Serviços Municipalizados. Contrato de fornecimento de água. Falta de pagamento. Execução fiscal. Recusa de ligação por existência de dívidas.
Solicitam os Serviços Municipalizados, a emissão de parecer sobre as questões que seguidamente se transcrevem:
Os SMAS de têm vindo a confrontar-se com um número cada vez mais elevado de facturas não atempadamente liquidadas.
Tal situação tem motivado, após aviso prévio, a interrupção do fornecimento de água.
Mas quanto à cobrança das dívidas tem-se suscitado a questão de saber se o procedimento correcto a seguir é o de extrair certidão de dívida para efeitos de execução fiscal pela Câmara Municipal, ou se tais dívidas têm de ser exigidas judicialmente.
Acresce que em muitas situações os contratos de fornecimento de água são celebrados com determinado inquilino que sai do local e não paga aos SMAS, sendo que o senhorio celebra novo contrato com outro inquilino.
Poderão os SMAS recusar legalmente o fornecimento de água ao novo inquilino, até que seja resolvido o contrato existente?
E isto com o fundamento da ligação ser a mesma à rede pública?
E poderão fazê-lo se tal estiver previsto expressamente no regulamento de fornecimento de água?
I
-
O abastecimento público de água é considerado pela lei como um serviço público essencial, estando por isso sujeito a um especial regime de garantias para os seus utentes(1).A lei(2) estabelece, desde logo, que os sistemas públicos de distribuição de água pública e predial devem ser geridos por uma “entidade gestora” que é a responsável pela sua concepção, construção e exploração.A responsabilidade da gestão dos sistemas públicos de distribuição de água cabe, nos termos da lei, ao Estado, aos municípios e às associações de municípios, podendo contudo ser também atribuída a outras entidades em regime de concessão(3).
-
Temos assim que a distribuição pública e predial de água está cometida, em primeira linha, por razão da sua natureza, ao Estado e aos municípios e/ou suas associações.Porém é possível que essas actividades sejam “cometidas” ou “transferidas” para outras entidades, de carácter societário ou empresarial, integrando o sector público empresarial – as empresas públicas municipais ou intermunicipais – ou o sector privado – aqui através de contratos de concessão.
-
Nos casos em que os municípios persistam em, eles mesmos, assegurar aquela gestão, podem fazê-lo através de entidades próprias, resultantes da municipalização (ou empresarialização) dos competentes serviços, a fim de levar a cabo a exploração industrial(4) dos serviços prestados, criando-se então os designados serviços municipalizados.Na realidade, os serviços municipalizados são verdadeiras empresas públicas municipais que, não tendo personalidade jurídica, estão integradas na pessoa colectiva município; aliás a legislação vigente não os considera empresas públicas para todos os efeitos(5).
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É sabido – ao menos de experiência própria – que o abastecimento de água não é, nem pode ser, gratuito, ao menos porque só o abastecimento em si mesmo gera encargos, a ser satisfeitos pelos beneficiários do serviço.Porém, nos tempos que correm os recursos hídricos – até hoje sempre considerados um bem inesgotável (e, também por isso, de algum modo um bem “não económico”), são cada vez mais um bem escasso e por tal, transformam-se agora num verdadeiro (e precioso) “bem económico”, com maior valor a cada dia que passa.
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O Código Administrativo determinava já, à sua época, que pela prestação dos serviços de fornecimento de água domiciliária deveriam ser fixadas tarifas(6).
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Actualmente, a Lei das Finanças Locais elenca de entre as receitas dos municípios o produto da cobrança de taxas, tarifas e preços resultantes da prestação de serviços pelo município(7), sendo que as tarifas e preços a cobrar respeitam … às actividades de exploração de sistemas públicos de … distribuição de água(8).Estas tarifas e preços – devidas pela prestação de serviços pelos serviços municipais ou municipalizados e a ser pagas pelos utentes – são fixadas pela Câmara Municipal(9) e não devem, em princípio ser inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com o fornecimento dos bens e com a prestação do serviços(10).
