Licenciamento de obras, ausência de arruamento, servidão de passagem.
Através do ofício n.º …, de … a Câmara Municipal da … questiona sobre a possibilidade, ou não, de deferir um pedido de licenciamento da obra de edificação de uma moradia unifamiliar com base na ausência de arruamento público tendo em conta que o terreno não confina com a via pública, apenas tendo a ela acesso através de uma servidão de passagem.
Para análise da questão junta as alegações do requerente que, em resumo, se insurge quanto ao facto de ter sido considerado que o terreno “não confronta com a via pública” na medida em que considera que este requisito se encontra preenchido pela existência de uma servidão de passagem sobre um prédio vizinho que permite o acesso à dita via pública. Invoca, para o efeito, a sentença proferida em acção judicial que intentada contra os proprietários do prédio confinante e segundo a qual se conclui, em sua interpretação, “ que o (seu) prédio possui acesso à rua pública, dado que a servidão de 3m de largura se encontra titulada por escritura pública, sendo a referida servidão parte integrante do prédio do exponente, não sujeita a registo obrigatório, e como tal, com acesso directo a rua pública” (sublinhado no original).
Contudo importa precisar, no que à servidão diz respeito, o conteúdo do direito que foi reconhecido ao reclamante pela sentença judicial (único documento de que dispomos).
Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, dizendo-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia (artigo 1543.º CC). Trata-se de um direito real de gozo em virtude do qual é possibilitado a um prédio o gozo de certas utilidades de um prédio diverso. Este proveito ou vantagem de que um prédio beneficia tem de encontrar-se objectivamente ligado a outro prédio, implicando, consequentemente, uma restrição ou limitação (mas não ablação) do direito de propriedade do prédio onerado, inibindo o respectivo proprietário de praticar actos que possam perturbar ou impedir o exercício da servidão.
Serve isto para elucidar que, ao contrário do que afirma o reclamante, o reconhecimento da existência de uma servidão de passagem a favor do prédio do reclamante (prédio dominante) não significa, de forma alguma, que essa faixa de terreno (que dá acesso à via pública) passe a integrar o prédio do reclamante. Efectivamente o que a sentença lhe reconheceu (quanto ao segundo pedido) foi o direito de passar sobre prédio vizinho (prédio serviente) e não o direito de propriedade sobre essa mesma faixa de terreno, a qual continua a fazer parte do prédio serviente.
Podemos assim concluir que o prédio do requerente não confina com a via pública, apenas tendo acesso a ela pelo prédio confinante, através de uma servidão predial.
Ora, em nossa interpretação, o requisito do “acesso a partir de caminho público” (e não apenas: – acesso a caminho público) constante do artigo 23.º do PDM exige que o prédio se encontre servido directamente por caminho público1, pelo que a servidão predial em causa, não sendo um caminho público, não cumpre as exigências do PDM .
Acontece ainda que o n.º5 do artigo 24.º do DL 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo DL 177/2001, de 4 de Junho2 prescreve que “o pedido de licenciamento das obras referidas na alínea c) e d) do n.º2 do artigo 4.º deve ser indeferido na ausência de arruamentos ou de infra-estruturas de abastecimento de água e saneamento”.
O próprio Regime Jurídico da Urbanização e Edificação exige, portanto, que o prédio onde se pretende erigir uma edificação esteja servido por arruamento sob pena da sua ausência constituir um fundamento autónomo para o indeferimento do pedido.
Assim, da conjugação normativa do n.º1 do artigo 23.º do PDM com o n.º5 do artigo 25.º do RJUE deverá concluir-se que a referida servidão de passagem, ou seja, o direito real a favor do prédio encravado para, através de um prédio diverso, estabelecer comunicação com a via pública (vide artigos 1543.º e 1550.º do Código Civil), não configura um arruamento público pelo que, tal facto, é motivo de indeferimento do pedido.
Refira-se ainda, em sede geral, que a lei admite, nos casos em que o motivo de indeferimento seja o previsto no citado n.º5 do artigo 24.º, que a câmara municipal possa deferir o pedido desde que o interessado se comprometa a realizar os trabalhos ou a assumir os encargos inerentes à sua execução, obrigações essas que devem constar de contrato celebrado entre a câmara municipal e o requerente, o qual deve igualmente prestar caução adequada.
A Chefe de Divisão de Apoio Jurídico
Maria Margarida Teixeira Bento
1. Interpretação assente também no elemento teleológico, já que o preâmbulo do Regulamento do PDM esclarece, no ponto 2, que em área rural, “as regras…para a ocupação e transformação do solo, …são aqui altamente restritivas”.
2. Tendo em conta a declaração de rectificação 13-T/2001, publicada no DR, I série-A, n.º 150 (suplemento) de 30 de Junho de 2001
Licenciamento de obras, ausência de arruamento, servidão de passagem.
