Incentivo às Iniciativas Económicas de Interesse Municipal; Isenções Fiscais; Regulamento Municipal.
Data: terça, 31 maio 2016 Número: DSAJAL 100/16 Responsáveis: Ricardo da Veiga [...]
Data: terça, 31 maio 2016 Número: DSAJAL 100/16 Responsáveis: Ricardo da Veiga [...]
Solicita o Presidente da Câmara Municipal da …, por seu ofício de …, referência …, a emissão de parecer sobre a seguinte questão:
O Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro, que aprovou o regime jurídico do acesso e exercício de atividades de comércio, serviços e restauração, doravante designado abreviadamente RJACSR, procedeu à liberalização dos horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, alterando o regime dos horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de maio, alterado pelos Decretos-Leis n.º 126/96, de 10 de agosto, 111/2010, de 15 de outubro e 48/2011, de 1 de abril, estabelecendo que os estabelecimentos de venda ao público, de prestação de serviços, de restauração ou de bebidas, os estabelecimentos de restauração ou de bebidas com espaço para dança ou salas destinadas a dança, ou onde habitualmente se dance, ou onde se realizem, de forma acessória, espetáculos de natureza artística, os recintos fixos de espetáculos e de divertimentos públicos não artísticos têm horário de funcionamento livre.
Nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de maio, com a redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro, a Câmara Municipal pode restringir os períodos de funcionamento, a vigorar em todas as épocas do ano ou apenas em épocas determinadas, em casos devidamente justificados e que se prendam com razões de segurança ou de proteção da qualidade de vida dos cidadãos.
Dispõe ainda o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de maio, na sua atual redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro, que os órgãos municipais devem adaptar os regulamentos municipais sobre horários de funcionamento em função do novo n.º 1 do artigo 1.º ou do artigo 3.º do citado diploma.
Em cumprimento da referida imposição legal e ao abrigo do n.º 1 do artigo 56.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, a Câmara Municipal, em 15 de outubro de 2015, deliberou, nos termos do disposto no artigo 98.º do Código do Procedimento Administrativo (doravante designado CPA), dar início ao procedimento referente à aprovação do Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços.
Em 26 de novembro de 2015, conforme preceituado no n.º 1 do artigo 101.º do CPA, a Câmara Municipal deliberou submeter a consulta pública, pelo período de trinta dias, o Projeto de Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços, tendo para o efeito o mesmo sido publicado na 2.ª Série do Diário da República n.º …, de … de 2016.
Além disso e conforme se extraí da nota justificativa do regulamento em apreço, foi concedida a audiência regulamentar às entidades representativas dos interesses afetados.
Nesta senda, rececionámos duas petições, uma subscrita pela Associação Comercial e Industrial da … e outra por um interessado, titular da exploração de um estabelecimento de restauração, em que sumariamente, defendem que o projeto de regulamento não produz uma restrição casuística indexada a situações ou casos devidamente justificados, antes produz uma discriminação genérica e em bloco, de grupos e conjuntos de estabelecimentos, transformando a exceção na regra.
Ora é um facto que o princípio adotado pela atual legislação é o da completa liberdade de horário de funcionamento da generalidade dos estabelecimentos.
Não obstante e dado que a legislação assim o permite, a Câmara Municipal da … por concluir, da experiência registada aquando da vigência do Regulamento do Horário dos Estabelecimentos Comerciais do Município da …, que o equilíbrio entre os vários e legítimos interesses em presença era adequado e tendo em conta, designadamente, razões de segurança e de proteção da qualidade de vida dos cidadãos, entendeu oportuno e necessário limitar os períodos de funcionamento dos estabelecimentos.
Acontece que no concelho da … não existem áreas destinadas predominantemente a diversão noturna, onde se concentram estabelecimentos de restauração e bebidas, em regra, os estabelecimentos, encontram-se dispersos, na sua maioria junto de habitações ou mesmo no piso térreo de edifícios habitacionais. Face a esta especificidade, não foi possível delimitar a restrição dos períodos de funcionamento dos estabelecimentos em função de áreas geográficas ou a arruamentos em concreto.
Neste sentido, no exercício de poderes jurídico-administrativos, em prol da segurança e qualidade de vida dos munícipes e de forma a garantir a sã convivência de todos os interessados, pugnou-se por assegurar, através de normas gerais e abstratas, mecanismos de equilíbrio adequados por forma a harmonizar os interesses dos operadores económicos já instalados, e o direito ao sossego e ao repouso dos moradores, classificando-se os estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços em seis grupos e fixando‑se limites para os períodos de funcionamento ao público para cada um deles.
Ora, nas petições apresentadas, os interessados perfilham o entendimento que será necessário tratar cada um dos estabelecimentos integrados nos grupos definidos, enquanto "casos devidamente justificados" ao invés de tratar cada grupo de estabelecimentos como um todo e que, em consequência, o projeto de regulamento em apreço, ao estipular as restrições por grupos, regula de forma diversa o sentido e permissão da Lei habilitante.
Por isso, atento o dissenso questiona-se se a restrição dos períodos de funcionamento dos estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços da forma como está estabelecida no projeto de regulamento, através da fixação genérica para cada grupo de estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços tem acolhimento face ao estabelecido na Lei habilitante.
Acresce que, na elaboração do projeto do regulamento, foram analisadas e apensas ao processo administrativo diversas reclamações de ruído, participações das forças de segurança, queixas de munícipes, sobre alguns dos estabelecimentos de bebidas localizados no concelho da …. Acontece que não possuímos, para cada grupo definido no artigo 7.º do projeto do regulamento, antecedentes que objetivamente sustentem a necessidade de restrição dos períodos de funcionamento, ou seja, não existem fundamentos, relacionados com cada grupo, que a atividade é passível de pôr em perigo a segurança e proteção da qualidade de vida dos cidadãos. Independentemente disso, a fixação dos limites dos períodos de funcionamento para cada um dos grupos foi definida tendo em consideração a proteção da segurança e qualidade de vida dos munícipes e sem descurar o equilíbrio entre os vários e legítimos interesses em presença.
Por outro lado, tendo em atenção a posição dos interessados, é sabido que o n.º 1 do artigo 4.º RJACSR estabelece a obrigatoriedade da Câmara Municipal adaptar os regulamentos sobre os horários de funcionamento em função do previsto no n.º 1 do artigo 1.º, ou seja, a plena e total liberalização dos horário de funcionamento dos estabelecimentos, ou ao disposto no artigo 3.º, a restrição dos horários de funcionamento, em casos devidamente justificados.
No âmbito dessa exigência, perfilhamos o entendimento que o regulamento tem de concretizar um dos regimes previstos, uma vez que a Lei habilitante não prevê a coexistência de ambos, ao invés, confere a faculdade de optar entre o regime livre ou a restrição, não existindo fundamento para a convivência de ambos.
Perante este entendimento, feita a opção pelo preceituado no artigo 3.º do RJACSR, e conforme referido em supra, criaram-se restrições para seis grupos de estabelecimentos e sobre cada um fixou-se os limites dos períodos de funcionamento.
