Responsabilidade civil extracontratual; celebração de contrato seguro.
Data: segunda, 16 maio 2011
Número: DAJ 111/11
Responsáveis: Elisabete Maria Viegas Frutuoso
Solicitou a Câmara Municipal da …, através do ofício nº …, de …, a emissão de um parecer jurídico sobre a legalidade do Município subscrever um seguro de responsabilidade civil extracontratual para os titulares dos seus órgãos autárquicos e funcionários públicos.
Temos a informar:
A matéria questionada prende-se com o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Pessoas Colectivas de Direito Público, aprovado e publicado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, na redacção dada pela Lei nº 31/2008, de 17 de Julho.
Importa, desde logo, esclarecer que este regime apenas é aplicável à responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública, continuando, dessa forma, a responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas por actos de gestão privada a ser regida por normas do direito privado (arts 500º e 501º do Código Civil), à semelhança do que se verificava na vigência do anterior regime, Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967 e Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, cujos arts 96º e 97º foram revogados pela Lei nº 67/2007.
De acordo com o âmbito de aplicação, previsto no art. 1º do referido diploma, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, onde se incluem as autarquias locais abrange os danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa.
No presente caso, estando em causa a responsabilidade civil dos titulares dos órgãos autárquicos e funcionários públicos, apenas interessa abordar a responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da actividade administrativa.
Para estes efeitos, o nº 2 do citado art. 1º estabelece que “correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo” e o nº 3 que a referida lei regula também a responsabilidade civil dos titulares dos órgãos e funcionários públicos pelos danos resultantes de acções ou omissões no exercício das funções administrativas (e jurisdicional) e por causa desse exercício.
No que respeita à responsabilidade por facto ilícito (tipologia que aqui releva analisar, dado que na responsabilidade por risco apenas é responsável o Estado e as demais entidades públicas) determina a Lei nº 67/2007, o seguinte:
• No nº 1 do art. 7º, a responsabilidade exclusiva do Estado e demais pessoas colectivas de direito público pelos danos que decorrem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos e funcionários públicos, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício;
• No nº 1 do seu art. 8º, a responsabilidade dos referidos titulares e funcionários, em que estes são pessoalmente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, por eles praticadas com dolo ou com culpa grave, isto é, com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo;
• No nº 2 do art. 8º, a responsabilidade solidária do Estado e demais pessoas colectivas de direito público com os titulares dos seus órgãos e funcionários públicos, se as acções ou omissões tiverem sido cometidas por estes com dolo ou com culpa grave, no exercício das suas funções e por causa desse exercício;
• No nº 3 do art. 8º, o direito de regresso do Estado e demais pessoas colectivas de direito público contra os titulares dos órgãos e funcionários públicos, sempre que satisfaçam qualquer indemnização nos termos previstos no nº 2 do referido normativo.
Em suma e citando a Procuradoria Geral da República,1 “enquanto no nº 1 do artigo 7º se prevê a responsabilidade exclusiva do Estado e demais entidades públicas, no nº 2 do artigo 8º encontra-se prevista a responsabilidade solidária entre estes e os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes”.
Este regime, tal como já fazia o anterior, defende assim que a responsabilidade pessoal dos titulares dos órgãos e funcionários públicos, quando em causa esteja o exercício de funções públicas, só deve existir nos casos em que as acções ou omissões sejam cometidas com dolo ou culpa grave e não nos casos de culpa leve. Repare-se que nestes casos, ou seja, quando as acções ou omissões desses titulares e funcionários sejam cometidas, com dolo ou culpa grave, no exercício das suas funções públicas e por causa delas, o Estado e demais pessoas colectivas de direito público respondem solidariamente com aqueles perante terceiros.
O que vale por dizer, que nos casos de dolo e culpa grave, respondem sempre solidariamente as entidades públicas e os titulares dos seus órgãos e funcionários, conquanto estes tenham praticado os referidos actos no exercício das suas funções e por causa delas.
