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Home Pareceres Jurídicos até 2017 Contratação in house: Câmara Municipal da … e …

Contratação in house: Câmara Municipal da … e …

Foi solicitado pela Vogal Executiva da Comissão Directiva do PO Regional do Centro, …, em …, através da informação nº …, de …, um parecer jurídico sobre o enquadramento do procedimento de aquisição de serviços entre a Câmara Municipal da … e a empresa … na contratação in house, nos termos do disposto no nº 2 do art.º 5º do Código de Contratação Pública (CCP).

Foi prestada a seguinte informação:

 Em 07.07.2010 foi celebrado contrato entre a Câmara Municipal da … e a empresa …, SA, no montante de 356 840,00 €, sem IVA;
 No âmbito da candidatura a este PO, não foi apresentada a check-list de verificação da contratação pública;
 A Câmara Municipal da …, através de ofício nº …, de …, invocou que “a presente contratação decorreu ao abrigo do nº 2 do art.º 5º do CCP, considerando excluída a aplicação da parte II desse diploma” e que “a referida contratação consubstancia uma contratação in house, uma vez que, sendo a entidade adjudicante a CM, detém a maioria do capital da … SA, exerce sobre a actividade dessa entidade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e que essa empresa desenvolve a sua actividade em benefício do Município da …”;
 A empresa …, SA, é é constituída por capitais públicos em 91%, dos quais o Município da … detém 78,6%, e também por capitais privados.

Temos a informar:

 

I

Estipula o nº 2 do art. 5º do CCP, sob a epígrafe “Contratação excluída”, que “A parte segunda do presente Código também não é aplicável à formação dos contratos, independentemente do seu objecto, a celebrar por entidades adjudicantes com uma outra entidade, desde que:

a) A entidade adjudicante exerça sobre a actividade desta, isoladamente ou em conjunto com outras entidades adjudicantes, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e
b) Esta entidade desenvolva o essencial da sua actividade em benefício de uma ou de várias entidades adjudicantes que exerçam sobre ela o controlo análogo referido na alínea anterior.”

Consagra assim este normativo, a contratação in house que é aquela que resulta de contratos celebrados entre “ uma entidade pública e outra que é seu prolongamento e cuja actividade, por isso mesmo, a primeira controla, existindo entre aquela e esta uma relação de dependência jurídica”.1

Daqui decorre que para a configuração de um contrato como in house, que tem como efeito a sua exclusão da aplicação da Parte II do CCP, é necessária a verificação cumulativa dos dois requisitos enunciados na lei: o controlo análogo e a destinação essencial da actividade.

Efectivamente, para que estejamos perante uma contratação desta natureza é imperativo que, por um lado, a entidade adjudicante exerça sobre a actividade da entidade adjudicatária um controlo semelhante ao que exerce sobre os seus próprios serviços, ou seja, que exerça uma influência determinante sobre os seus objectivos e decisões e, por outro, que a entidade adjudicatária execute o essencial da sua actividade em benefício directo da entidade adjudicante.

No que respeita ao controlo análogo, poder-se-á apontar como indicadores da sua existência o referido controlo hierárquico, o financiamento maioritário e a atribuição de funções como se de delegação de competências se tratasse.

A verificação destes factores, tal como refere a doutrina2, acaba “por funcionar como índices semióticos da efectiva concorrência de um controlo análogo, bastante – desde que acompanhado, claro está, da destinação essencial da actividade da entidade adjudicatária ao abastecimento da Administração – para furtar estas relações ao confronto concorrencial e dispensando, por esta forma, as autoridades administrativas da abertura de um procedimento pré-contratual (…)”.

Como refere este autor3 o controlo análogo consiste, assim, na “existência de uma posição de sujeição ou de subordinação da entidade adjudicatária por relação à entidade adjudicante, em termos capazes de esvaziar a primeira da sua autonomia decisória por via da respectiva submissão ao poder de orientação da segunda”.

No que toca ao segundo requisito exigido e que se prende com o destino do essencial da actividade da entidade adjudicatária, a lei impõe que esta exerça em prol da entidade adjudicante a sua actividade quase em exclusividade, ou seja, que as suas funções sejam fundamentalmente realizadas em benefício da entidade adjudicante.