Com efeito, a redação do artigo 3.º do RJACSR condiciona a possibilidade de restrição dos períodos de funcionamento a casos devidamente identificados, que justifiquem a aplicação da exceção por razões de segurança e proteção da qualidade de vida dos cidadãos. Neste sentido, permanece uma dúvida, caso a Câmara Municipal não fixasse limites para alguns dos grupos de estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços, qual o regime que lhes seria aplicável?
Por último, refere a DULCE LOPES (DULCE LOPES, Repercussões do licenciamento zero na gestão (urbanística) municipal, Direito Regional e Local n.º 17 - Janeiro/Maio 2012, pp. 24), relativamente à definição dos horários dos estabelecimentos, que “( ..) já nos quer parecer que, como a definição, em concreto, de tais horários compete, única e exclusivamente, ao titular da exploração, deixa de ser possível prever alargamentos ou reduções baseados em intervenções casuísticas, por exemplo, impor restrições de horário, oficiosamente, para um certo estabelecimento, com base em queixas apresentadas por munícipes.”
Para DULCE LOPES estas situações têm de ser geridas através dos mecanismos dispostos no Regulamento Geral do Ruído, "deixando de se usar (...) a redução do horário do estabelecimento como forma ad hoc de sancionar actividades que eram desenvolvidas de forma ruidosa (ou alegadamente ruidosa) por privados."
Voltando ao Projeto de Regulamento, este no n.º 1 do artigo 13.º dispõe que "o período de funcionamento de determinado estabelecimento, ou estabelecimentos, pode ser restringido oficiosamente ou a pedido de quem tenha legitimidade processual, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, em casos devidamente justificados e que se prendam com razões de segurança e proteção da qualidade de vida dos cidadãos, a vigorar em todas as épocas do ano ou apenas em épocas determinadas."
Neste contexto, questionamos se o regulamento pode verter uma norma de restrição dos períodos de funcionamento ou, colhendo o entendimento expresso, devemos sonegar a aludida norma e deixar que situações de debelação da incomodidade, da segurança e proteção da qualidade de vida dos cidadãos e de reposição da ordem pública, sejam resolvidas através de outros mecanismos legalmente previstos, por outras instâncias ou entidades públicas.
Apreciando
Genericamente, a questão que vem de ser colocada prende-se com saber se à face da (nova) disciplina sobre o acesso e exercício de actividades de comércio, serviços e restauração, contida no Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro, que tornou o exercício de tais actividades independente – na significação de não dependente – de qualquer permissão administrativa que vise especificamente a atividade em causa, salvo em situações excecionais expressamente previstas[1], se ainda se mantém a possibilidade (ou seja, o poder) de as autarquias locais definirem de forma genérica (geral) – e portanto, através de intervenção regulamentar – os períodos (“janelas”) temporais (diários e/ou outros) dentro dos quais pode ter lugar o funcionamento de tais estabelecimentos, como ainda parece permitir o Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio, na sua actual redacção, e para cuja observância por parte dos estabelecimentos de venda ao público, de prestação de serviços e de restauração ou bebidas abrangidos pelo RJACSR remete o artigo 31.º do mesmo, ou se, radicalmente em contrário, as câmaras municipais deixaram de ter poder de intervenção na matéria, cedendo ao livre arbítrio dos agentes económicos a disciplina e organização em matéria de horários de funcionamento (abertura e encerramento) dos estabelecimentos, restando-lhes intervir apenas e quando a lei o determine ou caso a paz e harmonia sociais, ou seja a ordem e tranquilidade públicas, sejam reiterada e objectivamente postas em causa e terceiros clamem por tutela, mesmo que, até (se chegar a) esse ponto, a aludida liberdade de estabelecimento possa ter significado uma desmedida compressão e até postergação de valores (direitos), eventualmente direitos fundamentais, desses mesmos terceiros que veem reclamando a sua protecção.
2.1. Enquadramento legal
A questão colocada é posta na sequência da elaboração municipal de regulamento municipal dos horários de funcionamento dos estabelecimentos de venda ao público e prestação de serviços, e como sequela da disciplina prevista no Decreto-Lei n.º 10/2015 no que respeita ao acesso e exercício de actividades de comércio, serviços e restauração, a jusante da iniciativa designada por “licenciamento zero”, a qual, visando simplificar a vida aos cidadãos e às empresas, designadamente no que toca ao regime do exercício de diversas actividades económicas, intentou reduzir encargos administrativos sobre os cidadãos e as empresas, mediante a eliminação de licenças, autorizações, validações, autenticações, certificações, actos emitidos na sequência de comunicações prévias com prazo, registos e outros actos permissivos, substituindo-os por um reforço da fiscalização sobre essas actividades[2].
Em razão destas modificações, a abertura e exploração de estabelecimentos de restauração e bebidas deixou de carecer de licenciamento prévio e passou a estar apenas dependente, em regra, de uma mera comunicação prévia de instalação dirigida ou à câmara municipal ou à Direcção Geral das Actividades Económicas[3].
E em consequência do – ou por via do – que neles ora se previa quanto ao acesso e exercício das actividades em questão, o Decreto-Lei n.º 48/96[4], diploma que disciplina o [novo] regime dos horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, com excepção dos respeitantes às grandes superfícies contínuas, passou a dispor[5] que os estabelecimentos de venda ao público, de prestação de serviços, de restauração ou de bebidas, os estabelecimentos de restauração ou de bebidas com espaço para dança ou salas destinadas a dança, ou onde habitualmente se dance, ou onde se realizem, de forma acessória, espetáculos de natureza artística, os recintos fixos de espetáculos e de divertimentos públicos não artísticos têm horário de funcionamento livre[6] (sublinhado nosso).
Contudo, ainda que assim seja, o artigo 31.º do RJACSR dispõe que os estabelecimentos de venda ao público, de prestação de serviços e de restauração ou bebidas abrangidos pelo RJACSR devem observar o disposto no Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de maio, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 126/96, de 10 de agosto, 111/2010, de 15 de outubro, e 48/2011, de 1 de abril, quanto ao respetivo horário de funcionamento[7] (sublinhado nosso).
Deste modo, mesmo que, por um lado, os estabelecimentos de venda ao público, de prestação de serviços, de restauração ou de bebidas, (…) [tenham] horário de funcionamento livre, e, por outro, a definição do horário de funcionamento de cada estabelecimento (…), as suas alterações e o mapa referido no número anterior não [estejam] sujeitos a qualquer formalidade ou procedimento, sem prejuízo de serem ouvidas as entidades representativas dos trabalhadores, nos termos da lei[8], certo é que a lei continua a conferir às câmaras municipais, ouvidos os sindicatos, as forças de segurança, as associações de empregadores, as associações de consumidores e a junta de freguesia onde o estabelecimento se situe, [o poder de] restringir os períodos de funcionamento, a vigorar em todas as épocas do ano ou apenas em épocas determinadas, em casos devidamente justificados e que se prendam com razões de segurança ou de proteção da qualidade de vida dos cidadãos[9] para efeito do que devem os municípios adaptar devidamente os regulamentos municipais sobre horários de funcionamento destes estabelecimentos.
