Operações urbanísticas promovidas pela Administração Pública
Data: 2006-03-06
Número: 79/2006
Responsáveis: Adelino Moreira e Castro
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A Câmara Municipal de…….solicita parecer que se prende, na sua essencialidade, com uma operação urbanística (obras de alteração) promovida pelo Centro Regional de Segurança Social e de Solidariedade de ….., sem que dela tenha sido dada prévia participação àquela autarquia para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16-12. Se bem entendemos, pergunta-se, ainda, de que modos poderão ser legalizadas construções em áreas que passaram a integrar o domínio público através de uma operação de loteamento.
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Relativamente à primeira questão, vejamos o quadro legal subjacente à matéria:
Na sua globalidade, o n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, estabelece os princípios e determina as circunstâncias que excepcionam a Administração Pública do cumprimento da regra geral que faz depender a realização de operações urbanísticas de prévia licença ou autorização administrativas. Com relevância para o que ao caso interessa, e sem pretender-se ser exaustivo, sobrelevam as alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo em referência que isentam de licença ou autorização as operações urbanísticas promovidas pelas autarquias locais (e suas associações) em áreas abrangidas por PMOT’S, o Estado, se relativas a equipamentos ou infra-estruturas destinados à instalação de serviços públicos ou afectos ao uso directo e imediato do público, e, no caso de obras de edificação ou demolição, os institutos públicos que tenham por atribuições específicas a promoção e gestão do parque habitacional, vulgo, habitação social. Nas duas últimas situações elencadas, porém, o n.º 2 do mesmo artigo faz depender o início das obras de parecer prévio não vinculativo da Câmara Municipal e o n.º 3 do artigo 80.º do mesmo Diploma reforça este princípio quando diz e cito “As obras e trabalhos referidos no artigo 7.º só podem iniciar-se depois de emitidos os pareceres ou autorizações aí referidos, ou após o decurso dos prazos fixados para a respectiva emissão”. Julga-se importante referir, aqui, que um eventual incumprimento não é susceptível de punição como contra-ordenação ao abrigo da alínea r) do n.º 1 do artigo 98.º, uma vez que no n.º 2 do artigo 7.º se fala expressamente em “parecer” e não em “comunicação prévia”.
Para efeitos interpretativos é, igualmente, importante determinar qual o conceito de “Estado” presente na alínea b) do n.º 1 do referido artigo 7.º. Naturalmente que a partir de uma interpretação conjugada das primeiras três alíneas do artigo em apreço, o conceito de “Estado” só pode aqui considerar–se na sua vertente de “administração pública directa”, o que desde logo exclui do âmbito daquela alínea quer as autarquias locais (“administração local”), quer os institutos públicos (“administração indirecta”) que, aliás, como vimos, são objecto das alíneas a) e c) do n.º 1 daquele artigo.Tendo em conta o quadro legal traçado, saber se as obras de alteração realizadas pelo Centro Regional de Segurança Social e de Solidariedade de …. (mais correctamente, Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de …….) estavam, ou não, isentas de licença ou autorização nos termos do artigo 7.º e, como corolário, verificar se aquele Centro estava, ou não, obrigado ao cumprimento do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, passa pela determinação da sua real natureza jurídica. Ora, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 45-A/2000, de 22 de Março, que deu uma nova redacção ao artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 115/98, de 4 de Maio, foi criado o Instituto de Solidariedade e Segurança Social que agregou as competências e atribuições anteriormente desempenhadas, separadamente, pelos Centros Regionais de Segurança Social e pelo Centro Nacional de Pensões. Por sua vez, nos termos da alínea d) do artigo 2.º da Estrutura Orgânica do Instituto de Solidariedade e Segurança Social, aprovado pela Portaria n.º 543-A/2001, de 30 de Maio, os Centros Distritais de Solidariedade e Segurança Social (que substituíram os anteriores Centros Regionais de Segurança Social) são serviços daquele Instituto.
É, pois, inequívoca a natureza jurídica dos Centros Distritais de Solidariedade e Segurança Social (ex-Centros Regionais de Segurança Social): enquanto serviços do Instituto de Solidariedade e Segurança Social fazem parte da chamada “administração pública indirecta” do Estado.Assim, é óbvio que, no caso concreto em apreço, o Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de…….não poderia proceder a quaisquer operações de natureza urbanística sem a obtenção prévia da necessária licença ou autorização administrativa, uma vez que dela não estava isento pois, não sendo “Estado” em sentido restrito – “administração pública directa” – não se encontra abrangido pela alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro. Naturalmente, a falta de licenciamento ou autorização é susceptível de punição como contra-ordenação, nos termos do artigo 98.º do já citado Decreto-Lei n.º 555/99. Refira-se, ainda, que obras promovidas por aqueles Centros também não podem subsumir-se na norma da alínea c) do número e artigo referidos porque, muito embora constituam serviços de um instituto público, o Instituto de Solidariedade e Segurança Social não tem por atribuições específicas a promoção e gestão do parque habitacional do Estado. -
Quanto à segunda questão – como proceder à legalização de construções em áreas (parcelas) que passaram a integrar o domínio público através de uma operação de loteamento – à semelhança do que dispunha o artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, os artigos 27.º e 33.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, permitem que, a requerimento do interessado, se façam alterações à licença ou autorização de loteamento, regendo-se tais alterações pelo disposto no novo regime (cfr. artigo 125.º do Decreto-Lei n.º 555/99). Dito de outro modo: as construções nas áreas que integravam o domínio público através de uma operação de loteamento só podem ser legalizadas através de uma alteração ao loteamento que reformule as áreas cedidas para aquele domínio público. Na verdade, não tendo o legislador criado qualquer restrição à possibilidade de alterar a prescrição que se refira às parcelas que integraram o domínio público, qualquer das especificações a que alude o n.º 1 do artigo 77.º (incluindo a da alínea f) relativa a “cedências obrigatórias, sua finalidade e especificação das parcelas a integrar no domínio público”) poderá ser objecto de alteração.Tem sido este, aliás, o sentido de alguma jurisprudência mesmo, ainda, no domínio do Decreto-Lei n.º 448/91 (que nesta matéria não sofreu alterações de regime), como se destaca do seguinte Acórdão:
“II – A alteração ao alvará de loteamento pode incidir sobre qualquer das especificações constantes do alvará alterado, pelo que o novo alvará pode modificar a previsão das cedências obrigatórias de parcelas a integrar no domínio público da câmara municipal.
III – A passagem de novo alvará elimina da ordem jurídica, e ab origine, o alvará pretérito e os seus efeitos, pelo que a nova solução urbanística visada pelo novo alvará não se encontra limitada, na sua concepção e execução, por pormenores constantes do alvará suprimido, como seja a determinação aí feita das parcelas a integrar o domínio público” – Ac. do STA de 20/10/99. No mesmo sentido o Ac. do STA de 09/07/96.
Porém, não obstante ser possível alterar a prescrição do loteamento relativa às parcelas a integrar no domínio público, note-se que, no caso do loteamento deixar de dispor, total ou parcialmente, de áreas para os fins previstos no n.º 1 do artigo 44.º, a área ou parcelas em falta deverão ser objecto de compensação ao município, nos termos gerais. -
Finalmente, julga-se curial referir que, fora do quadro legal anteriormente representado, quaisquer outras obras ou construções ilegalmente promovidas, só poderão ser legalizadas, se tal for possível, através de procedimentos normais (processos de licenciamento/autorização), sendo que o decurso do tempo não tem efeitos constitutivos de direitos, não podendo aplicar-se aqui a figura legal da “usucapião”.
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