Mérito excepcional; Revogação de norma legal; Efeitos
A Câmara Municipal de …, pelo ofício n.º …, de …, coloca a questão de saber se a revogação expressa do art.º 30.º do Decreto-lei n.º 184/89, de 2 de Junho, operada pela alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º da Lei n.º 10/2004, de 22 de Março, impossibilita ou não a atribuição de menções de mérito excepcional aos funcionários autárquicos.
Sobre o assunto cumpre-nos tecer as seguintes considerações:
Prescreve o art.º 1.º do Decreto-lei n.º 184/89, de 2 de Junho, que “o presente Decreto-lei estabelece princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da Função Pública” (salientámos).
E, integrando um diploma instituidor de “princípios gerais” e inserido num capítulo com a epígrafe “princípios gerais sobre gestão”, dispõe o art.º 30.º do diploma o seguinte:
-
“Os membros do Governo podem atribuir menções de mérito excepcional em situações de relevante desempenho de funções:
-
A título individual;
-
Conjuntamente, aos membros de uma equipa.
-
-
A proposta ao membro do Governo respectivo sobre a atribuição da menção de mérito excepcional cabe aos dirigentes máximos de cada ministério, constituídos, para o efeito, em júri ad hoc.
-
A proposta é da iniciativa do dirigente máximo do serviço, que deve, no âmbito da avaliação, ao trabalho desenvolvido pelos efectivos de todos os grupos de pessoal do respectivo serviço.
-
A atribuição da menção de mérito excepcional deve especificar os seus efeitos, permitindo, alternativamente:
-
Redução do tempo de serviço para efeitos de promoção ou progressão;
-
Promoção na respectiva carreira independentemente de concurso.
-
-
No âmbito das autarquias locais, os órgãos executivos deliberam sobre a atribuição da menção de mérito excepcional, a qual será sujeita a ratificação do órgão deliberativo.
-
As atribuições de mérito excepcional são publicadas na 2.ª série do Diário da República por extracto, que conterá, de forma sucinta, os motivos da atribuição.”
Por se tratar, como se salientou, de um diploma instituidor de princípios gerais e porque, coerentemente, o respectivo artigo 43.º, n.º 1, estabelecia que “o presente diploma de princípios gerais será objecto de desenvolvimento e regulamentação e entra em vigor conjuntamente com os diplomas legais de desenvolvimento relativos a matéria salarial”, tanto havia quem, invocando argumentos de peso, perfilhava o entendimento de que, para ser aplicável, tal norma carecia de ser regulamentada
como havia quem defendesse a aplicabilidade imediata do transcrito artigo 30º.
Porém, diluindo a polémica referida, viriam o Secretariado para a Modernização Administrativa e a Direcção-Geral da Administração Pública a emitir o entendimento de que “não fazendo aquele preceito legal depender a sua aplicação de futura regulamentação, julga-se que o mesmo pode ser desde já aplicado, cabendo aos órgãos competentes para propor e atribuir as menções de mérito excepcional proceder, casuisticamente, à definição concreta dos efeitos genericamente previstos no seu n.º 4”, entendimento este que viria a merecer a concordância de Sua Excelência o Director-Geral da Administração Autárquica.
Serve o aduzido para salientar que, dissolvidas, ao tempo, as legítimas reservas quanto à aplicabilidade imediata do preceito, passaram as autarquias a poderem atribuir menções de mérito excepcional, para o que, nos termos do n.º 5 do preceito, era suposto e imprescindível ser produzida uma deliberação pelo órgão executivo, devidamente fundamentada de facto e de direito, que carecia de ratificação do órgão deliberativo.
Entretanto, no âmbito da implementação do sistema integrado da avaliação do desempenho da Administração Pública, viria a ser publicada a Lei n.º 10/2004, de 22 de Março – regulamentada, entretanto, pelo Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, de 14 de Maio – cujo artigo 23.º, n.º 1 alínea c), revoga expressamente o citado art.º 30.º do DL n.º 184/89, sendo que o seu art.º 2.º, n.º 3, nos diz que “o regime previsto na presente lei é aplicável a todo o território nacional, sem prejuízo da sua adaptação aos funcionários, agentes e demais trabalhadores da administração local e da administração regional autónoma, através, respectivamente, de decreto regulamentar e decreto regulamentar regional das Assembleias Legislativas Regionais.
Ora, é precisamente neste contexto que faz sentido questionar se aquela revogação expressa acarreta ou não a inaplicabilidade do preceito revogado.
Como acima se referiu, um dos pressupostos da sua aplicação residia na indispensabilidade da arguição de fundamentação de facto e de direito, arguição que agora se nos afigura inviável.