2.2. Os poderes de polícia administrativa
A matéria em questão enquadra-se no âmbito daquilo que a doutrina denomina de polícia administrativa.
Marcello Caetano define esse instituto jurídico da polícia administrativa como o modo de actuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir[10].
Dito de outro modo:
La police administrative est l’action de l’administration destinée à sauvegarder l’ordre public et qui, à cette fin, réglemente les activités privées.
Cette définition conduit à se demander ce que recouvre la notion d’ordre public. Celle-ci est traditionnellement définie à partir d’une trilogie (…) correspondant à ce que la doctrine a pu nommer «l’ordre public matériel et extérieur» (Maurice Hauriou), c’est-à-dire la sécurité publique (prévention des dommages aux personnes et aux biens), la salubrité publique (protection de la santé et de l’hygiène) et la tranquillité publique (prévention des perturbations de la rue, du tapage nocturne, etc.).[11]
A polícia (administrativa) constitui, pois, um modo de exercício da actividade administrativa[12].
Tipicamente a polícia administrativa exerce-se ou manifesta-se através de prescrições. E ainda que não se possa confundir o poder regulamentar com o poder de polícia[13], certo é que é normal e desejável que as medidas de polícia se manifestem, principal e primeiramente, pela via regulamentar[14].
Ora, a definição, pelas câmara municipais, através da forma regulamentar – portanto, efectuada de modo geral e abstracto – do funcionamento dos estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços que desenvolvam a sua actividade na respectiva circunscrição territorial, recai precisamente nesse âmbito da polícia administrativa, como nele recai igualmente o poder de determinação – novamente de forma geral e abstracta - dos períodos do dia (e da noite) em que tais estabelecimento podem estar abertos aos público, dito, em funcionamento, nessa medida acomodando (restringindo ou condicionando) a sua liberdade de funcionamento (que não é, não pode ser, por natureza, uma liberdade total e irrestrita), com outros relevantes interesses da comunidade.
É que em boa verdade, não se pode dizer que o facto do acesso e exercício às atividades de comércio, serviços e restauração (…), bem como o exercício dessas atividades em regime de livre prestação, não [estarem] sujeitos a qualquer permissão administrativa que vise especificamente a atividade em causa – ou, como se dizia no Decreto-Lei n.º 48/2011 especificamente quanto a horários de funcionamento, [ser] proibida a sujeição do horário de funcionamento e do respectivo mapa a licenciamento, a autorização, a autenticação, a validação, a certificação, a actos emitidos na sequência de comunicações prévias com prazo, a registo ou a qualquer outro acto permissivo – possa querer significar – porque efectivamente não significa - a retirada do poder de polícia administrativa às autarquias locais e a concessão, aos agentes económicos, de uma total e irrestrita liberdade de fixação, ad libitum, dos períodos de funcionamento dos seus estabelecimentos, sem que haja de atender aos circunstancialismos (e consequentes limitações) que inevitavelmente o facto incontornável da vida se desenvolver em comunidade, inelutavelmente acarreta.
E é por isso que não obstante o facto desses estabelecimentos de venda ao público, de prestação de serviços, de restauração ou de bebidas, (…) [terem] horário de funcionamento livre e de a definição do [seu] horário de funcionamento (…), as suas alterações e o mapa referido no número anterior não [estarem] sujeitos a qualquer formalidade ou procedimento, sem prejuízo de serem ouvidas as entidades representativas dos trabalhadores, nos termos da lei, esta mesma lei continua a conferir às câmaras municipais o poder de elaborar regulamentos municipais sobre horários de funcionamento ou de adaptar os existentes, agora, naturalmente, em função desta nova realidade[15], mas sem deixar de poder restringir os períodos de funcionamento, a vigorar em todas as épocas do ano ou apenas em épocas determinadas, em casos devidamente justificados e que se prendam com razões de segurança ou de proteção da qualidade de vida dos cidadãos[16].
E nem se diga que esta eventual restrição apenas pode ocorrer se determinada caso a caso, quanto a um (e apenas para cada) estabelecimento, de modo reactivo (quando se verifique qualquer situação infraccional), mesmo que se trate de e estejam em causa locais ou zonas onde existam plúrimos estabelecimentos que se dediquem à mesma actividade, a qual possa merecer, pelo específicos circunstancialismos que tipicamente rodeiam o seu exercício, as mesmas restrições de horário de funcionamento, por diversas razões, as mais comuns das quais sejam as de segurança ou de proteção da qualidade de vida dos cidadãos.
Na verdade, nas referidas circunstâncias, o que está em causa é, como se afirma na lei, a (tutela da) segurança - a segurança pública, a segurança dos cidadãos e dos seus bens e a sua confiança na tranquilidade pública, assegurada pelos poderes do Estado, base fundante do Estado de Direito vigente – e a protecção da qualidade de vida – seja a garantia prosseguida pelo Estado de que as diversas vertentes da sua vida pessoal e social se encontram protegidas contra os riscos e agressões, potenciais ou comprovados, em que os tempos modernos são ricos, de forma a manter um padrão de viva e de vivência compaginável com aquilo que se considera como um direito fundamental, garantindo a sua salvaguarda, numa emanação de um designado princípio da precaução[17] (de riscos), que também aqui tem justo cabimento. E de entre os direitos fundamentais a proteger encontram-se precisamente os direitos ao repouso, ao sossego e ao descanso, desde tempos imemoriais associados à noite e ao sono reparador. Daí a possibilidade conferida às camaras municipais de estabelecer “janelas temporais” no ciclo horário diário de modo a compaginar e compatibilizar (precavidamente ou prudencialmente) a salvaguarde desses direitos, por um lado, e, por outro, o legitimo desenvolvimento de actividades económicas mas que com eles podem vir, potencialmente, a conflituar em virtude da forma típica como se desenvolvem.
2.2. O direito ao descanso na jurisprudência
Considera a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que não obstante o repouso não [pressupor] silêncio completo, pois o ruído é algo de inerente à civilização moderna, integrado na sua essência[18], o repouso e o sossego que cada pessoa necessita de desfrutar no seu lar para se retemperar do desgaste físico e anímico que a vida no seu dia a dia provoca no ser humano é algo de essencial a uma vida saudável, equilibrada e física e mentalmente sadia, e que o direito ao repouso, ao sossego e ao sono são uma emanação da consagração constitucional do direito à integridade física e moral da pessoa humana e a um ambiente de vida sadio, constituindo, por isso, direitos de personalidade e com assento constitucional entre os Direitos e Deveres Fundamentais[19].
