Baldios.
Através do ofício nº …, de …, da Câmara Municipal de … foi solicitado a esta CCDR um parecer jurídico sobre a alienação de seis habitações, cujo terreno onde estão implantadas se presume ser um terreno baldio.
Foi prestada a seguinte informação:
Em 13 de Março de 1985, por Despacho Conjunto dos Ministros das Finanças, do Plano e do Equipamento Social, nº A-23/83-IX, de 29.06, foram cedidos, através do Auto de Cessão dos bens, à Câmara Municipal 6 fogos do empreendimento de pré-fabricação ligeira do “ex-programa CAR”, sitos na freguesia da …;
Estes fogos destinaram-se à construção de habitações, tendo sido celebrados em 1981 contratos de arrendamento com os moradores;
As habitações estão omissas na matriz predial urbana da freguesia da …;
O respectivo terreno está inscrito, desde 1966, na matriz predial rústica da freguesia da … como terreno de mato, cujo titular é o Município da …;
Nas cartas existentes no Município, o mesmo terreno encontra-se identificado como terreno baldio;
Ao terreno nunca foi dado um uso comunitário pelos habitantes da freguesia da …, nem foi feita qualquer diligência conducente à sua constituição em terreno baldio.
Cumpre informar:
Dos elementos prestados, não é conclusivo que o terreno em causa seja um terreno baldio, porquanto não se verificam os pressupostos básicos que lhe estão subjacentes: terrenos possuídos e geridos por comunidades locais ( art. 1º da Lei nº 68/93, de 04.09). Para que um terreno tenha a qualificação jurídica de baldio é de facto indispensável que seja fruído e usado pelos moradores dessa freguesia ou freguesias.
Ao invés, desde 1966, o referido terreno está inscrito na matriz predial rústica da freguesia da … como terreno de mato, cujo titular é o Município de …. É certo que desta inscrição não resulta qualquer presunção da titularidade do direito, como aquela que resultaria do registo predial se o houvesse, mas apenas um reconhecimento público em termos fiscais.
É de reter, no entanto, que embora hoje já não seja obrigatória a inscrição de terrenos baldios na matriz predial rústica, (situação que se verifica a partir do art. 2º do Código de Contribuição Autárquica), à data dos factos ainda o era (1966), o que, a não ter existido tal inscrição, de alguma forma, contraria a tese da qualificação destes terrenos como terrenos baldios.
Repare-se que esta inscrição apenas deixou de ser obrigatória após a publicação do DL nº 39/76, de 19.01 e da Lei nº 68/93, cujos preceitos ao determinarem a não comercialização dos baldios, retiraram-lhes o valor fiscal que justificava este tipo de “registo”.
Por outro lado, o facto de nas cartas do município este terreno constar como terreno baldio, poderá ser interpretado apenas como uma forma de exprimir vulgarmente os “terrenos que estão a mato”, por não terem qualquer utilização conhecida.
Todavia, não deixaremos de ponderar a hipótese de se estar perante um baldio, ainda que legalmente não constituído.
Nos termos do art. 1º da Lei nº 68/93, de 04.09, com alterações introduzidas pela Lei nº 89/97, de 30.07, baldios são os terrenos comunitariamente possuídos e geridos pelos habitantes de determinada comunidade local, ou seja, pelo universo dos compartes que é constituído pelos moradores de uma ou mais freguesias que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio.
Para a constituição dos baldios é necessária a verificação de dois requisitos: por um lado, o uso e fruição pelos compartes e, por outro, a sua gestão pelos próprios compartes ou através dos órgãos democraticamente eleitos – assembleia de compartes, conselho directivo e comissão de fiscalização. Anteriormente, eram as juntas de freguesia e, em alguns casos, as câmaras municipais a fazê-lo. Hoje, as juntas de freguesia, nos termos previstos, respectivamente, dos arts. 36º e 22º do referido diploma, só podem gerir os baldios em situações excepcionais de administração provisória ou de delegação de poderes.