Licenciamento de obras, ausência de arruamento, servidão de passagem.
Através do ofício n.º …, de … a Câmara Municipal da … questiona sobre a possibilidade, ou não, de deferir um pedido de licenciamento da obra de edificação de uma moradia unifamiliar com base na ausência de arruamento público tendo em conta que o terreno não confina com a via pública, apenas tendo a ela acesso através de uma servidão de passagem.
Para análise da questão junta as alegações do requerente que, em resumo, se insurge quanto ao facto de ter sido considerado que o terreno “não confronta com a via pública” na medida em que considera que este requisito se encontra preenchido pela existência de uma servidão de passagem sobre um prédio vizinho que permite o acesso à dita via pública. Invoca, para o efeito, a sentença proferida em acção judicial que intentada contra os proprietários do prédio confinante e segundo a qual se conclui, em sua interpretação, “ que o (seu) prédio possui acesso à rua pública, dado que a servidão de 3m de largura se encontra titulada por escritura pública, sendo a referida servidão parte integrante do prédio do exponente, não sujeita a registo obrigatório, e como tal, com acesso directo a rua pública” (sublinhado no original).
Contudo importa precisar, no que à servidão diz respeito, o conteúdo do direito que foi reconhecido ao reclamante pela sentença judicial (único documento de que dispomos).
Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, dizendo-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia (artigo 1543.º CC). Trata-se de um direito real de gozo em virtude do qual é possibilitado a um prédio o gozo de certas utilidades de um prédio diverso. Este proveito ou vantagem de que um prédio beneficia tem de encontrar-se objectivamente ligado a outro prédio, implicando, consequentemente, uma restrição ou limitação (mas não ablação) do direito de propriedade do prédio onerado, inibindo o respectivo proprietário de praticar actos que possam perturbar ou impedir o exercício da servidão.
Serve isto para elucidar que, ao contrário do que afirma o reclamante, o reconhecimento da existência de uma servidão de passagem a favor do prédio do reclamante (prédio dominante) não significa, de forma alguma, que essa faixa de terreno (que dá acesso à via pública) passe a integrar o prédio do reclamante. Efectivamente o que a sentença lhe reconheceu (quanto ao segundo pedido) foi o direito de passar sobre prédio vizinho (prédio serviente) e não o direito de propriedade sobre essa mesma faixa de terreno, a qual continua a fazer parte do prédio serviente.
Podemos assim concluir que o prédio do requerente não confina com a via pública, apenas tendo acesso a ela pelo prédio confinante, através de uma servidão predial.
Ora, em nossa interpretação, o requisito do “acesso a partir de caminho público” (e não apenas: – acesso a caminho público) constante do artigo 23.º do PDM exige que o prédio se encontre servido directamente por caminho público1, pelo que a servidão predial em causa, não sendo um caminho público, não cumpre as exigências do PDM .
Acontece ainda que o n.º5 do artigo 24.º do DL 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo DL 177/2001, de 4 de Junho2 prescreve que “o pedido de licenciamento das obras referidas na alínea c) e d) do n.º2 do artigo 4.º deve ser indeferido na ausência de arruamentos ou de infra-estruturas de abastecimento de água e saneamento”.
O próprio Regime Jurídico da Urbanização e Edificação exige, portanto, que o prédio onde se pretende erigir uma edificação esteja servido por arruamento sob pena da sua ausência constituir um fundamento autónomo para o indeferimento do pedido.
Assim, da conjugação normativa do n.º1 do artigo 23.º do PDM com o n.º5 do artigo 25.º do RJUE deverá concluir-se que a referida servidão de passagem, ou seja, o direito real a favor do prédio encravado para, através de um prédio diverso, estabelecer comunicação com a via pública (vide artigos 1543.º e 1550.º do Código Civil), não configura um arruamento público pelo que, tal facto, é motivo de indeferimento do pedido.
Refira-se ainda, em sede geral, que a lei admite, nos casos em que o motivo de indeferimento seja o previsto no citado n.º5 do artigo 24.º, que a câmara municipal possa deferir o pedido desde que o interessado se comprometa a realizar os trabalhos ou a assumir os encargos inerentes à sua execução, obrigações essas que devem constar de contrato celebrado entre a câmara municipal e o requerente, o qual deve igualmente prestar caução adequada.
A Chefe de Divisão de Apoio Jurídico
Maria Margarida Teixeira Bento
1. Interpretação assente também no elemento teleológico, já que o preâmbulo do Regulamento do PDM esclarece, no ponto 2, que em área rural, “as regras…para a ocupação e transformação do solo, …são aqui altamente restritivas”.
2. Tendo em conta a declaração de rectificação 13-T/2001, publicada no DR, I série-A, n.º 150 (suplemento) de 30 de Junho de 2001
Deixar comentário ou sugestão