Neste sentido, o Tribunal de Justiça, no Acórdão Carbotermo, defende que se pode “considerar que a empresa em causa realiza o essencial da sua actividade com a autarquia que a controla (…) quando actividade desta empresa é consagrada principalmente a esta autarquia, revestindo qualquer outra actividade apenas carácter marginal” e acrescenta, no Acórdão Asemfo/Tragsa, que esse requisito considerar-se-á preenchido por uma entidade que, em média, realiza mais de 90% da sua actividade em benefício da entidade adjudicante.4

Ainda que se considere que a percentagem apontada não constitui um critério único, sempre se entenderá, rendo em conta a destinação essencial da actividade, que o volume de actividade da entidade adjudicatária deverá ultrapassar os 50%.

Não obstante, desde que a actividade da entidade adjudicatária se destine substancialmente à entidade adjudicante, é admissível que possam ser exercidas outras actividades a título subsidiário ou complementar.

Em suma, cumpridos os dois requisitos analisados, poder-se-ia então concluir que estariam reunidas as condições necessárias para qualificar uma relação jurídica de contratação in house, todavia, além dos requisitos legais mencionados, a jurisprudência do Tribunal de Justiça tem vindo a acrescentar uma terceira restrição que diz respeito à natureza do capital da entidade adjudicatária e que poderá afastar a subsistência do requisito do controlo análogo.

Defende este Tribunal, em alguns dos seus acórdãos, que a existência de participação privada no capital social da entidade adjudicatária é motivo fundamentador para considerar inexistente uma relação in house e, nessa medida, sujeitar os respectivos procedimentos contratuais às regras de formação dos contratos.

Com efeito, decidiu o Tribunal de Justiça no Acórdão Stadt Halle que “a participação, ainda que minoritária de uma empresa privada no capital de uma sociedade no qual participa também a entidade adjudicante em causa exclui de qualquer forma que esta entidade adjudicante possa exercer sobre esta sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços”.

Considerou, desta forma, o Tribunal que a simples presença de um sócio privado na entidade adjudicatária, ou seja, de capital privado na entidade controlada, subverte o interesse público subjacente à relação jurídica existente entre uma entidade pública e os seus próprios serviços.

Em comentário ao citado acórdão5 refere a doutrina que “O tribunal entendeu, portanto, que não pode subsistir uma relação in house nas hipóteses em que na empresa adjudicatária esteja presente um sócio privado, uma vês que a presença deste, por si mesma, demonstra a existência de uma actividade económica de intuito lucrativo que não pose ser confiada a terceiros prescindindo do respeito dos princípios da liberdade de concorrência”.

Note-se, aliás, que a jurisprudência comunitária vai mais longe na imposição desta restrição ao considerar que basta a mera previsão estatutária de capital privado (Acórdão Parking Brixen) e a transformação de uma sociedade de capitais integralmente públicos numa sociedade de capitais mistos, para prejudicar a qualificação de uma relação jurídica como in house (Acórdão Comissão/Áustria).

Este último acórdão justifica tal entendimento com o facto da “relação entre uma autoridade pública, que seja uma entidade adjudicante, com os seus próprios serviços se reger por considerações e exigências específicas de interesse público, enquanto que o capital privado numa empresa obedece a considerações inerentes a interesses privados e prossegue objectivos de natureza diferente”.

Como sublinha a doutrina6, a propósito do expendido, “teríamos que a lógica egoísta do lucro subjacente ao interesse privado seria absolutamente inconciliável com a lógica altruísta da satisfação de necessidades colectivas subjacentes ao interesse público, contaminando irreversivelmente a relação entre entidade adjudicante e sua entidade adjudicatária e não lhe permitindo, por isso, furtar-se ao confronto concorrencial”.

Em síntese, defende o referido Tribunal que basta a simples presença de 1% ou menos de participação privada no capital social da entidade adjudicatária para que seja posta em crise a existência de um controlo análogo exercido pela entidade adjudicante, devendo, nessa medida, ser aplicados os procedimentos pré-contratuais nas relações jurídicas levadas a cabo.

 

II

Feita a abordagem do regime jurídico da contratação in house, vejamos se no caso que em concreto nos foi colocado se verificam os requisitos constantes no nº 2 do art. 5º do CCP e na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

No caso vertente, como já referimos, está em causa um contrato celebrado entre a Câmara Municipal da … e a empresa …, no valor de 356 840,00 € (sem IVA), sendo esta constituída por 91% de capitais públicos, dos quais 78,6% são detidos pelo Município da …, e por 9% de capitais privados.

Ora, face ao que antecede, dada a existência inequívoca de capital privado na Empresa …, escusamo-nos de nos pronunciar detalhadamente sobre a verificação efectiva dos requisitos referentes ao controlo análogo e à destinação essencial da actividade.

