Alienação de lotes. Incumprimento de cláusulas contratuais
Alienação de lotes. Incumprimento de cláusulas contratuais Em resposta ao pedido de parecer solicitado pela Câmara Municipal de através do ofício nº 1310, de 20-05-04 e reportando-nos ao assunto identificado em epígrafe, temos a informar o seguinte:
A Câmara Municipal de promoveu a realização de um loteamento, regulamentando as condições de venda dos respectivos lotes por deliberação de 4 de Dezembro de 2000, conforme anunciado no Edital de 15 de Janeiro de 2001. De acordo com o referido Edital (já que não nos foi enviada a acta da reunião) as condições de venda foram as seguintes: “ 2- A venda dos lotes é feita em regime de propriedade plena; 3- O prazo de construção é de dois anos para os lotes destinados a habitações unifamiliares e de 3 anos para os blocos habitacionais/comércio a contar da data da escritura de venda; 4- Os adquirentes dos lotes terão obrigatoriamente que manter os mesmos em nome próprio por um período mínimo de 5 anos a contar da data da escritura de venda; 5- A falta de cumprimento do estipulado nos pontos 3 e 4 obriga o comprador a devolver à Câmara Municipal o lote adquirido pelo preço da aquisição; ” Informa-se também no ofício da Câmara que os adquirentes de alguns lotes declararam expressamente terem tomado conhecimento do regulamento e estarem cientes do seu conteúdo, e que os contratos de compra e venda celebrados em consequência dos resultados da hasta pública continham, no seu articulado, as clausulas especiais constantes nos números 3 e 4 do edital. Constatou-se porém que o adquirente de um lote, (em cuja escritura não constava o direito de reversão a favor da Câmara) após a construção da respectiva moradia unifamiliar, alienou o prédio a um terceiro, em Dezembro de 2003, tendo este registado a aquisição. Neste contexto colocam-se as seguintes questões: ” a) É legítimo à Câmara Municipal reivindicar a anulação do contrato de compra e venda celebrado entre os primeiro e segundo adquirentes? b) Se sim, quais os instrumentos jurídicos de que a Câmara Municipal se pode socorrer para obter a referida anulação? c) verificando-se o incumprimento da cláusula condicional de obrigatoriedade do adquirente construir no prazo de 2 anos, qual o procedimento que o Município deve adoptar?” Informamos: O contrato de compra e venda é um negócio jurídico com eficácia real, sujeito, como tal, ao princípio da tipicidade ou do numerus clausus enunciado no artigo 1306.º do Código Civil, que prescreve o seguinte : “Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional”.
Este artigo remete-nos assim para a distinção entre direitos obrigacionais e direitos reais distinção essa que assenta no carácter relativo que têm as obrigações em contraponto com a natureza absoluta que revestem os direitos reais. Assim enquanto estes valem erga omnes, os direitos de crédito operam só inter partes, obrigando apenas os sujeitos da relação jurídica. É precisamente a essa diferença que o artigo 1 306.º quer aludir quando afirma que as restrições ao direito de propriedade que não estejam previstas na lei, têm forçosamente natureza obrigacional e não podem revestir carácter real, como quem diz que apenas vinculam as partes, considerando-se como tais, os originários contraentes e seus herdeiros ou sucessores. Situação diversa da imposição convencional de restrições ao direito de propriedade é a possibilidade de constituição de propriedade resolúvel e temporária, admitida no artigo 1307.º, cuja redacção passamos a transcrever: 1- O direito de propriedade pode constituir-se sob condição. 2- A propriedade temporária só é admitida nos casos especialmente previstos na lei. 3- À propriedade sob condição é aplicável o disposto nos artigos 272.º a 277.º. Atento o conteúdo do Edital parece-nos claro que o contrato que a Câmara Municipal pretendia celebrar era um contrato de compra e venda sob condição resolutiva, o que significaria que o negócio produziria desde logo todos os efeitos (no caso a transmissão do direito de propriedade) mas que esses efeitos poderiam ser destruídos se se verificassem os eventos condicionantes. Contudo, não foi isso que foi transposto para o contrato, uma vez que a escritura não estipula a reversão do terreno. Assim, entendemos que o contrato que efectivamente celebrado foi um contrato de compra e venda com aposição de restrições ao direito de propriedade, consistindo estas na obrigatoriedade de construção e na inalienabilidade do terreno em determinado prazo, restrições essas que, por revestirem natureza obrigacional, não vinculam o terceiro adquirente mas apenas as partes contratantes. Isso mesmo é referido nos comentários ao artigo 1306.º (Código Civil Anotado, Abílio Neto e Herlander Martins) onde, citando o Prof. Mota Pinto (Direitos Reais, 1970/71, pag 112) se diz que “no caso de ser estipulado uma venda com cláusula de inalienabilidade, esta clausula só pode ter efeitos obrigacionais, pode provocar efeitos relativos entre vendedor e comprador, mas não em relação a terceiros que posteriormente adquiram do tal comprador que se tinha obrigado a não vender”. Em caso de não cumprimento o princípio geral é o de que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelos prejuízos ocasionados ao credor, quer se trate de não cumprimento definitivo, de simples mora ou de cumprimento defeituoso. Portanto, impossibilitando-se a prestação por causa imputável ao devedor, o direito à prestação que o credor tinha converte-se em direito à indemnização compensatória correspondente aos danos sofridos (artigo 801, n.º1).