Nos termos do art. 11º da referida lei, “os baldios são administrados, por direito próprio, pelos respectivos compartes, nos termos dos usos e costumes aplicáveis ou, na falta deles, através de órgão ou órgãos democraticamente eleitos”. É entendimento da doutrina que não sendo já existentes e aplicáveis os “usos e costumes” na administração do baldio (ao contrário dos existentes na fruição) a única forma legal de proceder à sua administração é através dos referidos órgãos.
A lei estabelece assim a regra geral de administração dos baldios, da qual resulta o princípio de que os terrenos baldios são administrados pelos compartes ou por órgãos por estes eleitos e com as competências próprias prescritas nos arts. 15º, 21º e 25º do citado diploma.
De facto, cabe aos compartes e não às juntas de freguesia administrar os terrenos baldios. Só assim não acontece, quando a lei, em situações por si definidas e atentas as circunstâncias de cada caso em concreto, permite que a administração dos baldios seja efectuada por outras entidades administrativas, designadamente pelas juntas de freguesia.
Com efeito, prevê a Lei dos Baldios nos arts. 36º e 22º, respectivamente, que a administração dos mesmos esteja a cargo das juntas de freguesia, quer através de uma administração transitória, quer através de um acto de delegação de poderes.
No que concerne ao primeiro caso – administração transitória – dispõe o nº1 do art. 36º que “A administração de baldios que, no todo ou em parte, tenha sido transferida de facto para qualquer entidade administrativa, nomeadamente para uma ou mais juntas de freguesia, e que nessa situação se mantenha à data da entrada em vigor da presente lei, considera-se delegada nestas entidades com os correspondentes poderes e deveres e com os inerentes direitos, por força da presente lei, e nessa situação se mantém, com as adaptações decorrentes do que nesta lei se dispõe, até que a delegação seja expressamente confirmada ou revogada nos novos moldes agora prescritos ”.
Significa isto que às juntas de freguesia ou outras entidades administrativas, enquanto entidades gestoras, é permitido administrar transitoriamente os baldios com todos os direitos e deveres inerentes à delegação de poderes, pese embora a lei sujeite tal acto a confirmação ou revogação.
Este preceito refere-se, pois, à administração de facto dos baldios traduzida numa verdadeira administração de direito, que se mantêm enquanto não for constituída a assembleia de compartes.
No caso em análise, não tendo sido eleitos quaisquer órgãos representativos do baldio, poderá presumir-se, eventualmente, uma administração transitória.
Posto isto, sobre a alienação de baldios, dispõe o nº 1 do art. 31º que “A assembleia de compartes pode deliberar a alienação a título oneroso, mediante concurso público, tendo por base de licitação o preço de mercado, de áreas limitadas de terrenos baldios:
a) Quando os baldios confrontem com o limite da área de povoações e a alienação seja necessária à expansão da respectiva área urbana;
b) Quando a alienação se destine à instalação de unidades industriais, de infra estruturas e outros empreendimentos de interesse colectivo, nomeadamente para a comunidade local”.
Prevê, assim, a lei admissibilidade de alienação de baldios quando cumpridos todos os requisitos atrás enunciados, sujeitando a sua concretização à realização prévia de concurso público, a fim de evitar as vendas directas aos particulares.
Note-se que a não serem cumpridos os requisitos mencionados, aplicar-se-á a regra geral do art. 4º que proíbe a comercialização dos terrenos baldios, impedindo a sua passagem para a propriedade privada, sob pena de nulidade do respectivo acto.
No caso vertente, estando em causa a construção efectiva de habitações, poderia equacionar-se o enquadramento jurídico no nº 1 do art. 39º do referido diploma, que prevê a possibilidade de alienação do baldio por deliberação de maioria de dois terços dos membros da assembleia de compartes, com dispensa de concurso público, desde que até à data de publicação da presente lei tenham sido efectuadas construções com carácter duradouro, destinadas à habitação ou outros fins previstos e se verifiquem os condicionalismos previstos no art. 31º.
