prejuízo do disposto nas leis de processo, são actos próprios dos advogados e dos solicitadores:
a) O exercício do mandato forense;
b) A consulta jurídica.
6 - São ainda actos próprios dos advogados e dos solicitadores os seguintes:
a) A elaboração de contratos e a prática dos actos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto de conservatórias e cartórios notariais;
b) A negociação tendente à cobrança de créditos;
c) O exercício do mandato no âmbito de reclamação ou impugnação de actos administrativos ou tributários.
7 - Consideram-se actos próprios dos advogados e dos solicitadores os actos que, nos termos dos números anteriores, forem exercidos no interesse de terceiros e no âmbito de actividade profissional, sem prejuízo das competências próprias atribuídas às demais profissões ou actividades cujo acesso ou exercício é regulado por lei.
(…)
9 - São também actos próprios dos advogados todos aqueles que resultem do exercício do direito dos cidadãos a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
Contudo o n.º 8 deste mesmo artigo 1º dispõe que para os efeitos do disposto no número anterior [n.º 7], não se consideram praticados no interesse de terceiros os actos praticados pelos representantes legais, empregados, funcionários ou agentes de pessoas singulares ou colectivas, públicas ou privadas, nessa qualidade, salvo se, no caso da cobrança de dívidas, esta constituir o objecto ou actividade principal destas pessoas – exclusão esta que parece assim abranger os juristas dessa câmara.
A isto acresce o facto de, sendo incompatíveis com o exercício da advocacia (…)11 [as] funções [de] trabalhador com vínculo de emprego público ou contratado de quaisquer serviços ou entidades que possuam natureza pública ou prossigam finalidades de interesse público, de natureza central, regional ou local12, estes trabalhadores (quer o sejam em regime de contrato de trabalho em funções públicas quer em regime de comissão de serviço13), não poderem ser inscritos na Ordem dos Advogados em razão de se encontrarem numa situação de incompatibilidade14.
Assim, porque na caracterização das atribuições, competências ou atividades dos postos de trabalho ocupados pelos técnicos superiores licenciados em Direito, feita no mapa de pessoal da câmara municipal, se presume não caber a prática de actos próprios dos advogados, conforme definidos na lei, os trabalhadores que os ocupem não carecem, assim, de se encontrar inscritos na Ordem dos Advogados. De referir, contudo, que nos casos previstos na n.º 3 do artigo 82.º dos Estatutos da AO15, o exercício de advocacia nele previsto implica, naturalmente, a inscrição como advogado.
b) ARQUITECTOS, ENGENHEIROS E ENGENHEIROS TÉCNICOS
1. ARQUITECTOS
Estatuto da Ordem dos Arquitectos16
Artigo 44.º
Exercício da profissão
1 — Independentemente do modo de exercício da profissão, ou das atividades exercidas, e sem prejuízo do disposto no artigo 7.º, só os arquitetos inscritos na Ordem podem, no território nacional, praticar os atos próprios da profissão.
2 — São atos próprios dos arquitetos a elaboração ou apreciação dos estudos, projetos e planos de arquitetura, bem como os demais atos previstos em legislação especial.
2. ENGENHEIROS
Estatuto da Ordem dos Engenheiros17
Artigo 6.º
Inscrição
(..) a atribuição do título, o seu uso e o exercício da profissão de engenheiro dependem de inscrição como membro efetivo da Ordem, seja de forma liberal ou por conta de outrem, e independentemente do setor público, privado, cooperativo ou social em que a atividade seja exercida.
Artigo 7.º
Título de engenheiro e exercício da profissão
(…)
2 — São atos próprios dos que exercem a atividade de engenharia os constantes da Lei n.º 31/2009, de 3 de julho, e de outras leis que especialmente os consagrem.
(…)
5 — Os trabalhadores dos serviços e organismos da administração direta e indireta do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais e das demais pessoas coletivas públicas, que pratiquem, no exercício das suas funções, atos próprios da profissão de engenheiro, e realizem ações de verificação, aprovação, auditoria ou fiscalização sobre atos anteriores, devem estar validamente inscritos como membros efetivos da Ordem.
3. ENGENHEIROS TÉCNICOS
Estatuto da Ordem dos Engenheiros Técnicos18
Artigo 6.º
Inscrição
(..) a atribuição do título de engenheiro técnico, o seu uso e o exercício da profissão de engenheiro técnico em território nacional, seja de forma liberal ou por conta de outrem, e independentemente do setor, público, privado, cooperativo ou social, em que a atividade seja exercida, dependem de inscrição como membro efetivo da Ordem.
Artigo 7.º
Título de engenheiro e exercício da profissão
(…)
3 — São atos próprios dos que exerçam a atividade de engenheiro técnico os constantes da Lei n.º 31/2009, de 3 de julho, alterada pela Lei n.º 40/2015, de 1 de julho, e de outras leis e regulamentos que especialmente os consagrem.
(…)
4 — Os trabalhadores dos serviços e organismos da administração direta e indireta do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais e das demais pessoas coletivas públicas, que pratiquem, no exercício das suas funções, atos próprios da profissão de engenheiro técnico, e realizem ações de verificação, aprovação, auditoria ou fiscalização sobre atos anteriores, devem estar validamente inscritos como membros efetivos da Ordem.
De referir que, como aliás já o fazem alguns dos estatutos antes referidos, a Lei n.º 31/2009, de 3 de Julho19, diploma que estabelece as qualificações profissionais exigíveis aos técnicos responsáveis por actividades de elaboração e subscrição de projetos, coordenação de projetos, direção de obra pública ou particular, condução da execução dos trabalhos das diferentes especialidades nas obras de classe 6 ou superior, direção de fiscalização de obras públicas ou particulares para a qual esteja prevista a subscrição de termo de responsabilidade, sempre que estejam em causa operações de loteamento, obras de urbanização, trabalhos de remodelação de solos para fins urbanísticos ou paisagísticos, obras de demolição e a todas as obras de edificação bem como obras públicas definidas no Código dos Contratos Públicos considera que aquelas actividades constituem atos próprios dos técnicos titulares das qualificações nela previstas20, técnicos esses aos quais aquele dispositivo legal se aplica ainda que (…) exerçam as suas funções integrados ou no âmbito da atuação de quaisquer empresas ou entidades21.
Idêntico objectivo é prosseguido pelo Decreto-Lei n.º 292/95, de 14 de Novembro22, no que toca a planos de urbanização, planos de pormenor e projectos de operações urbanísticas.
Entende-se assim que no caso dos profissionais ora aqui em causa desenvolverem, no âmbito da autarquia, qualquer actividade das que são consideradas como “actos próprios” da respectiva profissão, deverão, para o efeito, encontrar-se inscritos na respectiva ordem.
c) ECONOMISTAS
Estatuto da Ordem dos Economistas23
Artigo 4.º
Títulos profissionais e designação de sociedade de economista
1 — A inscrição na Ordem dos que exercem profissão na área das ciências económicas é facultativa.
2 — Aos profissionais da área das ciências económicas inscritos na Ordem, como seus membros efetivos, é conferido o título profissional de economista, que lhes é reservado.
No que toca aos habilitados com grau académico na área das ciências económicas – pois que o Estatutos consideram como estando inseridas na área da ciência económica os cursos superiores cuja área principal corresponda, na classificação nacional de áreas de educação e formação, às áreas de economia, de ciências empresariais e de gestão e administração e cujas áreas secundárias, a existirem, se situam nas áreas de (…) finanças, banca e seguros, (…) contabilidade e fiscalidade, (…) marketing e publicidade e (…) matemática e estatística – a inscrição na respectiva Ordem é facultativa, pelo que um técnico superior de câmara municipal licenciado em Economia não carece de se encontrar inscrito na Ordem para desenvolver trabalho no âmbito da edilidade, em áreas das ciências económicas.
d) MÉDICOS VETERINÁRIOS
Estatuto da Ordem dos Médicos Veterinários24
Artigo 59.º
Exercício da profissão
1 — Sem prejuízo do disposto nos artigos 61.º e 62.º, só os médicos veterinários com inscrição em vigor na Ordem podem exercer, no território nacional, a profissão de médico veterinário.
2 — O exercício da profissão de médico veterinário em infração ao disposto no número anterior constitui crime de usurpação de funções, punido nos termos do disposto na alínea b) do artigo 358.º do Código Penal.
Artigo 60.º
Modos de exercício da profissão
A profissão de médico veterinário pode ser exercida:
(...)
c) Como trabalhador em funções públicas, independentemente da natureza do seu vínculo;
(…)
À luz das transcritas normas do Estatuto da Ordem dos Médicos Veterinários, estes carecem de se encontrar validamente inscritos na sua Ordem para poderem desenvolver a sua actividade enquanto tais, mesmo que, por via de contrato de trabalho em funções púbicas, tenham a qualidade de técnico superior camarário.
e) PSICÓLOGOS
Estatuto da Ordem dos Psicólogos25
Artigo 5.º
Profissões abrangidas
1 — A Ordem abrange os profissionais de psicologia que, em conformidade com o presente Estatuto e as disposições legais aplicáveis, exercem a profissão de psicólogo.
2 — Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 63.º, estão obrigados a inscrição todos os que exercem a profissão de psicólogo, seja de forma liberal ou por conta de outrem, e independentemente do setor, público, privado, cooperativo e social, em que exerçam a atividade.
(…)
À luz destas normas os Psicólogos carecem de se encontrar validamente inscritos na sua Ordem para desenvolver a sua actividade enquanto tais, mesmo que, por via de contrato de trabalho em funções púbicas, tenham a qualidade de técnico superior camarário.
f) CONTABILISTAS
Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados26
Artigo 9.º
Título profissional e exercício da profissão
1 — Designam -se por contabilistas certificados os profissionais inscritos na Ordem, nos termos do presente Estatuto, sendo -lhes atribuído, em exclusividade, o uso desse título profissional, bem como o exercício da respetiva profissão.
Artigo 10.º
Atividade profissional
1 — A inscrição na Ordem permite o exercício, em exclusivo, das seguintes atividades:
a) Planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades, públicas ou privadas, que possuam ou que devam possuir contabilidade organizada segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis ou o sistema de normalização contabilística, conforme o caso, respeitando as normas legais, os princípios contabilísticos vigentes e as orientações das entidades com competências em matéria de normalização contabilística;
b) Assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades referidas na alínea anterior;
c) Assinar, conjuntamente com o representante legal das entidades referidas na alínea a), as respetivas demonstrações financeiras e declarações fiscais, fazendo prova da sua qualidade, nos termos e condições definidos pela Ordem, sem prejuízo da competência e das responsabilidades cometidas pela lei comercial e fiscal aos respetivos órgãos.
(…)
3 — Entende -se por regularidade técnica, para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1, a execução da contabilidade nos termos das disposições previstas nos normativos aplicáveis, tendo por suporte os documentos e as informações fornecidos pelo órgão de gestão ou pelo empresário, e as decisões do profissional no âmbito contabilístico, com vista à obtenção de uma imagem fiel e verdadeira da realidade patrimonial da empresa, bem como o envio para as entidades públicas competentes, nos termos legalmente definidos, da informação contabilística e fiscal definida na legislação em vigor.
Artigo 11.º
Modos de exercício da atividade
1 — Os contabilistas certificados podem exercer a sua atividade:
(…)
c) No âmbito de uma relação jurídica de emprego público, como trabalhadores que exercem funções públicas, desde que exerçam a profissão de contabilista certificado na administração direta e indireta do Estado ou na administração regional ou local;
(…)
Relativamente aos agora denominados Contabilistas Certificados, convirá ter presente a doutrina contida em Nota Explicativa da DGAL27, emitida ainda na vigência da designação de Técnico Oficial de Contas, onde se refere:
Não obstante a referência ao preconizado nos estatutos da OTOC, onde se encontra definido que “ as entidades que possuam ou devam possuir contabilidade organizada, segundo planos oficialmente aplicáveis ou sistema de normalização contabilística, conforme o caso, são obrigadas a dispor de técnico oficial de contas”, deverá ser feito o devido enquadramento, uma vez que, estando em causa uma autarquia local (freguesias e municípios) deverá atentar-se às competências específicas atribuídas a estas entidades por via da legislação que regula as suas atribuições e competências. A inferir-se outro entendimento que não este, presumir-se-ia que seria, então, uma obrigação inerente também a municípios. O referido documento preconiza ainda que se enquadra ainda nas funções do TOC “Planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades que possuam, ou que devam possuir, contabilidade regularmente organizada segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis ou o sistema de normalização contabilística, conforme o caso, respeitando as normas legais, os princípios contabilísticos vigentes e as orientações das entidades com competências em matéria de normalização contabilística”, e “Assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades referidas (…)”. Desta última aferíamos ainda que contraria, de certo modo, as competências que a Lei n.º75/2013 atribui aos órgãos autárquicos.
Face ao exposto, atendendo ao que se encontra expressamente disposto na legislação que regula a atividade autárquica, que exige que as entidades referidas no n.º1 do artigo 76.º do RFALEI, enquadradas no regime completo, tenham as contas certificadas por um Revisor Oficial de Contas, entende-se que o procedimento a manter nesta matéria será atribuir ao órgão executivo a responsabilidade na elaboração e aprovação dos documentos de prestação de contas, podendo, ou não, as mesmas serem elaboradas por um TOC, devendo submete-los posteriormente à apreciação do órgão deliberativo, nos prazos legalmente previstos.