Por exclusão de partes, tal significa assim que os titulares dos órgãos e funcionários públicos só são responsáveis pessoal e exclusivamente perante terceiros quando pratiquem um acto ilícito fora do exercício das suas funções ou no exercício das mesmas, mas não por causa desse exercício.
Feita esta breve análise sobre o regime da responsabilidade extracontratual por actos de gestão pública, importa agora abordar a questão formulada que, como já enunciamos, procura saber se o Município pode contratar um seguro de responsabilidade civil extracontratual para os titulares dos seus órgãos e funcionários públicos.
Para além do exposto, cumpre ainda observar o disposto no Estatuto dos Eleitos Locais (Lei nº 29/87, de 30 de Junho, alterada e republicada pela Lei nº 52-A/2005, de 10 de Outubro), que define os direitos e deveres dos eleitos locais.
Da análise do EEL não resulta a obrigatoriedade de contratar um seguro de responsabilidade civil para os eleitos locais, mas tão só a de contratar um seguro de acidentes pessoais e de prestar apoio nos processos judiciais que tenham como causa o exercício das respectivas funções, nos termos previstos, respectivamente, na al. l) do nº 1 do art. 5º e art. 17º do referido Estatuto e na al. o) do nº 1 do art. 5º e art. 21º do mesmo diploma.
Da mesma forma, somos de concluir que do regime jurídico que regula a protecção social dos trabalhadores da Administração Pública, incluindo os da administração local, não resulta qualquer obrigação de contratar seguros de responsabilidade civil para os funcionários, mas apenas de subscrever, quando admissíveis, seguros de acidentes em serviço. Veja-se o Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro (diploma que estabelece o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas), que determina no seu art. 45º que a transferência dessa responsabilidade para entidades seguradoras só é admissível na administração local, permitindo-a na administração central apensa nos casos devidamente justificados e vantajosos.
Nestes casos, a ser admissível a celebração de contratos de seguro, estar-se-ia a permitir a subscrição de seguros de responsabilidade civil pelo Município em benefício de pessoas a quem a lei atribui expressamente responsabilidade pelos danos decorrentes das suas acções ou omissões ilícitas, cometidas com dolo ou culpa grave, e pelos quais responde o respectivo património pessoal.
Repare-se que o Município desta forma, não obstante o direito de regresso que tem contra os titulares dos órgãos e funcionários públicos nas acções ou omissões ilícitas praticadas no exercício das suas funções e por causa delas, suportaria sempre, através do seu património, os custos inerentes de um seguro do qual não beneficiaria.
Situação diversa já é, porém, aquela em que o Município, nos actos de gestão pública em que é civil e exclusivamente responsável, no termos do previsto no art. 7º da Lei nº 67/2007, pode subscrever um seguro de responsabilidade civil extracontratual. É que, neste caso, o Município está a contratar um seguro para os actos em que ele próprio, nos termos do referido normativo, é responsabilizado e responde através do seu património.
Mesmos nestas situações, note-se, a doutrina e a jurisprudência dominante consideram que o contrato de seguro apenas faz transferir o “quantum” indemnizatório para a entidade seguradora, não a responsabilidade jurídica pelo evento e a sua autoria2.
Desta feita, atendendo ao princípio da legalidade segundo o qual os órgãos da Administração Pública devem pautar a sua actuação em estrita obediência à lei e ao direito e ao facto de que a contratação pelo Município de um seguro de responsabilidade civil extracontratual para os titulares dos seus órgãos e funcionários públicos extravasa o âmbito das suas competências e os direitos destes, afigura-se-nos claramente ilegal a celebração de contratos de seguros que permitam, nos termos do art. 8º da Lei nº 67/2007, transferir a responsabilidade civil resultante do exercício da função administrativa imputável a esses titulares de órgãos e funcionários.
A Divisão de Apoio Jurídico
(Elisabete Maria Viegas Frutuoso)
1. Parecer do Conselho Consultivo da PGR, P000812007
2. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Proc. 02119/04.0BEPRT, de 06.04.2006
Responsabilidade civil extracontratual; celebração de contrato seguro.
