Boletim de freguesia. Apoio financeiro. Publicidade. Legalidade.
O Presidente da Junta de Freguesia de …, dirigiu a esta CCDRC, por ofício de 07/12/2015, ref. A 846/2015, enviado em anexo a mail de 7/12/2015, 14:32, o seguinte pedido:
A Freguesia de … edita trimestralmente um Boletim Informativo onde relata as principais atividades desenvolvidas e durante o referido espaço de tempo.
Esse instrumento é distribuído pelos diversos locais públicos e privados do espaço da Freguesia e sem custos para os leitores.
Para suportar a sua execução e edição, o executivo formalizou algumas parcerias com habituais fornecedores, que nos pagam uma quantia simbólica (50.00€ / trimestre) para verem afixado, na última página do referido boletim o seu logotipo.
Questionamos Vas Exas, se tal prática, à luz da nossa legislação pode ou não ser concretizada.
RESPONDENDO
Do modo como é apresentada – diz o ofício: para suportar a sua execução e edição, o executivo formalizou algumas parcerias com habituais fornecedores, que nos pagam uma quantia simbólica (50.00€ / trimestre) para verem afixado, na última página do referido boletim o seu logotipo [sublinhados nosso] – a questão em apreço carece de ser abordada de diversos prismas.
O primeiro deles é o que resulta, desde logo, da possibilidade de este procedimento poder ser considerado como “venda de publicidade” ou mais precisamente como “venda de espaço em suporte publicitário”1. E, sobre este aspecto, há que dizer, desde já, que o Código da Publicidade2 dispõe que não podem constituir suporte publicitário as publicações periódicas informativas editadas pelos órgãos das autarquias locais, salvo se o anunciante for uma empresa municipal de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos.
Assim, não pode haver lugar à inserção de publicidade3 no Boletim Informativo da Freguesia – situação que não se pode considerar, no caso, como completamente afastada perante a afirmação de que a junta de freguesia, para suportar a execução e edição, do Boletim Informativo, formalizou algumas parcerias com habituais fornecedores, que pagam uma quantia ainda que simbólica (50.00€/trimestre) para verem afixado o seu logotipo na última página do boletim.
Pode contudo entender-se que, na situação ora em causa, se estará perante um apoio mecenático, materializado através de contribuições financeiras de natureza altruística ou desinteressado ou seja, de entregas em dinheiro ou em espécie, concedidos, sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial, às entidades públicas ou privadas, …, cuja actividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, desportiva ou educacional (artigo 61.º do EBF4).
Contudo, para que assim seja, é necessário que sejam observadas algumas condições referidas na Circular 2/2004, de 20 de Janeiro, da DSIRC5. Nela se diz o seguinte:
…estão abrangidos pelo Estatuto do Mecenato os donativos, ou seja, as prestações de carácter gratuito em que impera o espírito de liberalidade do doador.
À realização de donativos aparece, todavia, frequentemente associada a atribuição ao doador de determinadas regalias em espécie, como sejam a atribuição de convites ou bilhetes de ingresso para eventos, a disponibilização das instalações do beneficiário ao doador ou a associação do nome do doador a certa obra ou iniciativa promovida pelo donatário.
A questão que se coloca é a de saber em que medida as mesmas constituem contrapartidas de carácter comercial, inviabilizadoras do enquadramento do custo no âmbito do Estatuto do Mecenato. Ora, nestas situações, poderemos ainda estar no domínio dos negócios gratuitos à luz das regras do direito privado comum. De facto, para o efeito de recusar à prestação a natureza de gratuitidade não basta que a regalia que lhe esteja associada seja desejada pelo doador, é necessário averiguar se aquela regalia foi desejada como correspectivo patrimonial do donativo de tal modo que se possa dizer ferido o espírito de liberalidade do doador.
É neste quadro que importa interpretar o disposto no nº 2 do artº 1º do Dec-Lei nº 74/99, buscando a ratio do preceito. Assim, não deverão ser excluídas do âmbito do Estatuto do Mecenato situações que nele devam manifestamente ser incluídas, por serem insignificantes as contrapartidas recebidas pelo doador e, quando esteja em causa a associação do respectivo nome a um evento promovido pelo beneficiário, por subsistir o espírito de liberalidade do doador.