Ricardo da Veiga Ferrão
(Jurista. Técnico Superior)


1. Não se considera assim a necessidade de inscrição em ordem profissional por via do exercício de outras actividades profissionais, maxime, de actividade privada em regime de acumulação.

2. A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) foi aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho.

3. Artigo 29.º, n.º 2, als. a), c) e d), da LTFP.

4. Artigo 18.º, n.º 1, da LTFP.

5. Lei n.º 2/2013, de 10 de Janeiro.

6. Artigo 21.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2008, de 13 de Fevereiro - Regime das Associações Públicas Profissionais.

7. Artigo 5.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 2/2013.

8. Artigo 5.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 2/2013.

9. Artigo 24.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 2/2013.
É o fenómeno a que CARLOS FILIPE FERNANDES DE ANDRADE COSTA (Ordens Profissionais: Associações de Empresas? (O caso particular da Ordem dos Advogados)), in e-pública – Revista Eletrónica de Direito Público, n.º 4, Março 2015, acessível em http://www.e-publica.pt/ordens-profissionais.html) alude quando refere: (…) sociedades de profissionais liberais (rectius sociedades de profissões reguladas, na medida em que a “moda” da colegialidade motivou o aparecimento de corporações profissionais relativas a atividades em que a larga maioria dos trabalhadores as desempenha por conta de outrem) [pág. 7], denominando esse fenómeno de «deriva neocorporativista pós-25 de Abril», parafraseando VITAL MOREIRA [pág. 7, nota 19].

10. Aprovados pela Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro.

11. Deve entender-se aqui que o exercício da advocacia a que a norma aqui se refere é o efectuado em regime de actividade liberal.

12. Artigo 82.º, n.º 1, al. i), dos Estatutos da OA.

13. Artigo 6.º, n.ºs 1 e 3 da LTFP.

14. Artigo 188.º, n.º 1, al. d), dos Estatutos da OA.

15. Diz essa norma:
É permitido o exercício da advocacia às pessoas indicadas nas alíneas i) e j) do n.º 1 [do artigo 82.º], quando esta seja prestada em regime de subordinação e em exclusividade, ao serviço de quaisquer das entidades previstas nas referidas alíneas, sem prejuízo do disposto no artigo 86.º

16. Na redacção conferida pela Lei n.º 113/2015, de 28 de Agosto.

17. Na redacção conferida pela Lei n.º 123/2015, de 2 de Setembro.

18. Na redacção conferida pela Lei n.º 157/2015, de 17 de Setembro.

19. Alterado pela Lei n.º 40/2015, de 1 de Junho.

20. Artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 3/2009.

21. Artigo 1.º, n.º 4, da Lei n.º 3/2009.

22. Alterado pela Lei n.º 31/2009, de 3 de Julho.

23. Na redacção conferida pela Lei n.º 101/2015, de 20 de Agosto.

24. Na redacção conferida pela Lei n.º 125/2015, de 3 de Setembro.

25. Na redacção conferida pela Lei n.º 138/2015, de 7 de Setembro.

26. Na redacção conferida pela Lei n.º 139/2015, de 7 de Setembro, que transformou a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas em Ordem dos Contabilistas Certificados.

27. Consultável no Portal Autárquico AQUI.

 

 

 

By |2023-10-23T11:01:09+00:0028/01/2016|Legal Opinions up to 2017|Comments Off on Emprego público. Necessidade de inscrição em Ordem Profissional.

Boletim de freguesia. Apoio financeiro. Publicidade. Legalidade.


O Presidente da Junta de Freguesia de ..., dirigiu a esta CCDRC, por ofício de 07/12/2015, ref. A 846/2015, enviado em anexo a mail de 7/12/2015, 14:32, o seguinte pedido:
A Freguesia de ... edita trimestralmente um Boletim Informativo onde relata as principais atividades desenvolvidas e durante o referido espaço de tempo.
Esse instrumento é distribuído pelos diversos locais públicos e privados do espaço da Freguesia e sem custos para os leitores.
Para suportar a sua execução e edição, o executivo formalizou algumas parcerias com habituais fornecedores, que nos pagam uma quantia simbólica (50.00€ / trimestre) para verem afixado, na última página do referido boletim o seu logotipo.
Questionamos Vas Exas, se tal prática, à luz da nossa legislação pode ou não ser concretizada.

RESPONDENDO
Do modo como é apresentada – diz o ofício: para suportar a sua execução e edição, o executivo formalizou algumas parcerias com habituais fornecedores, que nos pagam uma quantia simbólica (50.00€ / trimestre) para verem afixado, na última página do referido boletim o seu logotipo [sublinhados nosso] - a questão em apreço carece de ser abordada de diversos prismas.
O primeiro deles é o que resulta, desde logo, da possibilidade de este procedimento poder ser considerado como “venda de publicidade” ou mais precisamente como “venda de espaço em suporte publicitário”1. E, sobre este aspecto, há que dizer, desde já, que o Código da Publicidade2 dispõe que não podem constituir suporte publicitário as publicações periódicas informativas editadas pelos órgãos das autarquias locais, salvo se o anunciante for uma empresa municipal de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos.
Assim, não pode haver lugar à inserção de publicidade3 no Boletim Informativo da Freguesia – situação que não se pode considerar, no caso, como completamente afastada perante a afirmação de que a junta de freguesia, para suportar a execução e edição, do Boletim Informativo, formalizou algumas parcerias com habituais fornecedores, que pagam uma quantia ainda que simbólica (50.00€/trimestre) para verem afixado o seu logotipo na última página do boletim.
Pode contudo entender-se que, na situação ora em causa, se estará perante um apoio mecenático, materializado através de contribuições financeiras de natureza altruística ou desinteressado ou seja, de entregas em dinheiro ou em espécie, concedidos, sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial, às entidades públicas ou privadas, …, cuja actividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, desportiva ou educacional (artigo 61.º do EBF4).
Contudo, para que assim seja, é necessário que sejam observadas algumas condições referidas na Circular 2/2004, de 20 de Janeiro, da DSIRC5. Nela se diz o seguinte:
…estão abrangidos pelo Estatuto do Mecenato os donativos, ou seja, as prestações de carácter gratuito em que impera o espírito de liberalidade do doador.
À realização de donativos aparece, todavia, frequentemente associada a atribuição ao doador de determinadas regalias em espécie, como sejam a atribuição de convites ou bilhetes de ingresso para eventos, a disponibilização das instalações do beneficiário ao doador ou a associação do nome do doador a certa obra ou iniciativa promovida pelo donatário.
A questão que se coloca é a de saber em que medida as mesmas constituem contrapartidas de carácter comercial, inviabilizadoras do enquadramento do custo no âmbito do Estatuto do Mecenato. Ora, nestas situações, poderemos ainda estar no domínio dos negócios gratuitos à luz das regras do direito privado comum. De facto, para o efeito de recusar à prestação a natureza de gratuitidade não basta que a regalia que lhe esteja associada seja desejada pelo doador, é necessário averiguar se aquela regalia foi desejada como correspectivo patrimonial do donativo de tal modo que se possa dizer ferido o espírito de liberalidade do doador.
É neste quadro que importa interpretar o disposto no nº 2 do artº 1º do Dec-Lei nº 74/99, buscando a ratio do preceito. Assim, não deverão ser excluídas do âmbito do Estatuto do Mecenato situações que nele devam manifestamente ser incluídas, por serem insignificantes as contrapartidas recebidas pelo doador e, quando esteja em causa a associação do respectivo nome a um evento promovido pelo beneficiário, por subsistir o espírito de liberalidade do doador.
Ora, a este respeito, diz-se na referida circular:
Nos casos em que a regalia se traduza numa associação pública do nome do doador a determinada iniciativa, deve atender-se também ao modo como essa associação se produz, admitindo-se que aos donativos concedidos no âmbito da legislação do mecenato esteja associada a regalia da divulgação do nome do mecenas, desde que a mesma não apresente "natureza comercial" mas meramente institucional.
Critérios de distinção
Assim, poder-se-ão estabelecer as seguintes linhas de orientação:
a) Se a regalia consistir na associação do nome do doador a certa iniciativa, tendo como fito a busca de uma imagem pessoal ou institucional de responsabilidade cívica, que o identifique junto do público em geral, porque o espírito de liberalidade do doador é preponderante, estar-se-á perante donativos enquadráveis no Estatuto do Mecenato;
Para efeitos da concretização da orientação estabelecida nesta alínea deverão ter-se em atenção os Seguintes critérios:
i) Na associação do nome do doador a determinadas iniciativas ou eventos promovidos pelo beneficiário não deverá ser feita qualquer referência a marcas, produtos ou serviços do mecenas, permitindo-se, apenas, a referência ao respectivo nome ou designação social e logotipo;
ii) A divulgação do nome ou designação social do mecenas deve fazer-se de modo idêntico e uniforme em relação a todos os mecenas, não podendo a mesma variar em função do valor do donativo concedido;
iii) A identificação pública do mecenas não deve revestir a natureza de mensagem publicitária, devendo, pois, efectuar-se de forma discreta, num plano secundário relativamente ao evento ou obra aos quais aparece associada, em suportes destinados a divulgar ou enquadrar a própria iniciativa - se existentes - de acordo com os usos aceites neste domínio e sempre com alusão à qualidade de mecenas.
b) Se, em vez disso, a regalia consistir na associação a certa iniciativa dos produtos comercializados pelo doador, ou mesmo do seu nome mas tendo como fito a sua promoção junto dos respectivos consumidores, o que se considera verificado quando não seja observado algum dos critérios estabelecidos para efeitos da alínea a), porque o espírito de liberalidade do doador é secundarizado, estar-se-á perante um patrocínio, não contemplado no Estatuto do Mecenato.


Temos portanto que, no caso em análise, ou as referidas ajudas ou contribuições podem ser enquadradas nos critérios apontados e, assim, consideradas como donativos mecenáticos, à luz do que anteriormente ficou dito - o que permite considerar que a inclusão da referência aos mecenas não se considera publicidade paga - ou, caso assim não seja, estar-se-á perante um patrocínio comercial - o que é considerado como publicidade paga e, por tal vedado às autarquias locais, pela Lei da Publicidade, no que toca a publicações periódicas informativas editadas pelos seus órgãos.
Por fim, apenas uma breve e sucinta alusão à necessidade de separação e independência que deve existir entre as qualidades de mecenas e a de habitual fornecedor, que, naturalmente, estes também podem ser, para que não possa ser posta em causa a transparência, legalidade, imparcialidade e igualdade que deve estar sempre presente nestas relações.


Ricardo da Veiga Ferrão
(Jurista. Técnico Superior)


1. O Código da Publicidade define suporte publicitário como o veículo utilizado para a transmissão da mensagem publicitária (artigo 5.º, n.º 1, al. c)).

2. O Código da Publicidade foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro, posteriormente alterado pelos Decreto-Lei n.º 74/93, de 10 de Março, Decreto-Lei n.º 6/95, de 17 de Janeiro, Decreto-Lei n.º 61/97, de 25 de Março, Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, Decreto-Lei n.º 275/98, de 09 de Setembro, Decreto-Lei n.º 51/2001, de 15 de Fevereiro, Decreto-Lei n.º 332/2001, de 24 de Dezembro, Lei n.º 32/2003, de 22 de Agosto, Decreto-Lei n.º 224/2004, de 04 de Dezembro, Lei n.º 37/2007, de 14 de Agosto, Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, Lei n.º 8/2011, de 11 de Abril, e Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de Abril

3. O Código da Publicidade define esta, para efeitos do que nele se dispõe, como qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de: a) Promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços; b) Promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições (artigo 3.º, n.º 1).

4. Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, com posteriores alterações.

5. Consultável em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/28B8B5C4-76E8-4411-83F8-C55C2CAB7D4D/0/circular_2-2004_de_20_de_janeiro_da_dsirc.pdf

 

 

 

 

By |2023-10-23T11:06:20+00:0030/12/2015|Legal Opinions up to 2017|Comments Off on Boletim de freguesia. Apoio financeiro. Publicidade. Legalidade.

LTFP; suspensão do contrato; direito a férias.


Tendo em atenção o exposto no ofício n.º ..., de ..., da Câmara Municipal de ..., sobre a matéria referenciada em epígrafe, cumpre tecer as seguintes considerações:

Reportando-nos ao solicitado, acerca do assunto referido em epígrafe, cumpre informar de que, compulsada a informação anexa ao pedido de parecer, se constata ter sido, a 2.ª questão controvertida, bem enquadrada e corretamente fundamentada, de facto e de direito, nada nos ocorrendo que possa contribuir para infirmar ou reforçar o entendimento ali perfilhado.

Na verdade, analisada cuidada e pormenorizadamente a informação referida, afigura-se-nos nada haver a acrescentar ao respetivo conteúdo que possa contribuir para um reforço da legalidade administrativa, quer quanto ao enquadramento jurídico-factual quer quanto ao procedimento adotado, pelo que é merecedora da nossa plena concordância,

No que à outra questão diz respeito, cumpre dizer que, tendo-se suscitado dúvidas quanto aos efeitos da suspensão do contrato, em matéria de férias e subsídio de férias, conforme o início e o termo da suspensão do contrato ocorressem no mesmo ano civil ou em anos civis diferentes, atenta a conhecida regra legal da aquisição do direito a férias em 1 de janeiro de cada ano, foi produzido, na sequência da Reunião de Coordenação Jurídica de 15 de maio de 2014, pela rede interministerial de trabalho colaborativo constituída entre a DGAL e a DGAEP, o entendimento que, pela sua pertinência e oportunidade, seguidamente se transcreve:
“Quando a suspensão do contrato de trabalho em funções públicas se inicia e termina no mesmo ano civil, não produz quaisquer efeitos no direito a férias do ano em curso ou do ano seguinte, como se vê do n.º 4 do artigo 171.º do RCTFP. Quando a suspensão se inicia em determinado ano e termina no ano civil seguinte, o trabalhador, no ano da cessação do impedimento prolongado, tem direito a férias nos termos do n.º 2 do artigo 179.º do diploma citado. No ano seguinte a este bem como no ano do início da suspensão esta não se repercute no direito a férias.
Na LTFP o regime é semelhante e consta das disposições conjugadas dos artigos 278.º, 129.º e 127.º” (destacámos).


O técnico superior

(José Manuel Martins Lima)

By |2023-10-23T11:07:25+00:0030/12/2015|Legal Opinions up to 2017|Comments Off on LTFP; suspensão do contrato; direito a férias.

Sino de igreja; licença especial de ruído.


Solicita o Presidente da Câmara Municipal de ..., por seu ofício de ..., referência n.º ..., a emissão de parecer sobre a seguinte questão:
Qual o enquadramento jurídico em matéria de poluição sonora de sinos de igrejas [acompanhados de uma melodia religiosa] e respetivos amplificadores sonoros, maxime da hipotética necessidade de estes terem licença especial de ruído, nos termos do art.º 30.º e do n.º 2 do art.º 32.º, ambos do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, que regula o regime jurídico do licenciamento e fiscalização de atividades pelas câmaras municipais.
No caso decidendum a factologia é o seguinte:
a) No cimo da torre da igreja encontram-se quatro amplificadores sonoros, que a cada 15 minutos emitem sinais horários que consistem numa melodia religiosa.
b) Tais emissões decorrem entre as 07h00 e as 22h00, cessando no período noturno;
c) Entende a GNR que não tendo a fábrica da igreja de ... requerido a correspondente licença especial de ruído para a emissão sonoro dos sinais horários supra aludidos, esta praticou facto subsumível em contraordenação, por força da conjugação do art.º 30.º e do n.º 2 do art.º 32.º e da al. i), do n.º 1, do art.º 47.º, todas do já supra aludido Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 30.º do Decreto-Lei 310/2002, de 18 de dezembro, na sua atual redação, "O funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projectem sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários2, só poderá ocorrer entre as 8 e as 22 horas e mediante a autorização referida no artigo 32.º", estabelecendo por sua vez o artigo 32.º do mesmo diploma que "1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a realização de festividades, de divertimentos públicos e de espectáculos ruidosos nas vias púbicas e demais lugares públicos nas proximidades de edifícios de habitação, escolares durante o horário de funcionamento, hospitalares ou similares, bem como estabelecimentos hoteleiros e meios complementares de alojamento só é permitida quando, cumulativamente:
a) Circunstâncias excepcionais o justifiquem;
b) Seja emitida, pelo presidente da câmara municipal, licença especial de ruído;
c) Respeite o disposto no n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, quando a licença é concedida por período superior a um mês.
2 - Não é permitido o funcionamento ou o exercício contínuo dos espectáculos ou actividades ruidosas nas vias púbicas e demais lugares púbicos na proximidade de edifícios hospitalares ou similares ou na de edifícios escolares durante o respectivo horário de funcionamento.
3 - Das licenças emitidas nos termos do presente capítulo deve constar a referência ao seu objecto, a fixação dos respectivos limites horários e as demais condições julgadas necessárias para preservar a tranquilidade das populações."
Ora, atenta a letra da lei, parece-nos que os sinais horários [mormente os produzidos pelos sinos de igrejas e respetivos amplificadores sonoros] estão sujeitos a licença especial de ruído.
No entanto tal não nos parece inteiramente líquido. Vejamos,
O exercício do direito constitucional à liberdade do culto religioso, garantido pelo n.º 4 do art.º 41.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP), não tem natureza de direito absoluto, antes tendo de sofrer as restrições necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também constitucionalmente garantidos, como expressamente dispõe o n.º 2, do art.º 18.º da CRP.
Com efeito, são também constitucionalmente garantidos o direito à habitação «(…) em condições de higiene e conforto que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar (…)», nos termos do n.º 1 do art.º 65.º da CRP e o direito «(...) a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado (...)», conforme dispõe o n.º 1, do art.º 66.º, da CRP.
Está, portanto, «afastada a possibilidade de o princípio da liberdade de culto servir de suporte para isentar a recorrente das obrigações ou deveres que são impostos à generalidade dos cidadãos, designadamente da observância das regras do ordenamento urbanístico e das que visam satisfazer interesses ambientais» - cfr. acórdão do STA de 31/10/2002, proferido no âmbito do Proc. n.º 01102/02.
Concludentemente, da necessária ponderação que aqui impera efetuar, atendendo aos bens jusconstitucionais em presença, resulta que, salvaguardando o direito e o dever que assiste no quadro da liberdade religiosa às igrejas e demais comunidades religiosas de fidelidade à sua missão, onde o uso dos sinos assume um cariz especial de convocação e anúncio pastoral (os sinos assinalam o passar das horas, convocam à oração), não menos deve ser igualmente ressalvado o respeito pela qualidade do ambiente e vida das populações.
Nessa medida, e concretamente em matéria da sistematização da problemática dos sinos dos locais de culto enquanto hipotéticos instrumentos potenciadores de poluição sonora, cumpre ter presente, atendendo à factologia supra referida, o teor de dois diplomas legislativos: o Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, que regula o regulamento geral do ruído, e o supra citado Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro, que regula o regime jurídico do licenciamento e fiscalização de atividades pelas câmaras municipais, sendo que estes, como bem decorre do preambulo do primeiro, se encontram articulados.
O primeiro consubstancia o regime geral disciplinador da prevenção do ruído e o controlo da poluição sonora, assim, visando a salvaguarda da saúde humana e o bem-estar das populações, enquanto o segundo, maxime nos seus artigos 29.º a 34.º regula o licenciamento do exercício da atividade de realização de espetáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos, nomeadamente, o funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projetem sons para as vias e demais lugares públicos (incluindo sinais horários).
Numa primeira leitura - sobretudo atendendo ao facto de que in casu o sino se encontra interligado com quatro amplificadores sonoros - parece-nos que o caso recai diretamente no âmbito de aplicação dos supra citados artigos 29.º a 34.º e que, como tal, será exigível, nos termos dos artigos 30.º, n.º 2 e 32.º a solicitação prévia de licença especial de ruído.
Todavia, no quadro da ponderação supra mencionada dos bens jusconstitucionais ora em presença, cumpre ter igualmente presente que a lei de liberdade religiosa - Lei n.º 16/2001, de 22 de junho - determina que os locais de culto não devem ser alvo de constrangimentos administrativos - cfr. acórdão de 25/02/2011, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no âmbito do proc. n.º 00189/06.5BEMDL.
Assim, subsistem dúvidas relativamente ao enquadramento dos referidos sinais horários/melodia nos artigos 29.º a 34.º do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro, na sua atual redação, pois estes artigos, aliás como todo o capítulo, disciplinam o "Licenciamento do exercício da actividade de realização de espectáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos." [e como tal fazem depender de prévia licença] tão-somente divertimentos públicos de diversa natureza, organizados nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre, tais como, arraiais, romarias, bailes, provas desportivas e outros divertimentos públicos, pelo que, imputar aos sinais horários - mesmo quando a sonoridade destes se encontra mecanicamente amplificada idêntico enquadramento poderá consubstanciar um constrangimento administrativo, dado que, o sino, com os toques dos sinais horários/melodias, surge intimamente interligado com o relógio da torre da igreja, acabando por ter a função social [cuja génese apresenta uma dimensão religiosa] de enunciar diariamente as horas, atividade intemporal, estranha e independente de quaisquer festividades.
É nosso entendimento, como acima melhor explanado, que deverá ser emitida uma licença especial de ruído [que foi, aliás, já requerida pela entidade responsável pela Igreja] ao abrigo das normas supra referidas, no entanto subsistindo dúvidas, solicitamos a V Exa a emissão de parecer jurídico quanto à questão colocada.

APRECIANDO
1. DO PEDIDO
A questão que se coloca no presente pedido é a de (se) saber se o funcionamento de (quatro) amplificadores sonoros (que se presume serem aquilo que tecnicamente é designado por altifalantes de corneta) colocados na torre sineira de uma igreja (que se presume ser a de ...) e que entre as 07h00 e as 22h00 emitem, a cada quarto de hora, sinais horários que consistem numa melodia religiosa, carece de ser autorizado por licença especial de ruído1 camarária, por, no caso, se estar perante o funcionamento de emissor[es], amplificador[es] e outro[s] aparelho[s] sonoro[s] que projecte[m] sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários , na falta de cuja referida licença se estará perante facto infraccional de natureza contraordenacional, sancionado com coima3 (entendimento em que se louva a estrita legalidade cartesiana da GNR) – ou seja, incluir e tratar esta situação (de toque [horário] de sinos, ainda que de forma electrónica e amplificada e já não no ancestral modo mecânico de percussão) no âmbito do licenciamento do exercício da actividade de realização de espectáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos, como, implicitamente, pretende e resulta da actuação da GNR – ou se esta questão deve ser vista e apreciada noutro âmbito, qual seja, o do princípio da liberdade religiosa, constitucionalmente consagrado, regulado na Lei da Liberdade Religiosa e detalhado na Concordata de 2004, celebrada entre a Santa Sé e a República Portuguesa.