É que, tendo o referido artigo 30.º desaparecido da ordem jurídica, por opção expressa do legislador, não fará, quanto a nós, qualquer sentido invocá-lo como fundamento legal da atribuição de um qualquer mérito excepcional, instituto que, igualmente, deixou de ter existência jurídica, com os contornos que o preceito lhe incutira.
E nem o argumento da ausência de regulamentação da avaliação de desempenho para as autarquias locais nos leva a infirmar a opinião expressa, e isto por duas razões:
Em primeiro lugar, porque nem a lei instituidora da avaliação de desempenho – a Lei n.º 10/2004, de 22 de Março – nem a lei que a regulamentou – o Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, de 14 de Maio – contêm norma ou instituto substitutivos ou idênticos aos da norma revogada; Em segundo lugar, e concomitantemente, porque, após se definir como âmbito territorial de aplicação todo o território nacional, a previsão legal vai no sentido de uma “adaptação aos funcionários, agentes e demais trabalhadores da administração local” – e não, propriamente de uma regulamentação da matéria para este sector da Administração Pública –, o que, dada a pormenorização de conteúdo do Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, de 14 de Maio, não poderá, em princípio, ir muito para além da definição dos órgãos a que, na Administração Local, serão cometidas as competências cujo exercício a aplicação daqueles diplomas exige.
Em conclusão:
-
No âmbito da implementação do sistema integrado da avaliação do desempenho da Administração Pública, a alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º da Lei n.º 10/2004, de 22 de Março – regulamentada, entretanto, pelo Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, de 14 de Maio – procedeu à revogação expressa do art.º 30.º do Decreto-lei n.º 184/89, de 2 de Junho, sem que tenham sido produzidos norma ou instituto substitutivos ou idênticos aos da norma revogada;
-
A atribuição de menções de mérito excepcional, no âmbito da Administração Local, pressupunha, nos termos do n.º 5 do preceito revogado, a produção, pelo órgão executivo, de uma deliberação devidamente fundamentada de facto e de direito, que carecia de ratificação do órgão deliberativo;
-
Assim, tendo deixado de existir, no ordenamento jurídico, qualquer norma que possa ser invocada como respectivo fundamento de direito, somos de opinião que a atribuição de qualquer menção de mérito excepcional, para além de carecer, sempre, de falta ou insuficiência de fundamentação, configurará violação do princípio da legalidade previsto na artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo
Mérito excepcional; Revogação de norma legal; Efeitos
Mérito excepcional; Revogação de norma legal; Efeitos
A Câmara Municipal de …, pelo ofício n.º …, de …, coloca a questão de saber se a revogação expressa do art.º 30.º do Decreto-lei n.º 184/89, de 2 de Junho, operada pela alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º da Lei n.º 10/2004, de 22 de Março, impossibilita ou não a atribuição de menções de mérito excepcional aos funcionários autárquicos.
Sobre o assunto cumpre-nos tecer as seguintes considerações:
Prescreve o art.º 1.º do Decreto-lei n.º 184/89, de 2 de Junho, que “o presente Decreto-lei estabelece princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da Função Pública” (salientámos).
E, integrando um diploma instituidor de “princípios gerais” e inserido num capítulo com a epígrafe “princípios gerais sobre gestão”, dispõe o art.º 30.º do diploma o seguinte:
-
“Os membros do Governo podem atribuir menções de mérito excepcional em situações de relevante desempenho de funções:
-
A título individual;
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Conjuntamente, aos membros de uma equipa.
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A proposta ao membro do Governo respectivo sobre a atribuição da menção de mérito excepcional cabe aos dirigentes máximos de cada ministério, constituídos, para o efeito, em júri ad hoc.
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A proposta é da iniciativa do dirigente máximo do serviço, que deve, no âmbito da avaliação, ao trabalho desenvolvido pelos efectivos de todos os grupos de pessoal do respectivo serviço.
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A atribuição da menção de mérito excepcional deve especificar os seus efeitos, permitindo, alternativamente:
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Redução do tempo de serviço para efeitos de promoção ou progressão;
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Promoção na respectiva carreira independentemente de concurso.
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No âmbito das autarquias locais, os órgãos executivos deliberam sobre a atribuição da menção de mérito excepcional, a qual será sujeita a ratificação do órgão deliberativo.
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As atribuições de mérito excepcional são publicadas na 2.ª série do Diário da República por extracto, que conterá, de forma sucinta, os motivos da atribuição.”
Por se tratar, como se salientou, de um diploma instituidor de princípios gerais e porque, coerentemente, o respectivo artigo 43.º, n.º 1, estabelecia que “o presente diploma de princípios gerais será objecto de desenvolvimento e regulamentação e entra em vigor conjuntamente com os diplomas legais de desenvolvimento relativos a matéria salarial”, tanto havia quem, invocando argumentos de peso, perfilhava o entendimento de que, para ser aplicável, tal norma carecia de ser regulamentada
como havia quem defendesse a aplicabilidade imediata do transcrito artigo 30º.
