Chefe de Gabinete de Apoio Pessoal a Presidente de Câmara. Estatuto da Aposentação: artigos 78.º e 79.º – Incompatibilidades e cumulação de remunerações.

Data:  segunda, 10 abril 2006 Número: 110/2006 Responsáveis:  Adelino Moreira e Castro [...]

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Serviços Municipalizados. Contrato de fornecimento de água. Falta de pagamento. Execução fiscal. Recusa de ligação por existência de dívidas.

Data:  terça, 23 maio 2006 Número: 140/2006 Responsáveis:  Ricardo da Veiga Ferrão [...]

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RJUE; Prédio; Unidade Predial; Certidão Conservatória Registo Predial; Artigo Matricial

 

A Câmara Municipal de …, em seu ofício …, de 20.12.2016, solicita parecer jurídico que esclareça como decidir no caso que se segue.

 

Um munícipe, num seu terreno que constitui uma mesma unidade predial, onde existe já uma moradia, pretende legalizar uma outra edificação, um armazém, sendo que os dois edifícios estão inseridos em diferentes matrizes urbanas, de acordo com as respetivas cadernetas prediais.

Para melhor avaliação do pretendido, junta o município uma Certidão Permanente, com a descrição do prédio, retirado do respetivo registo predial, bem como duas cadernetas prediais urbanas: uma referente a “prédio destinado a armazém” e outro a “prédio para habitação”.

Pergunta o município, em suma, se a pretensão não violará o disposto no artigo 19º, nº3, do Regulamento do seu Plano Diretor Municipal, que tem a seguinte redação:

Os lotes de terreno, resultante de uma operação de loteamento, e os prédios correspondentes a uma só unidade cadastral apta para a edificação, nos termos do número anterior, deverão contemplar um só edifício, destinado aos usos habitacional, comercial, de serviços ou industrial, excluindo anexos destinados a apoio à edificação principal e dependências agrícolas”.

 

Quanto a esta norma, devemos começar por lembrar que a identificação cadastral não cobre ainda todo o território nacional, o que motivou o Governo – através da RCM n.º 45/2006 - a implementar o Sistema Nacional de Exploração e Gestão de Informação Cadastral (Sinergic), que tem como principal objetivo viabilizar a existência de cadastro predial em Portugal.

 

Neste âmbito, por RCM nº 92/2009, foi decidido autorizar a realização da despesa com a aquisição de serviços de execução do cadastro predial em alguns municípios do país, entre os quais Oliveira do Hospital e Seia, na área desta CCDR-Centro, não se incluindo, no entanto, o município de Miranda do Corvo.

 

 Face ao exposto, não se poderá ainda mencionar a existência de cadastro em Miranda do Corvo, pelo que a referência a “unidade cadastral”, no citado artigo do PDM, dever-se-á certamente, a lapso.

 

Importa, por isso, fazer uma interpretação corretiva da dita norma[1], por forma a fazer corresponder a fórmula “unidade cadastral” a prédio, conceito jurídico, do direito registral, usado para efeitos de planeamento e de controlo de operações urbanísticas, designadamente no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) - aprovado pelo D.L. 555/99, de 16.12, na redação atual - e legislação complementar.

 

Com efeito, esta questão deve conjugar-se com as normas que regulam os elementos instrutórios que devem acompanhar as pretensões de operações urbanísticas, nomeadamente o nº4 do artigo 9º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo D.L. 555/99, de 16.12, na redação atual, que prevê que o requerimento e a comunicação devem ser acompanhados, e citamos, “dos elementos instrutórios previstos em portaria aprovada pelos ministros responsáveis pelas obras públicas e pelo ordenamento do território, para além dos documentos especialmente referidos no presente diploma”.

 

O diploma para a qual a norma remete é, atualmente, a Portaria n.º 113/2015, de 22.04, que no seu Anexo I – “Elementos Instrutórios” – I – “Elementos comuns aos procedimentos de controlo prévio”, exige:

1 – Certidão da descrição e de todas as inscrições em vigor emitida pela conservatória do registo predial referente ao prédio ou prédios abrangidos, ou indicação do código de acesso à certidão permanente do registo predial, quando omissos, a respetiva certidão negativa do registo predial, acompanhada da caderneta predial onde constem os correspondentes artigos matriciais

 

É este documento instrutório, a certidão do registo predial, o elemento que a Lei julga adequado e suficiente para fazer prova da propriedade e para a descrição do prédio e não a caderneta predial emitida pela AT – Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Dito isto, é inequívoco, pela certidão do registo predial junta pelo município, que as duas edificações – moradia e armazém – se situam numa parcela de terreno que constitui uma única unidade predial, sendo esta a unidade que deve ser tomada como referência, nos termos e para os efeitos do atrás citado artigo 19º, nº3, do Regulamento do Plano Diretor Municipal de Miranda do Corvo.

Sobre o assunto, transcrevemos um comentário ao artigo 2º do RJUE, das Autoras Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes[2], que julgamos suficientemente elucidativo:

Um caso típico de divisão jurídica, que corresponde à concretização de uma operação de loteamento, é o que ocorre quando se pretende aprovar, num dado prédio, projetos de obras para vários edifícios sem ligação estrutural ou com independência funcional, afetando, assim, partes específicas do solo a utilizações distintas. Neste sentido, vide António Duarte de ALMEIDA e outros, Legislação Fundamental de Direito do Urbanismo, cit., p. 513. Tal é assim por, em regra, uma unidade principal apenas permitir a construção de um edifício principal, pelo que sempre que se pretenda construir vários edifícios principais numa mesma unidade predial terá de se sujeitar esta, primeiro, a uma divisão fundiária por forma a que seja possível cumprir o referido princípio

 

Temos assim, deste modo, que apenas com uma operação de loteamento ou com um destaque, se a ambos houver lugar, se poderá satisfazer o pedido do requerente.

 

Diferente seria se estivéssemos perante uma construção principal e uma outra construção com uma dependência funcional da primeira, como é o caso dos anexos, ou seja, como é sabido, de acordo com a definição de “edifício anexo” do Decreto Regulamentar nº 9/2009, de 29.5 (ficha 22), um “edifício destinado a uso complementar do edifício principal”, o que, como tudo indica, não será o caso apresentado.

 

De contrário, e concluímos, estar-se-á não só a violar a norma do PDM citada pelo município, como, sobretudo, as próprias regras gerais do direito do urbanismo, designadamente as do RJUE.

 

 Divisão de Apoio Jurídico

 

(António Ramos)

 

[1] Sobre a admissibilidade da interpretação corretiva das normas legais, no sentido assinalado, vide J. Batista Machado, em «Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador», Almedina, Cimbra, 1991, p.186.

[2] In Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, Anotado, 2016, 4ª edição, Almedina, p.83

 

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Conselho Intermunicipal; artigo 105º da Lei 75/2013; deliberações

 

Solicita o Primeiro Secretário Executivo Intermunicipal da Comunidade Intermunicipal da …, por seu ofício de 16/11/2016, referência n.º ... , a emissão de parecer sobre a seguinte questão:

No sentido de dar seguimento a algumas atividades da CIM Região de … têm surgido dúvidas no que diz respeito à sua concretização relacionadas com a ligação entre a CIM Região de … e os municípios que a constituem, pelo que solicitamos o V. parecer remetendo o documento em anexo com algumas considerações.

 

O aludido documento, remetido em anexo ao ofício, contém as seguintes considerações:

No sentido de dar seguimento a algumas atividades da Comunidade Intermunicípal da Região … têm surgido algumas dúvidas respeitantes à sua concretização relacionadas com a ligação entre a CIM … e os municípios que a constituem, que passamos a identificar e para as quais vimos pedir a Vossa análise e parecer

A saber:

De acordo com o artigo 105° da Lei n.º 75/2013 de 12 de setembro na sua atual redação,

"Artigo 105. - Deliberações

1 - As deliberações dos órgãos das entidades intermunicipais vinculam os municípios que as integram.

2 – As deliberações do conselho metropolitano e do conselho intermunicipal consideram-se aprovadas quando os votos favoráveis dos seus membros correspondam, cumulativamente, a um número igual ou superior ao dos votos desfavoráveis e à representação demais de metade do universo total de eleitores dos municípios integrantes da área metropolitana ou da comunidade intermunicipal.

3 - Para efeitos do número anterior, considera-se que o voto de cada membro é representativo do número de eleitores do município de cuja câmara municipal seja presidente."

Desta forma as deliberações do conselho intermunicipal consideram-se aprovadas quando:

os votos favoráveis dos seus membros correspondam,

cumulativamente,

a um numero igual ou superior ao dos votos desfavoráveis

e à

representação de mais de metade do universo total de eleitores dos municípios integrantes da comunidade intermunicipal.

De acordo com os dados publicados no Diário da República, 2.ª série, de 1 de março de 2016, o n.º de eleitores em 31/12/2015 era 419 113.

 

[mapa não transcrito]

 

A - Atendendo ao exposto, para que uma deliberação do Conselho Intermunicipal vincule os municípios que integram a CIM …

1.° O n.º de votos favoráveis tem de ser igual ou superior ao n.º de votos desfavoráveis;

e cumulativamente

2.° Os municípios que votem favoravelmente têm de representar 50%+1 dos eleitores, ou seja têm de corresponder a 209 558 eleitores.

Esta é uma dedução correta?

 

B - Desta forma, hipoteticamente, se estiverem presentes municípios suficientes para existir quórum de funcionamento e de deliberação, se os municípios presentes não representarem 50%+1 e se não existirem votos desfavoráveis isto significa que não vinculam os municípios que não estiveram presentes? Se sim, então como atuar para que esta vinculação ocorra?

 

C - Hipoteticamente, se estiverem presentes municípios suficientes para existir quórum de funcionamento e de deliberação, se os municípios presentes não representarem 50%+1 e se existirem votos desfavoráveis, mas em menor n.º ao dos favoráveis isto significa que não vinculam esses municípios?

 

D - No caso de estarem preenchidas as duas premissas, n.º de votos favoráveis igual ou superior ao n.º de votos desfavoráveis e os municípios que votam favoravelmente representam 50%+1 dos eleitores (ou mais), as deliberações vinculam todos os municípios que constituem a CIM.

1 - Se porventura o assunto que foi deliberado envolver uma competência para a qual o Presidente de Câmara não se encontra habilitado, como fazer?

  1. a) Levar a reunião de Câmara para deliberação?
  2. b) Levar à 1a reunião de Câmara para ratificação do ato?
  3. c) E se a proposta não for aprovada?

2 - Estando todas as questões de competência salvaguardadas, como articular as deliberações da CIM com o cumprimento da Lei dos compromissos, nomeadamente quando não existam fundos disponíveis?

  

Apreciando

  1. Do pedido

Como resulta do exposto, são colocadas pela CIM … diversas questões sobre diferentes aspectos do processo de deliberação em alguns dos órgãos das entidades intermunicipais e efeitos dessas deliberações relativamente aos municípios integrantes.

Para maior facilidade e clareza, as mesmas serão respondidas depois de breve excurso pelo quadro normativo aplicável.

 

  1. Análise

2.1. Do quadro normativo

Vejamos, antes do mais, o que sobre as questões em apreço se disciplina na lei e nos estatutos da CIM.

2.1.1. Quadro legal

As questões colocadas encontram regulação em diversas normas legais do RJAL. Vejamos.

Diz o artigo 104.º do RJAL, sob a epígrafe Funcionamento, que

O funcionamento das entidades intermunicipais regula-se, em tudo o que não esteja previsto na presente lei, pelo regime jurídico aplicável aos órgãos municipais

Já o artigo 105.º do RJAL, epigrafado Deliberações, dispõe o seguinte:

1 - As deliberações dos órgãos das entidades intermunicipais vinculam os municípios que as integram.

2 - As deliberações do conselho metropolitano e do conselho intermunicipal consideram-se aprovadas quando os votos favoráveis dos seus membros correspondam, cumulativamente, a um número igual ou superior ao dos votos desfavoráveis e à representação de mais de metade do universo total de eleitores dos municípios integrantes da área metropolitana ou da comunidade intermunicipal.

3 - Para efeitos do número anterior, considera-se que o voto de cada membro é representativo do número de eleitores do município de cuja câmara municipal seja presidente.

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 83.º do RJAL diz que

A assembleia intermunicipal é constituída por membros de cada assembleia municipal, eleitos de forma proporcional…

 e o n.º 1 do artigo 88.º do mesmo diploma que

O conselho intermunicipal é constituído pelos presidentes das câmaras municipais dos municípios que integram a comunidade intermunicipal.

sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 101.º,

O mandato dos membros (…) do conselho intermunicipal coincide com o que legalmente estiver fixado para os órgãos das autarquias locais.

2.1.2. Quadro estatutário

Os Estatutos da Comunidade Intermunicipal da Região de …[1] abordam igualmente esta matéria, disciplinado alguns dos seus aspectos do seguinte modo.