2. ANÁLISE
2.1. UMA BREVE NOTA HISTÓRICO-POLÍTICO-SOCIAL DOS (TOQUES DOS) SINOS
Para que melhor se possa situar e analisar a questão colocada convirá, antes, fazer um breve excurso sobre a história dos sinos ao longo dos tempos na civilização ocidental e, mais precisamente no nosso país, vista à luz do prisma não só religioso como temporal e social.
2.1.1. Pode dizer-se que a produção de sons através da percussão dos objectos é tão velha quanto o homem, sons esse que serviam para as mais diversas finalidade mas que tinham sempre um objectivo central: comunicar com os demais. Assim, desde sempre, a percussão de troncos, pedaços de madeira (escavada para produzir diferentes sons) e, com os advir da idade dos metais, de (pedaços de) metal, tambores e outros objectos percutíveis, serviu para transmitir mensagens através da produção de sons típicos (identificados) com as mais diversas finalidades, quase sempre comunitárias: anunciar a guerra e a paz, dar a conhecer a outras comunidades acontecimentos felizes ou infelizes, chamar ou pedir auxílio, pedir chuva ou afastar tempestades, esconjurar o mal e o demónio, invocar os deuses ou chamar à oração.
As campainhas e os sinos, (também eles) instrumentos de percussão e idiofones, assumiram, em todas as civilizações e desde tempos imemoriais, um lugar central na vida social, quer como modo de comunicação entre os homens quer em rituais sagrados como forma de ligação e invocação do divino4.
A Igreja Católica cedo acolheu as campainhas e sinos quer na sua prática religiosa5, quer na vivência dos clérigos e monges e no chamamento à oração da comunidade cristã.
Porém os sinos, para além da matriz religiosa e de chamamento à oração e invocação do divino6, foram assumindo uma eminente função social7, tanto nas cidades e burgos como nas aldeias e nos campos, seja como modo de informação da comunidade sobre certos acontecimentos sociais (que, aliás, eram igualmente religiosos, como batizados, casamentos e decessos), seja como meio de chamamento da comunidade a actividades seculares, como convocar comunidade a reunir-se ou tocar a rebate em caso de incêndio ou calamidade, seja, ainda, como meio de informação comunitário sobre o decurso do tempo, através do toque das horas.
Ora terão sido as necessidades da vida religiosa que impulsionaram, na Idade Média, a invenção do relógio mecânico, já que os processos de medição do tempo através de relógios de sol, relógios de água ou clepsidras e de areia ou ampulhetas eram limitados e erráticos para quem se regia diariamente por sete tempos de oração8.
Inventado no final do século X, diz-se pelo Beneditino Gerbert d'Aurillac, depois Papa Silvestre II, os relógios mecânicos (a mais importante invenção europeia em plena Idade Média), ainda que apenas dotados de um único ponteiro a indicar (imprecisamente) as (doze) horas, saíram dos mosteiros e começaram a ser também instalados nas torres das igrejas, passando as servir não apenas as comunidades religiosas como as populações9.
O século XV foi acentuando a importância do tempo público, marcado primeiro a partir de relógios de torre de mosteiros, com mecanismos que accionavam os sinos, passando a pouco e pouco a estar instalados nas torres municipais10. Situação que originava, não poucas vezes, conflitos entre os poderes religioso e secular11.
2.1.2. Pode pois ter-se por assente que os sinos têm uma ancestral ligação com o homem que remonta a muitos milénios atrás e teve origem em distantes civilizações, de onde foi irradiando para outros locais e outras gentes. Essa ligação foi importada também para o ocidente e introduzida na sua cultura e civilização, tendo-se divulgado e ritualizado com o catolicismo, que fez dos sinos um dos seus símbolos12. A partir do momento em que a religião católica (e também, as suas dissidências: ortodoxos e protestantes [anglicanos, luteranos, presbiterianos, etc.]), fizeram do sino um elemento central da prática religiosa, ele e o seus toques passaram a assumir um papel fundamental nas diversas comunidades, congregadas à volta da torre da sua igreja, capela ou templo, quer em matéria estritamente religiosa quer, de modo muito sensível e sentido, como elemento congregador e informador dessa comunidade, através dos códigos sob a forma de símbolos sonoros com que informavam a comunidade dos principais factos que nela ocorriam. E um desses factos era precisamente o decurso do tempo, marcado por determinados toques, tocados pelo sineiro ou sacristão, e mais tarde, quando as torres sineiras passaram a ter um relógio que marcava as horas, por badaladas accionadas mecanicamente por mecanismos de relojoaria – porque o tempo, ou seja a vida, e o conhecimento do seu decurso (isto é, a sua medição) foi sempre um momento central da vivência humana desde que o homem dele tomou consciência, passando a medi-lo com gnómones e relógios de sol até chegar ao generalizado e, por isso, agora banal, relógio dos dias de hoje que pode já não ser o objecto mecânico ou electrónico, cheio de mistério, dedicado à medição do tempo mas constituir apenas umas das (múltiplas) funções do computador, tablet ou telemóvel.
E se a torre foi sempre um elemento transversal na história da arquitetura humana, a torre do sino ou campanário e, mais tarde, a torre do relógio, constituíam o elemento central e mais visível da povoação, onde todos, para além de buscar o aconchego espiritual, podiam “ver as horas” no mostrador do relógio ou ouvir as badaladas do sino que “batiam” as horas que este “marcava”. Era o tempo em que (ainda) havia tempo mas (ainda) não havia relógios (de bolso e, menos ainda, de pulso).
2.1.3. Porém, o (não) toque dos sinos foi, em certas épocas e pelas mais diversas razões, sociais, religiosas, mas também políticas, uma questão central e candente do quotidiano e da vida das comunidades. Portugal não foi excepção.
Para além da intrínseca ligação à Igreja, aos seus rituais e ritmos da religião católica e, mesmo da própria vida, e não obstante a sua óbvia utilidade pública, designadamente no que tangia às informações que veiculava para as populações das comunidades, certo é que o toque dos sinos já causava incómodo em tempos idos, quando se estava bem longe não só de (se) pensar em ambiente ou em poluição sonora como nos moldes actuais, mas também da necessidade de medir e conter o ruído em limites aceitáveis e previamente definidos, para assim se garantir a saúde e bem-estar das populações13.
Com a implantação da República14 e a separação da Igreja do Estado ditada pela Lei da Separação de 20 de Abril de 191115, esta passa a determinar que os toques dos sinos serão regulados pela autoridade administrativa municipal de acordo com os usos e costumes de cada localidade, contanto que não causem incómodo aos habitantes, e se restrinjam, quando muito, aos casos previstos no decreto de 6 de Agosto de 1833. De noite, os toques de sinos só podem ser autorizados para fins civis e em casos de perigo comum, como incêndios e outros. Interrompia-se assim o controlo dos sinos e da sua simbologia sonora (e do poder que isso significava) pela Igreja Católica e passava-se tal controlo para o poder secular. Ressalvado era ainda que o seu toque não causasse incómodo aos habitantes – mesmo que esse “incómodo” pudesse ser menos por razões sonoras do que por razões (anti)religiosas e de acérrimo republicanismo.
Esta proibição dos toques tradicionais dos sinos de acordo com as regras da Igreja Católica era corolário das fortes restrições – ou, mais precisamente, da perseguição16 – que a República moveu à Igreja e suas instituições, limitando a prática religiosa e proibindo cerimónias, procissões e outras manifestações exteriores de culto17.
A partir de então os sinos emudeceram e viram drasticamente contida a sua função de chamamento às obrigações religiosas, designadamente em termos de intensidade e tempo de toque.
Anos transcorridos abrir-se-ia nova crise política (e religiosa) ainda por causa (do toque) dos sinos em razão de uma Portaria – a designada Portaria dos Sinos18 – que partindo da consideração de que o toque dos sinos constituía um acto de culto público19, e que por essa razão podia ser realizado, independentemente de autorização ou participação, a qualquer hora, determinava que não se ponham embaraços ao toque de sinos a qualquer hora, … competindo à autoridade administrativa regular-lhe a duração em condições que não inutilizem o fim a que visa20.
Certo é que não obstante estas vicissitudes “sineiras” era e continuou a ser entendimento que o toque dos sinos convocando ou anunciando cerimónias, procissões ou quaisquer manifestações de culto religiosas, como acto litúrgico que era, fazia intrínseca parte da prática religiosa, pelo que se deveria considerar abrangido pela liberdade de culto21.

2.2. O TOQUE DOS SINOS À LUZ DO QUADRO JURÍDICO-LEGAL VIGENTE
O entendimento de que o toque dos sinos constitui um acto litúrgico intrinsecamente ligado à prática religiosa e, por isso, abrangido pela liberdade de culto, não foi tratado pela lei da Lei da Liberdade Religiosa22 nem abordado na Concorda da 200423 - o que há-de significar que a sua natureza e o entendimento sobre ela se mantém como o que tem sempre sido até então e agora.
2.2.1. CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA, LEI DA LIBERDADE RELIGIOSA E CONCORDATA DE 2004
De entre os direitos, liberdades e garantias considerados como direitos fundamentais, a Constituição da República Portuguesa consagra a inviolabilidade da liberdade de consciência de religião e de culto (artigo 41.º, n.º 1, CRP) como um deles. Tendo uma matriz primordialmente individual (pessoal), este direito é também, em algumas das suas vertentes, um direito usufruível colectivamente (ou por pessoas colectivas) - ou seja tem também a natureza de direito colectivo. E, nessa dimensão, a Constituição dispõe que as igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto27 (artigo 41.º, n.º 4, CRP) ou seja, pode dizer-se, como o faz MANUEL BRAGA DA CRUZ, que o Estado tem, em relação à religião, uma autonomia própria. O Estado não é competente em matéria religiosa e o inverso também é válido: as religiões também não são competentes em matéria politica24.
… [O]s direitos colectivos de liberdade religiosa, cujos titulares são as igrejas e outras confissões religiosas (e ainda as pessoas colectivas por elas criadas) incluem o direito à auto-organização (…) e o direito à autodeterminação (…) e o direito à organização do culto e à assistência religiosa dos crentes (templos e locais de culto, recrutamento e formação dos ministros, organização de cerimónia religiosas)25.
A Lei da Liberdade Religiosa consagrando a liberdade de culto26, estabelece, por um lado, o princípio da separação entre o Estado e as igrejas, por via do qual estas são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto , ao mesmo tempo que determina a não confessionalidade do Estado, em via do que este não se pronuncia sobre questões religiosas28.
A esta liberdade a lei concede uma verdadeira força jurídica vinculativa que leva a que, sobre ela, apenas sejam admitidas as restrições necessárias para salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos29.
Na parte reservada aos direitos colectivos de liberdade religiosa a Lei da Liberdade Religiosa garante, de modo expresso, às igrejas - que caracteriza como comunidades sociais organizadas e duradouras em que os crentes podem realizar todos os fins religiosos que lhes são propostos pela respectiva confissão30 e, portanto, garante também à Igreja Católica, a liberdade no exercício das suas funções e do culto, podendo, nomeadamente, sem interferência do Estado ou de terceiros … exercer os actos de culto, privado ou público, sem prejuízo das exigências de polícia e trânsito31.
Pode pois dizer-se que à luz da Lei da Liberdade Religiosa e à partida nenhuma limitação se coloca à prática religiosa e ao culto rectius, no caso, à prática religiosa e culto da Igreja Católica – nem, em circunstância alguma, estes dependem de prévia autorização ou licença administrativa.
Por seu lado, por via da Concordata de 2004, a República Portuguesa reconhece à Igreja Católica o direito de exercer a sua missão apostólica e garante o exercício público e livre das suas actividades, nomeadamente as de culto, magistério e ministério, bem como a jurisdição em matéria eclesiástica32 ao mesmo tempo que é reconhecida à Igreja Católica, aos seus fiéis e às pessoas jurídicas que se constituam nos termos do direito canónico a liberdade religiosa, nomeadamente nos domínios da consciência, culto, reunião, associação, expressão pública, ensino e acção caritativa33.
Limitação (ou seja, compressão, mas nunca ablação) a estas liberdades apenas as que resultem da Constituição – designadamente da necessidade de tutela de e compatibilização com outros direitos fundamentais – ou que sejam expressamente previstas na lei ou resultem de exigências de polícia administrativa, quando para tutela de bens ou valores de idêntica natureza e valia.
2.2.2. AS NORMAS LEGAIS INVOCADAS
2.2.2.1. O DECRETO-LEI N.º 310/2002
A questão ora em apreço apresenta-se colocada no âmbito da disciplina estabelecida pelo Decreto Lei n.º 310//2002, e, mais concretamente, do que nele se dispõe na norma do n.º 2 do artigo 30.º, onde se afirma que o funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projetem sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários, só poderá ocorrer entre as 9 e as 22 horas e mediante a autorização referida no artigo 32.º (sublinhado nosso).
Antes de sobre o problema se adiantarem outras razões, analise-se do objecto do diploma em questão e da inserção sistemática desta norma.
Em primeiro lugar o diploma em causa visa(va) regula[r] o regime jurídico de acesso, exercício e fiscalização de certas actividades34, algumas das quais de livre acesso35, outras carecendo para o seu exercício de licenciamento municipal36.
De entre as actividades que careciam de licenciamento municipal encontrava-se a de realização de espectáculos desportivos e de divertimentos públicos nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre, que era depois especialmente disciplinada no capítulo VII do mesmo diploma, epigrafado Licenciamento do exercício de actividades de realização de espectáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos capítulo esse no qual se encontra integrado o artigo 30.º ora em questão.
Ora terá que ser nesse quadro de realização de espectáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos que tem que ser lida e interpretada a norma do n.º 2 do artigo 30.º.
Dispunha o n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 310/2002, anteriormente à alteração introduzida pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro37, que os arraiais, romarias, bailes, provas desportivas e outros divertimentos públicos organizados nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre dependem de licenciamento da câmara municipal. Entretanto, o artigo 16.º, n.º 3, al. c), do RJAL, veio cometer às juntas de freguesia a competência para o licenciamento, entre outras, das actividades ruidosas de caráter temporário que respeitem a festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes deixando agora no âmbito municipal apenas o licenciamento de provas desportivas e de outros divertimentos públicos que não os atrás apontados.
Por seu lado, o artigo 30.º, epigrafado de espectáculos e actividades ruidosas, ao mesmo tempo que, no âmbito da matéria da sua epígrafe, veda a actuação de bandas de música, grupos filarmónicos, tunas e outros agrupamentos musicais … nas vias e demais lugares públicos dos aglomerados urbanos desde as 0 até às 9 horas (n.º 1), limita, ainda no mesmo âmbito, o funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projetem sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários, circunscrevendo-o ao período entre as 9 e as 22 horas e condicionando-o a autorização referida no artigo 32.º (n.º 2), ao que acresce o facto de o “funcionamento” das actividades ruidosas referidas neste último número só poder ser consentido, diz-se no n.º 3 do mesmo artigo, por ocasião de festas tradicionais, espetáculos ao ar livre ou em outros casos análogos devidamente justificados (al. a)) e desde que cumpridos os limites estabelecidos no n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, quando a licença é concedida por período superior a um mês (al. b))38. Ora pretender enquadrar o toque dos sinos no âmbito desta licença ou é dizer que estes apenas poderão tocar esporadicamente por ocasião de festas tradicionais, espetáculos ao ar livre ou em outros casos análogos devidamente justificados e que, no demais tempo, deverão permanecer silenciosos ou então é usar esta norma opara abranger situações que não recaem na sua previsão e no seu âmbito de aplicação.
2.2.2.1. O REGULAMENTO GERAL DO RUÍDO
Por outro lado, também não se afigura que a licença especial de ruído de que trata o artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído seja aplicável no caso pois que esta é/pode ser concedida quando esteja em causa unicamente uma «actividade ruidosa temporária», ou seja, a actividade que, não constituindo um acto isolado, tenha carácter não permanente e que produza ruído nocivo ou incomodativo para quem habite ou permaneça em locais onde se fazem sentir os efeitos dessa fonte de ruído tais como obras de construção civil, competições desportivas, espectáculos, festas ou outros divertimentos, feiras e mercados, pois que o toque dos sinos (nas suas diversas funções, litúrgicas, laicas ou comunitárias) além da sua ancestralidade e de sua continuidade ou permanência, não se enquadra também em qualquer das situações apontadas, pois que não ocorre apenas e por ocasião de qualquer delas.
Para além disso, e em termos comparativos, há que notar que o exercício de uma actividade ruidosa temporária promovida pelo município, não carece de qualquer licenciamento ainda que também fique sujeita aos valores limites fixados no n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruido (artigo 15.º, n.º 7, al. a), do Regulamento Geral do Ruido).