Ora, a ser admissível esta alienação pela entidade que eventualmente administra o baldio em causa, dada a falta de órgãos constituídos, a sua concretização efectiva sempre estará dependente do cumprimento dos requisitos exigidos, nomeadamente dos previstos no citado art. 31º , cuja al. a), referente à expansão habitacional, determina que o baldio tem de confrontar com o limite da área de povoações e a sua alienação tem de ser necessária à expansão da respectiva área urbana.
Já no que respeita ao nº 2 do art. 39º, que prevê, para as situações em que não se verificam os condicionalismos previstos no seu nº 1 nem os previstos no art. 31º, o recurso à acessão industrial imobiliária como forma de adquirir terrenos baldios, consideramos não ser admissível a sua aplicação, porquanto já decorreu o prazo de um ano a contar da entrada em vigor da Lei nº 89/97, de 30.07, dentro do qual o particular podia intentar a respectiva acção.
Tem sido neste sentido o entendimento da jurisprudência, da qual citamos os seguintes acórdãos:
– Ac. da Relação de Coimbra, de 13.02.96 (anterior à alteração de 1997, mas com o mesmo sentido):
“I – Com a entrada em vigor da Lei nº 68/93 de 04.09 é possível a cessão industrial imobiliária de terrenos baldios (art. 39º nº2) desde que a acção seja proposta no prazo de dois anos, não se verifiquem os condicionalismos do art. 39º, nº 1, não se exceda o terreno estritamente necessário e se verifiquem os requisitos gerais da acessão imobiliária”
– Ac. da Relação do Porto, de 18.01.00:
“1 – O decurso do prazo de ano faz caducar o direito de um particular, através do instituto da acessão industrial imobiliária, se apropriar individualmente de terreno baldio”.
Por último, sobre a possibilidade de adquirir o referido baldio através do instituto da usucapião, é também de concluir pela sua inadmissibilidade, uma vez que estes terrenos, estando fora do comércio jurídico, são inalienáveis e insusceptíveis de apropriação privada por qualquer título, incluída a usucapião.
É certo que os baldios eram terrenos prescritíveis e susceptíveis de aquisição individual, por usucapião, durante a vigência do Código Civil de 1867 e até à entrada em vigor do DL nº 39/76, de 19.01. O próprio Código Administrativo, veio resolver esta questão no artigo (único) 388º, onde prescreveu expressamente que os “terrenos baldios são prescritíveis”.
Esta possibilidade foi, todavia, totalmente afastada a partir do disposto no art. 2º do DL nº 39/76, de 19.01, onde expressamente era afirmado que os baldios se encontravam fora do comércio jurídico e que, nessa, medida, não eram objecto de qualquer apropriação privada, incluindo pela usucapião. No âmbito da presente lei, embora não resulte do art. 4º uma afirmação expressa do princípio de que os baldios não são comercializáveis, tal conclusão facilmente é inferida do facto da norma considerar nulos todos os actos ou negócios de apropriação ou apossamento, onde é enquadrável a usucapião.
Neste sentido são também inúmeros os acórdãos que estabelecem jurisprudência sobre este assunto, como por exemplo o Ac. da Relação de Coimbra, de 13.05.80, em que é proferido que “em nenhuma parte autoriza a Lei a constituição de baldios através da usucapião” e que “ não sendo a posse concebível como acto de uma colectividade de indivíduos não identificados, mas como acto pessoal, não é passível a usucapião de baldios, por parte de uma Junta de Freguesia” e o Ac. da Relação de Coimbra, de 05.05.98, que refere que “Os terrenos baldios não pertencem nem ao domínio público nem ao domínio privado do Estado ou das autarquias, constituindo antes, propriedade comunal dos moradores de determinada freguesia ou freguesias, ou parte delas, que exerçam a sua actividade no local” e que “Actualmente, e ao contrário do que sucedeu até 19/12/76, os baldios estão fora do comércio jurídico, sendo, em consequência, inalienáveis e insusceptíveis de apropriação privada por qualquer título, incluída a usucapião”.
A Divisão de Apoio Jurídico
(Elisabete Maria Viegas Frutuoso)
Baldios.