No artigo 9.º, n.º 1, com a epígrafe quórum da reunião, estipulam tais Estatutos que

As reuniões dos órgãos da CIM-… apenas terão lugar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros

Já no n.º 1 do artigo 10.º, artigo intitulado de Deliberações os Estatutos prevêem para aos mesmos órgãos colegais que

As deliberações dos órgãos da CIM-… são tomadas à pluralidade de votos, estando presente a maioria legal dos seus membros, exceto as deliberações de alteração de estatutos, para as quais é exigida uma maioria qualificada, nos termos destes estatutos.

Porém, especificamente quanto ao Conselho Intermunicipal, o n.º 2 do mesmo artigo 10.º dispõe que

As deliberações do conselho intermunicipal excetuam-se do disposto no n.º 1, considerando-se aprovadas quando os votos dos seus membros correspondam cumulativamente:

  1. a) A um número igualou superior ao dos votos desfavoráveis;
  2. b) À representação de mais de metade do universo total de eleitores dos municípios integrantes da CIM Região de …

O critério para determinação deste aludido universo total de eleitores encontra-se no n.º 3 do mesmo artigo, onde se considera

(…) que o voto de cada membro é representativo do número de eleitores do município de cuja câmara municipal seja presidente.

Por seu lado, no artigo 6.º, n.º 2, dos Estatutos considera-se que

Os membros da assembleia intermunicipal e do conselho intermunicipal são eleitos locais provenientes dos municípios que integram a CIM-…

e que, de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo,

A qualidade de membro dos órgãos referidos (…) é indissociável da qualidade de membro dos órgãos municipais.

No que toca à duração do mandato dos titulares dor órgãos da CIM, o n.º 1 do artigo 6.º, n.º 2, dos Estatutos dispõe que

O mandato dos membros dos órgãos da CIM-… terá a duração do mandato municipal

acrescentando o artigo 7.º que

Os membros dos órgãos da CIM-… servem pelo período do mandato e mantém‑se em funções até serem legalmente substituídos.

2.2. Alcance das disposições jurídico-regulamentares

Do cotejo e leitura conjugada – como, naturalmente, se impõe – das transcritas normas legais e regulamentares, é possível alcançar diversos entendimentos sobre o seu conteúdo e alcance, relevantes para a análise e resposta às questões colocadas.

Na análise às questões e para maior concreção e facilidade, recorrer-se-á ao método de a desenvolver na resposta a cada uma das perguntas colocadas.

  1. Análise e resposta às questões

3.1. A primeira das questões colocadas

(...) para que uma deliberação do Conselho Intermunicipal vincule os municípios que integram a CIM …

1.° O n.º de votos favoráveis tem de ser igual ou superior ao n.º de votos desfavoráveis;

e cumulativamente

2.° Os municípios que votem favoravelmente têm de representar 50%+1 dos eleitores, ou seja têm de corresponder a 209 558 eleitores.

Esta é uma dedução correta?

merece as seguintes reflexões e respostas.

3.1.1. No que toca à questão de saber como se deve entender como aprovada uma qualquer deliberação do conselho intermunicipal – ou seja, quais os requisitos ou exigências de aprovação das deliberações desse órgão – é certo o que vem dito na questão colocada.

Assim, uma deliberação do conselho intermunicipal só se considera aprovada se, num primeiro momento, merecer a aprovação de um número de membros (ou seja, obtiver um número de votos) igual ou superior ao do número de membros (ou seja, do número de votos) que se manifestem contra a mesma (a desaprovam), não se considerando para o efeito eventuais abstenções (como também não são de considerar as eventuais ausências de membros) e, depois, num segundo momento, “convertendo” o número de votos favoráveis e desfavoráveis no correspondente número de cidadãos eleitores, com recurso à regra do n.º 3 do artigo 10.º dos Estatutos[2], os votos favoráveis correspondam a mais de metade do universo total de eleitores dos municípios integrantes da área metropolitana ou da comunidade intermunicipal[3].

3.1.1.1. Para este segundo apuramento é, pois, necessário conhecer o número total de cidadãos eleitores de cada município integrante da CIM, obtendo, pela sua soma aritmética, o número total de cidadãos eleitores na área da CIM – ou seja, o que a lei designa por universo total de eleitores dos municípios integrantes (…) da comunidade intermunicipal.[4] Dividindo esse número por dois (ou seja em duas metades iguais, passe a tautologia), obter-se-á então o número ou valor de referência que deve ser sempre ultrapassado pelo número de eleitores correspondentes aos votos favoráveis para que a deliberação possa ser considerada aprovada. Está-se, pois, perante um duplo critério cumulativo de validação das deliberações do conselho intermunicipal[5].

Na verdade, se o primeiro desses critérios, ainda que já excludente da aprovação, tem uma natureza interna, relativa e “subjectiva”, ou seja, se refere ao sentido de voto de cada um dos membros do próprio órgão – e que se traduz no mero confronto numérico (à razão da equivalência de um presidente/membro, um voto) dos votos expressos em sentido aprobatório e não aprobatório, não relevando as abstenções – já o segundo deles é um critério externo, absoluto e objectivo, na medida em que convoca como regra indispensável de aprovação das deliberações que a votação favorável dos membros individuais corresponda a, ou represente, – por via de uma conversão dos votos singulares em eleitores, à luz do critério (ou regra de equivalência) fixado no n.º 3 do artigo 105.º do RJAL – um número de eleitores superior a mais de metade do universo total de eleitores dos municípios integrantes da área metropolitana ou da comunidade intermunicipal.

Quer isto dizer que, em abstracto, podendo estar presentes a maioria dos membros (presidentes de câmara) e votando todos eles unanimemente em determinado sentido, ainda assim a deliberação pode não ser aprovada porque a soma do número de eleitores que eles representam não constitui mais de metade do universo total de eleitores dos municípios integrantes da área metropolitana ou da comunidade intermunicipal. E, inversamente, estando presente apenas uma minoria dos membros, respeitado o quórum, mas representando mais de metade do universo total de eleitores dos municípios integrantes da entidade intermunicipal, uma deliberação pode ser aprovada apenas com os seus votos, no caso de não se verificar oposição.

3.1.1.2. Uma questão que aqui se coloca – desde logo porque é a situação que se apresenta como implícita na questão colocada – é a de saber como se determina o valor correspondente a mais de metade do universo total de eleitores dos municípios.

3.1.1.2.1. A questão é de resposta simples quando o universo total de eleitores corresponde a um número par (por exemplo, 100.000 eleitores, p. ex.) e portanto a sua metade (50.000 eleitores) é sempre um número inteiro. Nesse caso mais de metade desse universo de eleitores corresponde ao valor de metade mais um, ou seja, 50.001 eleitores[6]. Teremos assim que, à luz deste critério, num universo de 100.000 eleitores, se os votos favoráveis corresponderem a 50.001 eleitores a deliberação será aprovada porque os votos desfavoráveis apenas poderiam corresponder, no limite, a 49.999 eleitores.

3.1.1.2.2. Já quando o número total de eleitores corresponda a um número ímpar (100.001 eleitores, p. ex.) e portanto a sua metade corresponda a um número decimal (50.000,5 eleitores), não se torna necessário adicionar um número inteiro ao resultado da divisão (cumprindo o aforismo “metade mais um”), para se obter o valor de referência. Neste caso mais de metade do universo de eleitores corresponde ao número inteiro imediatamente seguinte ao número decimal obtido na divisão. Assim, à luz deste critério, num universo de 100.001 eleitores, se os votos favoráveis corresponderem a 50.001 eleitores a deliberação será aprovada porque corresponde a um valor superior a 50.000,5 eleitores, sendo que os votos desfavoráveis apenas podem corresponder, no limite, a 50.000 eleitores[7].

3.1.1.2.3. Este critério pretende, ainda que indirectamente, fazer depender a aprovação de medidas que possam afectar ou reflectir-se sobre a população de uma determinada entidade intermunicipal não apenas da vontade individual dos presidentes das câmaras municipais que as votem favoravelmente, mas também de uma validação à luz de uma dimensão populacional dada pela representatividade de cada um deles no universo intermunicipal, fazendo corresponder a cada um o número de eleitores do respectivo município - de modo a evitar que a vontade pessoal dos presidentes possa levar à aprovação de decisões que, afinal, correspondam, representativamente, apenas a uma minoria da população (verdadeiramente, dos eleitores) dessa entidade intermunicipal.

3.1.1.3. Uma outra questão prende-se em saber como se determina o universo total de eleitores dos municípios, ou seja qual é esse universo ou, dito de outro modo, a que universo de eleitores se refere a lei quando o invoca.

Por outras palavras e mais concretamente trata-se de saber a quais eleitores se refere a lei: se aos eleitores constantes dos cadernos eleitorais que serviram em eleições anteriores – e nesse caso, em quais delas – se aos eleitores que constam do mapa que, anualmente, no dia 1 de Março de cada ano a DGAI[8] publica na 2ª série do Diário da República com o numero de cidadãos eleitores inscritos no recenseamento eleitoral por circunscrição de recenseamento[9].

A lei não contém indicação imediata que oriente uma resposta rápida. Porém contém indícios suficientes, face à sua previsão quanto à constituição e funcionamento dos órgãos das entidades intermunicipais. 

Assim, afigura-se que estando em causa órgãos cuja composição constitui uma emanação directa e imediata dos resultados eleitorais autárquicos no que tange às eleições municipais[10]; que a duração do mandato dos membros dos órgãos colegiais intermunicipais de composição baseada na representação dos órgãos autárquicos se encontra incindivelmente ligada à duração do seu mandato enquanto membros destes últimos[11]; e que mesmo o próprio secretariado executivo intermunicipal, cuja composição não é emanação imediata de resultados eleitorais autárquicos[12], tem o seu mandato ou, mais propriamente, a duração desse mandato, ligada ao ciclo eleitoral autárquico, deve entender-se que, tal como nas autarquias que a integram e cuja composição dos seus órgãos foi ditada pelos eleitores constantes dos cadernos eleitorais das respectivas eleições autárquicas, devem também ser estes os eleitores a considerar para efeitos de segundo critério de aprovação das deliberações do conselho intermunicipal – e não quaisquer outros mapas ainda que mais actualizados, pois que a composição orgânica municipal e intermunicipal assenta no ciclo eleitoral autárquico, sendo este o determinante, designadamente em termos de (número de) eleitores, para a composição dos seus órgãos.

Sendo assim, como o é, não faz sentido utilizar para efeitos de determinação do universo total de eleitores dos municípios ao nível das entidades intermunicipais, mapas de recenseamento outros que não os cadernos eleitorais que basearam a eleição autárquica da qual resultou a eleição dos membros do conselho intermunicipal – pois que nem esses mapas têm qualquer efeito ao nível municipal, designadamente quanto aos seus órgãos (ou mais propriamente à composição desses órgãos, com reflexo nas suas decisões), nem faria sentido que anualmente pudesse haver uma alteração desse universo, pois que tal poderia conduzir, no limite, a que fossem adiadas ou antecipadas votações no seio do conselho intermunicipal, na expectativa (ou certeza) da mudança do número de eleitores, determinante de eventuais alterações da correlações de forças, com reflexo na aprovação ou reprovação de deliberações no seu seio.

Tal como nos órgãos autárquicos deve vigorar quanto aos órgãos intermunicipais um princípio de estabilidade assente no ciclo eleitoral, igualmente extensível à determinação do universo de eleitores autárquicos – a menos que a lei, expressa e inequivocamente, venha dispor de forma diversa.

3.2. A segunda e a terceira questões são do seguinte teor

B - Desta forma, hipoteticamente, se estiverem presentes municípios suficientes para existir quórum de funcionamento e de deliberação, se os municípios presentes não representarem 50%+1 e se não existirem votos desfavoráveis isto significa que não vinculam os municípios que não estiveram presentes? Se sim, então como atuar para que esta vinculação ocorra?

C - Hipoteticamente, se estiverem presentes municípios suficientes para existir quórum de funcionamento e de deliberação, se os municípios presentes não representarem 50%+1 e se existirem votos desfavoráveis, mas em menor n.º ao dos favoráveis isto significa que não vinculam esses municípios?

e pela conexão das hipóteses colocadas merecem resposta conjunta.

3.2.1. Essa resposta alcança-se facilmente quanto à primeira delas, se se atender a que nenhuma deliberação do conselho intermunicipal se pode considerar aprovada se não reunir cumulativamente os requisitos para o efeito: ser votada favoravelmente (votos a favor) por um número de conselheiros igual ou superior ao dos que votaram desfavoravelmente (votos contra), desconsiderando as abstenções, e, depois, que o número de cidadãos eleitores dos municípios cujos presidentes votaram favoravelmente corresponda a um número superior à metade do universo de eleitores que exista na comunidade intermunicipal.