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Qual a natureza jurídica destas tarifas, previstas no artigo 20º da Lei da Finanças Locais?
Deverão ser consideradas como se de verdadeiros preços se tratassem? Ou serão antes taxas?Não sendo questão pacífica na generalidade da doutrina, pode contudo sustentar-se que as tarifas descritas nesse normativo integram o conceito de taxa lato sensu.Assim essas tarifas, entendidas no sentido de preços públicos(11), são taxas lato sensu devidas pela prestação de serviços públicos – assim preenchendo um dos pressupostos do nº 2 do artigo 4º da Lei Geral Tributária para a criação de taxas: a prestação concreta de um serviço público.
O que distingue as taxas stricto sensu das tarifas é que estas últimas, por um lado, correspondem a bens e serviços que não são por essência da titularidade do Estado, de acordo com a concepção política dominante numa determinada sociedade, e, por outro lado, serem susceptíveis de avaliação em termos de mercado, de modo que o seu montante não é independente do critério objectivo por que se rege a formação dos correspondentes preços. Pelo que as tarifas se apresentam como taxas em que entre elas e as correspondentes contraprestações específicas se verifica não só uma equivalência jurídica, como é característica de todas as taxas, mas também uma equivalência económica(12).É precisamente esta equivalência económica que se encontra reflectida na acima referida norma da Lei das Finanças Locais que determina que as tarifas não devem, em princípio ser inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com o fornecimento dos bens e com a prestação do serviços, o que as aproxima do conceito de preço.Porém, já se afastam do conceito de preço e se aproximam do de taxas no que toca à sua fixação, que não resulta de um “acordo de vontades” mas sim de um acto de autoridade, como resulta do disposto na alínea j) do nº 1 do artigo 64º da Lei nº 169/99 e também do nº 3 do artigo 20º da LFL(13). -
Ora sendo considerada taxa lato sensu – e por isso, uma receita (de natureza) tributária – qual o processo a seguir para a cobrança coerciva destas tarifas?
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No que se refere às tarifas cobradas pelos Serviços Municipalizados pelo fornecimento público de água domiciliária, tratando-se, como já se viu, de receitas de natureza tributária, cabe aos competentes órgãos executivos a cobrança coerciva dessas dívidas, aplicando-se para o efeito o Código do Procedimento e Processo Tributário. É o que dispõe o nº 4 do artigo 30º da LFL(14).A este propósito há que referir ainda que o Decreto-Lei nº 433/99, de 26 de Outubro, que aprovou o Código de Procedimento e Processo Tributário, determina que as competências atribuídas no código aprovado pelo presente diploma a órgãos periféricos locais serão exercidas, nos termos da lei, em caso de tributos administrados por autarquias locais, pela respectiva autarquia(15). Ora esses «serviços periféricos locais» constituem precisamente os «órgãos da execução fiscal» pelos quais deve «legalmente correr a execução», como dispõe o artigo 149º do CPPT.
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Resposta diferente merecerá, porém, a situação em que sejam empresas municipais as responsáveis por tais fornecimentos.Neste caso, por força do disposto no nº 1 do artigo 39º da Lei nº 58/99 de 18 de Agosto(16) (e também por via do nº 2 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de Dezembro(17), aplicável ex vi do artigo 5º do mesmo diploma) caberá aos tribunais comuns a cobrança coerciva das dívidas provenientes dos seus fornecimentos(18).
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Temos assim que, constituindo-se como dívida de natureza tributária a que resulta do não pagamento, em tempo, aos Serviços Municipalizados das tarifas devidas pelo fornecimento publico de água ao domicilio, cabe aos órgãos executivos municipais competentes(19) proceder a essa execução, nos termos definidos no CPPT.