Mais considera esse venerando Tribunal não só que o direito ao sono, repouso e descanso, que faz parte do elenco dos direitos fundamentais, protegido pelos arts. 25.º, n.º 1, da CRP e 70.º, n.º 1, do CC, prevalece, nos termos do art. 335.º do CC, sobre o direito de propriedade e o direito ao exercício de uma actividade industrial ou comercial, e a sua violação consubstancia um dano não patrimonial (…)[20] mas também que os direitos ao sossego, ao repouso e ao sono traduzem-se em factores que se mostram potenciadores, em grau muito elevado, da recuperação física e psíquica da pessoa, nomeadamente nas situações da vida quotidiana em que a suspensão da actividade laboral, por motivo de férias, tem como principal escopo a prossecução de tais fins, constituindo-se esses direitos como uma emanação do direito à integridade física e moral da pessoa e a um ambiente de vida sadio, direitos esses acolhidos, como direitos de personalidade, na DUDH (art. 24.º), encontrando-se constitucionalmente consagrados, como direitos fundamentais, nos arts. 16.º e 66.º da CRP, e sendo objecto de protecção na lei ordinária no âmbito do preceituado no art. 70.º do CC, nos arts. 2.º e 22.º da Lei n.º 11/87, de 07-04 (LBA), e do DL n.º 292/2000, de 14-11 (Regulamento Geral do Ruído), actualmente substituído pelo DL n.º 9/2007, de 17-01[21].
Concluindo
À face de quanto fica dito afigura-se que nem a introdução do (sistema de) “licenciamento zero” nas actividades económicas de comércio, serviços e restauração, efetuada polo Decreto-lei n.º 458/2011, nem o regime jurídico de acesso e exercício de actividades de comércio, serviços e restauração, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2015, postergaram os valores, consubstanciados em direitos (fundamentais), a que o poder em questão se destina (também) a proteger e dar tutela, como, menos ainda, eliminaram, o poder de as câmara municipais poderem fixar, de forma geral e abstracta, por via regulamentar, caso os específicos particularismos (atinentes, em especial, à prevenção da salvaguarda, protecção e tutela de valores de especial relevância individual e social, como o sejam a segurança e a tranquilidade pública ou a proteção da qualidade de vida dos cidadãos) assim o justifiquem, “janelas” temporais em períodos diários, semanais, mensais ou anuais, dentro das quais pode haver lugar ao exercício das actividades económicas tipicamente susceptíveis de os pôr em crise, ou seja, se pode verificar o funcionamento dos estabelecimento que as desenvolvam, os quais fixam livremente, dentro das “janelas temporais” regulamentarmente definidas, os concretos períodos para o seu funcionamento.
Salvo sempre meliori judicio
Ricardo da Veiga Ferrão
(Jurista. Técnico Superior)
[1] Artigo 3.º, n.º 1, do Regime jurídico de acesso e exercício de atividades de comércio, serviços e restauração (RJACSR), aprovado e publicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro.
[2] Artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, na redacção original. Dizia-se no preâmbulo deste diploma que a iniciativa «Licenciamento zero», [destina-se] a reduzir encargos administrativos sobre os cidadãos e as empresas, por via da eliminação de licenças, autorizações, vistorias e condicionamentos prévios para actividades específicas, substituindo-os por acções sistemáticas de fiscalização a posteriori e mecanismos de responsabilização efectiva dos promotores.
(…)
Para dar cumprimento a estes objectivos, o presente decreto-lei cria, em primeiro lugar, um regime simplificado para a instalação e a modificação de estabelecimentos de restauração ou de bebidas, de comércio de bens, de prestação de serviços ou de armazenagem. (…)
Em segundo lugar, simplificam-se ou eliminam-se licenciamentos habitualmente conexos com aquele tipo de actividades económicas e fundamentais ao seu exercício - concentrando eventuais obrigações de mera comunicação prévia no mesmo balcão electrónico - tais como os relativos a: 1) (…); 2) horário de funcionamento, suas alterações e respectivo mapa; e 3) (…).
[3] Vd. o revogado n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 48/2011, diploma que dispunha ainda que é proibida a sujeição do horário de funcionamento e do respectivo mapa a licenciamento, a autorização, a autenticação, a validação, a certificação, a actos emitidos na sequência de comunicações prévias com prazo, a registo ou a qualquer outro acto permissivo (artigo 1.º, n.º 1 , al. f), do mesmo diploma, também já revogada). Presentemente, vd. os artigos 4.º e 7.º do RJACSR.
[4] Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio, posteriormente alterado pelos Decreto-Lei n.º 123/96, de 10 de Agosto, Decreto-Lei n.º 111/2010, de 15 de Outubro, Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril e Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro.
[5] Por via das alterações nele introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 10/2015.
[6] Artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48/96, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/2015.
[7] Ao elencar os diplomas que alteraram o Decreto-Lei n.º 48/96, o artigo não alude ao Decreto-Lei n.º 10/2015, que nele introduziu a as mais recentes alterações, dando ideia de que estaria a remeter para a redação do diploma anterior a estas últimas alterações. Contudo, não pode deixar de se considerar estar-se perante um óbvio lapso legislativo e que, por isso, a redacção do Decreto-Lei n.º 48/96 que deve ser tida em consideração é a que resulta das mais recentes alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 10/2015.
[8] Artigo 4.º-A, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 48/96, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/2015.
[9] Artigo 3º do Decreto-Lei n.º 48/96, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/2015.
[10] Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, 10.ª ed., 5.ª reimp., 1994, pag. 1150.
[11] Tatiana Grundler, La police administrative, consultável em http://www.france-jus.ru/upload/fiches_fr/La%20police%20administrative.pdf (acesso em 5/5/2016).
[12] Marcello Caetano, Manual… cit., pag. 1150.
[13] Nesse sentido, Jean-Marie Pontier, Leçon n.º 7: La police administrative do curso L’action administrative da unjf-Université Numérique Juridique Francophone, pág. 5, consultável em http://cours.unjf.fr/file.php/102/Cours/07_item/indexI0.htm (acesso em 5/5/2016), pois que os regulamentos podem ter outro diferente objecto que não de polícia como, p. ex., medidas sobre organização dos serviços ou sobre os seus trabalhadores.
[14] Cfr. Jean-Marie Pontier, Leçon n.º 7 … cit, pág. 5.
[15] Artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48/96.
[16] Artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 48/96.
[17] Sobre este princípio, vd. Philippe Kourilsky, Geneviève Viney, Le Principe de Précaution, rapport au Premier Ministre, La Documentation Française, 1999, consultável em http://www.ladocumentationfrancaise.fr/var/storage/rapports-publics/004000402.pdf (acesso em 11/5/2016).
[18] Sumário do acórdão de 10-12-1998, Recurso de revista n.º 1044/98 - 2.ª Secção, in Gabinete de Juízes Assessores do Supremo Tribunal de Justiça - Assessoria Cível, O direito ao descanso e ao sossego na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, acedível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/direitodescansosossego.pdf (acesso em 11/5/2016)
[19] Sumário do acórdão de 13-09-2007, Recurso de revista n.º 2198/07 - 7.ª Secção, in O direito ao descanso e ao sossego… cit..
[20] Sumário do acórdão de 01-07-2010, Recuso de revista n.º 1188/06.2TBBCL.G1.S1 - 2.ª Secção, in O direito ao descanso e ao sossego… cit..