2.3. Ora não se afigura que a prática religiosa e de culto da Igreja Católica, prática e culto esses onde o toque dos sinos assume um profundo e relevante significado litúrgico, possa ser considerada como um divertimento público e, menos ainda, como um espectáculo de natureza desportiva. E menos ainda que se encontre sujeita a licenciamento administrativo ou a qualquer prática autorizatória das entidades administrativas.
Como antes já se referiu, a Lei da Liberdade Religiosa garante às igrejas e demais comunidades religiosas a liberdade no exercício das suas funções e do culto, podendo, nomeadamente, sem interferência do Estado ou de terceiros … exercer os actos de culto, privado ou público, sem prejuízo das exigências de polícia e trânsito. Por seu lado, como também se disse, pela Concordata de 2004 a República Portuguesa reconhece à Igreja Católica o direito de exercer a sua missão apostólica e garante o exercício público e livre das suas actividades, nomeadamente as de culto e reconhece à Igreja Católica, aos seus fiéis e às pessoas jurídicas que se constituam nos termos do direito canónico a liberdade religiosa, nomeadamente nos domínios da consciência, culto, reunião, associação, expressão pública.
A este respeito diz-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25 de Fevereiro de 201139:
A lei de liberdade religiosa – Lei nº 16/2001 de 22/6 – não contém qualquer norma a prever o prévio licenciamento ou autorização para o exercício de culto (…). Bem pelo contrário, no que respeita aos locais de culto, dá indicação de que não deve haver constrangimentos administrativos. A alínea b) do artigo 23º preceitua que «as igrejas de demais comunidades religiosas são livres no exercício das suas funções e do culto, podendo, nomeadamente, sem interferências do Estado ou de terceiros, estabelecer lugares de culto ou de reunião para fins religiosos» (…).
Isto não significa que a liberdade de culto prevista no nº 1 do artigo 41º da CRP não possa ser limitada em função de outras direitos fundamentais, tal como a saúde e o ambiente. Com qualquer outro direito fundamental, a lei pode estabelecer as restrições necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também constitucionalmente garantidos, como expressamente se prevê no nº 2 do artigo 18º da CRP. Como se diz no acórdão do STA de 23/10/2002 (proc. nº 01102/02, in www. dgsi.pt) «está afastada a possibilidade de o princípio da liberdade de culto servir de suporte para isentar a recorrente das obrigações ou deveres que são impostos à generalidade dos cidadãos, designadamente da observância das regras do ordenamento urbanístico e das que visam satisfazer interesses ambientais». Só que não há norma que, para controlo das condições de segurança e de saúde, exija que os locais de culto sejam previamente autorizados.
Temo assim por óbvio e evidente que a prática e ritual litúrgico da Igreja Católica, do qual faz parte integrante o ancestral toque dos sinos nas torres sineiras suas catedrais, basílicas, igrejas, capelas, mosteiros, cenóbios e todos os demais lugares de culto, em razão desse mesmo culto, não está sujeita a qualquer licenciamento administrativo, porque a tal se opõe o princípio da liberdade religiosa que se assume como direito liberdade e garantia com a natureza de direito fundamental, consagrado na Constituição, densificado na Lei da Liberdade Religiosa e garantido à Igreja Católica pela Concordata de 2004.
O mesmo deve ser entendido quanto ao toque das horas. Em boa verdade, se as horas que os sinos começaram a “dar” eram as horas litúrgicas, horas de oração, primeiro para dentro do mosteiro e depois também para a comunidade circundante, como uma função eminentemente congregadora e de ligação telúrica40, essa horas acabaram por ir servindo igualmente para regular um tempo paulatinamente transmudado em tempo civil, na medida que as horas do livro deixaram de ter uma função eminentemente litúrgica e foram passando a regular o quotidiano do trabalho e da vida. E, por isso, também não se vê que o toque das horas, regulado pelo “relógio da torre” e “vistas” no seu mostrador, careça de ser licenciado, não apenas pelas suas origens e função - que ainda hoje se mantêm – como também pela sua prática secular, eminentemente social em benefício da comunidade. Razões estas a que acresce uma outra, de identidade de tratamento, pois caso (o relógio e) o sino esteja(m) numa torre municipal, marcando um tempo laico ou civil, não carecerá de licenciamento, em função da isenção que nesta matéria gozam os municípios.
É evidente que como se disse há pouco, em cima, isto não significa que a liberdade de culto prevista no nº 1 do artigo 41º da CRP não possa ser limitada em função de outras direitos fundamentais, tal como a saúde e o ambiente. Como [com] qualquer outro direito fundamental, a lei pode estabelecer as restrições necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também constitucionalmente garantidos. E é por isso que já desde a Concordata de 1940 o Estado assegurava à Igreja Católica o livre exercício de todos os actos de culto, privado ou público, sem prejuízo das exigências de polícia e de trânsito.
Ora, é pois no âmbito dessa polícia administrativa41 que em caso de ruído provocado pelas actividade de culto religioso, o presidente da câmara municipal dispõe de poderes de fiscalização e poderes cautelares que evitam a ocorrência de danos à saúde e sossego dos moradores, designadamente o poder de suspender ou encerrar preventivamente a actividade ou o local de culto42. Mas, se até esse limite vigora o princípio da liberdade religiosa, a sua compressão por razões ambientais e de “ruído” no caso do toque dos sinos, deve também ter presente e atender à função social dos mesmos. Na verdade, se bem que hoje exista um sistema de protecção civil, com cobertura nacional, que providencia meios de auxílio em caso de catástrofe ou acidente, convém lembrar que em algumas comunidades o sino poderá ser (ainda) um elemento essencial e congregador da protecção civil, tocando a rebate em caso de desastre – pelo que o seu toque audível é condição da emergência do socorro.
A questão “pós-moderna” que agora se coloca com a utilização de aparelhagens sonoras amplificadoras para, eletronicamente, reproduzir o som e toques dos sinos, não retira a questão do ponto onde foi analisada (salvo, eventualmente, o eventual mau gosto dos som dos toques): Na verdade, a utilização de aparelhagens para reproduzir o som dos sinos nos toques litúrgicos deixa a questão no ponto onde tem que ser colocada: a da liberdade religiosa, designadamente da liberdade de práticas religiosas. Isto sem prejuízo dos já referidos poderes de polícia administrativa que cabem às autarquias locais dirigidos ao controlo dos excessos e abusos (de som), de modo a que não sejam postos em causa direitos, designadamente direitos fundamentais de terceiros, e acautelando as questões em matéria de ruído.


CONCLUINDO
a) A prática e ritual litúrgico da Igreja Católica, do qual faz parte integrante o ancestral toque dos sinos nas torres sineiras suas catedrais, basílicas, igrejas, capelas, mosteiros, cenóbios e todos os demais lugares de culto, em razão desse mesmo culto, não está sujeita a qualquer licenciamento administrativo, porque a tal se opõe o princípio da liberdade religiosa que se assume como direito liberdade e garantia com a natureza de direito fundamental, consagrado na Constituição, densificado na Lei da Liberdade Religiosa e garantido à Igreja Católica pela Concordata de 2004.
b) O mesmo deve ser entendido quanto ao toque das horas nos sinos das torres das igrejas.
c) Isto não significa que a liberdade de culto prevista no nº 1 do artigo 41º da CRP não possa ser limitada em função de outras direitos fundamentais, tal como a saúde e o ambiente. Como [com] qualquer outro direito fundamental, a lei pode estabelecer as restrições necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também constitucionalmente garantidos.
d) No âmbito dos poderes de polícia administrativa, em caso de ruído provocado pelas actividades de culto religioso, o presidente da câmara municipal dispõe de poderes de fiscalização e poderes cautelares que evitam a ocorrência de danos à saúde e sossego dos moradores, designadamente o poder de suspender ou encerrar preventivamente a actividade ou o local de culto.
e) A utilização de aparelhagens para reproduzir o som dos sinos nos toques litúrgicos deixa a questão no ponto onde tem que ser colocada: a da liberdade religiosa, designadamente da liberdade de práticas religiosas, sem prejuízo dos já referidos poderes de polícia administrativa que cabem às autarquias locais dirigidos ao controlo dos excessos e abusos (de som), de modo a que não sejam postos em causa direitos, designadamente direitos fundamentais de terceiros, e acautelando as questões em matéria de ruído.

Salvo semper meliori judicio

 

 Ricardo da Veiga Ferrão

(Jurista. Técnico Superior)

 

1. Licença essa que, ainda que não exactamente a mesma, pode ser assimilada à licença especial de ruído prevista no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro.

2. Artigo 30.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro.

3. Infracção prevista e punida pela al. i) do n.º 1 do artigo 47.º do Decreto-Lei n.º 310/2002.

4. Os sinos e as campainhas acompanham o homem desde tempos imemoriais, assumindo várias e distintas funções, mas sempre tendo estado presentes nos momentos mais importantes da sua vida. De facto, para além de se destinarem a produzir determinados sons, com determinados usos e funções, trata-se de instrumentos de todo indissociáveis dos ciclos vitais dos homens, não raro assumindo funções rituais e usos mágicos.
Os sinos integram o conjunto dos chamados idiofones percutidos (porventura os de mais antigas e primitivas origens) na medida em que os sons são obtidos graças à acção de um batimento sobre o corpo vibrante com um objecto estranho ao mesmo.
Com o advento do Cristianismo, aliou-se à sua função primordial de reunião e de comunicação um carácter intrinsecamente sagrado, tornando-se autênticos porta-vozes de uma linguagem universal cuja vigência se manteve até ao presente (Joaquín Diaz). O que implicou, naturalmente, a criação de todo um processo de significados e de significantes de modo a operar a respectiva sacralização. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos na Terra de Miranda, ed. do Centro de Musica Tradicional Sons da Terra, 2005, pag. 5. Desta obra há 2.ª edição, Editora Âncora, 2012.