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II
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No que toca à utilização de “outras formas” “injuntivas” ou “de pressão” para levar ao pagamento dos montantes em dívida, tal não é, de todo, possível, por juridicamente inadmissível.Na verdade não é juridicamente admissível negar o fornecimento de água a um munícipe com a justificação de que o anterior ocupante do mesmo local não pagou as suas contas da água(20) e/ou condicionar esse fornecimento ao prévio pagamento das quantias em dívida.Ainda que essa possibilidade esteja prevista em regulamento “devidamente” aprovado, isso não a transforma numa actuação “legal” – torna, sim, o regulamente, nessa parte, “ilegal”.
Desde logo, porque está em causa o fornecimento de um “bem essencial à vida” e nesse sentido, a Constituição assegura um conjunto de direitos que visam a protecção de uma vida com as necessárias condições humanas, de saúde e de qualidade ambiental (artigos 64º, 65º e 66º), para a efectivação dos quais o acesso ao fornecimento de água é essencial. Não pode, assim, o acesso ao consumo da água e às condições ambientais e de qualidade de vida por ela proporcionadas estar sujeita a uma pura lógica de protecção empresarial, orientada por meios de pressão sobre os consumidores que ultrapassem a exigibilidade do estrito cumprimento dos seus contratos(21).Porque se está perante uma relação “contratual”, aliás como dispõe o nº 1 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 207/94 – ao menos quanto a este aspecto – não é possível fazer reverter sobre terceiros, absolutamente estranhos a ela, os efeitos dessa relação, designadamente os que se referem às consequências do seu incumprimento. -
Uma solução técnica – que não jurídica – será a de tentar adoptar, sempre que possível – também não pode constituir solução “imposta” – a adopção do pagamento através de “débito directo em conta”. É eficaz… desde que a conta bancária vá tendo provisão….
III
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Pode-se assim concluir que, por se tratar de “receitas de natureza tributária”, o pagamento coercivo das tarifas em débito, cobradas pelos serviços municipalizados pelo fornecimento público domiciliário de água, deve ser efectuado em sede de execução fiscal, pelos competentes serviços da câmara municipal.
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Não é juridicamente admissível, quer por se estar perante uma relação sinalagmática, quer por se tratar de um fornecimento (aliás monopolístico) de um bem essencial à vida(22), condicionar o fornecimento de água a determinado local ao prévio pagamento de todas as dívidas que existam relativas a anteriores fornecimentos de água a esse mesmo local por força de contratos titulados por terceiras pessoas, ainda que essa possibilidade ou mecanismo se encontre prevista em regulamento.
(1) A Lei nº 23/96, de 26 de Julho, veio estabelecer alguns «mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais», sendo que um destes é o serviço de fornecimento de água [alínea a) do nº 2 do artigo 1º]. (2) Decreto-Lei nº 207/94, de 8 de Agosto, artigo 1º e nº 1 do artigo 3º. (3) Nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 207/94. (4) No dizer do artigo 164º do Código Administrativo. (5) Cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, 2ª edição, pag. 500 e seg. e também pag. 358 e seg. (6) É do seguinte teor o corpo do artigo 165º do Código Administrativo: os serviços municipalizados visarão a satisfazer necessidades colectivas da população do concelho que a iniciativa privada não proveja de modo completo e deverão fixar as tarifas de modo a cobrir os gastos de exploração e de administração, bem como a permitir a constituição das reservas necessárias. (7) Alínea d) do artigo 16º da LFL. (8) Artigo 20º e alínea a) do nº 1 do mesmo artigo da LFL. (9) Como dispõe o artigo 64º, nº 1, alínea j) da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, Lei