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Loteamento promovido pelo município em área abrangida

Data: 2005-05-25

Número: 99/2005

Responsáveis: Maria José Castanheira Neves

A Câmara Municipal informou-nos que aprovou uma operação de loteamento promovida pelo próprio município e que, posteriormente, submeteu à aprovação da Assembleia Municipal as condições de venda em hasta pública dos terrenos, propriedade do município, objecto da referida operação de loteamento.
Nessas condições de venda, aprovadas pela Assembleia Municipal, o seu artigo 8 º prescreve o seguinte :
« 1. Os encargos urbanísticos e compensações previstas no n º 4 do artigo 44 º do decreto-lei n º 555/999, de 16 de Dezembro, ficam a cargo do comprador.
2- As compensações pela não cedência das áreas previstas, serão realizadas em espécie, através de cedência para o domínio privado da Câmara, das parcelas 1, 2, e 3 e 4 referenciadas na planta síntese do loteamento. »
A Câmara municipal refere-nos que ao ter incluído na redacção desse nº 1 do artigo 8 º « encargos urbanísticos » teria tido em vista as taxas a que se refere a alínea a) do artigo 19 º da lei da finanças locais lei n º 42/98, de 6 de Agosto.
Acrescenta, ainda, que é certo que a venda vai ser efectuada posteriormente à emissão do « alvará » e que o pagamento de taxas é sempre realizado anteriormente à emissão do mesmo mas que « foram aprovadas normas, a constar do contrato de escritura, que dispõem de forma diferente, e que nos parecem ser para cumprir. ».
Do exposto resulta que a Câmara municipal pretende que se interprete o artigo 8 º do referido regulamento de venda, aprovado pela assembleia municipal.

I

O artigo 7 ºdo decreto-lei n º 555/99, de 16/12, com a nova redacção dada pelo decreto-lei n º 177/2001, de 4/06, prescreve que estão isentas de licença ou de autorização as operações urbanísticas promovidas pelas autarquias locais e suas associações em área abrangida por plano municipal de ordenamento do território. A isenção de licença e de autorização não significa que as operações aqui em causa possam ser levadas a cabo sem qualquer tipo de procedimento prévio. Com efeito, contrariamente a este entendimento, o presente normativo apenas isenta as operações aqui referidas da licença e autorização regulada neste diploma e não de um procedimento prévio à sua realização. No sentido da exigência deste procedimento apontam o n.º 7 do presente artigo, que obriga a que os projectos que lhe digam respeito sejam elaborados por técnicos habilitados que declaram a sua conformidade com as normas em vigor, nos termos do artigo 10.º e que manda publicitar o inicio e o fim do procedimento (artigos 12.º e 78.º com as devidas adaptações). Neste procedimento, com excepção das operações das operações promovidas pelos municípios, terá de ser promovida a consulta à câmara municipal que emitirá parecer, embora não vinculativo.
Tratando-se de operações de loteamento e obras de urbanização promovidas pelas autarquias locais e suas associações e se a área não se encontrar abrangida por plano municipal de ordenamento do território, as mesmas terão de ser sujeitas a consulta da CCDR territorialmente competente e autorizadas pela assembleia municipal
Tratando-se de operações de loteamento e de obras de urbanização promovidas pelo Estado, devem ser previamente aprovadas pelo Ministro da Tutela e pelo Ministro responsável pelo ordenamento do território, depois de ouvida a câmara municipal e CCDR territorialmente competentes.
Verifica-se, pois, existir uma tramitação procedimental prévia e a emanação de um prévio acto autorizativo da realização da operação em causa.

De forma a não deixar qualquer tipo de dúvidas decorre do n.º 6 deste normativo que a isenção de que aqui se fala é apenas a de licenciamento ou de autorização municipal e não a de cumprimento das normas aplicáveis, quer se trate de disposições normativas de instrumentos de planeamento, quer normas técnicas aplicáveis (constantes, designadamente de regulamentos municipais). Por exemplo, caso o acto emanado pela entidade competente que autoriza a realização da operação urbanística viole um plano municipal de ordenamento do território o mesmo será nulo por força do artigo 103.º do RJIGT. É, precisamente, por estas operações terem de cumprir as normas em vigor que o artigo 93.º relativo à fiscalização determina a ela estarem sujeitas todas as operações urbanísticas, independentemente de estarem sujeitas a licença ou autorização e que as mesmas não se encontram excluídas das medidas de tutela de legalidade ( designadamente ordens de embargo e de demolição)

No caso de loteamentos promovidos pelo próprio município, dado existir PDM em vigor na área abrangida pela operação de loteamento, o acto que autoriza a operação de loteamento deve ser aprovado pela Câmara Municipal só que essa aprovação não se consubstancia num acto de licença ou de autorização regulado neste diploma. Por esse mesmo facto o Presidente da Câmara também não tem que emitir alvará pelo que a sua eficácia apenas depende da referida aprovação da operação em reunião de Câmara.
Não havendo emissão de alvará também não existe pagamento de taxas, dado que estas são, de acordo com o n º 2 do 74 º, uma condição da emissão do próprio alvará.
Por último, acentue-se que de acordo com este artigo 7 º do RJUE não só o inicio do procedimento tendente à concretização de operações urbanísticas de iniciativa das entidades referidas neste normativo devem ser publicitadas (vide n.º 7), como também as operações de loteamento e as obras de urbanização da iniciativa do Estado e das Autarquias locais e suas associações estão sujeitas a discussão pública, nos termos do n.º 5 deste normativo.