Ora, a este respeito, diz-se na referida circular:
Nos casos em que a regalia se traduza numa associação pública do nome do doador a determinada iniciativa, deve atender-se também ao modo como essa associação se produz, admitindo-se que aos donativos concedidos no âmbito da legislação do mecenato esteja associada a regalia da divulgação do nome do mecenas, desde que a mesma não apresente “natureza comercial” mas meramente institucional.
Critérios de distinção
Assim, poder-se-ão estabelecer as seguintes linhas de orientação:
a) Se a regalia consistir na associação do nome do doador a certa iniciativa, tendo como fito a busca de uma imagem pessoal ou institucional de responsabilidade cívica, que o identifique junto do público em geral, porque o espírito de liberalidade do doador é preponderante, estar-se-á perante donativos enquadráveis no Estatuto do Mecenato;
Para efeitos da concretização da orientação estabelecida nesta alínea deverão ter-se em atenção os Seguintes critérios:
i) Na associação do nome do doador a determinadas iniciativas ou eventos promovidos pelo beneficiário não deverá ser feita qualquer referência a marcas, produtos ou serviços do mecenas, permitindo-se, apenas, a referência ao respectivo nome ou designação social e logotipo;
ii) A divulgação do nome ou designação social do mecenas deve fazer-se de modo idêntico e uniforme em relação a todos os mecenas, não podendo a mesma variar em função do valor do donativo concedido;
iii) A identificação pública do mecenas não deve revestir a natureza de mensagem publicitária, devendo, pois, efectuar-se de forma discreta, num plano secundário relativamente ao evento ou obra aos quais aparece associada, em suportes destinados a divulgar ou enquadrar a própria iniciativa – se existentes – de acordo com os usos aceites neste domínio e sempre com alusão à qualidade de mecenas.
b) Se, em vez disso, a regalia consistir na associação a certa iniciativa dos produtos comercializados pelo doador, ou mesmo do seu nome mas tendo como fito a sua promoção junto dos respectivos consumidores, o que se considera verificado quando não seja observado algum dos critérios estabelecidos para efeitos da alínea a), porque o espírito de liberalidade do doador é secundarizado, estar-se-á perante um patrocínio, não contemplado no Estatuto do Mecenato.
Temos portanto que, no caso em análise, ou as referidas ajudas ou contribuições podem ser enquadradas nos critérios apontados e, assim, consideradas como donativos mecenáticos, à luz do que anteriormente ficou dito – o que permite considerar que a inclusão da referência aos mecenas não se considera publicidade paga – ou, caso assim não seja, estar-se-á perante um patrocínio comercial – o que é considerado como publicidade paga e, por tal vedado às autarquias locais, pela Lei da Publicidade, no que toca a publicações periódicas informativas editadas pelos seus órgãos.
Por fim, apenas uma breve e sucinta alusão à necessidade de separação e independência que deve existir entre as qualidades de mecenas e a de habitual fornecedor, que, naturalmente, estes também podem ser, para que não possa ser posta em causa a transparência, legalidade, imparcialidade e igualdade que deve estar sempre presente nestas relações.
Ricardo da Veiga Ferrão
(Jurista. Técnico Superior)
1. O Código da Publicidade define suporte publicitário como o veículo utilizado para a transmissão da mensagem publicitária (artigo 5.º, n.º 1, al. c)).
2. O Código da Publicidade foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro, posteriormente alterado pelos Decreto-Lei n.º 74/93, de 10 de Março, Decreto-Lei n.º 6/95, de 17 de Janeiro, Decreto-Lei n.º 61/97, de 25 de Março, Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, Decreto-Lei n.º 275/98, de 09 de Setembro, Decreto-Lei n.º 51/2001, de 15 de Fevereiro, Decreto-Lei n.º 332/2001, de 24 de Dezembro, Lei n.º 32/2003, de 22 de Agosto, Decreto-Lei n.º 224/2004, de 04 de Dezembro, Lei n.º 37/2007, de 14 de Agosto, Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, Lei n.º 8/2011, de 11 de Abril, e Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de Abril
3. O Código da Publicidade define esta, para efeitos do que nele se dispõe, como qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de: a) Promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços; b) Promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições (artigo 3.º, n.º 1).
4. Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, com posteriores alterações.
5. Consultável em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/28B8B5C4-76E8-4411-83F8-C55C2CAB7D4D/0/circular_2-2004_de_20_de_janeiro_da_dsirc.pdf
Boletim de freguesia. Apoio financeiro. Publicidade. Legalidade.
