Concurso público de empreitada
Data: 2005-09-22
Número: 161/2005
Responsáveis: Elisabete Maria Viegas Frutuoso
Em suma, pretende a Câmara Municipal saber se na fase em que se encontra o referido concurso público de empreitada – análise das propostas e elaboração de relatório – é legalmente possível proceder à exclusão de propostas e à prestação de esclarecimentos pelos concorrentes, a pedido da entidade adjudicante.
Sobre o assunto, informamos:
I
Nos termos do nº 2 do art. 100º do Decreto-Lei nº 59/99, de 02.03 “ A comissão de análise das propostas deve elaborar um relatório fundamentado sobre o mérito das propostas, ordenando-as para efeitos de adjudicação, de acordo com o critério de adjudicação e com os factores e eventuais subfactores de apreciação das propostas e respectiva ponderação fixados no programa de concurso”.
Destina-se, pois, esta análise a fazer um juízo de mérito das proposta, de acordo com o critério de adjudicação definido e com os factores estabelecidos nas peças do concurso e, em função do resultado obtido, proceder à ordenação para efeitos de adjudicação. Trata-se assim de proceder à graduação das propostas, não prevendo a lei expressamente nesta fase a exclusão de propostas.
Contudo, pese embora a lei não o estipule de forma expressa, também o não proíbe. Note-se, que o nº 3 deste artigo impõe uma restrição apenas no que se refere à consideração da aptidão dos concorrentes, por ter sido já esta avaliada nos termos do art. 98º deste diploma.
Neste sentido, diz Jorge Andrade da silva, in “Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas”, 6ª edição anotada, art. 100º, que “Assim, nesta fase, só a propostas estão em equação e já não os concorrentes (…). O que não pode é, nesta fase, apreciar-se questões que deviam ser analisadas e decididas na fase anterior (nº 3). Os concorrentes que chegaram a esta fase foram julgados devidamente habilitados para o concurso (…), tratando-se apenas de saber qual, de entre eles, está em situação de melhor corresponder às condições em que o dono da obra quer contratar a empreitada e que declarou no programa de concurso e no caderno de encargos”.
Assim também é o entendimento da jurisprudência ao admitir a exclusão de propostas pela comissão de análise na respectiva fase de avaliação das propostas. São vários os acórdãos do STA encontrados neste sentido – Proc, nº 0890, de 08.09.2004, proc. nº 0231, de 29.04.2004; Proc. nº 0491, de 01.07.2003, dos quais destacamos as conclusões deste último:
“II – A admissão de um concorrente, após o exame da regularidade formal da respectiva proposta e da aptidão económica-financeira e técnica do concorrente, apenas assegura a passagem do mesmo à fase subsequente de análise da proposta, não garantindo qualquer direito ou preferência na escolha ou relação futura que tenha por base o mérito da proposta.
III – Daí que a circunstância da proposta apresentada por um concorrente ter ultrapassado a fase de habilitação dos candidatos apreciada pela Comissão de Abertura do Concurso, não obste a que, em fase ulterior de análise das propostas, venha a ser excluída por razões atinentes com a apreciação que a Comissão de Análise teve que empreender em sede de análise do conteúdo da proposta”. (sublinhado nosso)
Resolvida a questão geral da admissibilidade da exclusão de propostas na fase da apreciação de mérito, importa, agora, verificar se as propostas em desconformidade com o caderno de encargos do concurso é ou não fundamento para a sua exclusão na referida fase.
Com efeito, é questionado, no âmbito do concurso de empreitada em causa, se a estipulação de um prazo parcial que não respeita os prazos parciais impostos no nº5 das cláusulas jurídicas e administrativas, complementares ao caderno de encargos, é motivo de exclusão da proposta pela Comissão de Análise.
Na sua análise, devemos atender ao regime do Decreto-Lei nº 59/99 e ao que ele dispõe sobre o caderno de encargos. Assim, nos termos dos arts. 62º e 64º, o caderno de encargos contém cláusulas jurídicas e técnicas a incluir no contrato a celebrar, elaboradas unilateralmente pela entidade adjudicante e que vinculam quer esta quer os concorrentes. Diz Jorge Andrade da silva na obra atrás citada que “O caderno de encargos forma um bloco a aceitar ou recusar por inteiro”, acrescentando, por força do art. 66º , nº1, al. c) e nº 2, “Só assim não será se o programa de concurso admitir a presentação de propostas com condições divergentes das que constam no caderno de encargos”.
Ora, também sobre esta questão é concludente o entendimento da jurisprudência. Efectivamente, é referido, entre outros, nos Acórdãos do STA nºs 0890, de 08.09.2004 e 0491, de 01.07.2003, respectivamente, o seguinte:
“(…) o caderno de encargos assume a natureza normativa de verdadeiro regulamento do concurso, sendo, por isso, vinculativo, quer para a própria entidade adjudicante quer para os concorrentes,. aos quais veda a apresentação de propostas que violem as disposições dele constantes, sob pena de exclusão”.