Contudo se a obrigação resulta de um contrato bilateral, a lei concede ainda ao credor a faculdade de resolver o contrato (801, n.º2) com fundamento em incumprimento. A resolução goza, em princípio, de efeito retroactivo ( art.434.º) . Contudo, de acordo com o que determina o artigo 435.º, a resolução, ainda que expressamente convencionada, não prejudica os direitos adquiridos por terceiro. Porém, “o registo da acção de resolução que respeite a bens imóveis torna o direito de resolução oponível a terceiro que não tenha registado o seu direito antes do registo da acção” (artigo 435, n.º2), solução que se justifica pelo facto de os terceiros, sendo advertidos pelo registo de que estava proposta acção de resolução, adquiriram com o risco de resolução. Por conseguinte conclui-se que a resolução do contrato não é oponível a terceiro adquirente, de boa ou má fé, salvo o disposto no referido n.º2 do artigo 405.º. (vide Abílio Neto, anotações ao artigo 405.º, CC)
A Chefe de Divisão de Apoio Jurídico (Drª Maria Margarida Teixeira Bento)
Alienação de lotes. Incumprimento de cláusulas contratuais
Alienação de lotes. Incumprimento de cláusulas contratuais
Alienação de lotes. Incumprimento de cláusulas contratuais Em resposta ao pedido de parecer solicitado pela Câmara Municipal de através do ofício nº 1310, de 20-05-04 e reportando-nos ao assunto identificado em epígrafe, temos a informar o seguinte:
A Câmara Municipal de promoveu a realização de um loteamento, regulamentando as condições de venda dos respectivos lotes por deliberação de 4 de Dezembro de 2000, conforme anunciado no Edital de 15 de Janeiro de 2001. De acordo com o referido Edital (já que não nos foi enviada a acta da reunião) as condições de venda foram as seguintes: “ 2- A venda dos lotes é feita em regime de propriedade plena; 3- O prazo de construção é de dois anos para os lotes destinados a habitações unifamiliares e de 3 anos para os blocos habitacionais/comércio a contar da data da escritura de venda; 4- Os adquirentes dos lotes terão obrigatoriamente que manter os mesmos em nome próprio por um período mínimo de 5 anos a contar da data da escritura de venda; 5- A falta de cumprimento do estipulado nos pontos 3 e 4 obriga o comprador a devolver à Câmara Municipal o lote adquirido pelo preço da aquisição; ” Informa-se também no ofício da Câmara que os adquirentes de alguns lotes declararam expressamente terem tomado conhecimento do regulamento e estarem cientes do seu conteúdo, e que os contratos de compra e venda celebrados em consequência dos resultados da hasta pública continham, no seu articulado, as clausulas especiais constantes nos números 3 e 4 do edital. Constatou-se porém que o adquirente de um lote, (em cuja escritura não constava o direito de reversão a favor da Câmara) após a construção da respectiva moradia unifamiliar, alienou o prédio a um terceiro, em Dezembro de 2003, tendo este registado a aquisição. Neste contexto colocam-se as seguintes questões: ” a) É legítimo à Câmara Municipal reivindicar a anulação do contrato de compra e venda celebrado entre os primeiro e segundo adquirentes? b) Se sim, quais os instrumentos jurídicos de que a Câmara Municipal se pode socorrer para obter a referida anulação? c) verificando-se o incumprimento da cláusula condicional de obrigatoriedade do adquirente construir no prazo de 2 anos, qual o procedimento que o Município deve adoptar?” Informamos: O contrato de compra e venda é um negócio jurídico com eficácia real, sujeito, como tal, ao princípio da tipicidade ou do numerus clausus enunciado no artigo 1306.º do Código Civil, que prescreve o seguinte : “Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional”.