Boletim de freguesia. Apoio financeiro. Publicidade. Legalidade.
O Presidente da Junta de Freguesia de …, dirigiu a esta CCDRC, por ofício de 07/12/2015, ref. A 846/2015, enviado em anexo a mail de 7/12/2015, 14:32, o seguinte pedido:
A Freguesia de … edita trimestralmente um Boletim Informativo onde relata as principais atividades desenvolvidas e durante o referido espaço de tempo.
Esse instrumento é distribuído pelos diversos locais públicos e privados do espaço da Freguesia e sem custos para os leitores.
Para suportar a sua execução e edição, o executivo formalizou algumas parcerias com habituais fornecedores, que nos pagam uma quantia simbólica (50.00€ / trimestre) para verem afixado, na última página do referido boletim o seu logotipo.
Questionamos Vas Exas, se tal prática, à luz da nossa legislação pode ou não ser concretizada.
RESPONDENDO
Do modo como é apresentada – diz o ofício: para suportar a sua execução e edição, o executivo formalizou algumas parcerias com habituais fornecedores, que nos pagam uma quantia simbólica (50.00€ / trimestre) para verem afixado, na última página do referido boletim o seu logotipo [sublinhados nosso] – a questão em apreço carece de ser abordada de diversos prismas.
O primeiro deles é o que resulta, desde logo, da possibilidade de este procedimento poder ser considerado como “venda de publicidade” ou mais precisamente como “venda de espaço em suporte publicitário”1. E, sobre este aspecto, há que dizer, desde já, que o Código da Publicidade2 dispõe que não podem constituir suporte publicitário as publicações periódicas informativas editadas pelos órgãos das autarquias locais, salvo se o anunciante for uma empresa municipal de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos.
Assim, não pode haver lugar à inserção de publicidade3 no Boletim Informativo da Freguesia – situação que não se pode considerar, no caso, como completamente afastada perante a afirmação de que a junta de freguesia, para suportar a execução e edição, do Boletim Informativo, formalizou algumas parcerias com habituais fornecedores, que pagam uma quantia ainda que simbólica (50.00€/trimestre) para verem afixado o seu logotipo na última página do boletim.
Pode contudo entender-se que, na situação ora em causa, se estará perante um apoio mecenático, materializado através de contribuições financeiras de natureza altruística ou desinteressado ou seja, de entregas em dinheiro ou em espécie, concedidos, sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial, às entidades públicas ou privadas, …, cuja actividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, desportiva ou educacional (artigo 61.º do EBF4).
Contudo, para que assim seja, é necessário que sejam observadas algumas condições referidas na Circular 2/2004, de 20 de Janeiro, da DSIRC5. Nela se diz o seguinte:
…estão abrangidos pelo Estatuto do Mecenato os donativos, ou seja, as prestações de carácter gratuito em que impera o espírito de liberalidade do doador.
À realização de donativos aparece, todavia, frequentemente associada a atribuição ao doador de determinadas regalias em espécie, como sejam a atribuição de convites ou bilhetes de ingresso para eventos, a disponibilização das instalações do beneficiário ao doador ou a associação do nome do doador a certa obra ou iniciativa promovida pelo donatário.
A questão que se coloca é a de saber em que medida as mesmas constituem contrapartidas de carácter comercial, inviabilizadoras do enquadramento do custo no âmbito do Estatuto do Mecenato. Ora, nestas situações, poderemos ainda estar no domínio dos negócios gratuitos à luz das regras do direito privado comum. De facto, para o efeito de recusar à prestação a natureza de gratuitidade não basta que a regalia que lhe esteja associada seja desejada pelo doador, é necessário averiguar se aquela regalia foi desejada como correspectivo patrimonial do donativo de tal modo que se possa dizer ferido o espírito de liberalidade do doador.
É neste quadro que importa interpretar o disposto no nº 2 do artº 1º do Dec-Lei nº 74/99, buscando a ratio do preceito. Assim, não deverão ser excluídas do âmbito do Estatuto do Mecenato situações que nele devam manifestamente ser incluídas, por serem insignificantes as contrapartidas recebidas pelo doador e, quando esteja em causa a associação do respectivo nome a um evento promovido pelo beneficiário, por subsistir o espírito de liberalidade do doador.