Caso não se verifique qualquer um destes critérios a deliberação em causa não se considera aprovada pelo que não produz efeitos jurídicos, nem os municípios têm que ou podem adoptá-la com base na sua votação. Quer isto dizer que uma tal deliberação não vincula desde logo os municípios não presentes. Mas também não vincula os municípios presentes, mesmo que a tenham votado favoravelmente.

O que significa que nessa circunstância uma tal deliberação não foi aprovada e dela não se podem extrair efeitos jurídicos, designadamente vinculativos, quaisquer que eles sejam, ao nível da comunidade intermunicipal enquanto ente jurídico e entidade supramunicipal, bem como ao nível dos municípios enquanto seus membros constitutivos.

3.2.2. O critério utilizado e a resposta dada à segunda questão serve igualmente como critério a usar e resposta para a terceira questão.

Na verdade, também na hipótese colocada se verifica uma situação de não aprovação de uma deliberação, pela não verificação simultânea das condições legais para que se possa considerar uma dada deliberação como aprovada.

E, não estando aprovada à luz dos critérios (de ambos os critérios) legalmente previstos, a deliberação não se considera aprovada, com todas as consequências jurídicas de tal advenientes: não vincula nenhum dos municípios (quer seja presente quer ausente da votação, quer o seu presidente haja votado a favor quer contra) nem produz efeitos quanto a eles, do mesmo modo que não produz efeitos jurídicos na esfera da comunidade intermunicipal nem a vincula juridicamente.

3.3. A quarta e última questão é do seguinte teor:

D - No caso de estarem preenchidas as duas premissas, n.º de votos favoráveis igual ou superior ao n.º de votos desfavoráveis e os municípios que votam favoravelmente representam 50%+1 dos eleitores (ou mais), as deliberações vinculam todos os municípios que constituem a CIM.

1 - Se porventura o assunto que foi deliberado envolver uma competência para a qual o Presidente de Câmara não se encontra habilitado, como fazer?

  1. a) Levar a reunião de Câmara para deliberação?
  2. b) Levar à 1a reunião de Câmara para ratificação do ato?
  3. c) E se a proposta não for aprovada?

2 - Estando todas as questões de competência salvaguardadas, como articular as deliberações da CIM com o cumprimento da Lei dos compromissos, nomeadamente quando não existam fundos disponíveis?

Esta é uma questão múltipla que implica diversas respostas.

3.3.1. Num primeiro ponto há que sublinhar que câmara municipal (ou câmaras municipais) e (a respectiva) entidade intermunicipal (área metropolitana ou comunidade intermunicipal) constituem entidades jurídica e organicamente distintas, detentoras de diferentes atribuições – as dos municípios elencadas no artigo 23.º e as das entidades intermunicipais nos artigos 67.º (áreas metropolitanas) e 81.º (comunidades intermunicipais), todos do RJAL – e com poderes (competências) próprios, distintos e conferidos por lei.

Para a prossecução da sua acção as entidades intermunicipais são dotadas de órgãos próprios, com a composição definida na lei. Nas comunidades intermunicipais[13], ao lado de órgãos colegiais (assembleia intermunicipal e secretariado executivo intermunicipal) cuja constituição assenta numa eleição ainda que de entre diferentes universos eleitorais, outros há cuja composição resulta de uma inerência[14].

Na verdade, no caso do conselho intermunicipal, órgão deliberativo[15] da comunidade intermunicipal, a sua composição é obtida por inerência de cargo: o conselho intermunicipal é constituído pelos presidentes das câmaras municipais dos municípios que integram a comunidade intermunicipal[16], sendo que ao exercício de tais funções não corresponde qualquer remuneração[17]. Quer isto dizer que não se torna necessária qualquer operação ou acto destinado a encontrar os titulares desses órgãos, pois que eles se encontram já pré-determinados pela e na lei, quando esta indica o cargo cujos titulares serão igualmente os membros desse órgão.

Podemos assim dizer, em resumo, que o presidente de câmara de um dado município é titular simultâneo de dois cargos ou seja, desempenha simultaneamente as funções de presidente da câmara municipal no seu município, aí exercitando os poderes e competências do cargo no âmbito municipal, ao mesmo tempo que, por ser presidente da câmara, é também conselheiro intermunicipal por inerência, ou seja membro do órgão deliberativo da respectiva comunidade intermunicipal, no qual exercitará os poderes próprios desse cargo ou função.

A vinculatividade, ou não vinculatividade, para um dado município das deliberações do conselho intermunicipal não depende, assim, do facto de o respectivo presidente estar, ou não, municipalmente mandatado para votar em determinado sentido, mas resulta única e exclusivamente da lei, quando diz que as deliberações dos órgãos das entidades intermunicipais vinculam os municípios que as integram[18] (todos eles quer tenham estado presentes na votação quer não e, estando, as tenham, ou não, aprovado) conquanto sejam aprovadas pelos votos favoráveis dos seus membros correspondentes, cumulativamente, a um número igual ou superior ao dos votos desfavoráveis e à representação de mais de metade do universo total de eleitores dos municípios integrantes (…) da comunidade intermunicipal[19].

3.3.2. Quanto à questão de saber como articular as deliberações da CIM com o cumprimento da Lei dos compromissos, nomeadamente quando não existam fundos disponíveis ela apenas pode merecer uma resposta genérica, pois que potencialmente abrange diversíssimas circunstâncias que impedem uma resposta única.

Certo é que, em primeira linha, uma tal questão terá que ser resolvia em cada município à luz do quadro legal que, a cada momento, seja aplicável, bem como no contexto da própria comunidade intermunicipal.

As comunidades intermunicipais assentam no pressuposto básico, em matéria de funcionamento e acção, de uma consensualização de objectivos e decisões, de modo a verificar-se um funcionamento harmónico. Evidentemente que o desenvolvimento da sua acção não pode ser irrazoavelmente obstaculizado por um ou vários dos seus membros em desacordo. Mas é precisamente para evitar tentativas de hegemonia, positiva ou negativa, que a lei prevê o já referido duplo critério cumulativo de aprovação das deliberações do conselho intermunicipal (órgão deliberativo), as quais constituem as suas decisões fundamentais, na medida em que representam o imediato exercício das suas competências no quadro das suas atribuições.

Porém, mau grado isso, o que parece também evidente é que a vinculatividade ou o acatamento das deliberações do conselho intermunicipal (e, em geral, da comunidade intermunicipal) não podem fazer incorrer os municípios integrantes em violação de lei, pois que não é razoável pensar que para levar avante a sua missão, uma comunidade intermunicipal, por via das suas decisões, “obrigue” os seus membros (municípios) a ter que praticar ilegalidades para as poder acatar.

  

 

Concluindo

  1. Uma deliberação do conselho intermunicipal só se pode considerar aprovada se, num primeiro momento, merecer a aprovação de um número de membros (ou seja, obtiver um número de votos) igual ou superior ao do número de membros (ou seja, do número de votos) que se manifestem contra a mesma (a desaprovam), não se considerando para o efeito eventuais abstenções (como também não são de considerar as eventuais ausências de membros) e, depois, num segundo momento, “convertendo” o número de votos favoráveis e desfavoráveis no correspondente número de cidadãos eleitores, com recurso à regra legal e estatutariamente prevista para o efeito, aqueles votos (favoráveis) correspondam a mais de metade do universo total de eleitores dos municípios integrantes da área metropolitana ou da comunidade intermunicipal.
  2. A determinação do valor correspondente a mais de metade do universo total de eleitores dos municípios deve ser feita do seguinte modo:
    1. Quando o universo total de eleitores corresponda a um número par (por exemplo, 100.000 eleitores, p. ex.) e portanto a sua metade (50.000 eleitores) seja sempre um número inteiro, mais de metade desse universo de eleitores corresponde ao valor de metade mais um, ou seja, 50.001 eleitores.
    2. Quando o número total de eleitores corresponda a um número ímpar (100.001 eleitores, p. ex.) e portanto a sua metade seja um número decimal (50.000,5 eleitores), não se torna necessário adicionar um número inteiro ao resultado da divisão (cumprindo o aforismo “metade mais um”), pois que nesse caso mais de metade do universo de eleitores corresponde ao número inteiro imediatamente seguinte ao número decimal obtido na divisão – ou seja 50.001 eleitores.
  3. Para efeitos do anteriormente referido, deve entender-se que, tal como nas autarquias que a integram e cuja composição dos seus órgãos foi ditada pelos eleitores constantes dos cadernos eleitorais das respectivas eleições autárquicas, devem também ser estes os eleitores a considerar para efeitos de segundo critério de aprovação das deliberações do conselho intermunicipal e não quaisquer outros constantes de mapas ainda que mais actualizados, pois que a composição orgânica municipal e intermunicipal assenta no ciclo eleitoral autárquico, sendo este o determinante, designadamente em termos de (número de) eleitores, para a composição dos seus órgãos.
  4. Nenhuma deliberação do conselho intermunicipal se pode considerar aprovada se não reunir cumulativamente os requisitos legalmente previstos para o efeito conforme referido na conclusão A
  5. Uma deliberação não aprovada não produz efeitos jurídicos, nem os municípios têm que ou podem adoptá-la com base no facto de os eus presidentes a terem votado enquanto conselheiros intermunicipais – ou seja, uma tal deliberação não vincula desde logo os municípios não presentes como também não vincula os municípios presentes, mesmo aqueles cujos presidentes a tenham votado favoravelmente.
  6. A vinculatividade, ou não vinculatividade, para um dado município, das deliberações do conselho intermunicipal da comunidade intermunicipal a que pertença, não depende, do facto de o respectivo presidente estar, ou não, municipalmente mandatado para votar em determinado sentido, mas resulta, única e exclusivamente, da lei, quando nesta se diz que as deliberações dos órgãos das entidades intermunicipais vinculam os municípios que as integram (todos eles, quer tenham estado presentes na votação quer não e, estando, as tenham, ou não, aprovado) conquanto sejam aprovadas pelos votos favoráveis dos seus membros correspondentes, cumulativamente, a um número igual ou superior ao dos votos desfavoráveis e à representação de mais de metade do universo total de eleitores dos municípios integrantes (…) da comunidade intermunicipal.
  7. A vinculatividade ou o acatamento das deliberações do conselho intermunicipal (e, em geral, de todos os órgãos da comunidade intermunicipal) não podem fazer incorrer os municípios que a integram em violação de lei, pois que não é razoável pensar que para levar avante a sua missão, uma comunidade intermunicipal, por via das suas decisões, “obrigue” os seus membros (municípios) a ter que praticar ilegalidades para as poder acatar.

  

Salvo semper meliori judicio

   

Ricardo da Veiga Ferrão

(Jurista. Técnico Superior)

 

[1] Os Estatutos da Comunidade Intermunicipal da Região de … foram aprovados em reunião de 14 de Janeiro de 2014 da respectiva Assembleia Intermunicipal, sendo publicados em Diário da República (2.ª serie) pelo Aviso n.º …, de ….

[2] Que corresponde à regra do n.º 3 do artigo 105.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, como seu anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, e alterado pela Lei n.º 25/2015, de 30 de Março, Lei n.º 69/2015, de 16 de Julho, e Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

[3] Artigo 105.º, n.º 3, do RJAL.

Em sentido idêntico ao do texto, vd. o Acórdão do TCA Sul de 24/4/2014, consultável em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf?OpenDatabase.

[4] Artigo 105.º, n.º 2, do RJAL

[5] Em face da previsão destes critérios cumulativos quase se poderá sustentar que seria dispensável nas reuniões do conselho intermunicipal a exigência de quórum de deliberação e até mesmo de funcionamento.

[6] Porque os eleitores correspondem sempre a unidades, não havendo fracções ou décimas de eleitor.

[7] Porque, tal como já se disse na nota anterior, os eleitores correspondem sempre a unidades, não havendo fracções ou décimas de eleitor.

[8] Agora Secretaria Geral da Administração Interna – Administração Eleitoral (SGAI-AE), por sucessão nas atribuições da extinta DGAI.

[9] Artigo 67.º do Regime Jurídico do Recenseamento Eleitoral, constante da Lei n.º 13/99, alterada pelas Lei n.º 3/2002, de 8 de Janeiro, Lei Orgânica n.º 4/2005, de 8 de Setembro, Lei Orgânica n.º 5/2005, de 8 de Setembro, e Lei n.º 47/2008, de 27 de Agosto.

[10] Assim, e referindo-se aqui apenas os órgãos das comunidades intermunicipais cuja composição represente uma emanação da composição dos órgãos municipais dos concelhos que as integram, temos que a assembleia intermunicipal é constituída por membros das assembleias municipais eleitos de forma proporcional [sublinhado nosso] (artigo 83.º, n.º 1, do RJAL) e que o conselho intermunicipal é constituído pelos presidentes das câmaras municipais dos municípios que integram a comunidade intermunicipal (artigo 88.º, n.º 1, do RJAL).