De facto, a mera existência de participação privada no capital social da entidade adjudicatária, não obstante a sua maioria ser detida por entidades públicas, designadamente a Câmara Municipal da …, impede, ab initio, que se qualifique a relação jurídica existente entre a Câmara e a … como uma contratação in house.

Como vimos, o Tribunal de Justiça considera que a simples presença de 1% (ou menos) de participação privada no capital social da entidade adjudicatária é condição bastante para comprometer o interesse público característico das relações estabelecidas entre as entidades públicas e os seus próprios serviços, e, dessa forma, afastar a existência de um controlo análogo sobre a sua actividade e, consequentemente, a invocação de uma relação in house entre a entidade adjudicante e a adjudicatária.

Do exposto, é assim de concluir que a existência de capital privado no capital social da …, ainda que minoritário face ao público, é fundamento inequívoco para que a sua relação com Câmara Municipal da … não possa ser, ao abrigo do nº 2 do art.º 5º do CCP, qualificada como in house, ficando, nessa medida, a Câmara Municipal obrigatoriamente sujeita aos procedimentos pré-contratuais previstos no referido Código.

Desta forma, estando em causa um contrato de aquisição de serviços no valor de 356 840,00 €, a Câmara Municipal da … deveria ter adoptado para a sua formação, nos termos da al. b) do nº 1 do art.º 20º do CCP, um concurso público ou um concurso limitado por prévia qualificação com publicidade internacional, cujo limiar comunitário é 193 000,00 €.

 
1. Jorge Andrade da Silva, Código dos Contratos Públicos, Comentado e Anotado, Almedina 2008, pág. 75
 
2. Bernardo Azevedo, Estudos de Contratação Pública – I Cedipre, Coimbra Editora – contratação in house: entre a liberdade de auto-organização administrativa e a liberdade de mercado, pág. 128
 
3. Obra citada na nota 2, pág. 126
 
4. Pedro Gonçalves, Regime Jurídico das Empresas Municipais, Almedina, pág.184
 
5. Obra citada na nota 4, pág. 182
 
6. Obra citada na nota 2, pág. 135

Apoio Jurídico ao PO Regional do Centro

(Elisabete Maria Viegas Frutuoso)

 
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Contratação in house: Câmara Municipal da … e …

Contratação in house: Câmara Municipal da … e …

Foi solicitado pela Vogal Executiva da Comissão Directiva do PO Regional do Centro, …, em …, através da informação nº …, de …, um parecer jurídico sobre o enquadramento do procedimento de aquisição de serviços entre a Câmara Municipal da … e a empresa … na contratação in house, nos termos do disposto no nº 2 do art.º 5º do Código de Contratação Pública (CCP).

Foi prestada a seguinte informação:

 Em 07.07.2010 foi celebrado contrato entre a Câmara Municipal da … e a empresa …, SA, no montante de 356 840,00 €, sem IVA;
 No âmbito da candidatura a este PO, não foi apresentada a check-list de verificação da contratação pública;
 A Câmara Municipal da …, através de ofício nº …, de …, invocou que “a presente contratação decorreu ao abrigo do nº 2 do art.º 5º do CCP, considerando excluída a aplicação da parte II desse diploma” e que “a referida contratação consubstancia uma contratação in house, uma vez que, sendo a entidade adjudicante a CM, detém a maioria do capital da … SA, exerce sobre a actividade dessa entidade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e que essa empresa desenvolve a sua actividade em benefício do Município da …”;
 A empresa …, SA, é é constituída por capitais públicos em 91%, dos quais o Município da … detém 78,6%, e também por capitais privados.

Temos a informar:

 

I

Estipula o nº 2 do art. 5º do CCP, sob a epígrafe “Contratação excluída”, que “A parte segunda do presente Código também não é aplicável à formação dos contratos, independentemente do seu objecto, a celebrar por entidades adjudicantes com uma outra entidade, desde que:

a) A entidade adjudicante exerça sobre a actividade desta, isoladamente ou em conjunto com outras entidades adjudicantes, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e
b) Esta entidade desenvolva o essencial da sua actividade em benefício de uma ou de várias entidades adjudicantes que exerçam sobre ela o controlo análogo referido na alínea anterior.”