Porém, diluindo a polémica referida, viriam o Secretariado para a Modernização Administrativa e a Direcção-Geral da Administração Pública a emitir o entendimento de que “não fazendo aquele preceito legal depender a sua aplicação de futura regulamentação, julga-se que o mesmo pode ser desde já aplicado, cabendo aos órgãos competentes para propor e atribuir as menções de mérito excepcional proceder, casuisticamente, à definição concreta dos efeitos genericamente previstos no seu n.º 4”, entendimento este que viria a merecer a concordância de Sua Excelência o Director-Geral da Administração Autárquica.
Serve o aduzido para salientar que, dissolvidas, ao tempo, as legítimas reservas quanto à aplicabilidade imediata do preceito, passaram as autarquias a poderem atribuir menções de mérito excepcional, para o que, nos termos do n.º 5 do preceito, era suposto e imprescindível ser produzida uma deliberação pelo órgão executivo, devidamente fundamentada de facto e de direito, que carecia de ratificação do órgão deliberativo.
Entretanto, no âmbito da implementação do sistema integrado da avaliação do desempenho da Administração Pública, viria a ser publicada a Lei n.º 10/2004, de 22 de Março – regulamentada, entretanto, pelo Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, de 14 de Maio – cujo artigo 23.º, n.º 1 alínea c), revoga expressamente o citado art.º 30.º do DL n.º 184/89, sendo que o seu art.º 2.º, n.º 3, nos diz que “o regime previsto na presente lei é aplicável a todo o território nacional, sem prejuízo da sua adaptação aos funcionários, agentes e demais trabalhadores da administração local e da administração regional autónoma, através, respectivamente, de decreto regulamentar e decreto regulamentar regional das Assembleias Legislativas Regionais.
Ora, é precisamente neste contexto que faz sentido questionar se aquela revogação expressa acarreta ou não a inaplicabilidade do preceito revogado.
Como acima se referiu, um dos pressupostos da sua aplicação residia na indispensabilidade da arguição de fundamentação de facto e de direito, arguição que agora se nos afigura inviável.
É que, tendo o referido artigo 30.º desaparecido da ordem jurídica, por opção expressa do legislador, não fará, quanto a nós, qualquer sentido invocá-lo como fundamento legal da atribuição de um qualquer mérito excepcional, instituto que, igualmente, deixou de ter existência jurídica, com os contornos que o preceito lhe incutira.
E nem o argumento da ausência de regulamentação da avaliação de desempenho para as autarquias locais nos leva a infirmar a opinião expressa, e isto por duas razões:
Em primeiro lugar, porque nem a lei instituidora da avaliação de desempenho – a Lei n.º 10/2004, de 22 de Março – nem a lei que a regulamentou – o Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, de 14 de Maio – contêm norma ou instituto substitutivos ou idênticos aos da norma revogada; Em segundo lugar, e concomitantemente, porque, após se definir como âmbito territorial de aplicação todo o território nacional, a previsão legal vai no sentido de uma “adaptação aos funcionários, agentes e demais trabalhadores da administração local” – e não, propriamente de uma regulamentação da matéria para este sector da Administração Pública –, o que, dada a pormenorização de conteúdo do Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, de 14 de Maio, não poderá, em princípio, ir muito para além da definição dos órgãos a que, na Administração Local, serão cometidas as competências cujo exercício a aplicação daqueles diplomas exige.
Em conclusão:
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No âmbito da implementação do sistema integrado da avaliação do desempenho da Administração Pública, a alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º da Lei n.º 10/2004, de 22 de Março – regulamentada, entretanto, pelo Decreto Regulamentar n.º 19-A/2004, de 14 de Maio – procedeu à revogação expressa do art.º 30.º do Decreto-lei n.º 184/89, de 2 de Junho, sem que tenham sido produzidos norma ou instituto substitutivos ou idênticos aos da norma revogada;
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A atribuição de menções de mérito excepcional, no âmbito da Administração Local, pressupunha, nos termos do n.º 5 do preceito revogado, a produção, pelo órgão executivo, de uma deliberação devidamente fundamentada de facto e de direito, que carecia de ratificação do órgão deliberativo;
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Assim, tendo deixado de existir, no ordenamento jurídico, qualquer norma que possa ser invocada como respectivo fundamento de direito, somos de opinião que a atribuição de qualquer menção de mérito excepcional, para além de carecer, sempre, de falta ou insuficiência de fundamentação, configurará violação do princípio da legalidade previsto na artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo
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