das atribuições, competências e funcionamento dos órgãos dos municípios e freguesias. (10) Assim o nº 3 do artigo 20 da LFL. (11) JOSÉ CASALTA NABAIS, O regime das finanças locais em Portugal, BFDC, vol LXXX (2004), pag. 40. (12) JOSÉ CASALTA NABAIS, op cit., pag. 40-41. (13) Cfr. ALFREDO JOSÉ DE SOUSA, JOSÉ DA SILVA PAIXÃO, Código do Procedimento e Processo Tributário, Comentado e Anotado, 2000, pag. 363. (14) Entendimento também partilhado por ALFREDO JOSÉ DE SOUSA, JOSÉ DA SILVA PAIXÃO, op. cit, pag. 363. (15)Artigo 7º, nº 1. (16) Lei das Empresas Públicas Municipais, Intermunicipais e Regionais (17) Regime jurídico do sector empresarial do Estado e das bases gerais do estatuto das empresas públicas do Estado. (18) Cfr. ALFREDO JOSÉ DE SOUSA, JOSÉ DA SILVA PAIXÃO, op. cit, pag. 363-364. (19) Sobre a questão da manutenção pelas autarquias locais, ou mais precisamente pelas câmaras municipais, dos poderes de execução fiscal para a cobrança de dívidas vd. JOSÉ CASALTA NABAIS, Execuções Fiscais. Responsáveis pelos Serviços. Participação nas custas. (parecer), in O Municipal, nº 269, Junho 2003, pag 10-16, e J. L. SALDANHA SANCHES e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, A competência da Câmara Municipal para a designação do responsável pelo serviço de execuções fiscais, in Fiscalidade, Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº 22, Abril-Junho 2005, pags 139-151. (20) Aliás o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 685/2004 veio declarar inconstitucional uma norma regulamentar que permitia à EPAL suspender o fornecimento de água em diferente local daquele relativamente ao qual se registava a dívida, ainda que o consumidor fosse o mesmo. Acórdão consultável em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040685.html. (21) Acórdão nº 685/2004, do Tribunal Constitucional, citada na nota anterior (22) Como considera o Acórdão do Tribunal Constitucional, citado na nota 21.
Serviços Municipalizados. Contrato de fornecimento de água. Falta de pagamento. Execução fiscal. Recusa de ligação por existência de dívidas.
Serviços Municipalizados. Contrato de fornecimento de água. Falta de pagamento. Execução fiscal. Recusa de ligação por existência de dívidas.
Solicitam os Serviços Municipalizados, a emissão de parecer sobre as questões que seguidamente se transcrevem:
Os SMAS de têm vindo a confrontar-se com um número cada vez mais elevado de facturas não atempadamente liquidadas.
Tal situação tem motivado, após aviso prévio, a interrupção do fornecimento de água.
Mas quanto à cobrança das dívidas tem-se suscitado a questão de saber se o procedimento correcto a seguir é o de extrair certidão de dívida para efeitos de execução fiscal pela Câmara Municipal, ou se tais dívidas têm de ser exigidas judicialmente.
Acresce que em muitas situações os contratos de fornecimento de água são celebrados com determinado inquilino que sai do local e não paga aos SMAS, sendo que o senhorio celebra novo contrato com outro inquilino.
Poderão os SMAS recusar legalmente o fornecimento de água ao novo inquilino, até que seja resolvido o contrato existente?
E isto com o fundamento da ligação ser a mesma à rede pública?
E poderão fazê-lo se tal estiver previsto expressamente no regulamento de fornecimento de água?
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O abastecimento público de água é considerado pela lei como um serviço público essencial, estando por isso sujeito a um especial regime de garantias para os seus utentes(1).A lei(2) estabelece, desde logo, que os sistemas públicos de distribuição de água pública e predial devem ser geridos por uma “entidade gestora” que é a responsável pela sua concepção, construção e exploração.A responsabilidade da gestão dos sistemas públicos de distribuição de água cabe, nos termos da lei, ao Estado, aos municípios e às associações de municípios, podendo contudo ser também atribuída a outras entidades em regime de concessão(3).