Este artigo remete-nos assim para a distinção entre direitos obrigacionais e direitos reais distinção essa que assenta no carácter relativo que têm as obrigações em contraponto com a natureza absoluta que revestem os direitos reais. Assim enquanto estes valem erga omnes, os direitos de crédito operam só inter partes, obrigando apenas os sujeitos da relação jurídica. É precisamente a essa diferença que o artigo 1 306.º quer aludir quando afirma que as restrições ao direito de propriedade que não estejam previstas na lei, têm forçosamente natureza obrigacional e não podem revestir carácter real, como quem diz que apenas vinculam as partes, considerando-se como tais, os originários contraentes e seus herdeiros ou sucessores. Situação diversa da imposição convencional de restrições ao direito de propriedade é a possibilidade de constituição de propriedade resolúvel e temporária, admitida no artigo 1307.º, cuja redacção passamos a transcrever: 1- O direito de propriedade pode constituir-se sob condição. 2- A propriedade temporária só é admitida nos casos especialmente previstos na lei. 3- À propriedade sob condição é aplicável o disposto nos artigos 272.º a 277.º. Atento o conteúdo do Edital parece-nos claro que o contrato que a Câmara Municipal pretendia celebrar era um contrato de compra e venda sob condição resolutiva, o que significaria que o negócio produziria desde logo todos os efeitos (no caso a transmissão do direito de propriedade) mas que esses efeitos poderiam ser destruídos se se verificassem os eventos condicionantes. Contudo, não foi isso que foi transposto para o contrato, uma vez que a escritura não estipula a reversão do terreno. Assim, entendemos que o contrato que efectivamente celebrado foi um contrato de compra e venda com aposição de restrições ao direito de propriedade, consistindo estas na obrigatoriedade de construção e na inalienabilidade do terreno em determinado prazo, restrições essas que, por revestirem natureza obrigacional, não vinculam o terceiro adquirente mas apenas as partes contratantes. Isso mesmo é referido nos comentários ao artigo 1306.º (Código Civil Anotado, Abílio Neto e Herlander Martins) onde, citando o Prof. Mota Pinto (Direitos Reais, 1970/71, pag 112) se diz que “no caso de ser estipulado uma venda com cláusula de inalienabilidade, esta clausula só pode ter efeitos obrigacionais, pode provocar efeitos relativos entre vendedor e comprador, mas não em relação a terceiros que posteriormente adquiram do tal comprador que se tinha obrigado a não vender”. Em caso de não cumprimento o princípio geral é o de que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelos prejuízos ocasionados ao credor, quer se trate de não cumprimento definitivo, de simples mora ou de cumprimento defeituoso. Portanto, impossibilitando-se a prestação por causa imputável ao devedor, o direito à prestação que o credor tinha converte-se em direito à indemnização compensatória correspondente aos danos sofridos (artigo 801, n.º1).
Contudo se a obrigação resulta de um contrato bilateral, a lei concede ainda ao credor a faculdade de resolver o contrato (801, n.º2) com fundamento em incumprimento. A resolução goza, em princípio, de efeito retroactivo ( art.434.º) . Contudo, de acordo com o que determina o artigo 435.º, a resolução, ainda que expressamente convencionada, não prejudica os direitos adquiridos por terceiro. Porém, “o registo da acção de resolução que respeite a bens imóveis torna o direito de resolução oponível a terceiro que não tenha registado o seu direito antes do registo da acção” (artigo 435, n.º2), solução que se justifica pelo facto de os terceiros, sendo advertidos pelo registo de que estava proposta acção de resolução, adquiriram com o risco de resolução. Por conseguinte conclui-se que a resolução do contrato não é oponível a terceiro adquirente, de boa ou má fé, salvo o disposto no referido n.º2 do artigo 405.º. (vide Abílio Neto, anotações ao artigo 405.º, CC)
A Chefe de Divisão de Apoio Jurídico (Drª Maria Margarida Teixeira Bento)
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