Baldios.
Através do ofício nº …, de …, da Câmara Municipal de … foi solicitado a esta CCDR um parecer jurídico sobre a alienação de seis habitações, cujo terreno onde estão implantadas se presume ser um terreno baldio.
Foi prestada a seguinte informação:
Em 13 de Março de 1985, por Despacho Conjunto dos Ministros das Finanças, do Plano e do Equipamento Social, nº A-23/83-IX, de 29.06, foram cedidos, através do Auto de Cessão dos bens, à Câmara Municipal 6 fogos do empreendimento de pré-fabricação ligeira do “ex-programa CAR”, sitos na freguesia da …;
Estes fogos destinaram-se à construção de habitações, tendo sido celebrados em 1981 contratos de arrendamento com os moradores;
As habitações estão omissas na matriz predial urbana da freguesia da …;
O respectivo terreno está inscrito, desde 1966, na matriz predial rústica da freguesia da … como terreno de mato, cujo titular é o Município da …;
Nas cartas existentes no Município, o mesmo terreno encontra-se identificado como terreno baldio;
Ao terreno nunca foi dado um uso comunitário pelos habitantes da freguesia da …, nem foi feita qualquer diligência conducente à sua constituição em terreno baldio.
Cumpre informar:
Dos elementos prestados, não é conclusivo que o terreno em causa seja um terreno baldio, porquanto não se verificam os pressupostos básicos que lhe estão subjacentes: terrenos possuídos e geridos por comunidades locais ( art. 1º da Lei nº 68/93, de 04.09). Para que um terreno tenha a qualificação jurídica de baldio é de facto indispensável que seja fruído e usado pelos moradores dessa freguesia ou freguesias.
Ao invés, desde 1966, o referido terreno está inscrito na matriz predial rústica da freguesia da … como terreno de mato, cujo titular é o Município de …. É certo que desta inscrição não resulta qualquer presunção da titularidade do direito, como aquela que resultaria do registo predial se o houvesse, mas apenas um reconhecimento público em termos fiscais.
É de reter, no entanto, que embora hoje já não seja obrigatória a inscrição de terrenos baldios na matriz predial rústica, (situação que se verifica a partir do art. 2º do Código de Contribuição Autárquica), à data dos factos ainda o era (1966), o que, a não ter existido tal inscrição, de alguma forma, contraria a tese da qualificação destes terrenos como terrenos baldios.
Repare-se que esta inscrição apenas deixou de ser obrigatória após a publicação do DL nº 39/76, de 19.01 e da Lei nº 68/93, cujos preceitos ao determinarem a não comercialização dos baldios, retiraram-lhes o valor fiscal que justificava este tipo de “registo”.
Por outro lado, o facto de nas cartas do município este terreno constar como terreno baldio, poderá ser interpretado apenas como uma forma de exprimir vulgarmente os “terrenos que estão a mato”, por não terem qualquer utilização conhecida.
Todavia, não deixaremos de ponderar a hipótese de se estar perante um baldio, ainda que legalmente não constituído.
Nos termos do art. 1º da Lei nº 68/93, de 04.09, com alterações introduzidas pela Lei nº 89/97, de 30.07, baldios são os terrenos comunitariamente possuídos e geridos pelos habitantes de determinada comunidade local, ou seja, pelo universo dos compartes que é constituído pelos moradores de uma ou mais freguesias que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio.
Para a constituição dos baldios é necessária a verificação de dois requisitos: por um lado, o uso e fruição pelos compartes e, por outro, a sua gestão pelos próprios compartes ou através dos órgãos democraticamente eleitos – assembleia de compartes, conselho directivo e comissão de fiscalização. Anteriormente, eram as juntas de freguesia e, em alguns casos, as câmaras municipais a fazê-lo. Hoje, as juntas de freguesia, nos termos previstos, respectivamente, dos arts. 36º e 22º do referido diploma, só podem gerir os baldios em situações excepcionais de administração provisória ou de delegação de poderes.