5. O uso dos sinos nas práticas do culto cristão pode filiar-se numa continuidade de utilização de instrumentos musicais, como os cornos de carneiro e as trompetas de prata que são citadas no Antigo Testamento para o anúncio de um festim, ou as campainhas de ouro que são mencionados no livro do Êxodo (28; 31-35). Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 10. Porém, importa ter bem presente o facto de os sinos não terem sido inicialmente aceites como símbolos do Cristianismo, sobretudo devido ao facto de, quer na Grécia quer em Roma, estarem profundamente associados a rituais pagãos e a práticas seculares. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 6.

6. Aos sinos foi atribuída pela Igreja Católica uma relevante carga simbólica …, sobretudo numa altura em que era de todo imperativo congregar as comunidades em torno das respectivas igrejas e templos, bem como manter permanentemente informadas as pessoas sobre os seus deveres e obrigações religiosas (sobretudo no que se refere aos tempos/momentos dedicados à oração). Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 6.

7. Com o decurso dos tempos, este simbolismo cristão foi diminuindo, mantendo-se, porém, a sua importância como um sinal da comunidade (Schafer, 1997:89):
O sinal sonoro mais significativo da comunidade cristã é o sino da igreja. Num sentido bem verdadeiro, ele define a comunidade, pois a paróquia é um espaço acústico circunscrito pela sua abrangência.
O sino é um som centrípeto; atrai e une a comunidade num sentido social, do mesmo modo que une homem e Deus. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 7.
…na literatura abund[a]m as referências ao … uso e funções dos tipos de toques de sinos, sinetas e campainhas, integrando as “paisagens sonoras" das comunidades… Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 34.
São muitos e variados os toques de sinos, com distintas funções e diferentes significados…
O sino pode soar, dobrar, repicar, tocar, bater, voltear... Eram tantos os toques diferentes que quase em cada momento o podíamos designar de forma distinta. Havia três momentos do dia que eram recordados através do som dos bronzes: o amanhecer, toque que recebia o nome de Ave-Maria, ao meio-dia, que correspondia ao Ângelus, e o anoitecer quando o sino tocava para a oração. Juntamente com estes três toques fixos quotidianos soavam toques para recordar os actos litúrgicos, como as missas, os terços, as procissões, os casamentos, os funerais e os toques de defuntos, E misturados com eles, convocatórias para acontecimentos civis ou religiosos como o podiam ser o toque para a reunião do conselho, irmandade ou confraria, os toques para a vezeira, a fogo ou inclusivamente contra o enevoado que ameaçava as colheitas.
Quando o tempo não tinha o valor que hoje lhe é atribuído, quando esse tempo era só marcado pelo nascer e pôr-do-sol, pelas nove badaladas do toque de Trindades, caídas das torres das igrejas das aldeias ou das capelinhas dispersas pelos outeiros, ao meio-dia ou aos crepúsculos do seu começo e findar, quando os trabalhos eram marcados pelas festas do ano ou pelos dias dos Santos de maior devoção, quando não era ainda considerada a velocidade do tempo, a vida, nos meio s rurais, era bastante diferente. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pags. 39-40.
… três momentos muito importantes na vida das comunidades, com os sinos a desempenharem um papel relevante de aviso: o toque da manhã era também designado de toque das Avé Marias; o toque do meio-dia correspondia ao Angelus; e o toque do fim da tarde, que recomendava um tempo consagrado à oração, era designado o toque das Trindades…
O toque das Trindades era religiosamente respeitado pelas gentes das comunidades rurais: cessava o trabalho e todos recolhiam a suas casas… Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 41.

8. Cfr. FERNANDO CORREIA DE OLIVEIRA, História do Tempo em Portugal – Elementos para uma história do tempo, da relojoaria e das mentalidades em Portugal, edição do autor, 2003, pag. 30.
A prática das orações comunitárias diárias adveio ao cristianismo da prática judaica de récita de orações em horas fixas do dia, prática essa que passou para os Apóstolos e depois se generalizou e padronizou com a expansão da vida monástica na Europa. S. Bento de Núrsia estabeleceu sete horas canónicas: Matinas, Prima, Terça. Sexta, Noa, Vésperas e Completa, ainda que os momentos de oração (horas) pudessem chegar a ser oito diurnos e três ou quatro nocturnos.

9. Cfr. FERNANDO CORREIA DE OLIVEIRA, História do Tempo… cit., pag. 31. Relata este autor que de 1377 há notícia de ter sido instalado na Sé de Lisboa um “relógio de torre, batendo sinos”.

10. FERNANDO CORREIA DE OLIVEIRA, História do Tempo… cit., pag. 31.

11. Caso de um desses conflitos foi a disputa, nos tempo de D. João I, entre o Bispo do Porto e a Câmara dessa cidade, sobre o pagamento da manutenção de um relógio e toque do sino a ele adstrito, que estando na Porta do Olival, marcando assim um tempo leigo e municipal, passou para uma torre da Sé, marcando agora um tempo clerical acima desse tempo laico. Cfr. FERNANDO CORREIA DE OLIVEIRA, História do Tempo… cit., pag. 33.

12. A chegada dos sinos à Europa registou-se através de Bizâncio e a primeira notícia da sua utilização refere-se a Nola, cidade situada na província de Campania, na Itália.
De facto, a instalação de sinos nos templos cristãos tem vindo a ser atribuída a S. Paulino (353-431), bispo de Nola, que justamente no ano da sua morte assinou uma disposição nesse mesmo sentido, depois de ter mandado instalar um conjunto de vários sinos, designados tintinabula, feitos a partir de folhas de cobre e de estanho, com diferentes dimensões e com a função de comunicar aos fiéis o distinto conteúdo das ecclesiae.
A partir do século V, os sinos surgem referenciados nos mais diversos textos, sendo o mais antigo que se conhece sobre os seus vários usos litúrgicos da autoria do Bispo de Tours, S. Gregório (576-595), sendo então considerada primordial a função de chamamento por eles desempenhada.
… a colocação de sinos nos templos cristãos foi decisivamente incrementada graças à acção nesse sentido desenvolvida pelo Papa Sabiniano que, por bula datada de 604, referenciada por Polidoro Virgílio (na sua obra De inventionibus rerum) chegou mesmo a instituir o toque de sinos nas horas canónicas (Díaz, 1997:19). Nesta bula decretava-se expressamente que os sinos dos mosteiros … deviam ser tangidos sete oito vezes ao dia, ficando tais momentos a ser conhecidos como sendo as horas canónicas … .
Terá sido a partir do século XIII que se passou a colocar os sinos no alto de torres instaladas nas igrejas com esse fim (e designadas de campanários). De facto, embora o uso dos sinos nos templos cristão tenha sido sancionado pelo Papa Sabiniano nos inícios do século VII (com a cerimónia ritual da respectiva bênção a ser instituída um pouco mais tarde), só por volta do século XI é que se começaram a construir torres sineiras. Num livro datado do século VIII, o Liber Pontificalis, refere-se expressamente o facto de o Papa Estêvão II (752-757) ter mandado erigir um campanário com três sinos na Basílica Velha de S. Pedro, em Roma, sendo nessa época as torres sineiras já consideradas como um elemento essencial dos templos consagrados ao culto católico.
Enquanto as igrejas só tiveram um sino de mediana grandeza, limitaram-se os fiéis a fazer no cume, por cima do coro, ume espécie de nicho de madeira onde colocavam o sino.
Mas apenas as igrejas possuíam sinos maiores, edificavam-lhes torres; colocou-se sobre a maior parte delas uma pirâmide terminada por um globo, em cima do qual se arvorou a cruz; sobre a cruz se pôs um galo, emblema popular que indica o uso dos sinos na Igreja. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 10 e segs.

13. Desse incómodo e do que ele já representava para as populações, é claro e expressivo exemplo o ofício dirigido pelo Secretário de Estado dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça ao Cardeal Patriarca de Lisboa, a 19 de Junho de 1837, com o seguinte teor:
Em.mo e Rev.mo Sr.
Constando a Sua Magestade a RAINHA que a despeito de reiteradas ordens, expedidas por este Ministerio, continúa a praticar-se um intolerável abuso no toque dos sinos, com grave incómmodo dos habitantes desta Capital: Quer Sua Magestade que V. Em.ª se sirva de remetter a esta Secretaria d’Estado as instrucções que sobre tal objecto lhe foram pedidas em Aviso de 28 d’Abril ultimo, a fim de poder-se definitivamente regular o toque dos mesmos sinos, e a duração deles. Quer outro sim Sua Magestade que V. Em.ª expeça desde já as ordens mais terminantes para que esses toques sejam promptamente reduzidos aos que annuciam a saudação angelica, aos que chamam os Fieis á Missa, e aos que dão signal de incendio: devendo V. Em.ª fazer saber ao Conego que serve de Thesoureiro Mór da Cathedral de Lisboa, e aos Parochos da Capital, que ficam responsáveis por qualquer abuso que se cometta neste negocio, e que em tal caso o Governo os fará inexoravelmente castigar pelos meios que tem á sua disposição.
Deus guarde a V. Em.ª
Este documento é consultável em http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/18/15/p354.
Também um edital de 18 de Fevereiro de 1892 do governador civil interino do distrito do Porto, Joaquim Traibner de Morais, … regulava [o toque dos sinos] …: só o bispo, o pároco ou os capelães têm o direito de mandar tocar os sinos das igrejas, capelas e ermidas para os ofícios, orações públicas e outros actos religiosos, mas estes toques não poderão durar mais de cinco minutos cada um, excepto para finados, pois nesse caso poderá haver três toques de cinco minutos cada um dom intervalo ao menos de um quarto de hora; era proibido qualquer toque de sinos antes do amanhecer e depois das 9 horas da noite desde a Páscoa até 31 de Outubro, e antes do amanhecer e depois das 8 horas da noite desde 1 de Novembro até à Páscoa, com excepção da noite de Natal. A 12 de Julho de 1892, um ofício do mesmo governador civil, permitia que o toque dos sinos não se limitasse ao número de três, mas que fossem os necessários. Cfr. RITA MARIA CRISTOVAM CIPRIANO ALMEIDA DE CARVALHO, A Concordata De Salazar, Portugal-Santa Sé 1940, Tese de Doutoramento, FCSH – UNL. 2009, pag. 12, nota 64, consultável em http://run.unl.pt/handle/10362/5685. Há edição em livro: RITA ALMEIDA DE CARVALHO, A Concordata de Salazar, Temas e Debates, 2013.

14. A Constituição de 1911 acompanhou, nestas matérias, o espirito revolucionário da época: laicista e anticatólico. Ainda que garantindo formalmente a liberdade de consciência e de crença e a igualdade política e civil de todos os cultros mantinha a legislação em vigor que extinguiu e dissolveu em Portugal a Companhia de Jesus, as sociedades nela filiadas e todas as congregações religiosas e ordens monásticas (artigo 3.º, n.º 12). Cfr. JORGE MIRANDA, Liberdade Religioso, Igrejas e Estado em Portugal, in Nação e Defesa, n.º 39, Julho-Setembro 1986, pag. 120-121.

15. Decreto com força de lei de 20 de abril, separando o Estado das igrejas, publicado no Diário do Governo n.º 91, de 21 de Abril de 1911.

16. Nesse sentido, JORGE MIRANDA, Estado, Liberdade Religiosa e Laicidade, in Gaudium Sciendi, n.º 4, Julho de 2013, pag. 31-32. O artigo, em formato de revista electrónica, pode ser acedido em http://tinyurl.com/h6jgb4k

17. Nesse sentido, vd. os artigos 43.º e seguintes da Lei da Separação, em especial os artigos 55.º a 57.º. Sobre as limitações impostas vd. também, RITA ALMEIDA DE CARVALHO, A Concordata … cit, pag. 11.