Consagra assim este normativo, a contratação in house que é aquela que resulta de contratos celebrados entre “ uma entidade pública e outra que é seu prolongamento e cuja actividade, por isso mesmo, a primeira controla, existindo entre aquela e esta uma relação de dependência jurídica”.1

Daqui decorre que para a configuração de um contrato como in house, que tem como efeito a sua exclusão da aplicação da Parte II do CCP, é necessária a verificação cumulativa dos dois requisitos enunciados na lei: o controlo análogo e a destinação essencial da actividade.

Efectivamente, para que estejamos perante uma contratação desta natureza é imperativo que, por um lado, a entidade adjudicante exerça sobre a actividade da entidade adjudicatária um controlo semelhante ao que exerce sobre os seus próprios serviços, ou seja, que exerça uma influência determinante sobre os seus objectivos e decisões e, por outro, que a entidade adjudicatária execute o essencial da sua actividade em benefício directo da entidade adjudicante.

No que respeita ao controlo análogo, poder-se-á apontar como indicadores da sua existência o referido controlo hierárquico, o financiamento maioritário e a atribuição de funções como se de delegação de competências se tratasse.

A verificação destes factores, tal como refere a doutrina2, acaba “por funcionar como índices semióticos da efectiva concorrência de um controlo análogo, bastante – desde que acompanhado, claro está, da destinação essencial da actividade da entidade adjudicatária ao abastecimento da Administração – para furtar estas relações ao confronto concorrencial e dispensando, por esta forma, as autoridades administrativas da abertura de um procedimento pré-contratual (…)”.

Como refere este autor3 o controlo análogo consiste, assim, na “existência de uma posição de sujeição ou de subordinação da entidade adjudicatária por relação à entidade adjudicante, em termos capazes de esvaziar a primeira da sua autonomia decisória por via da respectiva submissão ao poder de orientação da segunda”.

No que toca ao segundo requisito exigido e que se prende com o destino do essencial da actividade da entidade adjudicatária, a lei impõe que esta exerça em prol da entidade adjudicante a sua actividade quase em exclusividade, ou seja, que as suas funções sejam fundamentalmente realizadas em benefício da entidade adjudicante.

Neste sentido, o Tribunal de Justiça, no Acórdão Carbotermo, defende que se pode “considerar que a empresa em causa realiza o essencial da sua actividade com a autarquia que a controla (…) quando actividade desta empresa é consagrada principalmente a esta autarquia, revestindo qualquer outra actividade apenas carácter marginal” e acrescenta, no Acórdão Asemfo/Tragsa, que esse requisito considerar-se-á preenchido por uma entidade que, em média, realiza mais de 90% da sua actividade em benefício da entidade adjudicante.4

Ainda que se considere que a percentagem apontada não constitui um critério único, sempre se entenderá, rendo em conta a destinação essencial da actividade, que o volume de actividade da entidade adjudicatária deverá ultrapassar os 50%.

Não obstante, desde que a actividade da entidade adjudicatária se destine substancialmente à entidade adjudicante, é admissível que possam ser exercidas outras actividades a título subsidiário ou complementar.

Em suma, cumpridos os dois requisitos analisados, poder-se-ia então concluir que estariam reunidas as condições necessárias para qualificar uma relação jurídica de contratação in house, todavia, além dos requisitos legais mencionados, a jurisprudência do Tribunal de Justiça tem vindo a acrescentar uma terceira restrição que diz respeito à natureza do capital da entidade adjudicatária e que poderá afastar a subsistência do requisito do controlo análogo.

Defende este Tribunal, em alguns dos seus acórdãos, que a existência de participação privada no capital social da entidade adjudicatária é motivo fundamentador para considerar inexistente uma relação in house e, nessa medida, sujeitar os respectivos procedimentos contratuais às regras de formação dos contratos.

Com efeito, decidiu o Tribunal de Justiça no Acórdão Stadt Halle que “a participação, ainda que minoritária de uma empresa privada no capital de uma sociedade no qual participa também a entidade adjudicante em causa exclui de qualquer forma que esta entidade adjudicante possa exercer sobre esta sociedade um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços”.

Considerou, desta forma, o Tribunal que a simples presença de um sócio privado na entidade adjudicatária, ou seja, de capital privado na entidade controlada, subverte o interesse público subjacente à relação jurídica existente entre uma entidade pública e os seus próprios serviços.

Em comentário ao citado acórdão5 refere a doutrina que “O tribunal entendeu, portanto, que não pode subsistir uma relação in house nas hipóteses em que na empresa adjudicatária esteja presente um sócio privado, uma vês que a presença deste, por si mesma, demonstra a existência de uma actividade económica de intuito lucrativo que não pose ser confiada a terceiros prescindindo do respeito dos princípios da liberdade de concorrência”.