[11] O mandado dos membros do conselho intermunicipal (que são presidentes das câmaras) coincide com o que legalmente estiver fixado para os órgãos das autarquias locais (artigo 101.º, n.º 1, do RJAL).

[12] Nos termos do artigo 84.º, al. c), do RJAL, observados os procedimentos previstos no artigo 94.º do RJAL, o secretariado executivo intermunicipal é eleito pela assembleia intermunicipal.

[13] O que vai de ser dito sobre comunidades intermunicipais vale igualmente para as áreas metropolitanas, na medida em que, nestas, também o conselho metropolitano é constituído pelos presidentes das câmaras municipais dos municípios que integram a área metropolitana (artigo 69.º, n.º 2, do RJAL).

[14] MarcelLo Caetano, Manual de Direito Administrativo, tomo II, 10.º ed., 5.º reimp., 1994, pag. 654, caracteriza a inerência como a investidura obrigatória num cargo por disposição legal, em virtude do exercício de outro cargo.

Por seu lado, diz-nos João Alfaia, Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. I, 2.ª ed. 1990, pag. 166, entrada “acumulação”, a respeito das inerências que trata-se dos casos em que a lei declara inerentes as funções de dois cargos, não recebendo o funcionário, titular de ambos, qualquer abono pelo desempenho do cargo (inerente).

[15] Verdadeiramente um dos (dois) órgãos deliberativos da comunidade intermunicipal, já que também a assembleia intermunicipal tem essa mesma natureza.

[16] Artigo 88.º, n.º 1, do RJAL.

[17] Artigo 88.º, n.º 3, do RJAL. Sobre a inexistência de remuneração das funções de conselheiro intermunicipal facto que caracteriza tal desempenho como uma clara inerência de funções, vd. o que fica referido na nota 12 anterior.

[18] Artigo 105.º, n.º 1, do RJAL.

[19] Artigo 105.º, n.º 2, do RJAL.

By |2023-10-23T10:07:16+00:0011/01/2017|Pareceres Jurídicos até 2017|Comentários fechados em Conselho Intermunicipal; artigo 105º da Lei 75/2013; deliberações

Renúncia; Cessação voluntária do exercício de funções de Presidente da Mesa; Assembleia de Freguesia

 

Em referência ao pedido de parecer solicitado pelo Presidente da Assembleia de Freguesia, por correio eletrónico de 7 e 13 de dezembro de 2016, sobre o assunto mencionado em epígrafe, julgamos que as questões que em concreto devemos esclarecer, baseados no teor do texto enviado, são as seguintes:

 

  1. Poderá ocorrer a cessação voluntária (erradamente designada pelo Presidente da Assembleia de Freguesia como renúncia) do exercício de funções de Presidente da Mesa, permanecendo o mesmo como membro da mesma Assembleia de Freguesia?
  2. Caso pretenda renunciar ao mandato de membro da Assembleia de Freguesia,

para além da cessação voluntária como Presidente da Assembleia de Freguesia, como deverá proceder?

 

I

 

No que respeita à primeira questão, importa referir que os membros da Mesa podem ser destituídos a qualquer momento pela maioria do número legal dos membros que compõem a Assembleia de Freguesia, contrariamente ao mandato dos mesmos enquanto membros da Assembleia.

De facto, contrariamente ao mandato dos membros da Assembleia de Freguesia que é de quatro anos, só deixando de ser eleitos se renunciarem, forem objeto da sanção de perda de mandato ou de dissolução do órgão, nestas duas últimas hipóteses por sentença de tribunal administrativo, a mesa é eleita para o período do mandato mas pode ser destituída a qualquer momento pela maioria do número legal dos membros que compõem a assembleia de freguesia (n º 2 do artigo 10 º da lei 169/99, de 18/09, na redação dada pela lei n º 5-A/2002, de 11/01).

Ocorrendo essa destituição os membros da mesa destituídos das suas funções na mesa continuam, obviamente, a ser membros de pleno direito da Assembleia de Freguesia – apenas deixam de integrar a mesa.

 

Ora, se os membros da mesa forem destituídos continuam a ser membros da Assembleia de Freguesia, não se confundindo esta destituição com renúncia.

 

A renúncia é uma das formas de cessação do mandato e consubstancia um direito de que gozam todos os eleitos locais, que depende unicamente da manifestação da vontade de renunciar, apresentada pelo eleito quer antes quer depois da instalação dos órgãos respetivos, estando legalmente consagrada no artigo 76 º da lei nº 169/99, na nova redação dada pela lei 5-A/2002, de 11/01.

A convocação do substituto deverá ser realizada no período que medeia entre a comunicação de renúncia e a primeira reunião que a seguir se realizar, onde o mesmo será instalado.

Isto é, não está legalmente prevista a renúncia ao cargo de Presidente da Assembleia de Freguesia, as renúncias respeitam aos mandatos como eleitos locais, sendo o cargo de presidente da Mesa um cargo para que se é eleito por se ter previamente adquirido a qualidade de eleito local.

 

Assim, no que respeita à possibilidade de o Presidente da mesa, «cessar», por opção própria, o exercício desse cargo para que foi eleito, não existe enquadramento legal para tal situação, como referimos, limitando-se a lei a prever e a regular apenas a hipótese de destituição por parte da Assembleia de Freguesia.

Ora, sendo um dos deveres dos eleitos locais participar nas reuniões dos órgãos para que foram eleitos, acrescentando nós, e nos cargos para que foram eleitos, entendemos, salvo melhor opinião, que a Assembleia de Freguesia deverá negar a possibilidade desta «renúncia» voluntária ao cargo de membro da Mesa da Assembleia, considerando que faz parte dos deveres dos eleitos permanecer nos referidos cargos, a menos que renunciem ou se suspendam os próprios mandatos de eleitos locais.

Ou seja, se a Assembleia de Freguesia considerar que não há enquadramento legal para que o Presidente da Assembleia cesse voluntariamente o exercício do cargo de Presidente da mesa deve comunicá-lo ao próprio, indeferindo a sua comunicação de «renúncia», que mais não é do que uma comunicação, como já afirmámos, de cessação voluntária do cargo.

No entanto, tal não impede nem que a Assembleia o destitua nem que o próprio renuncie ao seu próprio mandato de membro da Assembleia.

Se nenhuma das situações ocorrer não se irá verificar qualquer alteração na Assembleia de Freguesia.

 

  Temos, no entanto, presente que esta doutrina não colhe unanimidade, pelo que há quem entenda que o Presidente da Mesa pode cessar voluntariamente o exercício deste cargo, continuando como membro da Assembleia.

 

Competindo-nos dar apoio técnico às autarquias locais devemos informá-las dos vários entendimentos sobre as matérias em dúvida, muito embora manifestemos a nossa posição, dado que o apoio que prestamos não só é solicitado voluntariamente pelas autarquias como não as vincula nem as poderia vincular, dado o princípio da autonomia do poder local.

 

Assim neste outro entendimento, há possibilidade dos membros da mesa cessarem voluntariamente o exercício dos respetivos cargos, pelo que se tal ocorrer a substituição do Presidente da Mesa da Assembleia deve operar-se da mesma forma em que se realizou a sua eleição para a mesa.

 

Nestes termos, haverá nova eleição, eleição realizada por voto secreto pelos membros da Assembleia de Freguesia (vide o artigo 9 º da Lei n º 169/99, de 18/09, na redação dada pela lei n º 5-A/2002, de 11 de Janeiro) para eleger um novo Presidente ou uma nova mesa, consoante os termos em que estiver regulamentada a eleição da mesa no regimento da Assembleia de Freguesia, uninominal ou por listas.

 

Se estiver estipulada eleição uninominal eleger-se-á apenas o presidente da Mesa mas se a eleição prevista em regimento for a eleição por listas terão que ser apresentadas listas para a eleição da mesa, ou seja, nesse caso terá que ser eleita uma nova mesa.

 

Não podemos deixar de referir, no entanto, que  no caso que nos foi apresentado houve uma nítida confusão entre o conceito de renúncia, inerente ao mandato de eleito local e a cessação voluntária do cargo de Presidente da mesa.

 

Por último refira-se que quer a Assembleia destitua a mesa ( ou qualquer um dos membros da respetiva mesa) ou aceite  a  cessação voluntária do cargo de presidente da Assembleia, haverá  nova eleição, eleição realizada por voto secreto pelos membros da assembleia de freguesia ( vide o artigo 9 º da Lei n º 169/99, de 18/09, na redação dada pela lei n º 5-A/2002, de 11 de Janeiro) para eleger uma nova mesa ou um novo Presidente, nos termos por nós supra referidos.

 

II

Se, porventura, o atual Presidente da Assembleia de Freguesia pretender renunciar também ao seu mandato como membro da assembleia de Freguesia, para além de querer cessar funções como Presidente da mesa, o enquadramento legal da situação em causa será o seguinte:

 

A renúncia, com referimos, está consagrada no artigo 76º da Lei nº 169/99, de 18 de setembro, com as alterações introduzidas pelo Lei nº 5-A/2002, de 11 de janeiro, é uma das formas de cessação do mandato e consubstancia um direito de que gozam todos os eleitos locais, que depende unicamente da manifestação da vontade de renunciar, apresentada pelo eleito quer antes, quer depois da instalação dos órgãos respetivos,

 

Esta manifestação de vontade é apresentada por escrito e dirigida a quem deve proceder à instalação ou ao presidente do órgão, consoante o caso, que deve convocar o membro substituto, no período que medeia entre a comunicação da renúncia e a primeira reunião que a seguir se realizar, salvo se a entrega do documento de renúncia coincidir com o ato de instalação ou reunião do órgão e estiver presente o respetivo substituto, situação em que, após a verificação da sua identidade e legitimidade, a substituição se opera de imediato, se o substituto a não recusar por escrito de acordo com o direito que ele próprio tem a renunciar.

 

A sua substituição far-se-á nos termos previstos no artigo 79º do mesmo diploma, ou seja, “pelo cidadão imediatamente a seguir na ordem da respetiva lista ou, tratando-se de coligação, pelo cidadão imediatamente a seguir do partido pelo qual havia sido proposto o membro que deu origem à vaga”.

 

No presente caso, exercendo o eleito renunciante também as funções de Presidente da mesa da Assembleia de Freguesia, a forma da sua substituição enquanto tal é a que aludimos supra, ou seja, dever-se-á  preencher proceder à eleição do novo Presidente, caso a anterior eleição tenha sido uninominal, ou de uma nova mesa, caso tenha sido por lista.

 

Note-se, porém, que enquanto não for feita a referida eleição, cabe ao 1 º secretário, nos termos previsto no nº 3 do citado artigo 10º, substituir o Presidente nas suas faltas.

 

Conclusões,

 

  1. No caso da Assembleia de Freguesia aceitar a cessação voluntária do cargo de presidente da Assembleia, haverá nova eleição, eleição realizada por voto secreto pelos membros da assembleia de freguesia ( vide o artigo 9 º da Lei n º 169/99, de 18/09, na redação dada pela lei n º 5-A/2002, de 11 de Janeiro) para eleger  um novo Presidente ou uma nova mesa, consoante os termos em que estiver regulamentada a eleição da mesa no regimento da Assembleia de Freguesia, uninominal ou por listas.

  

  1. No caso do atual Presidente da Assembleia de freguesia renunciar ao mandato de eleito local:

 

- Por força da conjugação normativa do nº 4 do artigo 76º e do nº 1 do artigo 79º da Lei nº 169/99, dever-se-á primeiramente substituir o Presidente da Assembleia enquanto membro da Assembleia de Freguesia, convocando o cidadão imediatamente a seguir na ordem da respetiva lista, o que terá lugar no período que medeia entre a comunicação da renúncia e a primeira sessão que a seguir se realizar, que poderá ser ordinária, se o referido período coincidir com a data da sua realização, ou extraordinária, caso isso não aconteça.

 

- Por força do disposto no artigo 10º da mesma lei, a mesa é eleita de entre os membros da assembleia de freguesia, pelo que a substituição do Presidente da mesa da Assembleia enquanto tal, na sequência da sua renúncia enquanto membro da assembleia, deverá seguir a mesma forma da eleição da mesa anteriormente realizada, isto é, uninominal, elegendo um novo Presidente da Assembleia, ou por lista, elegendo uma nova mesa.

  

 

Diretora de Serviços de Apoio Jurídico e à Administração Local

  

(Maria José Leal Castanheira Neves)

By |2023-10-23T09:03:45+00:0015/12/2016|Pareceres Jurídicos até 2017|Comentários fechados em Renúncia; Cessação voluntária do exercício de funções de Presidente da Mesa; Assembleia de Freguesia

Dirigentes; procedimento concursal; experiência profissional.