Ora, a este respeito, diz-se na referida circular:
Nos casos em que a regalia se traduza numa associação pública do nome do doador a determinada iniciativa, deve atender-se também ao modo como essa associação se produz, admitindo-se que aos donativos concedidos no âmbito da legislação do mecenato esteja associada a regalia da divulgação do nome do mecenas, desde que a mesma não apresente “natureza comercial” mas meramente institucional.
Critérios de distinção
Assim, poder-se-ão estabelecer as seguintes linhas de orientação:
a) Se a regalia consistir na associação do nome do doador a certa iniciativa, tendo como fito a busca de uma imagem pessoal ou institucional de responsabilidade cívica, que o identifique junto do público em geral, porque o espírito de liberalidade do doador é preponderante, estar-se-á perante donativos enquadráveis no Estatuto do Mecenato;
Para efeitos da concretização da orientação estabelecida nesta alínea deverão ter-se em atenção os Seguintes critérios:
i) Na associação do nome do doador a determinadas iniciativas ou eventos promovidos pelo beneficiário não deverá ser feita qualquer referência a marcas, produtos ou serviços do mecenas, permitindo-se, apenas, a referência ao respectivo nome ou designação social e logotipo;
ii) A divulgação do nome ou designação social do mecenas deve fazer-se de modo idêntico e uniforme em relação a todos os mecenas, não podendo a mesma variar em função do valor do donativo concedido;
iii) A identificação pública do mecenas não deve revestir a natureza de mensagem publicitária, devendo, pois, efectuar-se de forma discreta, num plano secundário relativamente ao evento ou obra aos quais aparece associada, em suportes destinados a divulgar ou enquadrar a própria iniciativa – se existentes – de acordo com os usos aceites neste domínio e sempre com alusão à qualidade de mecenas.
b) Se, em vez disso, a regalia consistir na associação a certa iniciativa dos produtos comercializados pelo doador, ou mesmo do seu nome mas tendo como fito a sua promoção junto dos respectivos consumidores, o que se considera verificado quando não seja observado algum dos critérios estabelecidos para efeitos da alínea a), porque o espírito de liberalidade do doador é secundarizado, estar-se-á perante um patrocínio, não contemplado no Estatuto do Mecenato.
Temos portanto que, no caso em análise, ou as referidas ajudas ou contribuições podem ser enquadradas nos critérios apontados e, assim, consideradas como donativos mecenáticos, à luz do que anteriormente ficou dito – o que permite considerar que a inclusão da referência aos mecenas não se considera publicidade paga – ou, caso assim não seja, estar-se-á perante um patrocínio comercial – o que é considerado como publicidade paga e, por tal vedado às autarquias locais, pela Lei da Publicidade, no que toca a publicações periódicas informativas editadas pelos seus órgãos.
Por fim, apenas uma breve e sucinta alusão à necessidade de separação e independência que deve existir entre as qualidades de mecenas e a de habitual fornecedor, que, naturalmente, estes também podem ser, para que não possa ser posta em causa a transparência, legalidade, imparcialidade e igualdade que deve estar sempre presente nestas relações.
Ricardo da Veiga Ferrão
(Jurista. Técnico Superior)
1. O Código da Publicidade define suporte publicitário como o veículo utilizado para a transmissão da mensagem publicitária (artigo 5.º, n.º 1, al. c)).
2. O Código da Publicidade foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro, posteriormente alterado pelos Decreto-Lei n.º 74/93, de 10 de Março, Decreto-Lei n.º 6/95, de 17 de Janeiro, Decreto-Lei n.º 61/97, de 25 de Março, Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, Decreto-Lei n.º 275/98, de 09 de Setembro, Decreto-Lei n.º 51/2001, de 15 de Fevereiro, Decreto-Lei n.º 332/2001, de 24 de Dezembro, Lei n.º 32/2003, de 22 de Agosto, Decreto-Lei n.º 224/2004, de 04 de Dezembro, Lei n.º 37/2007, de 14 de Agosto, Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, Lei n.º 8/2011, de 11 de Abril, e Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de Abril
3. O Código da Publicidade define esta, para efeitos do que nele se dispõe, como qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de: a) Promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços; b) Promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições (artigo 3.º, n.º 1).
4. Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, com posteriores alterações.
5. Consultável em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/28B8B5C4-76E8-4411-83F8-C55C2CAB7D4D/0/circular_2-2004_de_20_de_janeiro_da_dsirc.pdf
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