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Temos assim que a distribuição pública e predial de água está cometida, em primeira linha, por razão da sua natureza, ao Estado e aos municípios e/ou suas associações.Porém é possível que essas actividades sejam “cometidas” ou “transferidas” para outras entidades, de carácter societário ou empresarial, integrando o sector público empresarial – as empresas públicas municipais ou intermunicipais – ou o sector privado – aqui através de contratos de concessão.
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Nos casos em que os municípios persistam em, eles mesmos, assegurar aquela gestão, podem fazê-lo através de entidades próprias, resultantes da municipalização (ou empresarialização) dos competentes serviços, a fim de levar a cabo a exploração industrial(4) dos serviços prestados, criando-se então os designados serviços municipalizados.Na realidade, os serviços municipalizados são verdadeiras empresas públicas municipais que, não tendo personalidade jurídica, estão integradas na pessoa colectiva município; aliás a legislação vigente não os considera empresas públicas para todos os efeitos(5).
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É sabido – ao menos de experiência própria – que o abastecimento de água não é, nem pode ser, gratuito, ao menos porque só o abastecimento em si mesmo gera encargos, a ser satisfeitos pelos beneficiários do serviço.Porém, nos tempos que correm os recursos hídricos – até hoje sempre considerados um bem inesgotável (e, também por isso, de algum modo um bem “não económico”), são cada vez mais um bem escasso e por tal, transformam-se agora num verdadeiro (e precioso) “bem económico”, com maior valor a cada dia que passa.
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O Código Administrativo determinava já, à sua época, que pela prestação dos serviços de fornecimento de água domiciliária deveriam ser fixadas tarifas(6).
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Actualmente, a Lei das Finanças Locais elenca de entre as receitas dos municípios o produto da cobrança de taxas, tarifas e preços resultantes da prestação de serviços pelo município(7), sendo que as tarifas e preços a cobrar respeitam … às actividades de exploração de sistemas públicos de … distribuição de água(8).Estas tarifas e preços – devidas pela prestação de serviços pelos serviços municipais ou municipalizados e a ser pagas pelos utentes – são fixadas pela Câmara Municipal(9) e não devem, em princípio ser inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com o fornecimento dos bens e com a prestação do serviços(10).
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Qual a natureza jurídica destas tarifas, previstas no artigo 20º da Lei da Finanças Locais?
Deverão ser consideradas como se de verdadeiros preços se tratassem? Ou serão antes taxas?Não sendo questão pacífica na generalidade da doutrina, pode contudo sustentar-se que as tarifas descritas nesse normativo integram o conceito de taxa lato sensu.Assim essas tarifas, entendidas no sentido de preços públicos(11), são taxas lato sensu devidas pela prestação de serviços públicos – assim preenchendo um dos pressupostos do nº 2 do artigo 4º da Lei Geral Tributária para a criação de taxas: a prestação concreta de um serviço público.
O que distingue as taxas stricto sensu das tarifas é que estas últimas, por um lado, correspondem a bens e serviços que não são por essência da titularidade do Estado, de acordo com a concepção política dominante numa determinada sociedade, e, por outro lado, serem susceptíveis de avaliação em termos de mercado, de modo que o seu montante não é independente do critério objectivo por que se rege a formação dos correspondentes preços. Pelo que as tarifas se apresentam como taxas em que entre elas e as correspondentes contraprestações específicas se verifica não só uma equivalência jurídica, como é característica de todas as taxas, mas também uma equivalência económica(12).É precisamente esta equivalência económica que se encontra reflectida na acima referida norma da Lei das Finanças Locais que determina que as tarifas não devem, em princípio ser inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com o fornecimento dos bens e com a prestação do serviços, o que as aproxima do conceito de preço.Porém, já se afastam do conceito de preço e se aproximam do de taxas no que toca à sua fixação, que não resulta de um “acordo de vontades” mas sim de um acto de autoridade, como resulta do disposto na alínea j) do nº 1 do artigo 64º da Lei nº 169/99 e também do nº 3 do artigo 20º da LFL(13). -
Ora sendo considerada taxa lato sensu – e por isso, uma receita (de natureza) tributária – qual o processo a seguir para a cobrança coerciva destas tarifas?