18. Portaria n.º 6259, de 26 de Junho, publicada no Diário do Governo, n.º 146, 1º suplemento, de 19 de Junho de 1929.

19. Nos termos do artigo 2.º do Decreto n.º 3856, de 22 de Fevereiro de 1918, publicado no Diário do Governo de 23 de Fevereiro do mesmo ano, o culto público de qualquer religião passava a poder exercer se a qualquer hora, sem dependência de licença da autoridade pública.

20. A este respeito dizem RITA ALMEIDA DE CARVALHO E ANTÓNIO DE ARAÚJO, A Voz dos Sinos: o «diário» de Mário de Figueiredo sobre a crise política de 1929, in ESTUDOS, Revista do Centro Académico de Democracia Cristã, Nova Série, n.º 5 - Coimbra 2005, pag. 460: A «portaria dos sinos» suscitou a oposição de alguns membros do Governo de Vicente de Freitas, os quais entendiam que ela revogava a Lei da Separação do Estado e das Igrejas, pelo que acabaria por ser anulada na reunião do Conselho de Ministros que teve lugar no dia 2 de Julho de 1929. Na sequência desta deliberação, Mário de Figueiredo demite-se e no dia 3 de Julho Oliveira Salazar, então Ministro das Finanças, pede a sua exoneração ao Presidente do Ministério.
Para o efeito, alegou que durante o período em que fora titular da pasta das Finanças nunca procurara «melhorar a situação legal dos católicos», porque a sua acção estava confinada aos problemas financeiros, mas, considerando que a portaria se limitava a interpretar disposições legais anteriores, «seria faltar a um compromisso tomado comigo, adoptar o Governo qualquer medida que violasse direitos já concedidos por leis ou governos anteriores aos católicos ou à Igreja em Portugal». Ora, a revogação da portaria fazia-o.

21. Nesse sentido, a propósito da preparação da Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 1940, vd. RITA ALMEIDA DE CARVALHO, A Concordata … cit, pag. 217.
O texto da Concordata de 1940, assinada na Cidade do Vaticano em 7 de Maio de 1940, aprovada por resolução da Assembleia Nacional promulgado pela Lei n.º 1984 (DG, I, n.º 125, de 30 de Maio de 1940), e ratificada pela Carta de Confirmação e Ratificação do Presidente da República de 1 de Junho de 1940, encontra-se publicado no Diário do Governo, I série, n.º 158, de 10 de Julho de 1940. A Concordata foi alterada pelo Protocolo Adicional celebrado a 15 de Fevereiro de 1975, aprovado para ratificação pelo Decreto n.º 187/75, de 4 de Abril, tendo sido substituída pela Concordata celebrada a 18 de Maio de 2004.

22. Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho, alterada pela Lei n.º 91/2009, de 31 de Agosto, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro e Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

23. A Concordata de 2004, assinada a 18 de Maio de 2004, foi aprovada para ratificação pela Resolução da AR n.º 74/2004 de 16 de Novembro e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 80/2004, de 16 de Novembro.

24. MANUEL BRAGA DA CRUZ, A liberdade religiosa – dos direitos individuais aos direitos sociais, in Revista Portuguesa de Ciência das Religiões, ano I, 2002, n.º 1, pag. 145.

25. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, 2007, pág. 611.

26. Diz o artigo 1.º da Lei da Liberdade Religiosa que a liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável e garantida a todos em conformidade com a Constituição, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o direito internacional aplicável e a presente lei.

27. Artigo 3.º da Lei da Liberdade Religiosa.

28. Artigo 4.º, n.º 1, da Lei da Liberdade Religiosa.

29. Artigo 6.º, n.º 1, da Lei da Liberdade Religiosa.

30. Artigo 20.º da Lei da Liberdade Religiosa.

31. Artigo 23.º, al. a), da Lei da Liberdade Religiosa. Não deixa de ser curioso que parte da redacção (e previsão legal) desta norma seja idêntica à do Artigo XVI da Concordata de 1940.

32. Artigo 2.º, n.º 1, da Concordata de 2004.

33. Artigo 2.º, n.º 4, da Concordata de 2004.

34. Artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 310/2002.

35. Era o caso da exploração de máquinas automáticas, mecânicas, elétricas e eletrónicas de diversão e da venda de bilhetes para espetáculos ou divertimentos públicos em agência ou postos de venda – artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 310/2002.

36. De entre as que careceriam de licenciamento municipal para poderem ser exercidas incluíam-se as actividades de guarda-nocturno, venda ambulante de lotarias, arrumador de automóveis, realização de acampamentos ocasionais, realização de espectáculos desportivos e de divertimentos públicos nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre, e realização de fogueiras e queimadas – artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 310/2002.

37. A Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, que aprovou, em anexo, o Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), ao mesmo tempo que dispunha, na alínea e), do n.º 1, do seu artigo 3.º, que é revogado … o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 156/2004, de 30 de junho, 9/2007, de 17 de janeiro, 114/2008, de 1 de julho, 48/2011, de 1 de abril, e 204/2012, de 29 de agosto, na parte em que refere as alíneas b), c) e f) do artigo 1.º do mesmo diploma, bem como as suas subsequentes disposições relativas à titularidade da competência para o licenciamento das atividades de venda ambulante de lotarias, de arrumador de automóveis e atividades ruidosas de caráter temporário que respeitem a festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes, passou a cometer (artigo 16.º, n.º 3, al. c), do RJAL) às juntas de freguesia a competência para o licenciamento de, entre outras, actividades ruidosas de caráter temporário que respeitem a festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes.

38. De acordo com o n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, a licença especial de ruído, quando emitida por um período superior a um mês, fica condicionada ao respeito nos receptores sensíveis do valor limite do indicador LAeq do ruído ambiente exterior de 60 dB(A) no período do entardecer e de 55 dB(A) no período nocturno.
Curiosa e problemática é a incongruência que passou a existir em matéria de licenciamento de actividades ruidosas (temporárias) face ao que hoje se dispõe na lei, quer por via das alterações introduzidas no Decreto-Lei n.º 310/2002 pela Lei n.º 75/2013 quer pelo que ora o RJAL dispõe, pois que passou a haver um conflito legal sobre a entidade competente para licenciar actividades ruidosas, designadamente quando esteja em causa ruído proveniente ou gerado por causa ou no contexto de festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes, pois que o licenciamento dessas “actividades ruidosas” (como se diz expressamente na lei) se encontra presentemente cometido às juntas de freguesia (artigo 16.º, n.º 3, al. c), do RJAL) mas a atribuição de licença especial de ruído (actividade ruidosa temporária) continua a caber ao município (artigo 15, n.º 1, do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro).
Existe, assim, uma evidente colisão legal quanto à entidade licenciante em matéria de ruído nestas situações, consideradas as competências para o efeito atribuídas pelos diversos regimes legais aplicáveis.

39. Consultável em http://tinyurl.com/zoffnux

40. É a isso que se refere Pessoa quando escreve: Ó sino da minha aldeia,/Dolente na tarde calma,/Cada tua badalada/Soa dentro da minha alma.
(Ó sino da minha aldeia in Renascença, Fevereiro de 1924).

41. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10.ª ed., 3.º reimp. 2004, vol. II, p. 1150 considera polícia administrativa como o modo de actuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir.

42. É quanto se diz no sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25 de Fevereiro de 2011, já antes citado.

 

 

 

By |2023-10-23T11:08:42+00:0023/12/2015|Legal Opinions up to 2017|Comments Off on Sino de igreja; licença especial de ruído.

Representante do Municipio da Assembleia Geral de Empresa Local.

 

Na sequência do pedido formulado pelo Município de ..., referente ao assunto em epígrafe, cumpre informar o seguinte:

Da análise dos Estatutos aprovados em sessão da Assembleia Municipal de 23 de abril de 2013, resulta que:
1. A Ribeirapera, Sociedade para o Desenvolvimento de Castanheira de Pera, E.M., SA, é uma empresa local constituída sob a forma de sociedade anónima regendo-se pelo regime da atividade empresarial local e pela lei comercial;
2. São órgãos sociais da mesma empresa: o Conselho de Administração, o Fiscal Único e a Assembleia Geral;
3. A Mesa da Assembleia Geral é constituída por 1 presidente, 1 vice-presidente e 1 secretário eleitos por esta de entre os seus elementos, por períodos de 4 anos;
4. O Município faz-se representar na Assembleia Geral por um elemento designado pela Câmara Municipal;
5. O mandato dos titulares dos órgãos sociais é coincidente com o dos titulares dos órgãos autárquicos, sem prejuízo dos atos de exoneração e da continuidade de funções até à efetiva substituição. (sublinhado nosso)
6. A fiscalização da Ribeiradepera compete ao Fiscal Único o qual é obrigatoriamente Revisor Oficial de Contas ou uma sociedade de revisores oficiais de contas.
Por deliberação, tomada por maioria, da Câmara Municipal, foi designado um vereador para a Assembleia Geral da empresa que veio a ser eleito Presidente da Mesa deste órgão;
Decorridos cerca de 2 anos após o início daquelas funções, o vereador apresentou à Câmara Municipal um pedido de ‘’demissão’’ como representante do Município na Assembleia Geral da empresa municipal colocando-se a questão de saber como deverá operar-se a cessação de funções.
Por se tratar de cessação de funções na empresa municipal, a questão deve ser enquadrada no âmbito da empresa municipal e não do executivo camarário.
De acordo com o art.º 21.º do Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local e das Participações Locais, aprovado pela Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto e alterada pelas Leis n.º 43/2014, de 25 de agosto e 69/2015, de 16 de julho, as empresas locais regem-se pela referida lei, pela lei comercial, pelos respetivos estatutos, pelo regime do setor empresarial do Estado.
Verifica-se, no entanto, que qualquer um daqueles regimes é omisso no que respeita à cessação de funções do Presidente da Assembleia Geral.
No enquadramento descrito o que estará em causa é a renúncia ao mandato, por parte do Presidente da Assembleia Geral, que deve ser apresentada ao órgão a que preside.
De acordo com o regime-regra a renúncia ao mandato é um ato unilateral receptício que produz efeitos logo que seja conhecido pelo/s destinatário/s (só não será assim se na própria comunicação for indicada uma data diferente).
A Assembleia Geral seguinte será convocada pelo Fiscal Único e terá como primeiro ponto a eleição do Presidente do órgão e, estando este presente, assume, de imediato a condução dos trabalhos.
Finalmente, quanto à representação do Município na empresa local, poderá a mesma ser assegurada, de acordo com o n.º 1, alínea oo), do art.º 33.º da Lei n.º 75/2012, de 13 de setembro, por qualquer pessoa que o órgão executivo entenda designar.`

 


À Consideração Superior

 


A Chefe de Divisão de Apoio Jurídico


(Graça Aleixo)

By |2023-10-23T11:10:17+00:0022/12/2015|Legal Opinions up to 2017|Comments Off on Representante do Municipio da Assembleia Geral de Empresa Local.

Estrada Nacional desclassificada; artº 15º, D.L. 13/94; servidão; Lei 13/71; muro de vedação; duplo licenciamento; Lei nº 34/2015.


A Câmara Municipal de ..., em seu ofício refª ..., de ..., solicita parecer jurídico que esclareça como decidir no caso que se segue.

Em 15 de junho de 2015, verificou a sua fiscalização que se encontrava em construção um muro de vedação, confinante, e citamos, com a “Estrada Nacional 234 desclassificada”, sem a respetiva licença municipal, exigida por força do artigo 4º, nº1, alínea c), do D.L. 555/99, de 16.12, na redação atual, que aprova o regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE), pelo que foi lavrado o respetivo auto de notícia de contraordenação.

Em sua defesa, alegou o arguido que tinha já obtido um alvará de licença emitido pela EP, Estradas de Portugal, S.A, para construção de muro de vedação e acesso, estando convencido de que não necessitaria de licenciamento municipal para a obra.

Pergunta o município, e citamos, “(…) se é necessário o respetivo licenciamento municipal para a construção de um muro de vedação confinante com estrada nacional, da jurisdição da EP, Estradas de Portugal, SA”.


Sobre o assunto, começaremos por informar que à data da prática dos factos relatados pelo município, bem como à data do auto de notícia, encontrava-se ainda em vigor os D.L. 13/71, de 23.01, e D.L. 13/94, de 15.01, que regulavam a matéria em causa e que entretanto foram revogados pela Lei nº 34/2015, de 27.04, que aprova o Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional,

O D.L. 13/71, de 23.01, em particular, no seu artigo 11º, alínea c), exigia, para as obras aí previstas, licença da Junta Autónoma das Estradas (ou entidade que lhe sucedeu).