[21] Sumário do acórdão de 17-04-2012, Recurso de revista n.º 1529/04.7TBABF.E1.S1 - 6.ª Secção, in O direito ao descanso e ao sossego… cit..
Tendo em atenção o exposto no ofício n.º …, de …, da Câmara Municipal de …, sobre a matéria referenciada em epígrafe, cumpre tecer as seguintes considerações:
Sem desprimor pelas considerações tecidas na informação dos serviços anexa ao pedido de parecer, não nos eximimos de, a título prévio, chamar à colação alguns aspetos que, em nosso entender, concorrerão no sentido de fundamentarem o entendimento que perfilhamos sobre a matéria controvertida.
Em primeiro lugar, quando, na marcação dos períodos de férias, não haja acordo entre o trabalhador e a entidade empregadora pública, é esta quem detém a disponibilidade, ainda que com limitações, de impor ao trabalhador o gozo das férias em determinado período do ano (cfr., artigo 241.º do Código do Trabalho, por força do disposto no n.º 1 do artigo 122.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – abreviadamente, LTFP – aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho).
Por outro lado, é, também, a entidade empregadora pública quem detém o poder de determinar a organização e o tempo de trabalho dos trabalhadores dos serviços bem como o de decidir os regimes de horário de trabalho a adotar, designadamente, o da jornada contínua (cfr., artigos 108.º e seguintes da LTFP).
Por último, é, também, a entidade empregadora pública quem detém o poder de, uma vez adotado o regime de jornada contínua, o organizar de forma a salvaguardar o descanso diário bem como a semana de trabalho e o descanso semanal dos trabalhadores, com respeito pelo disposto nos artigos 123.º a 125.º da LTFP, o que, diga-se desde já, nos parece ocorrer no caso em apreço.
Reconduzindo-nos, agora, à questão controvertida, e sem prescindir, tanto a remissão efetuada pelo n.º 1 do artigo 4.º (“é aplicável ao vínculo de emprego público, sem prejuízo do disposto na presente lei e com as necessárias adaptações, o disposto no Código do Trabalho”), quanto a estabelecida no n.º 1 do artigo 122.º (“é aplicável aos trabalhadores com vínculo de emprego público o regime do Código do Trabalho em matéria de tempos de não trabalho, com as necessárias adaptações e sem prejuízo das especificidades constantes do presente capítulo”, diga-se, em que o infra citado artigo 126.º se insere) quer, e particularmente, a adotada pelo n.º 1 do artigo 126.º (“o trabalhador tem direito a um período de férias remuneradas em cada ano civil, nos termos previstos no Código do Trabalho e com as especificidades dos artigos seguintes”), todos da LTFP, impõem que, antes do recurso ao disposto na regulamentação do referido código, se afira se a própria LTFP não contém a resposta às questões que, eventualmente, se venham suscitando.
Neste particular, tendo o legislador curado de regular, no artigo 126.º da LTFP, e de forma exaustiva, o direito a férias dos trabalhadores, estabelecendo, no n.º 6 do preceito que “para efeitos de férias, são úteis os dias da semana de segunda-feira a sexta-feira, com exceção dos feriados, não podendo as férias ter início em dia de descanso semanal do trabalhador”, eximindo-se de incluir, neste dispositivo legal, qualquer referência do tipo da que o n.º 3 do artigo 238.º do Código do Trabalho consagra, naquilo que, em nosso entender, terá correspondido não a um qualquer esquecimento mas a uma vontade claramente expressa, impor-se-á concluir não ser este último normativo aplicável ao caso em apreço, sob pena de, de outra forma, se violar frontalmente o princípio ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus (onde o legislador não distingue não deve o intérprete distinguir).
Aliás, e não só desde agora, sempre temos vindo a defender, cremos que fundadamente, que o conceito de dias úteis, para efeitos de determinação de dias de férias, é utilizado pelo legislador de forma objetiva, isto é, com o enquadramento de que cada semana é constituída ou integrada por cinco dias úteis, acrescidos de um dia de descanso semanal e de um dia de descanso semanal complementar, e não de forma subjetiva, ou seja, dependendo das circunstâncias específicas a que cada trabalhador se encontra obrigado a prestar trabalho.
Mas se é assim, no que à determinação de dias de férias diz respeito, poderá já não o ser no que toca aos efeitos que o direito de gozar esses mesmos dias de férias se possa pretender que tenha na determinação dos dias de descanso semanal.
De facto, dando-se por adquirido (como parece poder concluir-se) que o regime de trabalho a que se encontram sujeitos os referidos trabalhadores não colide com as normas legais que o regulam nem fere os princípios contidos nos preceitos reguladores do descanso diário nem da semana de trabalho ou do descanso semanal (cfr., artigos 123.º a 125.º da LTFP), e de que resulta terem que prestar trabalho de segunda-feira a sábado, usufruindo, apenas, de um dia de descanso semanal, estranho e discriminatório seria que o gozo de dias de férias pudesse, enviesadamente, dizemos nós, gerar dias de descanso semanal complementar de que, no regime em que prestam serviço, não usufruem.
É que, a aceitar-se tal leitura, e lançando mão dos exemplos contidos na informação dos serviços, o gozo do sábado subsequente aos dias de férias mais não seria do que um prolongamento indevido destas ou uma concessão indevida de um dia de descanso semanal complementar que, no regime específico a que se encontram sujeitos, não podem gozar.
O técnico superior
(José Manuel Martins Lima)
Solicita o Presidente da Câmara Municipal de …, por seu ofício ref. …, de … transacto, o esclarecimento da seguinte questão:
(…)
O Município de … está a preparar a implementação do Orçamento Participativo e elaborou, para o efeito, um conjunto de regras para implementação do processo e procedimentos a adotar pelos diferentes intervenientes, sejam eles eleitos ou cidadãos.
A esse conjunto de regras preparado pela equipa responsável pela implementação do projeto, foi dada a conformação de "regulamento" porque se entendeu que nele estão contidas normas procedimentais de carácter geral e de execução permanente, com eficácia externa.
Tal conformação, se feita ao abrigo dos artigos 97.o e seguintes do novo CPA, aprovado pelo DL 412015 de 07.01., prevê, em síntese, as seguintes etapas (transcreve-se a informação técnica):
(…)
Em face do exposto, pretende-se esclarecer:
Apreciando
No pedido ora em causa são colocadas duas questões.
Na primeira delas questiona-se, a propósito dos mecanismos de preparação de orçamento participativo, se as normas que hão-de disciplinar esse processo se encontram também sujeitas à disciplina atinente ao designado procedimento do regulamento administrativo previsto no CPA para a elaboração de regulamentos – o que é por dizer se a eventual normativização desse processo concede ao conjunto dessas regras a natureza de regulamento administrativo.
Na segunda questão, e do que se consegue depreender do texto onde é colocada, é posta a dúvida sobre se a consulta pública é forma adequada para a realização da audiência de interessados no contexto em causa, tendo em conta a urgência na aprovação dessas normas regulamentares face aos prazos legais para aprovação do orçamento autárquico.