Nos termos do art. 11º da referida lei, “os baldios são administrados, por direito próprio, pelos respectivos compartes, nos termos dos usos e costumes aplicáveis ou, na falta deles, através de órgão ou órgãos democraticamente eleitos”. É entendimento da doutrina que não sendo já existentes e aplicáveis os “usos e costumes” na administração do baldio (ao contrário dos existentes na fruição) a única forma legal de proceder à sua administração é através dos referidos órgãos.
A lei estabelece assim a regra geral de administração dos baldios, da qual resulta o princípio de que os terrenos baldios são administrados pelos compartes ou por órgãos por estes eleitos e com as competências próprias prescritas nos arts. 15º, 21º e 25º do citado diploma.
De facto, cabe aos compartes e não às juntas de freguesia administrar os terrenos baldios. Só assim não acontece, quando a lei, em situações por si definidas e atentas as circunstâncias de cada caso em concreto, permite que a administração dos baldios seja efectuada por outras entidades administrativas, designadamente pelas juntas de freguesia.
Com efeito, prevê a Lei dos Baldios nos arts. 36º e 22º, respectivamente, que a administração dos mesmos esteja a cargo das juntas de freguesia, quer através de uma administração transitória, quer através de um acto de delegação de poderes.
No que concerne ao primeiro caso – administração transitória – dispõe o nº1 do art. 36º que “A administração de baldios que, no todo ou em parte, tenha sido transferida de facto para qualquer entidade administrativa, nomeadamente para uma ou mais juntas de freguesia, e que nessa situação se mantenha à data da entrada em vigor da presente lei, considera-se delegada nestas entidades com os correspondentes poderes e deveres e com os inerentes direitos, por força da presente lei, e nessa situação se mantém, com as adaptações decorrentes do que nesta lei se dispõe, até que a delegação seja expressamente confirmada ou revogada nos novos moldes agora prescritos ”.
Significa isto que às juntas de freguesia ou outras entidades administrativas, enquanto entidades gestoras, é permitido administrar transitoriamente os baldios com todos os direitos e deveres inerentes à delegação de poderes, pese embora a lei sujeite tal acto a confirmação ou revogação.
Este preceito refere-se, pois, à administração de facto dos baldios traduzida numa verdadeira administração de direito, que se mantêm enquanto não for constituída a assembleia de compartes.
No caso em análise, não tendo sido eleitos quaisquer órgãos representativos do baldio, poderá presumir-se, eventualmente, uma administração transitória.
Posto isto, sobre a alienação de baldios, dispõe o nº 1 do art. 31º que “A assembleia de compartes pode deliberar a alienação a título oneroso, mediante concurso público, tendo por base de licitação o preço de mercado, de áreas limitadas de terrenos baldios:
a) Quando os baldios confrontem com o limite da área de povoações e a alienação seja necessária à expansão da respectiva área urbana;
b) Quando a alienação se destine à instalação de unidades industriais, de infra estruturas e outros empreendimentos de interesse colectivo, nomeadamente para a comunidade local”.
Prevê, assim, a lei admissibilidade de alienação de baldios quando cumpridos todos os requisitos atrás enunciados, sujeitando a sua concretização à realização prévia de concurso público, a fim de evitar as vendas directas aos particulares.
Note-se que a não serem cumpridos os requisitos mencionados, aplicar-se-á a regra geral do art. 4º que proíbe a comercialização dos terrenos baldios, impedindo a sua passagem para a propriedade privada, sob pena de nulidade do respectivo acto.
No caso vertente, estando em causa a construção efectiva de habitações, poderia equacionar-se o enquadramento jurídico no nº 1 do art. 39º do referido diploma, que prevê a possibilidade de alienação do baldio por deliberação de maioria de dois terços dos membros da assembleia de compartes, com dispensa de concurso público, desde que até à data de publicação da presente lei tenham sido efectuadas construções com carácter duradouro, destinadas à habitação ou outros fins previstos e se verifiquem os condicionalismos previstos no art. 31º.