 

Tendo em atenção o exposto no ofício n.º …, de 15 de novembro, da Câmara Municipal de …, sobre a matéria referenciada em epígrafe, cumpre-nos esclarecer o seguinte:

 

Reportando-nos ao solicitado através da comunicação acima referenciada, e sem perder de vista que os pareceres emitidos pelas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, a solicitação das entidades autárquicas, não se revestem, nesta matéria, de uma natureza vinculativa, antes se inserem no âmbito de uma assessoria jurídica voluntária, informamos de que, nos termos do n.º 2, alínea a), da Portaria n.º 314/2010, de 14 de junho, as referidas solicitações deverão ser acompanhadas de informação dos serviços “que enquadre a situação, proceda à sua análise e proponha uma solução para a questão objeto de consulta” e cumprir os requisitos previstos no n.º 5, alínea f), da Portaria n.º 528/2007, de 30 de abril, designadamente, serem subscritas pelo presidente do órgão (ou seu substituto legal).

 

De qualquer modo, sempre se dirá que prescreve o n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 49/2012, de 29 de agosto, na atual redação, que “a área de recrutamento para os cargos de direção intermédia de 1.º e 2.º graus é a prevista nos n.ºs 1 e 3 do artigo 20.º da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro …”.

 

E, compulsando a primeira das normas para onde nos vemos remetidos – o n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 2/2004 – constata-se que ali se estabelece que “os titulares dos cargos de direção intermédia são recrutados, por procedimento concursal … de entre trabalhadores em funções públicas contratados ou designados por tempo indeterminado, licenciados, dotados de competência técnica e aptidão para o exercício de funções de direção, coordenação e controlo que reúnam seis ou quatro anos de experiência profissional em funções, cargos, carreiras ou categorias para cujo exercício ou provimento seja exigível uma licenciatura, consoante se trate de cargos de direção intermédia de 1.º ou de 2.º grau, respetivamente” (elidido e destacado nossos).

 

Intentando a esquematização dos requisitos exigidos pelo preceito transcrito, diríamos que, ao tempo da formalização da candidatura a procedimento concursal para chefe de divisão, seriam aqueles os seguintes:

- Vínculo à administração pública, por tempo indeterminado;

- Licenciatura;

- Competência técnica e aptidão para o exercício de funções de direção, coordenação e controlo; e

- Quatro anos de experiência profissional em funções, cargos, carreiras ou categorias para cujo exercício ou provimento seja exigível uma licenciatura.

 

Sendo este último aquele cuja análise nos é suscitada, valerá salientar que, tendo o legislador lançado mão dos conceitos de exercício ou de provimento, por detentores de uma licenciatura, não nos restam grandes dúvidas quanto a considerar ter havido a intenção inequívoca de conferir relevância à experiência profissional obtida tanto em atividades privadas quanto em atividades de natureza pública, para o fim visado, sob pena de, a não se entender assim, se estar a fazer uma interpretação restritiva da norma, com total desrespeito pelos mais básicos elementos de interpretação e aplicação da lei, designadamente, o elemento literal e o teleológico.

 

É que, como é sabido, o tipo de experiência profissional, como a que a norma exige, longe de se constituir em exclusivo de quem exerce funções públicas, é, não raras vezes, muito mais rica, profícua e diversificada, logo, mais habilitante, quando adquirida no exercício de uma atividade privada, lógica que, ao que cremos, terá norteado o legislador no sentido de lhe conferir relevância, em ordem a propiciar a possibilidade de recrutamento de dirigentes de entre quem, tanto do setor privado quanto do setor público, revele ser o mais capaz para o desempenho de tais cargos (ao contrário do que em diplomas anteriores se consagrava quando, designadamente, só se considerava relevante a experiência adquirida após o ingresso em carreira do grupo de pessoal técnico superior – cfr., a propósito, a alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 49/99, de 22 de junho, revogada pelo artigo 38.º da Lei n.º 2/2004).

 

Em conclusão, para efeitos de candidatura a procedimentos concursais para cargos dirigentes deverá ser considerada relevante a experiência profissional adquirida no desempenho, tanto no setor público quanto no setor privado, de funções, cargos, carreiras ou categorias para cujo exercício ou provimento seja exigível uma licenciatura.

  

O técnico superior

 

(José Manuel Martins Lima)

By |2023-10-23T09:08:12+00:0024/11/2016|Pareceres Jurídicos até 2017|Comentários fechados em Dirigentes; procedimento concursal; experiência profissional.

Procedimento concursal; recrutamento nos termos dos n.ºs 4 a 6 do artigo 30.º da LTFP.

 

 

Tendo em atenção o exposto no ofício n.º …, de 16 de novembro, da Câmara Municipal de …, sobre a matéria referenciada em epígrafe, cumpre tecer as seguintes considerações:

 

Sem desprimor pelas considerações tecidas na informação anexa ao pedido de parecer, e pese, embora, não excluirmos a possibilidade de se vir a afigurar defensável tese diversa, hipótese que salvaguardamos, pendemos para crer que não subsistirão fundamentos para sustentar o entendimento ali assumido, lançando mão de uma interpretação sistémica do artigo 30.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – LTFP – aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, como se propõe.

 

Assim, carecendo essa autarquia de proceder ao preenchimento de postos de trabalho, nada obsta a que, por deliberação do órgão executivo, proceda à abertura de procedimentos concursais (cfr., a propósito, o artigo 32.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aprovou o Orçamento de Estado para 2016 – LOE/2016), circunscrito a candidatos que sejam já detentores de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida, para o que deverá proceder a uma prévia consulta à ECCRC, “no sentido de confirmar a existência ou não de candidatos, em reserva, que permita satisfazer as características dos postos de trabalho a ocupar, tal como definidas no mapa de pessoal” (cfr., n.º 1 do artigo 4.º da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de janeiro, na atual redação) após o que, em caso de resposta negativa, deverá proceder à publicitação da oferta de emprego nos termos do art.º 19.º da mesma portaria, de que merece destaque a publicitação “na bolsa de emprego público (www.bep.gov.pt), através do preenchimento de formulário próprio, devendo este estar disponível para consulta no 1.º dia útil seguinte à publicação referida na alínea anterior”.

 

E pertinente será chamar, aqui, à colação o disposto no artigo 30.º e seguintes, no tocante às regras a observar em matéria de preenchimento de postos de trabalho, bem como nos artigos 92.º a 100.º da LTFP, relativamente ao recurso a instrumentos de mobilidade.

 

Por outro lado, e em ordem a proceder a um adequado enquadramento jurídico no tocante ao procedimento concursal, será pertinente fazer uma remissão para o que se encontra estabelecido no artigo 30.º, atenta a hierarquização de procedimentos concursais a que, implicitamente, procede, e nos artigos 33.º a 38.º da LTFP, no que à formação do vínculo diz respeito (cfr., também, Portaria n.º 83-A/2009, já citada).

 

É que, salvo melhor opinião, decorre do n.º 3 do artigo 30.º a imposição legal, num primeiro momento e respeitada que tenha sido a procura prévia de trabalhadores em situação de reserva, nos termos descritos, de o primeiro recrutamento ser exclusivamente dirigido a candidatos que sejam já detentores de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado previamente estabelecida, consubstanciando-se, nesta particularidade, uma prerrogativa de prioridade ou de privilégio relativamente a candidatos sem aquele tipo de vínculo.

 

Depois, e nos termos do n.º 4 do preceito, ante a impossibilidade de ocupação dos postos de trabalho por trabalhadores com aquele vínculo, abre-se a possibilidade da abertura de um novo procedimento concursal, dirigido este, agora, a candidatos com vínculo de emprego público a termo ou sem vínculo de emprego público, realçando-se não ser aqui feita qualquer referência a vinculados por tempo indeterminado, situação bem diferente da que no n.º 5 do preceito é contemplada quando, em casos excecionais, devidamente fundamentados, se configura a realização de um procedimento concursal a que possam concorrer os trabalhadores com e sem vínculo de emprego público fora do caso previsto no número anterior.

 

Queremos com isto sustentar que, se o legislador tivesse pretendido incluir no universo de candidatos ao procedimento concursal previsto no n.º 4 os vinculados por tempo indeterminado, para além dos mencionados no preceito, com ou sem ordem de preferência relativamente aos restantes, certamente tê-lo-ia feito, hipótese que terá havido intenção deliberada de excluir (assim mandam as boas regras da interpretação e aplicação da lei).

 

E foi precisamente em sentido idêntico ao indiciado que o Tribunal Central Administrativo do Norte se pronunciou, em acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 1/14.1, de 25 de outubro de 2016, que, não obstante se reportar a normas da Lei n.º 12-A/2008, abreviadamente, LVCR, assume aqui particular acuidade, atenta a reposição a que, de forma quase literal, a Lei n.º 35/2014 fez de tais normas (cfr., artigo 6.º da LVCR versus artigo 30.º da LTFP).

 

Nestes termos, não nos eximimos de manifestar a nossa concordância com o entendimento perfilhado pela ANMP, constante do ofício remetido em anexo ao pedido de parecer, ou seja, o de que, nos procedimentos concursais abertos ao abrigo dos n.ºs 4 a 6 do artigo 30.º da LTFP não há qualquer prioridade de recrutamento a favor dos candidatos vinculados por tempo indeterminado em detrimento dos restantes, antes devendo ser respeitada a preferência estabelecida no n.º 1 do artigo 66.º da LTFP, a favor dos trabalhadores contratados a termo, em caso de igualdade de classificação.

  

O técnico superior

 

(José Manuel Martins Lima)

 

By |2023-10-23T09:09:23+00:0023/11/2016|Pareceres Jurídicos até 2017|Comentários fechados em Procedimento concursal; recrutamento nos termos dos n.ºs 4 a 6 do artigo 30.º da LTFP.

Gravação das Reuniões da Assembleia e da Câmara Municipal.

 

Solicita o Presidente da Câmara Municipal de …, por seu ofício de …, referência n.º …, a emissão de parecer sobre as seguintes questões:

  1. É possível nas sessões da Assembleia Municipal, que por natureza são públicas, que terceiros, designadamente jornalistas ou outros, procedam à gravação integral dos trabalhos e intervenções dos Senhores Membros da Assembleia e dos Senhores Membros do Executivo Municipal?
  2. Em caso afirmativo - poder ser feita gravação integral da sessão -, pode qualquer dos Membros da Assembleia ou do Executivo, impedir que a sua intervenção seja gravada, dando nota expressa dessa vontade à Mesa da Assembleia?
  3. O Órgão Executivo tem mensalmente duas reuniões. Uma dessas reuniões é pública, com um período para intervenção e esclarecimento do público. Esta reunião pública mensal pode ser integralmente gravada por terceiros, designadamente por jornalistas ou outros?
  4. Na reunião mensal sem período para intervenção e esclarecimento do público pode ser feita a sua gravação por terceiros, designadamente por jornalistas ou outros?

Para os efeitos previstos no n. ° 2 do artigo 2.° da Portaria n.° 314/2010 de 14 de Junho, adianta-se que o parecer interno dos serviços da Câmara Municipal é o seguinte:

  1. a) O artigo 49.° da Lei 75/2013, de 12.09 (regime jurídico das autarquias locais) consagra o carácter público das sessões dos órgãos deliberativos das autarquias e a possibilidade de, no seu regimento, se fixar um período de intervenção e esclarecimento ao público;
  2. b) Quanto aos órgãos executivos, o mesmo artigo consagra a realização de, pelo menos, uma reunião pública mensal;
  3. c) Ali se estabelece ainda que nenhum cidadão pode intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tornadas;
  4. d) Porém, quanto à possibilidade de gravação integra! das assembleias municipais por terceiros ou jornalistas, quer a referida Lei, quer o Regimento da Assembleia Municipal de … são omissos;
  5. e) Da secção VIII do Regimento ("Da publicidade dos trabalhos e dos atos da Assembleia") parece resultar que a publicidade é assegurada pelas atas e pela publicação das deliberações em DR (quando a lei o determine) e em edital, no sítio da internei, no boletim da autarquia e em jornais regionais (se verificados certos requisitos);
  6. f) por sua vez. o Estatuto do Jornalista (Lei 64/2007 de 06.11, que alterou a Lei 1/99 de 13.01), consagra para a Administração Pública, o dever de assegurar aos Jornalistas o acesso às fontes de informação (artigo 8.°);
  7. g) o mesmo diploma consagra aos jornalistas (artigos 9.° e 10.°), o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa (portanto, no exercício da atividade profissional), podendo os órgãos de comunicação social utilizar os meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua atividade;
  8. h) no entanto, o artigo 14.° fixa aos jornalistas deveres vários, designadamente o de não recolher imagens/sons com recurso a meios não autorizados (exceto em caso de estado de necessidade) e o de se identificar como Jornalista (salvo razões de interesse público);
  9. i) do exposto parece resultar que os jornalistas não podem recolher som e imagem, nas reuniões dos órgãos deliberativo e executivo se não tiverem prévia autorização para tal;
  10. J) no caso das gravações por terceiros não identificados como Jornalistas, desconhece-se previsão legal, pelo que, por maioria de razão, devem ser proibidas;
  11. k) Quanto a saber se pode ser feita gravação integral da sessão quando um dos Membros da Assembleia ou do Executivo impedir a gravação da sua intervenção, entende-se que a resposta há-de ser negativa, a menos que, no caso do órgão deliberativo, o respetivo Regimento tenha admitido a gravação integral das reuniões;

  

Apreciando

  1. Do pedido

No presente pedido são colocadas quatro questões atinentes à admissibilidade da (livre) gravação das sessões da assembleia municipal e das reuniões da câmara municipal, por terceiros, membros do público ou jornalistas.