Responsabilidade civil extracontratual; celebração de contrato seguro.
Data: segunda, 16 maio 2011
Número: DAJ 111/11
Responsáveis: Elisabete Maria Viegas Frutuoso
Solicitou a Câmara Municipal da …, através do ofício nº …, de …, a emissão de um parecer jurídico sobre a legalidade do Município subscrever um seguro de responsabilidade civil extracontratual para os titulares dos seus órgãos autárquicos e funcionários públicos.
Temos a informar:
A matéria questionada prende-se com o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Pessoas Colectivas de Direito Público, aprovado e publicado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, na redacção dada pela Lei nº 31/2008, de 17 de Julho.
Importa, desde logo, esclarecer que este regime apenas é aplicável à responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública, continuando, dessa forma, a responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas por actos de gestão privada a ser regida por normas do direito privado (arts 500º e 501º do Código Civil), à semelhança do que se verificava na vigência do anterior regime, Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967 e Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, cujos arts 96º e 97º foram revogados pela Lei nº 67/2007.
De acordo com o âmbito de aplicação, previsto no art. 1º do referido diploma, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, onde se incluem as autarquias locais abrange os danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa.
No presente caso, estando em causa a responsabilidade civil dos titulares dos órgãos autárquicos e funcionários públicos, apenas interessa abordar a responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da actividade administrativa.
Para estes efeitos, o nº 2 do citado art. 1º estabelece que “correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo” e o nº 3 que a referida lei regula também a responsabilidade civil dos titulares dos órgãos e funcionários públicos pelos danos resultantes de acções ou omissões no exercício das funções administrativas (e jurisdicional) e por causa desse exercício.
No que respeita à responsabilidade por facto ilícito (tipologia que aqui releva analisar, dado que na responsabilidade por risco apenas é responsável o Estado e as demais entidades públicas) determina a Lei nº 67/2007, o seguinte:
• No nº 1 do art. 7º, a responsabilidade exclusiva do Estado e demais pessoas colectivas de direito público pelos danos que decorrem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos e funcionários públicos, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício;
• No nº 1 do seu art. 8º, a responsabilidade dos referidos titulares e funcionários, em que estes são pessoalmente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, por eles praticadas com dolo ou com culpa grave, isto é, com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo;
• No nº 2 do art. 8º, a responsabilidade solidária do Estado e demais pessoas colectivas de direito público com os titulares dos seus órgãos e funcionários públicos, se as acções ou omissões tiverem sido cometidas por estes com dolo ou com culpa grave, no exercício das suas funções e por causa desse exercício;
• No nº 3 do art. 8º, o direito de regresso do Estado e demais pessoas colectivas de direito público contra os titulares dos órgãos e funcionários públicos, sempre que satisfaçam qualquer indemnização nos termos previstos no nº 2 do referido normativo.
Em suma e citando a Procuradoria Geral da República,1 “enquanto no nº 1 do artigo 7º se prevê a responsabilidade exclusiva do Estado e demais entidades públicas, no nº 2 do artigo 8º encontra-se prevista a responsabilidade solidária entre estes e os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes”.
Este regime, tal como já fazia o anterior, defende assim que a responsabilidade pessoal dos titulares dos órgãos e funcionários públicos, quando em causa esteja o exercício de funções públicas, só deve existir nos casos em que as acções ou omissões sejam cometidas com dolo ou culpa grave e não nos casos de culpa leve. Repare-se que nestes casos, ou seja, quando as acções ou omissões desses titulares e funcionários sejam cometidas, com dolo ou culpa grave, no exercício das suas funções públicas e por causa delas, o Estado e demais pessoas colectivas de direito público respondem solidariamente com aqueles perante terceiros.
O que vale por dizer, que nos casos de dolo e culpa grave, respondem sempre solidariamente as entidades públicas e os titulares dos seus órgãos e funcionários, conquanto estes tenham praticado os referidos actos no exercício das suas funções e por causa delas.