Ora, a ser admissível esta alienação pela entidade que eventualmente administra o baldio em causa, dada a falta de órgãos constituídos, a sua concretização efectiva sempre estará dependente do cumprimento dos requisitos exigidos, nomeadamente dos previstos no citado art. 31º , cuja al. a), referente à expansão habitacional, determina que o baldio tem de confrontar com o limite da área de povoações e a sua alienação tem de ser necessária à expansão da respectiva área urbana.
Já no que respeita ao nº 2 do art. 39º, que prevê, para as situações em que não se verificam os condicionalismos previstos no seu nº 1 nem os previstos no art. 31º, o recurso à acessão industrial imobiliária como forma de adquirir terrenos baldios, consideramos não ser admissível a sua aplicação, porquanto já decorreu o prazo de um ano a contar da entrada em vigor da Lei nº 89/97, de 30.07, dentro do qual o particular podia intentar a respectiva acção.
Tem sido neste sentido o entendimento da jurisprudência, da qual citamos os seguintes acórdãos:
– Ac. da Relação de Coimbra, de 13.02.96 (anterior à alteração de 1997, mas com o mesmo sentido):
“I – Com a entrada em vigor da Lei nº 68/93 de 04.09 é possível a cessão industrial imobiliária de terrenos baldios (art. 39º nº2) desde que a acção seja proposta no prazo de dois anos, não se verifiquem os condicionalismos do art. 39º, nº 1, não se exceda o terreno estritamente necessário e se verifiquem os requisitos gerais da acessão imobiliária”
– Ac. da Relação do Porto, de 18.01.00:
“1 – O decurso do prazo de ano faz caducar o direito de um particular, através do instituto da acessão industrial imobiliária, se apropriar individualmente de terreno baldio”.
Por último, sobre a possibilidade de adquirir o referido baldio através do instituto da usucapião, é também de concluir pela sua inadmissibilidade, uma vez que estes terrenos, estando fora do comércio jurídico, são inalienáveis e insusceptíveis de apropriação privada por qualquer título, incluída a usucapião.
É certo que os baldios eram terrenos prescritíveis e susceptíveis de aquisição individual, por usucapião, durante a vigência do Código Civil de 1867 e até à entrada em vigor do DL nº 39/76, de 19.01. O próprio Código Administrativo, veio resolver esta questão no artigo (único) 388º, onde prescreveu expressamente que os “terrenos baldios são prescritíveis”.
Esta possibilidade foi, todavia, totalmente afastada a partir do disposto no art. 2º do DL nº 39/76, de 19.01, onde expressamente era afirmado que os baldios se encontravam fora do comércio jurídico e que, nessa, medida, não eram objecto de qualquer apropriação privada, incluindo pela usucapião. No âmbito da presente lei, embora não resulte do art. 4º uma afirmação expressa do princípio de que os baldios não são comercializáveis, tal conclusão facilmente é inferida do facto da norma considerar nulos todos os actos ou negócios de apropriação ou apossamento, onde é enquadrável a usucapião.
Neste sentido são também inúmeros os acórdãos que estabelecem jurisprudência sobre este assunto, como por exemplo o Ac. da Relação de Coimbra, de 13.05.80, em que é proferido que “em nenhuma parte autoriza a Lei a constituição de baldios através da usucapião” e que “ não sendo a posse concebível como acto de uma colectividade de indivíduos não identificados, mas como acto pessoal, não é passível a usucapião de baldios, por parte de uma Junta de Freguesia” e o Ac. da Relação de Coimbra, de 05.05.98, que refere que “Os terrenos baldios não pertencem nem ao domínio público nem ao domínio privado do Estado ou das autarquias, constituindo antes, propriedade comunal dos moradores de determinada freguesia ou freguesias, ou parte delas, que exerçam a sua actividade no local” e que “Actualmente, e ao contrário do que sucedeu até 19/12/76, os baldios estão fora do comércio jurídico, sendo, em consequência, inalienáveis e insusceptíveis de apropriação privada por qualquer título, incluída a usucapião”.
A Divisão de Apoio Jurídico
(Elisabete Maria Viegas Frutuoso)
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