Cuidar-se-á assim de saber se nas sessões e reuniões públicas da assembleia municipal e da câmara municipal, é admissível a sua gravação integral por terceiras pessoas ou jornalistas, sem dependência de qualquer (prévia) autorização, e sendo-o, se na assembleia municipal qualquer seu membro ou elemento da câmara municipal nela presente pode vedar, proibindo, a gravação das suas intervenções.

Esclarecer-se-á ainda se na reunião reservada (privada) da câmara municipal, pode haver lugar à sua gravação por jornalistas ou terceiras pessoas.

 

  1. Análise

2.1. Quadro geral

2.1.1. A matéria em apreço já foi abordada em nosso anterior parecer[1], que ora se retoma nos segmentos que para aqui importam:

(…)

2.1. A Constituição estabelece como regra que as reuniões das assembleias que funcionem como órgãos (…) do poder local são públicas, excepto nos casos previstos na lei1. Ao referir-se a reuniões das assembleias, a norma constitucional, em matéria de poder local, dirige-se (apenas) aos órgãos considerados “assembleias”, a saber, assembleia municipal e assembleia de freguesia2.

Assim, na administração autárquica – municípios e freguesias - a regra relativa às sessões dos seus órgãos deliberativos é a de que são públicas3.

Esta abertura à presença de público4 não significa, contudo, liberdade de participação ou de intervenção deste nos debates e nos trabalhos das assembleias. É que a mesma lei que prevê a possibilidade dessa presença determina igualmente que a nenhum cidadão é permitido intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tomadas5. O público é, assim, considerado mero assistente, podendo estar presente, ver e ouvir tudo quanto se debate, mas sendo-lhe vedado ter outra qualquer intervenção para além disso.

Porém, não obstante este princípio de mera presença e assistência aos trabalhos, a lei prevê a possibilidade da existência, no decurso da sessão, de um período para intervenção e esclarecimento do público, cuja concreta disciplina cabe ser estabelecida pelo regimento do órgão6.

Assim, o regimento do órgão deliberativo deve cuidar da previsão, na agenda dos trabalhos, de um período destinado a intervenções e esclarecimento do público7, no decurso do qual este pode interpelar directamente o órgão, colocando questões, e dele obter esclarecimentos e informações8.

2.2. A velha regra (a “tradição”), neste âmbito, é a de que as reuniões decorrem com a presença física dos seus membros9 – e não através de videoconferência.

Ainda que podendo ser suportada em documentos escritos, a reunião decorre sempre de forma oral, pessoal e directa, não havendo qualquer intermediação entre os membros que nela intervenham (ou seja, “falem”) e o colégio a quem se dirigem, ressalvadas as indicações destinadas a assegurar a “boa ordem” no decurso dos trabalhos que ao presidente cabe assegurar, dirigindo-se, assim, o orador directamente ao colégio e por ele (por cada um dos seus membros) podendo ser interpelado.

A memória futura de tudo quanto se passa nas reuniões dos órgãos colegiais – e o instrumento (documento) que garante a produção de efeitos jurídicos (eficácia jurídica) de tudo quanto nelas seja deliberado – é, nos termos da lei, assegurada unicamente pelas actas das reuniões.

A acta da reunião (de qualquer reunião de órgão colegial, quer no âmbito de entes públicos quer de privados10) é, na definição do CPA, um resumo de tudo o que nela tenha ocorrido e seja relevante para o conhecimento e a apreciação da legalidade das deliberações tomadas, designadamente a data e o local da reunião, a ordem do dia, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas, a forma e o resultado das respetivas votações e as decisões do presidente, cujo conteúdo – ou seja, o relato de tudo quanto haja ocorrido na reunião e seja relevante para o órgão - é consensualizado, aceite e aprovado pelos membros do órgão que nela estiveram presentes, tendo então tido ou não qualquer intervenção.

A lei não prevê qualquer outra forma, documento ou instrumento, que possa ter ou desempenhar idêntica função, tenha o mesmo valor e produza os iguais efeitos jurídicos.

Temos assim que só a acta, aprovada na devida forma, “relataautenticamente o ocorrido na reunião. E quanto a esse relato, os membros do órgão não se podem opor a que nele, nominativamente, sejam citados e dele constem as suas intervenções ou resumos das mesmas – a cujo conteúdo eles, aliás, podem sugerir alterações, a quando do momento da leitura e aprovação da acta, para melhor o fazerem corresponder ao que entendam ter nela sido dito e ocorrido, ou mesmo de ele dissentir, votando contra a aprovação da acta (ficando esta aprovada apenas pela maioria) e fazendo declaração de voto.

2.3. A tomada de som (gravação áudio), de imagem e de som e imagem (gravação vídeo) das/nas reuniões de órgãos colegiais, maxime, no caso que ora importa, de órgão deliberativo autárquico, não se encontra legislativamente prevista, nem em lugar algum a lei aborda essa questão.

Não parece, porém que, um tal registo, em qualquer das suas formas, possa ter lugar de forma livre e indiscriminada, por iniciativa de qualquer cidadão, mesmo que autarca e membro do órgão.

(…)

Ora, nas assembleias municipais, ainda que constitucional e legalmente públicas, é absolutamente vedado aos cidadãos presentes intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tomadas, pelo que a sua participação no normal desenrolar dos trabalhos colegiais se limita à (mera) assistência, expectação ou testemunho (do trabalho) dos mesmos - mas tomando total e irrestrito conhecimento auditivo e visual do tudo quanto nestes seja dito ou mostrado – para além de, no decurso do período para intervenção e esclarecimento do público, os munícipes assistentes (ou melhor, quem quer que tenha assuntos de interesse ou conexionados com o município ou a actividade dos seus órgãos, pois que estas intervenções nem são reservadas apenas aos munícipes nem devem ser diletantes, mas antes, objectivas e pertinentes) podem interpelar directamente a assembleia (em regra, na pessoa do seu presidente, mas também os diversos membros) colocando questões e obtendo esclarecimentos e informações, do que deve ser feito expressa nota na acta da respectiva reunião após o relato dos assuntos incluídos na ordem do dia, através de uma referência sumária às eventuais intervenções do público na solicitação de esclarecimentos e às respostas dadas13.

Por outro lado, o ocorrido nas reuniões é igualmente acessível, a posteriori, através das actas das mesmas, aliás única forma que a lei considera autêntica e juridicamente eficaz de relatar os assuntos abordados e discutidos e as decisões (deliberações) nelas tomadas.

São, pois, estas as (duas) formas como se concretiza o direito fundamental informação no que toca às sessões públicas dos órgãos deliberativos das autarquias locais.

Neste âmbito, haverá ainda que levar ainda em conta, para além do referido, a informação veiculada pela comunicação social no quadro do exercício do direito dos jornalistas a informar e à liberdade de imprensa.

2.4. Em face de quanto fica dito, não pode deixar de se considerar que a gravação de som e de som e imagem das reuniões das assembleias não só não se encontra legalmente prevista e regulada como difere, ou melhor, não constitui, substancialmente, aquilo que a lei reputa como admissível (a presença de público) ou indispensável (elaboração e aprovação da acta) para, de modo juridicamente válido, ser acedido e reportado o conteúdo das reuniões dos órgãos deliberativos autárquicos.

Ainda que assim seja, poder-se-á considerar que, não obstante o silêncio da lei na matéria, o próprio órgão pode entender, por seu livre alvedrio14, que deve haver lugar à gravação das suas reuniões.

Neste caso, uma tal decisão sujeitá-lo-á naturalmente às disposições legais relativas à protecção de dados pessoais, em especial ao disposto na LPDP, pois que no caso e seja qual for o tipo de registo efectuado – apenas de som ou de imagem ou de som e imagem – se está, indubitavelmente, perante uma operação de tratamento de dados pessoais15, de que o órgão é o responsável pelo tratamento16, na medida em que é ele que determina as finalidades e meios de tratamento desses dados17.

1 Artigo 116.º, n.º 1, da Constituição da República (CRP). A este respeito dizem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4ª edição revista (reimp.), 2014, pág. 113, que o princípio da publicidade (…) é um princípio fundamental do direito constitucional, cujo sentido, no âmbito dos órgãos colegiais do tipo de assembleia, é o seguinte: (a) possibilidade jurídica de livre acesso das pessoas e órgãos de comunicação à sala das sessões; (b) proibição de reuniões secretas; (c) exigência de publicação das actas dos respectivos trabalhos. E mais dizem ainda que a base do princípio da publicidade é ainda o princípio democrático de fiscalização popular dos actos públicos e do direito à informação.

2 A CRP, ao abordar, no artigo 239.º, os órgãos do poder local, diz serem eles de dois tipos ou dupla natureza, uma assembleia eleita e um órgão executivo, que a lei posteriormente consagra nos artigos 5.º e 6.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro. Em sentido idêntico, vd. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição… cit., pág. 113.

3 Artigo 49, n.º 1, do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro.

4 A possibilidade da presença de público nas sessões das assembleias deliberativas pode-se designar, neologísticamente, de “publicalidade”, de modo a diferenciá-la da publicidade das mesmas reuniões - entendendo-se por esta (publicidade) a divulgação da ocorrência ou realização da reunião ou sessão do órgão e do que nele se haja decidido e por aquela (publicalidade) como a qualidade relativa à sessão ou reunião de órgão que pode ser, ou não, assistida ou presenciada por pessoas estranhas ao mesmo (ou seja, presenciada por “público”).

5 Artigo 49, n.º 4, do RJAL.

6 Quanto aos órgãos executivos, as reuniões destes são, por regra, reservadas. Porém, a lei dispõe que deve ser promovida, pelo menos, uma reunião pública mensal (artigo 49, n.º 2, do RJAL), a qual fica sujeita a condicionalismos idênticos aos previstos, nesta matéria, aos das reuniões dos órgãos deliberativos. Esta mesma reserva constitui igualmente a regra geral quanto ao acesso do público (“publicalidade”) às reuniões dos órgãos da Administração, pois que também elas não são públicas - o que é por dizer que são reservadas aos seus membros – salvo no caso de previsão legal em contrário (artigo 27.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA)).

7 Artigo 49, n.º 1, do RJAL.

8 Diz JORGE PAÇÃO, Os órgãos colegiais no Novo Código do Procedimento Administrativo, in CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDES NEVES, TIAGO SERRÃO (coord.) Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, 2.ª reimp., 2015, pág. 203, que dá-se, deste modo, efetiva aplicação aos princípios da participação e colaboração (…) aquando do funcionamento dos órgãos colegiais, sendo que quanto ao modelo de intervenção adotado, consagra-se a “tripla capacidade interventiva”(…): divulgação, colaboração e esclarecimento, permitindo que o contributo dos assistentes à reunião seja significativo e com efetiva preponderância na formação da vontade do órgão colegial.

9 É quanto parece resultar da exigência legal de quórum de funcionamento e de deliberação dos órgãos colegiais autárquicos, que se verifica apenas quando neles esteja presente a maioria no número legal dos seus membros [sublinhado nosso] (artigo 54.º, n.º 1,0 da RJAL). Também o artigo 29.º do CPA acolhe idêntico princípio ao prever que os órgãos colegiais só podem, em regra, deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros com direito a voto (n.º 1) e, em segunda convocatória, desde que esteja presente um terço dos seus membros com direito a voto (n.º 3) [sublinhados nossos].

10 Diz-se no artigo 37.º do Código Comercial, a respeito das actas das reuniões dos órgãos societários, que os livros ou as folhas das actas das sociedades servirão para neles se lançarem as actas das reuniões de sócios, de administradores e dos órgãos sociais, devendo cada uma delas expressar a data em que foi celebrada, os nomes dos participantes ou referência à lista de presenças autenticada pela mesa, os votos emitidos, as deliberações tomadas e tudo o mais que possa servir para fazer conhecer e fundamentar estas, e ser assinada pela mesa, quando a houver, e, não a havendo, pelos participantes.

(…)

13 Artigo 49.º, n.º 6, do RJAL.

14 Decisão cuja aplicação prática deverá ser devidamente regulada no respectivo regimento.

15 No sentido resultante do previsto nas alíneas a) e b) do artigo 3.º da Lei n.º 67/98.

16 À luz da definição contida na al. d) do artigo 3.º da Lei n.º 67/98.