Por exclusão de partes, tal significa assim que os titulares dos órgãos e funcionários públicos só são responsáveis pessoal e exclusivamente perante terceiros quando pratiquem um acto ilícito fora do exercício das suas funções ou no exercício das mesmas, mas não por causa desse exercício.
Feita esta breve análise sobre o regime da responsabilidade extracontratual por actos de gestão pública, importa agora abordar a questão formulada que, como já enunciamos, procura saber se o Município pode contratar um seguro de responsabilidade civil extracontratual para os titulares dos seus órgãos e funcionários públicos.
Para além do exposto, cumpre ainda observar o disposto no Estatuto dos Eleitos Locais (Lei nº 29/87, de 30 de Junho, alterada e republicada pela Lei nº 52-A/2005, de 10 de Outubro), que define os direitos e deveres dos eleitos locais.
Da análise do EEL não resulta a obrigatoriedade de contratar um seguro de responsabilidade civil para os eleitos locais, mas tão só a de contratar um seguro de acidentes pessoais e de prestar apoio nos processos judiciais que tenham como causa o exercício das respectivas funções, nos termos previstos, respectivamente, na al. l) do nº 1 do art. 5º e art. 17º do referido Estatuto e na al. o) do nº 1 do art. 5º e art. 21º do mesmo diploma.
Da mesma forma, somos de concluir que do regime jurídico que regula a protecção social dos trabalhadores da Administração Pública, incluindo os da administração local, não resulta qualquer obrigação de contratar seguros de responsabilidade civil para os funcionários, mas apenas de subscrever, quando admissíveis, seguros de acidentes em serviço. Veja-se o Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro (diploma que estabelece o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas), que determina no seu art. 45º que a transferência dessa responsabilidade para entidades seguradoras só é admissível na administração local, permitindo-a na administração central apensa nos casos devidamente justificados e vantajosos.
Nestes casos, a ser admissível a celebração de contratos de seguro, estar-se-ia a permitir a subscrição de seguros de responsabilidade civil pelo Município em benefício de pessoas a quem a lei atribui expressamente responsabilidade pelos danos decorrentes das suas acções ou omissões ilícitas, cometidas com dolo ou culpa grave, e pelos quais responde o respectivo património pessoal.
Repare-se que o Município desta forma, não obstante o direito de regresso que tem contra os titulares dos órgãos e funcionários públicos nas acções ou omissões ilícitas praticadas no exercício das suas funções e por causa delas, suportaria sempre, através do seu património, os custos inerentes de um seguro do qual não beneficiaria.
Situação diversa já é, porém, aquela em que o Município, nos actos de gestão pública em que é civil e exclusivamente responsável, no termos do previsto no art. 7º da Lei nº 67/2007, pode subscrever um seguro de responsabilidade civil extracontratual. É que, neste caso, o Município está a contratar um seguro para os actos em que ele próprio, nos termos do referido normativo, é responsabilizado e responde através do seu património.
Mesmos nestas situações, note-se, a doutrina e a jurisprudência dominante consideram que o contrato de seguro apenas faz transferir o “quantum” indemnizatório para a entidade seguradora, não a responsabilidade jurídica pelo evento e a sua autoria2.
Desta feita, atendendo ao princípio da legalidade segundo o qual os órgãos da Administração Pública devem pautar a sua actuação em estrita obediência à lei e ao direito e ao facto de que a contratação pelo Município de um seguro de responsabilidade civil extracontratual para os titulares dos seus órgãos e funcionários públicos extravasa o âmbito das suas competências e os direitos destes, afigura-se-nos claramente ilegal a celebração de contratos de seguros que permitam, nos termos do art. 8º da Lei nº 67/2007, transferir a responsabilidade civil resultante do exercício da função administrativa imputável a esses titulares de órgãos e funcionários.
A Divisão de Apoio Jurídico
(Elisabete Maria Viegas Frutuoso)
1. Parecer do Conselho Consultivo da PGR, P000812007
2. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Proc. 02119/04.0BEPRT, de 06.04.2006
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