Note-se, aliás, que a jurisprudência comunitária vai mais longe na imposição desta restrição ao considerar que basta a mera previsão estatutária de capital privado (Acórdão Parking Brixen) e a transformação de uma sociedade de capitais integralmente públicos numa sociedade de capitais mistos, para prejudicar a qualificação de uma relação jurídica como in house (Acórdão Comissão/Áustria).

Este último acórdão justifica tal entendimento com o facto da “relação entre uma autoridade pública, que seja uma entidade adjudicante, com os seus próprios serviços se reger por considerações e exigências específicas de interesse público, enquanto que o capital privado numa empresa obedece a considerações inerentes a interesses privados e prossegue objectivos de natureza diferente”.

Como sublinha a doutrina6, a propósito do expendido, “teríamos que a lógica egoísta do lucro subjacente ao interesse privado seria absolutamente inconciliável com a lógica altruísta da satisfação de necessidades colectivas subjacentes ao interesse público, contaminando irreversivelmente a relação entre entidade adjudicante e sua entidade adjudicatária e não lhe permitindo, por isso, furtar-se ao confronto concorrencial”.

Em síntese, defende o referido Tribunal que basta a simples presença de 1% ou menos de participação privada no capital social da entidade adjudicatária para que seja posta em crise a existência de um controlo análogo exercido pela entidade adjudicante, devendo, nessa medida, ser aplicados os procedimentos pré-contratuais nas relações jurídicas levadas a cabo.

 

II

Feita a abordagem do regime jurídico da contratação in house, vejamos se no caso que em concreto nos foi colocado se verificam os requisitos constantes no nº 2 do art. 5º do CCP e na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

No caso vertente, como já referimos, está em causa um contrato celebrado entre a Câmara Municipal da … e a empresa …, no valor de 356 840,00 € (sem IVA), sendo esta constituída por 91% de capitais públicos, dos quais 78,6% são detidos pelo Município da …, e por 9% de capitais privados.

Ora, face ao que antecede, dada a existência inequívoca de capital privado na Empresa …, escusamo-nos de nos pronunciar detalhadamente sobre a verificação efectiva dos requisitos referentes ao controlo análogo e à destinação essencial da actividade.

De facto, a mera existência de participação privada no capital social da entidade adjudicatária, não obstante a sua maioria ser detida por entidades públicas, designadamente a Câmara Municipal da …, impede, ab initio, que se qualifique a relação jurídica existente entre a Câmara e a … como uma contratação in house.

Como vimos, o Tribunal de Justiça considera que a simples presença de 1% (ou menos) de participação privada no capital social da entidade adjudicatária é condição bastante para comprometer o interesse público característico das relações estabelecidas entre as entidades públicas e os seus próprios serviços, e, dessa forma, afastar a existência de um controlo análogo sobre a sua actividade e, consequentemente, a invocação de uma relação in house entre a entidade adjudicante e a adjudicatária.

Do exposto, é assim de concluir que a existência de capital privado no capital social da …, ainda que minoritário face ao público, é fundamento inequívoco para que a sua relação com Câmara Municipal da … não possa ser, ao abrigo do nº 2 do art.º 5º do CCP, qualificada como in house, ficando, nessa medida, a Câmara Municipal obrigatoriamente sujeita aos procedimentos pré-contratuais previstos no referido Código.

Desta forma, estando em causa um contrato de aquisição de serviços no valor de 356 840,00 €, a Câmara Municipal da … deveria ter adoptado para a sua formação, nos termos da al. b) do nº 1 do art.º 20º do CCP, um concurso público ou um concurso limitado por prévia qualificação com publicidade internacional, cujo limiar comunitário é 193 000,00 €.

 
1. Jorge Andrade da Silva, Código dos Contratos Públicos, Comentado e Anotado, Almedina 2008, pág. 75
 
2. Bernardo Azevedo, Estudos de Contratação Pública – I Cedipre, Coimbra Editora – contratação in house: entre a liberdade de auto-organização administrativa e a liberdade de mercado, pág. 128
 
3. Obra citada na nota 2, pág. 126
 
4. Pedro Gonçalves, Regime Jurídico das Empresas Municipais, Almedina, pág.184
 
5. Obra citada na nota 4, pág. 182
 
6. Obra citada na nota 2, pág. 135

Apoio Jurídico ao PO Regional do Centro

(Elisabete Maria Viegas Frutuoso)