17 Artigo 3.º, al. d), da LPDP.

2.1.2. Sobre a possibilidade de gravação integral das reuniões de assembleia municipal por jornalista, afirmou-se igualmente em nosso outro parecer[2]:

2.2. Os direitos concedidos ao jornalista pelo seu estatuo

2.2.1. O estatuto do jornalista – e jornalistas são todos aqueles que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem com capacidade editorial funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação, com fins informativos, pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por qualquer outro meio electrónico de difusão11, ainda que não desenvolvam actividade jornalística quando se encontrem ao serviço de publicações que visem predominantemente promover actividades, produtos, serviços ou entidades de natureza comercial ou industrial12 - prevê que estes têm o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa13, aos quais não podem ser impedidos de entrar ou permanecer (…) quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional, sem outras limitações além das decorrentes da lei14.

Por outro lado, ainda no âmbito do direito de acesso aos locais públicos onde se possam recolher informações noticiosas, prevê a lei que os órgãos de comunicação social têm direito a utilizar os meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua actividade15.

Resumindo, o estatuto do jornalista assegura a estes a entrada e permanência nos lugares públicos onde pretendam exercer a sua actividade (ou seja, onde haja razão para cobertura informativa, para notícia) e garante aos órgãos de comunicação social o direito à utilização dos meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua actividade informativa.

2.2.2. Porém, ao lado do direito de livre acesso aos locais públicos e de aí poderem recolher toda a informação que considerem pertinente, os jornalistas encontram-se também sujeitos ao dever de não recolher imagens e sons com o recurso a meios não autorizados a não ser que se verifique um estado de necessidade para a segurança das pessoas envolvidas e o interesse público o justifique16.

2.3. Os poderes da assembleia quanto à divulgação do conteúdo das suas reuniões

2.3.1. Como se disse antes, a assembleia municipal pode, no seu regimento, disciplinar a tomada de som e/ou imagem das suas reuniões, designadamente para fins jornalísticos.

Assim, pode a assembleia municipal, em previsão expressa no seu regimento, divulgada de forma evidente e visível no local onde sejam realizadas as suas reuniões17, deliberar que não seja permitida a recolha, por qualquer meio, de imagens e de som das respectivas sessões por terceiros18, ficando desse modo os jornalistas impedidos de o fazer, em observância do, e por respeito ao, seu dever de oficio, pois que contra essa limitação não podem invocar a verificação de um estado de necessidade justificante para a gravação, conforme é conformado na lei, já que o quadro permissivo que ela prevê só muito excepcionalmete, como é óbvio, se poderá verificar.

2.3.2. Esta limitação ou, mais claramente, esta compressão do direito dos jornalistas, apenas se verifica quanto à tomada de imagem e de som, mas já não quanto à tomada de apontamentos escritos de tudo quanto presenciem (vejam e ouçam) ou lhes chegue ao conhecimento e de, com base em tais elementos, produzir informação jornalística (notícias).

A este respeito será de relembrar que não só as reuniões da assembleia municipal são públicas – o que permite a quem quer que seja nelas estar presente e tomar conhecimento (presencial) dos assuntos tratadas e (do sentido) das deliberações tomadas – como não pode ser atribuído ao acto de aprovação da acta de uma reunião um caracter autorizatório ou permissivo do conhecimento e divulgação de quanto nela se passou (e que conste da acta), pois que, como se disse, não só a reunião é pública e, nessa medida, conhecido o seu desenrolar e os assuntos nela tratados por todos quanto nela sejam presentes, como a acta é apenas condição de eficácia (jurídica) das deliberações nela tomadas, o que significa unicamente que uma deliberação, antes de ser aprovada a acta da reunião onde haja sido tomada e de onde ela conste, não é juridicamente eficaz, apesar de ter sido tomada na forma devida e o seu conteúdo ser (do conhecimento) público19.

2.3.3. Assim, não se pode dizer que nas reuniões públicas dos órgãos colegiais a aprovação da acta seja requisito e condição para a divulgação e notícia do conteúdo da reunião a que respeite – pois que a sua publicidade, ou seja a sua acessibilidade pelo público em geral, é condição única para tal.

11 Artigo 1.º, n.º 1, do Estatuto do Jornalista, constante da Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro, alterada pela Lei n.º 64/2007, de 6 de Novembro, esta rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 114/2007, de 20 de Dezembro.

12 Artigo 1.º, n.º 2, do Estatuto do Jornalista.

13 Artigo 9.º, n.º 1, do Estatuto do Jornalista.

14 Artigo 10.º, n.º 1, do Estatuto do Jornalista.

15 Artigo 10.º, n.º 2, do Estatuto do Jornalista.

16 Artigo 14.º, n.º 2, al. f), do Estatuto do Jornalista.

17 E, eventualmente, comunicada directamente e por escrito ao(s) jornalista(s), para que não subsista qualquer dúvida ou possa ser alegado desconhecimento.

18 Não obstante esta proibição, o regimento da Assembleia Municipal pode prever que haja lugar à gravação (ex officio) das sessões do órgão através de meios próprios. Porém a conservação destas gravações transforma-as em documentos administrativos, acessíveis e acedíveis como tal, mormente após a aprovação da respectiva acta.

19 Vd. artigo 34.º, n.º 6, do CPA.  

2.3. Considerações adicionais

2.3.1. A juntar ao que fica dito, cabe ainda fazer uma referência às reuniões da câmara municipal, em especial no que toca à possibilidade de presença e intervenção do público nas mesmas.

2.3.1.1. Como antes já se deixou dito, apenas as reuniões dos órgãos colegiais que tenham a qualidade e funcionem como assembleia[3] e sejam considerados como órgãos de soberania, das regiões autónomas ou do poder local, é que, nos termos constitucionais, são públicas por natureza, implicando tal facto o livre acesso e permanência do público nas suas sessões, conquanto, em regra, esteja completamente vedado a este ter qualquer manifestação ou intervenção no decurso dos trabalhos, o que significar ser-lhe apenas permitida a (pura) assistência - ou seja, poder ser espectador presencial dos trabalhos, vendo e ouvindo, mas nunca intervindo.

Porém, os órgãos executivos - e aqui, em especial, os órgãos executivos autárquicos, a saber, câmara municipal e junta de freguesia - ainda que sendo também órgãos colegiais, não têm, contudo, a natureza de assembleia. Ora, quanto a eles e em matéria de (presença de) público, vale o princípio, oposto ao vigente para as assembleias, plasmado no artigo 27.º, n.º 1, do CPA: as reuniões dos órgãos da Administração Pública não são públicas, salvo disposição legal em contrário [realce nosso].

Para o caso de as reuniões destes órgãos da administração serem públicas por expressa determinação legal nesse sentido, o n.º 3 do mesmo artigo 27.º do CPA prevê que os assistentes às reuniões públicas [possam] intervir para comunicar ou pedir informações, ou expressar opiniões, sobre assuntos relevantes da competência daquele, desde que a lei assim o preveja ou o próprio órgão delibere nesse sentido. Caso contrário – ou seja, caso a lei permita a presença de público mas não abra a possibilidade da sua intervenção, oral ou escrita, nas reuniões, nem esta seja autorizada pelo órgão - o público apenas poderá assistir, como espectador, ao desenrolar dos trabalhos, em situação idêntica à que lhe cabe nas assembleias.

Ora o Regime Jurídico das Autarquias Locais[4] prevê de modo expresso que os órgãos executivos autárquicos – seja, a câmara municipal e a junta de freguesia – realizem, pelo menos, uma reunião pública mensal – a qual deverá ser, no caso da câmara municipal, uma das reuniões ordinárias previstas no n.º 1 do artigo 40.º do RJAL – no decurso da qual, de acordo com a regulação que for estabelecida pelo próprio órgão para esse efeito, haverá lugar a um período para intervenção e esclarecimento do público[5] - o que significa que ela terá que ser uma reunião pública.

Esta reunião pública não o será apenas quanto ao período destinado às intervenções e esclarecimentos do público, mas sê-lo-á igualmente desde a abertura dos trabalhos até ao seu encerramento, em razão do que o público poderá estar presente durante todo o tempo da sua realização, ainda que apenas venha a poder intervir e ser respondido pelos edis unicamente durante o período temporal destinado para esse efeito. 

2.3.1.2. Considerando tudo quanto antes ficou dito, podemos, desde já, ir-nos aproximando de algumas conclusões dirigidas, visando a resposta às questões colocadas.

Uma dessas conclusões – que pode ser a primeira – é a de que a assistência do público à assembleia municipal e à reunião da câmara municipal tem esse exacto conteúdo e dimensão: o público é (considerado) mero espectador, ou seja é tido unicamente como aquele que, passivamente, presencia (testemunha) ou observa (observador) in loco o decurso da reunião.

A segunda conclusão é a de que essa presença e observação (passivas) do público se atinge apenas e exclusivamente de modo sensorial, comumente através da audição (ouvido) e da visão: o público, como testemunha e observador, pode ver e ouvir (não se crê que, no caso em apreço, possa haver lugar à intervenção de outros sentidos) tudo quanto se desenrola na reunião e pode guardar na sua memória (mais propriamente, na memoria de cada elemento do público) tudo quanto veja e ouça.

A lei aplicável, maxime, as leis aplicáveis, RJAL e CPA, não preveem – nem delas resulta ou se pode inferir, mesmo que indirectamente - que ao público presente às reuniões da assembleia municipal ou da câmara municipal caiba qualquer outra forma de participação que não a de presença como observador e testemunha, não lhe cabendo qualquer papel activo, outro que seja, para além da possibilidade de intervir e obter esclarecimentos nos períodos destinados para esse efeito.

Uma outra conclusão – a terceira – será assim a de que, face ao quadro de possibilidades de participação/intervenção que a lei reserva ao público, é de concluir que esta não prevê nem lhe permite outra diferente intervenção nas reuniões em haja lugar à sua presença - mormente a possibilidade de proceder à gravação das reuniões, integral ou mesmo parcial, quer através da tomada de som (gravação áudio) quer de som e imagem (gravação vídeo).

A possibilidade de gravação pelos membros do público das reuniões dos órgãos em causa – mesmo que restrita aos segmentos das reuniões abertos à intervenção do público ou só mesmo à gravação da própria intervenção por um elemento do público – não parece que, presentemente, se encontre contida ou pressuposta no quadro jurídico que define e permite essa presença.

Do facto de as reuniões serem públicas, por sua própria natureza ou por ser permitido, quanto a algumas delas, a presença de público, não resulta e, menos ainda, tal não implica necessariamente, a possibilidade de livre, incontrolada e, no limite, sistemática, gravação, integral ou parcial, das reuniões dos órgãos em apreço, pelo público que a elas possa assistir. A faculdade (o direito) que a lei concedo ao público é somente a da sua presença física, implicando a visão e audição de todo o desenrolar dos trabalhos – mas já não o seu armazenamento sonoro e/ou visual (ou seja a gravação do som e de imagens da reunião[6]).

As intervenções dos membros dos órgãos colegiais no decurso das reuniões dos órgãos e a interacção que se estabelece entre eles é a matéria de que que constitui o trabalho desses órgãos. Se todos os membros de um órgão colegial, estando presentes, se mantivessem mudos e quedos durante todo o tempo de reunião, não se poderia dizer que verdadeiramente tivesse existido qualquer reunião, pois que no espaço de tempo destinado para o efeito não houve qualquer manifestação de vontade de nenhum dos seus membros. Ora a vontade de um órgão colegial resulta - ainda que possa não ser a pura soma - das vontades expressas dos seus membros. Por essa razão os membros dos órgãos colegiais não podem evitar (ou proibir) que, nas reuniões públicas do órgão, as suas intervenções sejam presenciadas, ouvidas e vistas por todos os presentes (membros do órgão e público). Essa é, precisamente a natureza e qualidade intrínseca das sessões públicas: as intervenções dos membros do órgão podem ser presenciadas, ouvidas e vistas, por todos os presentes. A possibilidade de gravação (ou da sua proibição) de qualquer dessas intervenções não constitui, assim, um problema a se, que possa ser tratado e resolvido individual e isoladamente, mas antes se apresenta como inserido numa questão mais vasta e de natureza orgânica, que é a da possibilidade (ou não) da (livre) gravação dos trabalhos das reuniões públicas dos órgãos autárquicos.   

2.3.2. A mais do que já antes foi dito na matéria, há apenas que precisar alguns pontos sobre o acesso à informação pelos jornalistas.

Em primeiro lugar, os jornalistas, desde que para fins de cobertura informativa, têm direito de acesso a locais abertos ao público (ou a locais que não sendo acessíveis ao público, sejam-no, contudo, para a generalidade da comunicação social). Tal significa portanto que, para efeitos de recolha de informação, os jornalistas podem aceder às reuniões (aos locais das reuniões) públicas dos órgãos municipais, por se tratar de locais acessíveis ao, e acedíveis pelo, público.