Esta licença, contudo, não dispensava a competente licença de obras da câmara municipal respetiva, situação esta que configura o que se pode designar por duplo licenciamento, pelo que não era bastante, para o efeito, um alvará de licença emitido pela EP, Estradas de Portugal, ao contrário do que alega o arguido na defesa apresentada no processo de contraordenação.

O diploma que atualmente regula a matéria, no entanto, é o Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovado pela Lei nº 34/2015, de 27.04, que revoga, entre outros, como dissemos, os D.L. 13/71, de 23.01, e D.L. 13/94, de 15.01, mas que, na sua essência, não se diferencia do anterior regime legal enunciado, quanto à intervenção dos municípios.

Este novo regime é aplicável, nos termos do seu artigo 2º, também “Às estradas nacionais (EN) desclassificadas, ainda não entregues aos municípios”, abrangendo, desta forma, o caso em apreço.

Tratando-se de um muro de vedação, aplica-se o artigo 55º, que trata de “edificações, vedações e obras de contenção”, dispondo que,
“1 – As servidões estabelecidas nos termos do presente Estatuto não prejudicam a possibilidade de, nas respetivas zonas, construir ou implantar:
a)…
b) Vedações de carácter definitivo e obras de contenção a uma distância mínima de 7 m do limite da zona da estrada, no caso dos IP e dos OC, e de 5 m, no caso das EN, ou fora da servidão de visibilidade e da área de proteção ao utilizador, desde que as mesmas não excedam a altura de 2,5 m, contada da conformação natural do solo;
(…)”
2 – A edificação ou implantação das vedações de carácter definitivo e as obras de contenção carecem de autorização da administrativa rodoviária”.
(sublinhados nossos)

Note-se que nos termos do artigo 3º do diploma, alínea a), entende-se por “Administração rodoviária”, a EP - Estradas de Portugal, S.A., ou a entidade pública que legalmente lhe venha a suceder.”, devendo acrescentar-se que, na sequência da publicação do D.L. 91/2015, de 29.05, esta entidade, EP - Estradas de Portugal, S.A., é incorporada, por fusão, na Rede Ferroviária Nacional – REFER, E.P.E. (REFER, E.P.E.), que é transformada em sociedade anónima, passando a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP, S.A.).

Em conclusão, tanto no regime legal aplicável à data da ocorrência dos factos, como no atualmente vigente, a obra, nos termos atrás expostos, carecia sempre de licença administrativa camarária, nos termos do RJUE, designadamente o seu artigo 4º, nº2, alínea c), que estabelece que estão sujeitas a licença administrativa “as obras de construção, de alteração ou de ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou por plano de pormenor”. (sublinhado nosso), pelo que é legalmente incontestável quer o auto de notícia, quer o processo de contraordenação subsequente.


Divisão de Apoio Jurídico


(António Ramos)

 

By |2023-10-23T11:11:09+00:0014/12/2015|Legal Opinions up to 2017|Comments Off on Estrada Nacional desclassificada; artº 15º, D.L. 13/94; servidão; Lei 13/71; muro de vedação; duplo licenciamento; Lei nº 34/2015.

Fiscalização; trabalhadores municipais.

 

Em referência ao ofício ..., de ..., sobre o assunto mencionado em epígrafe, temos a informar:

Solicitou-nos O Senhor Presidente da Câmara um pedido de parecer quanto à compatibilização das funções de técnico superior com as de fiscal municipal, na sequência de informação, que anexaram, do serviço de recursos humanos da vossa Câmara Municipal.

Ora, se bem entendemos, a informação dos serviços humanos que nos remeteram não refere que os técnicos superiores que integrem equipas de fiscalização municipal passem a deter o conteúdo funcional inerente à carreira de fiscal municipal (carreira não revista1) mas sim que possam integrar enquanto técnicos superiores as equipas de fiscalização, nos termos do n º 3 do artigo 94 º do RJUE ( «no exercício da atividade de fiscalização, o presidente da Câmara Municipal é auxiliado por funcionários municipais com formação adequada, a quem incube preparar e executar as suas decisões»).
Tal significa que as operações de fiscalização propriamente ditas são levadas a cabo por trabalhadores municipais com formação adequada, isto é, principalmente pelos fiscais municipais. Tal não impede, no entanto, que os técnicos superiores possam igualmente colaborar em operações de fiscalização quando as exigências em concreto de determinadas ações de fiscalização (inspeções, vistorias, etc.) exijam que as mesmas sejam realizadas com a colaboração deste tipo de trabalhadores2.
Além do mais este tipo de atividades está, quanto a nós, também incluído no conteúdo funcional dos técnicos superiores.
De facto, se o n º 3 do artigo 94 º aqui em análise determina que os trabalhadores com formação adequada devem auxiliar o Presidente de Câmara nas suas competências de fiscalização, preparando e executando as suas decisões devemos lembrar que faz parte do conteúdo funcional dos técnicos superiores a execução de atividades de apoio geral ou especializado nas áreas de atuação comuns, instrumentais e operativas dos órgãos e serviços (anexo à lei 35/2014, de 20/06).
Além do mais, o artigo 81 º desta mesma lei 35/2014 prescreve, ainda, que a descrição do conteúdo funcional não prejudica a atribuição ao trabalhador de funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para os quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional.

Em conclusão, os técnicos superiores podem integrar e colaborar nas equipas de fiscalização, quando as exigências em concreto de determinadas ações de fiscalização (inspeções, vistorias, etc.) exijam que as mesmas sejam realizadas com a colaboração deste tipo de trabalhadores.
Estas atividades podem-se considerar integradas no seu conteúdo funcional, sendo sempre, pelo menos, funções afins ou funcionalmente ligadas ao conteúdo funcional que os técnicos superiores deverão executar.

 

Maria José L. Castanheira Neves


(Diretora de Serviços de Apoio Jurídico e à Administração Local)


1. De facto, prescreve o n.º 2 do art.º 1.º do Decreto-lei n.º 121/2008, de 11 de julho, que “o presente decreto-lei identifica, ainda, as carreiras e categorias que subsistem por impossibilidade de se efetuar a transição dos trabalhadores nelas integrados ou delas titulares para as carreiras gerais, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 106.º da lei” (salientado nosso).
E, mais adiante, dispõe o art.º 8.º do diploma o seguinte:
“1 - Subsistem, nos termos do artigo 106.º da lei, as carreiras e categorias identificadas no mapa vii anexo ao presente decreto-lei e que dele faz parte integrante.
2 - Os trabalhadores integrados nas carreiras ou titulares das categorias identificadas no mapa vii como subsistentes são, nos termos do artigo 104.º da lei, reposicionados na categoria de transição, quando aquele mapa a preveja, desde que o montante pecuniário correspondente à remuneração base a que atualmente têm ou teriam direito não seja inferior ao montante pecuniário correspondente ao nível remuneratório da primeira posição daquela categoria.
3 - …”
Ora, analisando o mapa referido nos preceitos transcritos, fácil é constatar não preverem eles a carreira de fiscal municipal, razão por que não poderá a mesma ser considerada como carreira subsistente mas antes como carreira não revista.

2. No mesmo sentido, Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes, Fernanda Maçãs, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, comentado, 2011, 3 ª edição; Almedina, pág. 622.



By |2023-10-23T11:12:05+00:0007/12/2015|Legal Opinions up to 2017|Comments Off on Fiscalização; trabalhadores municipais.

Reuniões por videoconferência; Senhas de Presença

 

Na sequência do ofício ... referente ao assunto identificado em epígrafe, informamos o seguinte:

Da análise da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada e republicada pela n.º 5-A/2002, de 11 de janeiro, que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias, não resulta qualquer disposição que admita a possibilidade de participar e intervir em reuniões do executivo através de videoconferência. O mesmo se verifica relativamente às disposições relativas aos órgãos colegiais, constantes dos artigos 21.º a 35.º do novo Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º4/2015, de 7 de janeiro, aplicável à administração local por força da alínea b) do n.º 4 do seu art.2º. Constata-se, no entanto, que o mesmo Código prevê, no n.º 4 do art.º 79.º, a possibilidade de realização de videoconferência circunscrita ao âmbito das reuniões das conferências procedimentais destinadas ao exercício em comum ou conjugado das competências de diversos órgãos da Administração Pública, o que nos permite inferir que o legislador não quis adotar a mesma solução para outros efeitos.
Assim sendo, dada a falta de fundamento legal que tutele a situação apresentada, concluímos que não é possível a participação e intervenção nas reuniões do executivo, através de videoconferência e, consequentemente, também não haverá lugar ao pagamento de senhas de presença.
No enquadramento descrito e dado que a vogal se encontra ausente pelo período de um ano, caso não seja solicitada a suspensão do mandato de acordo com o disposto no art.º 77.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, alterada e republicada pela n.º 5-A/2002, de 11 de janeiro, as suas ausências geram faltas às reuniões do executivo, com os eventuais efeitos que daí possam advir, de acordo com a lei da tutela, para além do facto do executivo nesta hipótese intervir sempre com menos um membro.

 

A Diretora dos Serviços de Apoio Jurídico e à Administração Local


Maria José Leal Castanheira Neves

 

By |2023-10-23T11:14:02+00:0022/11/2015|Legal Opinions up to 2017|Comments Off on Reuniões por videoconferência; Senhas de Presença

Painel publicitário; edificação; operação urbanística.


A Câmara Municipal de ..., em seu ofício nº ..., de ..., solicita parecer jurídico que esclareça, em suma, se um painel publicitário deve ser considerado edificação, e se, como tal, está sujeito a controlo prévio, incluindo apresentação de projeto de arquitetura, nos termos do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), aprovado pelo D.L. 555/99, de 16.12, na redação atual.


Sobre o assunto, começaremos então por informar que, de acordo com a alínea a) do artigo 2º do RJUE, “edificação”, é “a atividade ou resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização imóvel, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com caráter de permanência”.

Quanto ao que se entende como caráter de permanência, aplicado a este tipo de estruturas, à falta de definição no próprio RJUE, e salvaguardando que nem a doutrina nem a jurisprudência são unânimes neste entendimento, é nosso parecer que, em respeito pelo princípio da unidade do sistema jurídico, devemos recorrer ao que dispõe o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), aprovado pelo D.L. 287/2003, de 12.11, na sua atual redação, no seu artigo 2º - “Conceito de prédio” – de acordo com o qual, e passamos a citar,
1 – (…)
2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo caráter de permanência quando afetos a fins não transitórios.
3 – Presume-se o caráter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.”
(sublinhados nossos)
Competiria, no entanto, sempre ao município, através dos meios que achasse mais adequados, preencher os ditos conceitos no caso concreto, tanto sobre a forma de ligação ao solo, questão essa que releva de um juízo técnico que sai do âmbito jurídico da atual consulta, como acerca do prazo.

Se se concluisse que a estrutura é uma edificação, nos termos atrás definidos, então seguiria, para além do procedimento de controlo prévio que lhe é dedicado no RJUE, as normas sobre edificabilidade no PDM, incluindo as regras de edificabilidade do seu “Espaço agrícola de produção”, a que se refere expressamente o município.

Já quanto à exigência de projeto de arquitetura, se partíssemos então do princípio de que se tratava efetivamente de uma edificação nos termos do RJUE, deveríamos fazer um esforço de interpretação da lei, em conjugação com os princípios orientadores da atividade administrativa, inscritos no Código de Procedimento Administrativo (CPA), designadamente os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, inscritos, respetivamente, nos artigos 7º e 8º do CPA.

No caso, no entanto, julgamos poder concluir com suficiente segurança que não estamos perante uma edificação, mas sim perante uma operação urbanística de utilização do solo “para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água”, na aceção da alínea j) do artigo 2º do RJUE.

Sendo assim, não se exigirá projeto de arquitetura, mas sim, quando muito, eventualmente, um projeto da especialidade de engenharia que se achar adequado.

Concluímos, dizendo que, de qualquer forma, terá sempre a operação urbanística de cumprir as normas sobre uso do solo no PDM, nomeadamente aquelas do “Espaço agrícola de produção”, a que se refere expressamente o município


Divisão de Apoio Jurídico

(António Ramos)


Nota: Um painel publicitário fixado no solo é sempre uma operação urbanística, podendo ser caraterizado mesmo como uma edificação se estiver incorporado no solo com caráter de permanência. Em qualquer caso, não se exigirá nunca projeto de arquitetura, devendo avaliar-se tecnicamente se será exigível algum projeto de especialidade.

By |2023-10-23T11:15:12+00:0017/11/2015|Legal Opinions up to 2017|Comments Off on Painel publicitário; edificação; operação urbanística.

Title

Go to Top