2.1. O designado orçamento participativo representa uma das várias manifestações possíveis de democracia participativa dentro de um sistema democrático essencialmente representativo.
O artigo 2.º da Constituição caracteriza a República Portuguesa como um estado de direito democrático, que visa a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.
Essa participação democrática consagra-a expressamente a Constituição através da previsão de um direito de todos os cidadãos a tomar directamente parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país[1], direito este que integra o conjunto de direitos fundamentais constitucionalmente previstos.
O orçamento participativo local é pois uma concreta forma de exercício dessa democracia participativa. Não existe porém disciplina legal da matéria, não obstante ser uma prática que começa a divulgar-se ao nível autárquico.
Porque as escolhas finais implicam um processo gradual e evolutivo de construção e selecção dos projectos ou iniciativas a apoiar, mostra-se conveniente o estabelecimento de normas ou regras que, conhecidas por todos, regulem esse processo ou procedimento de aprovação do orçamento participativo ou seja de escolha dos projectos e iniciativas que irão ser considerados no âmbito e para efeitos do financiamento disponibilizado para esse fim.
Assim crê-se que a forma normativa mais adequada para o efeito passa pela aprovação de um regulamento de onde constem os elementos e passos essenciais desse processo.
Tratando-se de um regulamento externo, a sua elaboração deve respeitar não apenas as competências definidas para o efeito no Regime Jurídico das Autarquias Locais[2], como observar o procedimento “regulamentar” previsto no CPA para elaboração e aprovação de regulamentos[3].
2.2. A matéria da segunda das questões, se bem conseguimos compreender o que nos é solicitado, prende-se com a realização da audiência dos interessados – no caso através de consulta pública - e da hipotização da sua dispensa considerando que a aprovação do regulamento em causa é urgente tendo em conta os prazos legais previstos para aprovação do orçamento municipal.
Como acabámos de ver, à aprovação dos regulamentos municipais é aplicável o que em matéria de procedimento do regulamento se dispõe no CPA.
Ora o CPA quando no âmbito desse procedimento, disciplina, no artigo 100.º, a audiência de interessados, estabelece que ela deve ter lugar sempre que se esteja perante um regulamento que contenha disposições que afetem de modo direto e imediato direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
Para o efeito, o CPA prevê diversas formas de cumprir esse desiderato. A regra geral é a de que a audiência tenha lugar nos termos definidos no n.º 1 do artigo 100.º: submissão do projeto de regulamento por prazo razoável, mas não inferior a 30 dias, a audiência dos interessados que como tal se tenham constituído no procedimento.
Significa isto que apenas quanto aos interessados que se hajam constituído como tal no procedimento - e apenas quanto a esses – existe obrigação de serem ouvidos em audiência pela entidade emissora do regulamento, sob pena de invalidade do regulamento[4]. Porém, para que assim pudesse ser, tal exigiria que no início do procedimento houvesse sido publicitada a forma como nele se poderia processar a constituição (das pessoas ou entidades) como interessados[5], o que não parece ter acontecido.
Não sendo assim possível proceder à audiência de interessados através da forma apontada, afigura-se então como correcta a opção pela sua realização através de consulta pública, nos termos do artigo 101.º do CPA.
O que, no caso, parece não se verificar é a tal urgência que permitiria dispensar a realização da audiência, não obstante o tempo apertado por via dos momentos e prazos legalmente definidos para aprovação do orçamento municipal. É que a urgência relevante neste contexto e para o efeito da dispensa de audiência não é a que resulta da pressa (auto‑)imposta, necessária para que seja atingido determinado objectivo, meta ou desiderato que se fixou, mas unicamente aquela que resulta de factos ou situações exteriores e incontrolados, não determinados ou causados por aquele a quem impõem uma actuação rápida para o seu tratamento ou resolução, de modo a evitar efeitos nefastos ou prejudiciais de natureza grave – e daí a urgência na resposta a adoptar, face à qual podem ceder algumas exigências procedimentais.
Concluindo
Ricardo da Veiga Ferrão
(Jurista. Técnico Superior)
[1] Artigo 48.º, n.º 1, da CRP.
[2] O Regime Jurídico da Autarquias Locais (RJAL) foi aprovado em anexo à Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro.
De acordo com o RJAL cabe à assembleia municipal a aprovação dos regulamentos externos autárquicos (artigo 25.º, n.º 1, al. g), do RJAL), com base em projecto elaborado e proposto para aprovação pela câmara municipal (artigo 33.º, n.º 1, al. k), do RJAL).
[3] Artigo 96.º e segs. do CPA.
[4] Artigo 143.º, n.º 1, do CPA.
[5] Artigo 98.º, n.º 1, do CPA.
O Presidente da Assembleia Municipal de … remeteu a esta CCDRC, por seu ofício de …, referência n.º …, um extracto da acta, em minuta, da reunião desse órgão de 26 de Fevereiro de 2016, relativo ao seu ponto Sétimo - Regimento da Assembleia Municipal (aprovado em 2014-02-26) – 1.ª alteração - Deliberação sobre a disponibilização das gravações das sessões da AM, bem como a moção então apresentada e aprovada por maioria, no final da qual é dito o seguinte:
Que a presente moção seja remetida à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, à Direção-Geral das Autarquias Locais, à Associação Nacional dos Municípios Portugueses e ao Provedor de Justiça, a fim de promover um debate mais alargado e, eventualmente, obter alguns contributos/pareceres que ajudem a um melhor enquadramento desta matéria complexa.
Apreciando
O pedido remetido a esta CCDRC pelo Presidente da Assembleia Municipal do município supra referido – e que, ao que nele é dito, foi igualmente dirigido a um conjunto de diversas outras entidades – tem apenas como objectivo, tal como se explica na moção, a obtenção, por esse órgão, de alguns contributos/pareceres que ajudem a um melhor enquadramento [da] matéria em causa, qual seja, a relativa à temática da gravação das sessões desse órgão autárquico, do acesso e disponibilização dessas gravações bem como da sua qualificação como documento administrativo.