Porém, no caso das reuniões reservadas da câmara municipal, já não há nelas, pela sua própria natureza de reservadas, lugar à presença do público, apenas nela participando os membros do próprio órgão (vereação) e, eventualmente, funcionários municipais, de modo coadjuvante. Ora, não se tratando então de local aberto ao público nem, à partida, de local acessível à generalidade da comunicação social, então resta concluir que não assiste aos jornalistas a possibilidade (o direito) de poderem presenciar as reuniões reservadas da câmara municipal para recolha de informação. 

2.3.3. Por fim - porque melhor que solucionar problemas é evitá-los - apenas sublinhar que os órgãos aqui em apreço - assembleia municipal e câmara municipal – têm a possibilidade de – ou melhor, devem – nos respectivos regimentos, prever e regular estas matérias de forma clara e precisa, como lhes cabe, estabelecendo o regime que o órgão, a cada momento[7], entenda dever ser observado em matéria de gravação das sessões do órgão por terceiros[8] (evidentemente, com estrito respeito pelo quadro legal vigente e aplicável) – de cujo regime deverá ser feita pública e ampla divulgação e aviso.

Só a regulação presente no regimento do órgão pode estabelecer e modular o regime a observar nesta matéria quer quanto a gravações e filmagem de reuniões públicas por terceiros (público ou jornalistas) quer no que toca à gravação oficial das mesmas (para efeito de elaboração de actas) e sua conservação[9].

Por outro lado o público presente e os jornalistas, sendo caso disso, devem ser clara e objectivamente informados e advertidos, em cada reunião, de qual a política adoptada pelo órgão em matéria de gravações das suas reuniões.

  

Concluindo

  1. As reuniões dos órgãos colegiais que tenham a qualidade e funcionem como assembleia e sejam órgãos do poder local são, nos termos constitucionais, públicas por natureza, implicando tal facto o livre acesso e permanência do público nas suas sessões.
  2. Não obstante a possibilidade de livre acesso e permanência de público nas sessões das assembleias municipais está-lhe completamente vedado, em regra, ter qualquer manifestação ou intervenção no decurso dos trabalhos, o que significar ser-lhe apenas permitida a (pura) assistência - ou seja, poder ser espectador presencial dos trabalhos, vendo e ouvindo, mas nunca intervindo.
  3. Os órgãos executivos autárquicos - câmara municipal e junta de freguesia - ainda que sendo também órgãos colegiais, não têm natureza de assembleia, pelo que quanto a eles e em matéria de (presença de) público, vale o princípio, plasmado no artigo 27.º, n.º 1, do CPA, de que as reuniões dos órgãos da Administração Pública não são públicas, salvo disposição legal em contrário, conclusão que igualmente se extrai, a contrario, do disposto no artigo 49.º, n.º 2, do RJAL.
  4. A lei pode prever, como efectivamente prevê, que as reuniões (ou algumas reuniões) dos órgãos executivos autárquicos sejam públicas.
  5. No caso das reuniões dos órgãos executivos autárquicos serem públicas, o n.º 3 do artigo 27.º do CPA prevê a possibilidade dos assistentes às reuniões públicas nelas intervirem para comunicar ou pedir informações, ou expressar opiniões, sobre assuntos relevantes da competência daquele, desde que tal seja admitido na lei ou o próprio órgão delibere nesse sentido.
  6. No caso em que a lei permita a presença de público mas não abra a porta à possibilidade da sua intervenção, oral ou escrita, nas reuniões dos órgãos executivos, nem esta seja autorizada pelo próprio órgão, então o público apenas poderá assistir, como espectador, ao desenrolar dos trabalhos, em situação idêntica à que lhe cabe nas assembleias.
  7. O Regime Jurídico das Autarquias Locais prevê que os órgãos executivos autárquicos, câmara municipal e junta de freguesia, realizem, pelo menos, uma reunião pública mensal, a qual, no caso da câmara municipal, deverá ser uma das reuniões ordinárias previstas no n.º 1 do artigo 40.º do RJAL
  8. No decurso desta reunião pública e de acordo com a regulação que for estabelecida pelo próprio órgão para o efeito, haverá lugar a um período para intervenção e esclarecimento do público.
  9. Esta reunião pública não o será apenas quanto ao período destinado às intervenções e esclarecimentos do público, mas sê-lo-á igualmente desde a abertura dos trabalhos até ao seu encerramento, em razão do que o público poderá estar presente durante todo o tempo da sua realização, ainda que apenas venha a poder intervir e ser respondido pelos edis unicamente durante o período temporal destinado para esse efeito.
  10. A assistência do público às sessões da assembleia municipal e às reuniões da câmara municipal tem o exacto conteúdo e dimensão de o público ser considerado como mero espectador, ou seja, passivamente presencia (testemunha) e observa (observador) in loco o decorrer da reunião.
  11. O público, como testemunha e observador, pode ver e ouvir tudo quanto se desenrola na reunião e pode guardar na sua memória (na memoria de cada elemento do público) tudo quanto veja e ouça.
  12. Das normas do RJAL ou do CPA (ou outras) aplicáveis, não resulta ou se pode inferir, mesmo que indirectamente, que ao público possa caber qualquer outra forma de participação que não a de presença como observador e testemunha.
  13. Face ao quadro de possibilidades de participação/intervenção que a lei reserva ao público, é de concluir que esta não prevê nem lhe permite outra diferente intervenção nas reuniões em haja lugar à sua presença, mormente a possibilidade de proceder à sua gravação, integral ou só parcial, quer de som (gravação áudio) quer de som e imagem (gravação vídeo).
  14. A possibilidade de gravação pelos membros do público das reuniões dos órgãos em causa – mesmo que restrita aos segmentos das reuniões abertos à intervenção do público ou só mesmo à gravação da própria intervenção por um elemento do público – não parece que, presentemente, se encontre contida, admitida ou pressuposta no quadro jurídico que define e permite essa presença.
  15. Do facto de as reuniões serem públicas, por natureza ou por ser permitida a presença de público, não resulta nem tal implica necessariamente a possibilidade de livre, incontrolada e, no limite, sistemática, gravação, integral ou parcial, dessas reuniões, pelo público presente, pois que a faculdade (o direito) que a lei concedo ao público é unicamente a da sua presença física, testemunhando todo o desenrolar dos trabalhos, mas já não o armazenamento sonoro e/ou visual da reunião.
  16. As intervenções dos membros dos órgãos colegiais no decurso das reuniões dos órgãos e a interacção que se estabelece entre eles é a matéria de que que constitui o trabalho desses órgãos, pelo que os membros dos órgãos colegiais não podem evitar (ou proibir) que, nas reuniões públicas, as suas intervenções sejam presenciadas, ouvidas e vistas por todos os presentes porque essa é, precisamente a natureza e qualidade intrínseca das sessões públicas.
  17. A possibilidade de gravação (ou da sua proibição) de qualquer dessas intervenções antes referidas não constitui, assim, um problema a se, que possa ser tratado e resolvido individual e isoladamente, mas antes se apresenta como inserido numa questão mais vasta e de natureza orgânica, que é a da possibilidade (ou não) da (livre) gravação dos trabalhos das reuniões públicas dos órgãos autárquicos.
  18. Os jornalistas, desde que para fins de cobertura informativa, têm direito de acesso a locais abertos ao público (ou a locais que não sendo acessíveis ao público, sejam-no, contudo, para a generalidade da comunicação social). Tal significa portanto que, para efeitos de recolha de informação, os jornalistas podem aceder às reuniões (aos locais das reuniões) públicas dos órgãos municipais, por se tratar de locais acessíveis ao, e acedíveis pelo, público.
  19. Por seu lado, os órgãos de comunicação social têm direito a utilizar os meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua actividade.
  20. Contudo os jornalistas encontram-se também sujeitos ao dever de não recolher imagens e sons com o recurso a meios não autorizados a não ser que se verifique um estado de necessidade para a segurança das pessoas envolvidas e o interesse público o justifique.
  21. Os órgãos colegais autárquicos podem, prevendo-o expressamente no seu regimento, deliberar que não seja permitida a recolha, por qualquer meio, de imagens e de som das respectivas sessões por terceiros, designadamente jornalistas, ficando estes, desse modo, impedidos de o fazer, em observância do e por respeito ao seu dever de oficio.
  22. Tal não significa que os jornalistas não possam continuar a tomar, como tradicionalmente, apontamento escrito de tudo quanto presenciem (vejam e ouçam) ou lhes chegue ao conhecimento e de, com base em tais elementos, produzir informação jornalística (notícias).
  23. Nas reuniões reservadas da câmara municipal, por essa própria natureza, não há lugar à presença do público, nelas estando presentes apenas os membros do próprio órgão (vereação) e, eventualmente, funcionários municipais, com funções coadjuvantes.
  24. Não se tratando, nesse caso, de local aberto ao público nem, à partida, de local acessível à generalidade da comunicação social, resta então concluir que não assiste aos jornalistas a possibilidade de poderem presenciar as reuniões reservadas da câmara municipal para recolha de informação.
  25. Do mesmo modo e por maioria de razão não podem terceiros, por sua própria iniciativa, estar presente e proceder à gravação ou filmagem das reuniões.
  26. A assembleia municipal e câmara municipal têm o poder de prever e regular nos respectivos regimentos, estas matérias, estabelecendo o regime que o órgão entenda dever vigorar em matéria de gravação das suas reuniões por terceiros (público ou jornalistas), quer no que toca à gravação oficial das mesmas (para efeito de elaboração de actas) e sua conservação.
  27. Quer o público presente quer os jornalistas, sendo caso disso, devem ser clara e objectivamente informados e advertidos, em cada reunião, de qual a política adoptada pelo órgão em matéria de gravações das suas reuniões.

  

Salvo semper meliori judicio

 

 Ricardo da Veiga Ferrão

(Jurista. Técnico Superior)

 

[1] Parecer DSAJAL 32/16, de 10 de Fevereiro de 2016.

[2] Parecer DSAJAL 118/16, de 27 de Junho de 2016.

[3] Diz Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, tomo V – Actividade Constitucional do Estado, 3.ª edição, 2004, pág. 78 e seg.) que na acepção mais geral, assembleia é qualquer reunião de pessoas, mais ou menos numerosa e estável, sempre predeterminada por normas jurídicas, com vista à prática de certos actos ou actividades.

As assembleias não são produto de liberdade de reunião. São expressão de poder (ou de liberdade de associação, quando se trate de assembleias de associações e formações análogas); e são expressões de poder público, quando se trate de assembleias de Direito constitucional e administrativo (ainda que ligadas a um princípio de participação); só o sentido imprimido pelas normas habilita a distinguir.

(…) numa acepção restrita e específica, assembleia vem a ser uma categoria de órgãos colegiais definida não tanto pela sua extensão quanto pelo regime peculiar que preside à sua composição e pelas funções que lhe andam conexas.[realce nosso]

Há assembleias que não chegam a ser órgãos, que não se elevam a centros institucionalizados de criação e manifestação de uma vontade jurídica imediata ou a se e há assembleias próprio sensu, as quais recebem, a par de outros órgãos competências dentro do Estado (ou, sendo caso disso, de outras entidades públicas ou privadas). Entre as primeiras contam-se as assembleias de voto nos sistemas representativos; entre as segundas, os Parlamentos e as demais assembleias políticas e administrativas.

[4] Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, rectificado pelas Declarações de Rectificação n.º 46-C/2013, de 1 de Novembro, e n.º 50‑A/2013, de 11 de Novembro, e alterada pela Lei n.º 25/2015, de 30 de Março, Lei n.º 69/2015, de 16 de Julho e Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

[5] Artigo 49.º, n.º 2, do RJAL.

[6] Ou de várias reuniões, o que pode prefigurar uma situação de tratamento de dados pessoais, que se encontra sujeita a especiais restrições e condicionantes e exige sempre prévia autorização.

[7] É evidente que o regime (ou qualquer dos seus aspectos) que venha a ser regimentalmente estabelecido pode, posteriormente e a todo o tempo, ser modificado pelo órgão, em qualquer sentido (seja, no limite, passar da permissão para a proibição e vice-versa) no respeito do quadro legal vigente, através da figura da alteração do regimento.

[8] Também seria positivo que, sendo caso disso, fosse também normativamente disciplinado o regime aplicável à gravação das sessões ex officio, pelo próprio órgão, caso a elas haja lugar.

[9] De sublinhar que não só a gravação de uma reunião de qualquer órgão constitui um documento administrativo, integralmente acedível nos termos em que o são todos os demais documentos administrativos (designadamente através de cópia), como a realização e conservação dessas gravações pode constituir um tratamento de dados pessoais, implicando prévia autorização para poder ser legalmente efectuado.

By |2023-10-23T09:28:05+00:0012/08/2016|Pareceres Jurídicos até 2017|Comentários fechados em Gravação das Reuniões da Assembleia e da Câmara Municipal.

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