“A apreciação da proposta dos ora recorrentes e da legalidade da exclusão dela, não pode, pois, com respeito pelos princípios da concorrência, da igualdade, da auto-vinculação e da transparência, também invocados pelas recorrentes, deixar de ser feita à sombra das regras a observar por todos os concorrentes e, portanto, por elas próprias.
Ora, não tendo o regulamento do concurso (caderno de encargos) especificado a possibilidade de apresentação de propostas com condições divergentes das nele estabelecidas (al. c) do nº 1 do artº 66) não podia ser apreciada, e não era admissível (nº 2 do artº 66) para cotejo e determinação do respectivo mérito em relação às propostas de outros concorrentes, uma proposta cuja análise revelasse tais divergências”.
Por outro lado, dever-se-á invocar também, de acordo com o referido por Mário Esteves de Oliveira, in “Concursos e outros procedimentos de adjudicação administrativa”, Almedina, o princípio da comparabilidade das propostas, o qual postula uma igualdade de resposta dos concorrentes aos requisitos do concurso, por forma a possibilitar a “plena comparação das propostas” e saber qual a melhor e mais adequada proposta a contratar.
Face ao exposto e tendo em conta o disposto no caderno de encargos do presente concurso, caberá à Comissão de Análise fazer um juízo de mérito sobre o conteúdo das propostas em causa, verificando da sua conformidade com as cláusulas do caderno de encargos e, nessa medida, decidir sobre a sua exclusão.
Importa, por último, reafirmar, que a exclusão de propostas nesta fase nunca pode ser fundamentada com base em motivos que devessem ser analisados nas fases anteriores, isto é, na fase do acto público – deliberação sobre a habilitação dos concorrente e deliberação sobre a admissão de propostas (arts. 92º e 94º) – e na fase da qualificação dos concorrentes – avaliação da capacidade financeira, económica e técnica (art. 98º).
II
Sobre a possibilidade da Comissão de Análise pedir esclarecimentos aos concorrentes na fase de análise de mérito das propostas e, por conseguinte, fora dos prazos para o efeito estipulados na lei, é clara a posição da doutrina.
Na verdade, é defendido doutrinalmente, já que a lei não o regula expressamente, que os esclarecimentos dos concorrentes, fora dos prazos fixados na lei (art. 74º e 88º do Decreto-Lei nº 59/99), poderão ser prestados a pedido da entidade adjudicante apenas quando a lei ou o programa de concurso os preveja e quando deles não resulte qualquer alteração do conteúdo da proposta.
Parece, pois, ser este o entendimento de Mário Esteves de Oliveira quando refere na obra citada que “A admissão generalizada e sistemática de pedidos de esclarecimentos brigaria (poderia brigar) de resto, com o princípio da igualdade (ou da concorrência), que postula uma relativa (miníma que seja) desvalorização das propostas que estejam elaboradas em termos duvidosos ou incompletos.
De resto, não seria coerente que a lei estabelecesse, como vimos, duras restrições ao objecto dos esclarecimentos da iniciativa dos concorrentes e permitisse, simultaneamente, que as entidades adjudicantes se servissem deles, a qualquer propósito e com efeitos e alcance (pelo menos aparentemente) mais alargados”.
Também no sentido de não admitir a alteração da proposta aquando da prestação de esclarecimentos podemos referir o Acórdão do STA nº 0416, de 19.05.2004, que a propósito de um pedido de esclarecimento feito pela comissão de análise a um concorrente, conclui o seguinte:
“(…) após o conhecimento por parte da Comissão de Análise das propostas e até dos próprios concorrentes, do teor das respectivas propostas, não pode ser permitida ou autorizada a introdução de qualquer alteração aos elementos constantes da proposta de um determinado candidato, sob pena de violação do princípio da imutabilidade das propostas ou da estabilidade, à luz do qual as regras dos concursos, o programa de concurso, o caderno de encargos e os restantes elementos que sirvam de base ao procedimento devem manter-se inalterados durante a pendência do respectivo procedimento”
De entre tais restrições, obviamente, não deverão ser contemplados os esclarecimentos que visem apenas a rectificação de erros de cálculo ou de escrita da proposta. Estes deverão, pelo contrário, ser admitidos mesmo depois do acto público do concurso, ou seja, mesmo na fase de apreciação de mérito das propostas.
Desta forma, deve a Comissão de Análise do caso sub judice, atentos os requisitos e condicionamentos trás mencionados, verificar da pertinência de pedir na fase de análise de mérito das propostas esclarecimentos aos concorrentes referidos.
Deixar comentário ou sugestão