Transcreve-se a referida moção, subscrita pelo Presidente e pelos 1.º e 2.º Secretários da Mesa da Assembleia Municipal, para lograr maior clareza e um melhor enquadramento do pedido efectuado:
Moção - Acesso às gravações das sessões da Assembleia Municipal
Fundamento:
O Membro desta Assembleia Municipal (AM), Sr. …, Presidente da Junta de Freguesia de …, solicitou via e-mail em 2016-01-11 e em 2016-01-25, que lhe fosse disponibilizada uma cópia das gravações da sessão ordinária desta Assembleia realizada em 2015.11.27
Em 2016-01-31, o Presidente da Assembleia respondeu pela mesma via nos seguintes termos: "Exmo Membro da Assembleia Municipal, Senhor Presidente da Junta de Freguesia de …. Acuso a receção do seu pedido da gravação da última sessão da Assembleia Municipal, o qual mereceu a melhor atenção. Todavia, não colocando em causa a legitimidade do seu pedido também não poderei ignorar os seguintes aspetos: O facto das Sessões da AM serem públicas não significa, de per si, que as gravações sejam consideradas públicas; As gravações das sessões, não sendo obrigatórias por lei, julgo que terão sido implementadas pela própria Assembleia com o fim específico de auxiliar na elaboração das atas, estas sim, de elaboração e publicitação legalmente previstas; O regimento da AM nada dispõe sobre as referidas gravações; As gravações podem conter afirmações ou expressões pessoais, proferidas por qualquer membro, que se descontextualizadas poderão conduzir a interpretações erradas e dar origem a situações perigosamente sensíveis; Tenho dúvidas que a utilização das gravações para outros fins que não o da elaboração e conferência das atas não careça de autorização expressa dos membros intervenientes nas sessões. Face ao exposto, entendo que deve ser a própria Assembleia a deliberar sobre a utilização e disponibilização das gravações, pelo que desde já me comprometo a levar o assunto à próxima sessão. Neste contexto fica, para já, prejudicada a satisfação do seu pedido. Com os melhores cumprimentos. O Presidente da Assembleia …".
Em 2016-02-01 insistiu o Sr. … no seu pedido, juntando um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) e ameaçando que faria queixa àquela entidade caso não fosse deferido o seu pedido em 5 dias.
Em 2016-02-18 foi remetida a todos os Membros da AM a convocatória para a sessão ordinária a realizar em 2016-02-26. Da ordem do dia respetiva, enviada juntamente, consta uma proposta do seguinte teor: "7.º - Regimento da Assembleia Municipal (aprovado em 2014-02-26) - 1.ª alteração - Deliberação sobre a disponibilização das gravações das sessões da AM."
Considerações:
Da análise do referido parecer da CADA, identificado com o n.º 241/2015, Processo n.º 175/2015, parece inferir-se que as gravações das sessões da Assembleia Municipal devem ser disponibilizadas como se de documentos administrativos se tratasse, acautelando, no entanto, o período que decorre até à aprovação da ata. No essencial, a CADA sustenta o seu parecer em dois aspetos que são o órgão ou serviço onde se encontram arquivadas e a indiferença perante a forma do suporte da informação, encontrando a base legal na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto, também designada por Lei de Acesso aos Documentos da Administração (LADA). Assim, afigura-se-nos que aquele parecer assenta numa perspetiva marcadamente formal e redutora.
Com efeito, uma leitura integral da LADA leva-nos a considerar também outros aspetos mais relacionados com o conteúdo e em nosso entendimento não menos importantes no que respeita à situação controvertida, capazes de conduzir a uma orientação divergente da que emana do parecer que nos foi presente e de que desconhecemos as circunstâncias e os propósitos em que o mesmo foi emitido.
Antes de mais, pela respetiva relevância, transcrevemos na íntegra o teor do artigo 3.o da Lei em apreço: "Artigo 3.º Definições 1 - Para efeitos da presente lei, considera-se: a) «Documento Administrativo» qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome; b) «Documento nominativo» o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada. 2 - Não se consideram documentos administrativos, para efeitos da presente lei: a) As notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante; b) Os documentos cuja elaboração não releve da atividade administrativa, designadamente referentes à reunião do Conselho de Ministros e de secretários de Estado, bem como à sua preparação."
Será oportuno aqui relembrar que "À mulher de César não basta que o seja, terá também que o parecer". Neste caso, invertendo os termos, por maioria de razão poderemos afirmar que a qualquer suporte de informação não basta parecer documento administrativo, terá também que o ser para que possa, efetivamente, ser tratado como tal e sujeito a acesso livre por qualquer pessoa. Na realidade, qualquer suporte de informação para poder ser considerado documento administrativo não basta que esteja na posse de um dos órgãos ou serviços identificados no âmbito da sujeição da LADA mas, antes de mais, deverá ser classificado como tal à luz do mesmo diploma. Por outro lado, mesmo sendo considerado documento administrativo, o respetivo acesso ainda poderá ser condicionado por diversas razões, designadamente quando se tratar de documento nominativo.
Ora, acontece que a generalidade das intervenções dos deputados desta Assembleia assumem a forma de improvisos pejados de apreciações e/ou juízos de valor, emitidas pelos oradores sobre a sua própria pessoa ou sobre a pessoa de outros Membros da Assembleia, de qualquer forma perfeitamente identificáveis, pelo que as mesmas podem ser enquadradas no âmbito da al. b) do n.º 1 do artigo 3.º da LADA, devendo, nesta perspetiva, as gravações ser consideradas documentos nominativos.
Acresce que, por outro lado e em bom rigor, uma boa parte das nossas intervenções nesta Assembleia são a exposição oral das nossas notas pessoais, esboços e apontamentos, que nos permitimos partilhar com os demais Membros, podendo assim constituir, as respetivas gravações, outros registos de natureza semelhante, o que as coloca sob a proteção da alínea a) do n.º 2 do artigo citado, e não é por as mesmas serem por nós autorizadas que podem ver alterada a respetiva natureza. Noutra perspetiva ainda mais direta, temos presente que as gravações vieram substituir as notas ou apontamentos pessoais que alguém era incumbido de fazer, com o único objetivo de ajudar na elaboração das atas em momento posterior, pelo que as mesmas só podem ser entendidas como "outros registos de natureza semelhante".
Por outro lado, estamos cientes que as sessões da Assembleia Municipal são públicas, é verdade!
Mas não é menos verdade que na sua maioria não têm qualquer público a assistir e, quando têm, a maior parte das vezes trata-se de pessoas familiarizadas com o respetivo funcionamento, o que faz com que os oradores fiquem mais descontraídos e as intervenções se tornem mais informais escapando, com alguma frequência, palavras ou expressões que seguramente seriam evitadas caso houvesse a noção exata que as mesmas seriam acedíveis de forma livre e generalizada potenciando a respetiva publicitação descontextualizada, o que originaria interpretações erradas e abusivas e colocaria os respetivos autores em situações humilhantes e de chacota. Esta possibilidade levaria os Membros da Assembleia a pensar duas vezes antes de pedirem a palavra e, naturalmente, muitas vezes acabariam por deixar de o fazer ou fá-lo-iam de forma condicionada. Ou seja, a transparência levada ao limite teria como consequência um prejuízo significativo em termos de espontaneidade, de participação democrática e liberdade de expressão.
É neste enquadramento que autorizamos as gravações das nossas intervenções na Assembleia Municipal, autorizações que pretendemos manter caso o enquadramento descrito seja legitimado e respeitado pelas entidades que venham a apreciar esta moção. Caso contrário, alegando prejuízo no equilíbrio necessário entre os valores da transparência, da espontaneidade, da participação democrática, da liberdade de expressão e da boa-fé, consideraremos que as gravações das nossas intervenções jamais foram por nós autorizadas e, como tal, considerar-se-ão as mesmas ilegítimas com as consequências que daí possam advir.