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No que se refere às tarifas cobradas pelos Serviços Municipalizados pelo fornecimento público de água domiciliária, tratando-se, como já se viu, de receitas de natureza tributária, cabe aos competentes órgãos executivos a cobrança coerciva dessas dívidas, aplicando-se para o efeito o Código do Procedimento e Processo Tributário. É o que dispõe o nº 4 do artigo 30º da LFL(14).A este propósito há que referir ainda que o Decreto-Lei nº 433/99, de 26 de Outubro, que aprovou o Código de Procedimento e Processo Tributário, determina que as competências atribuídas no código aprovado pelo presente diploma a órgãos periféricos locais serão exercidas, nos termos da lei, em caso de tributos administrados por autarquias locais, pela respectiva autarquia(15). Ora esses «serviços periféricos locais» constituem precisamente os «órgãos da execução fiscal» pelos quais deve «legalmente correr a execução», como dispõe o artigo 149º do CPPT.
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Resposta diferente merecerá, porém, a situação em que sejam empresas municipais as responsáveis por tais fornecimentos.Neste caso, por força do disposto no nº 1 do artigo 39º da Lei nº 58/99 de 18 de Agosto(16) (e também por via do nº 2 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de Dezembro(17), aplicável ex vi do artigo 5º do mesmo diploma) caberá aos tribunais comuns a cobrança coerciva das dívidas provenientes dos seus fornecimentos(18).
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Temos assim que, constituindo-se como dívida de natureza tributária a que resulta do não pagamento, em tempo, aos Serviços Municipalizados das tarifas devidas pelo fornecimento publico de água ao domicilio, cabe aos órgãos executivos municipais competentes(19) proceder a essa execução, nos termos definidos no CPPT.
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No que toca à utilização de “outras formas” “injuntivas” ou “de pressão” para levar ao pagamento dos montantes em dívida, tal não é, de todo, possível, por juridicamente inadmissível.Na verdade não é juridicamente admissível negar o fornecimento de água a um munícipe com a justificação de que o anterior ocupante do mesmo local não pagou as suas contas da água(20) e/ou condicionar esse fornecimento ao prévio pagamento das quantias em dívida.Ainda que essa possibilidade esteja prevista em regulamento “devidamente” aprovado, isso não a transforma numa actuação “legal” – torna, sim, o regulamente, nessa parte, “ilegal”.
Desde logo, porque está em causa o fornecimento de um “bem essencial à vida” e nesse sentido, a Constituição assegura um conjunto de direitos que visam a protecção de uma vida com as necessárias condições humanas, de saúde e de qualidade ambiental (artigos 64º, 65º e 66º), para a efectivação dos quais o acesso ao fornecimento de água é essencial. Não pode, assim, o acesso ao consumo da água e às condições ambientais e de qualidade de vida por ela proporcionadas estar sujeita a uma pura lógica de protecção empresarial, orientada por meios de pressão sobre os consumidores que ultrapassem a exigibilidade do estrito cumprimento dos seus contratos(21).Porque se está perante uma relação “contratual”, aliás como dispõe o nº 1 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 207/94 – ao menos quanto a este aspecto – não é possível fazer reverter sobre terceiros, absolutamente estranhos a ela, os efeitos dessa relação, designadamente os que se referem às consequências do seu incumprimento. -
Uma solução técnica – que não jurídica – será a de tentar adoptar, sempre que possível – também não pode constituir solução “imposta” – a adopção do pagamento através de “débito directo em conta”. É eficaz… desde que a conta bancária vá tendo provisão….