II

Não compreendemos, assim, como se compagina o facto da Câmara ter promovido e aprovado uma operação de loteamento em terrenos municipais, isenta de licenciamento ou de autorização de acordo com o artigo 7 º, e concomitantemente ter afirmado que foi emitido alvará.
No que respeita às taxas urbanísticas estas são condição de emissão do alvará quando tenha que haver legalmente emissão do alvará.
Ora, embora tenha havido a emissão de um título desnecessário, julgamos que a Câmara Municipal não pagou taxas urbanísticas a si própria.
Assim, afirmando-se no ofício enviado pela Câmara Municipal que o n º 1 do artigo 8 º do regulamento de venda aprovado pela Assembleia Municipal pretendia incluir na conceito de «encargos urbanísticos » o pagamento de taxas a que se refere o n º 2 do artigo 116 º do Decreto-lei n º 555/99, de 16/12, ou seja taxa pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas, como a Câmara Municipal não deve ter pago taxas pela operação de loteamento promovida por si tal significa que não pode imputar ao comprador o pagamento de um encargo urbanístico que não suportou.
Em conclusão, a interpretação do n º 1 do artigo 8 º das condições de venda do imóvel realizada em hasta pública não permite que a Câmara Municipal considere que fiquem a cargo do comprador encargos urbanísticos com taxas que a Câmara Municipal não suportou, dado que não teve que pagar taxas por se tratar de um loteamento regulado pelo artigo 7 º o Decreto-Lei n º 555/99.

Estando basicamente em causa a taxa prevista na alínea a) do artigo 19 º da lei das finanças locais – taxa pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas(1) ( paga em contrapartida aos serviços prestados pelo município neste âmbito, ou seja pela execução pelo município das infra-estruturas gerais(2)) o que deveria ter sido consagrado contratualmente – dado que o município não podia exigir o pagamento de uma taxa que não suportou – era, por analogia, com o artigo 25 º do RJUE, a exigência ou da execução dos trabalhos necessários às infra-estruturas gerais ou a assumpção pelo comprador dos encargos inerentes à sua execução.
Ora, essa exigência, que tinha todo o suporte legal, não foi consagrada contratualmente. Refira-se, ainda, que julgamos que a Câmara Municipal nem pode invocar erro na declaração, dado ser muita clara a deliberação de aprovação deste loteamento, em reunião de Câmara de 28/12/2004, ao imputar ao comprador a realização das infra-estruturas correspondentes à execução das obras de urbanização e não as respeitantes às infra- estruturas gerais.
(1)Têm sido, no entanto, alvo de alguma polémica quanto à sua natureza, considerando alguns autores que são verdadeiros impostos e outros que são taxas. José Casalta Nabais, Fiscalidade do Urbanismo, texto apresentado no 1º colóquio internacional sobre o sistema financeiro e fiscal do urbanismo, Almedina, 2002, pag 53, especifica que autores como Freitas do Amaral, Osvaldo Gomes, Diogo Leite de Campos Afonso Marcos , Nuno Sá Gomes e a jurisprudência do STJ têm considerado que se trata de um verdadeiro imposto, enquanto que o próprio autor, Paz Ferreira e Aníbal de Almeida bem como a jurisprudência do Tribunal Constitucional se têm pronunciado pela natureza de taxa.
Para Casalta Nabais estaremos perante uma taxa dado existir a ideia de proporcionalidade entre a prestação ( a taxa ) e a contraprestação específica.
Concordamos inteiramente com esta opinião doutrinária que está, aliás, bastante reforçada com o actual regime jurídico da urbanização e edificação, que obriga à fundamentação do cálculo das taxas de pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas tendo em conta:

  • programa plurianual de investimentos municipais na execução, manutenção e reforço de infra-estruturas gerais, que pode ser definido por áreas geográficas diferenciadas;
  • diferenciação das taxas aplicáveis em função dos usos e tipologias das edificações e, eventualmente, da respectiva localização e correspondentes infra-estruturas locais.

Para Benjamim Rodrigues a diferença essencial entre taxa e imposto « tem sido centrada na existência, no primeiro tipo tributário, de um nexo de sinalagmaticidade que inexiste completamente no segundo , entre a prestação do obrigado tributário e a contraprestação da autoridade pública, contraprestação esta consubstanciada na prestação de um serviço público ou no uso de bens públicos ou, finalmente, na remoção de um obstáculo jurídico à possibilidade de efectiva utilização de uns e outros.»
(2)Casalta Nabais considera que estas taxas « são o preço a pagar por serviços prestados pela administração pública activa ».