III
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Pode-se assim concluir que, por se tratar de “receitas de natureza tributária”, o pagamento coercivo das tarifas em débito, cobradas pelos serviços municipalizados pelo fornecimento público domiciliário de água, deve ser efectuado em sede de execução fiscal, pelos competentes serviços da câmara municipal.
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Não é juridicamente admissível, quer por se estar perante uma relação sinalagmática, quer por se tratar de um fornecimento (aliás monopolístico) de um bem essencial à vida(22), condicionar o fornecimento de água a determinado local ao prévio pagamento de todas as dívidas que existam relativas a anteriores fornecimentos de água a esse mesmo local por força de contratos titulados por terceiras pessoas, ainda que essa possibilidade ou mecanismo se encontre prevista em regulamento.
(1) A Lei nº 23/96, de 26 de Julho, veio estabelecer alguns «mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais», sendo que um destes é o serviço de fornecimento de água [alínea a) do nº 2 do artigo 1º]. (2) Decreto-Lei nº 207/94, de 8 de Agosto, artigo 1º e nº 1 do artigo 3º. (3) Nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 207/94. (4) No dizer do artigo 164º do Código Administrativo. (5) Cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, 2ª edição, pag. 500 e seg. e também pag. 358 e seg. (6) É do seguinte teor o corpo do artigo 165º do Código Administrativo: os serviços municipalizados visarão a satisfazer necessidades colectivas da população do concelho que a iniciativa privada não proveja de modo completo e deverão fixar as tarifas de modo a cobrir os gastos de exploração e de administração, bem como a permitir a constituição das reservas necessárias. (7) Alínea d) do artigo 16º da LFL. (8) Artigo 20º e alínea a) do nº 1 do mesmo artigo da LFL. (9) Como dispõe o artigo 64º, nº 1, alínea j) da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, Lei das atribuições, competências e funcionamento dos órgãos dos municípios e freguesias. (10) Assim o nº 3 do artigo 20 da LFL. (11) JOSÉ CASALTA NABAIS, O regime das finanças locais em Portugal, BFDC, vol LXXX (2004), pag. 40. (12) JOSÉ CASALTA NABAIS, op cit., pag. 40-41. (13) Cfr. ALFREDO JOSÉ DE SOUSA, JOSÉ DA SILVA PAIXÃO, Código do Procedimento e Processo Tributário, Comentado e Anotado, 2000, pag. 363. (14) Entendimento também partilhado por ALFREDO JOSÉ DE SOUSA, JOSÉ DA SILVA PAIXÃO, op. cit, pag. 363. (15)Artigo 7º, nº 1. (16) Lei das Empresas Públicas Municipais, Intermunicipais e Regionais (17) Regime jurídico do sector empresarial do Estado e das bases gerais do estatuto das empresas públicas do Estado. (18) Cfr. ALFREDO JOSÉ DE SOUSA, JOSÉ DA SILVA PAIXÃO, op. cit, pag. 363-364. (19) Sobre a questão da manutenção pelas autarquias locais, ou mais precisamente pelas câmaras municipais, dos poderes de execução fiscal para a cobrança de dívidas vd. JOSÉ CASALTA NABAIS, Execuções Fiscais. Responsáveis pelos Serviços. Participação nas custas. (parecer), in O Municipal, nº 269, Junho 2003, pag 10-16, e J. L. SALDANHA SANCHES e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, A competência da Câmara Municipal para a designação do responsável pelo serviço de execuções fiscais, in Fiscalidade, Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº 22, Abril-Junho 2005, pags 139-151. (20) Aliás o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 685/2004 veio declarar inconstitucional uma norma regulamentar que permitia à EPAL suspender o fornecimento de água em diferente local daquele relativamente ao qual se registava a dívida, ainda que o consumidor fosse o mesmo. Acórdão consultável em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040685.html. (21) Acórdão nº 685/2004, do Tribunal Constitucional, citada na nota anterior (22) Como considera o Acórdão do Tribunal Constitucional, citado na nota 21.
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