Propostas/Recomendações:
Em face do exposto, mormente em benefício do equilíbrio entre os valores da transparência, da espontaneidade, da participação democrática, da liberdade de expressão e da boa-fé, somos a propor o seguinte:
No caso das presentes propostas lograrem merecer a aprovação por parte desta Assembleia Municipal, recomenda-se ainda o seguinte:
Que as mesmas sejam integradas no Regimento desta Assembleia Municipal, eventualmente aditando-se o artigo n.º 14.º-A com a epígrafe "Gravações das Sessões";
Que a presente moção seja remetida à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, à Direção-Geral das Autarquias Locais, à Associação Nacional dos Municípios Portugueses e ao Provedor de Justiça, a fim de promover um debate mais alargado e, eventualmente, obter alguns contributos/pareceres que ajudem a um melhor enquadramento desta matéria complexa.
Como se diz no pedido, este visa apenas a obtenção de contributos para um debate alargado e para um melhor enquadramento da matéria que aí se expõe. Em função disso, elaboram apenas algumas considerações tópicas sobre a temática em apreço a respeito de alguns aspectos que nela se colocam.
2.1. A Constituição estabelece como regra que as reuniões das assembleias que funcionem como órgãos (…) do poder local são públicas, excepto nos casos previstos na lei[1]. Ao referir-se a reuniões das assembleias, a norma constitucional, em matéria de poder local, dirige-se (apenas) aos órgãos considerados assembleias: assembleia municipal e assembleia de freguesia[2].
Assim, na administração autárquica – municípios e freguesias - a regra relativa às sessões dos seus órgãos deliberativos é a de que são públicas[3].
É assim constitucional e legalmente previsto e admitido que outras pessoas que não os respectivos membros – ou seja, público em geral, e não, apenas, necessariamente munícipes - possam estar presentes e assistir aos trabalhos[4], sem necessidade de qualquer autorização, ainda que tal presença não signifique liberdade de participação ou de intervenção nos debates e nos trabalhos das assembleias[5].
A lei prevê ainda que no decurso da sessão, haja um período para intervenção e esclarecimento do público, cuja concreta disciplina cabe ser estabelecida pelo regimento do órgão[6]. Assim, o regimento do órgão deliberativo deve cuidar da possibilidade de previsão, na agenda dos trabalhos, de um período destinado a intervenções e esclarecimento do público[7], no decurso do qual este pode interpelar directamente o órgão, colocando questões, e dele obter esclarecimentos e informações[8].
O facto de, em alguns casos, ser mais ou menos comum não haver público presente às reuniões da assembleia municipal, ou de este rarear, não altera em nada a natureza pública da reunião, com todas as consequências daí advenientes.
2.2. A regra, neste contexto, é a de que as reuniões decorrem com a presença física dos seus membros[9] – e não por qualquer forma de participação remota como videoconferência. Ainda que as questões nela debatidas possam suportar-se em documentos escritos, a reunião decorre sempre de forma oral, pessoal e directa, não havendo qualquer intermediação entre os membros que nela intervenham (ou seja, “falem”) e o colégio a quem se dirigem, ressalvadas as indicações destinadas a assegurar a “boa ordem” no decurso dos trabalhos que ao presidente cabe assegurar, dirigindo-se, assim, o orador directamente ao colégio e por ele (por cada um dos seus membros) podendo ser interpelado.
Assim, tudo quanto é dito no decurso de uma reunião da assembleia releva para o seu conteúdo e para quanto nela se aprecia, discute e decide.
2.3 A memória futura de tudo quanto se passa nas reuniões dos órgãos colegiais – e o instrumento (documento) que garante a produção de efeitos jurídicos (eficácia jurídica) de tudo quanto nelas seja deliberado – é, nos termos da lei, assegurada unicamente pelas actas das reuniões.
A acta da reunião (de qualquer reunião de órgão colegial, quer no âmbito de entes públicos quer de entidades privadas, ou melhor, de direito privado[10]) é, na definição do CPA, um resumo de tudo o que nela tenha ocorrido e seja relevante para o conhecimento e a apreciação da legalidade das deliberações tomadas, designadamente a data e o local da reunião, a ordem do dia, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas, a forma e o resultado das respetivas votações e as decisões do presidente, cujo conteúdo – ou seja, o relato de tudo quanto haja ocorrido na reunião e seja relevante para o órgão - é consensualizado, aceite e aprovado pelos membros do órgão que nela estiveram presentes, tendo então tido ou não qualquer intervenção.
A lei não prevê qualquer outra forma, documento ou instrumento, que possa ter ou desempenhar a mesma função, tenha o mesmo valor e produza os iguais efeitos jurídicos.
Temos assim que só a acta, aprovada na devida forma, “relata” autenticamente o ocorrido na reunião. E quanto a esse relato, os membros do órgão não se podem opor a que nele, nominativamente, sejam citados e dele constem as suas intervenções ou resumos das mesmas – a cujo conteúdo eles, aliás, podem sugerir alterações para melhor o fazerem corresponder ao que entendam ter-se efectivamente passado, a quando do momento da leitura e aprovação da acta, ou mesmo dele dissentir, votando contra a aprovação da acta se aprovada apenas pela maioria, e fazendo declaração de voto.
2.4. A tomada de som (gravação áudio) das reuniões de órgãos colegiais, maxime, no caso que ora importa, de órgão deliberativo autárquico, não se encontra constitucional ou legislativamente prevista, nem em lugar algum a lei aborda essa questão.
Contudo nada parece impedir que a gravação das sessões dos órgãos colegiais, maxime da assembleia municipal, possa ser prevista e disciplinada, designadamente quanto às condições da sua realização e conservação, no respectivo regimento[11].
2.5. Contudo em tal circunstância não deve ser olvidado que da gravação de som passam a constar não apenas o teor das intervenções dos membros da assembleia, e de toda a demais interlocução na pendência da reunião[12], como a indicação dos assuntos e das pessoas que nesses assuntos possam ter interesse e estar em causa, e, bem assim, a indicação/identificação dos cidadãos que intervenham nas reuniões onde haja lugar à intervenção do público, o que pode colidir com matéria atinente à protecção de dados pessoais[13].
2.6. Por via da sua conservação[14], as gravações de som das reuniões, maxime das assembleias municipais, transformam-se ou “constituem-se”, ope legis, em documentos administrativos e, em consequência, livremente acessíveis e acedíveis por qualquer um, em razão do princípio da administração aberta (ou, antes, do princípio do arquivo aberto[15]) e independentemente (da titularidade) de qualquer interesse nesse acesso[16].
Por essa razão, não é legalmente admissível que o órgão cujas reuniões sejam gravadas e conservadas, estabeleça restrições ou denegações ao livre acesso a essas gravações, seja por que motivo seja (designadamente pela sua classificação como outros registos de natureza semelhante a notas pessoais, esboços ou apontamentos de modo a desconsiderá-las como documento administrativo[17]), salvo, naturalmente, pelas razões expressamente previstas na lei: informações que possam por em risco ou causar dano à segurança interna e externa do Estado[18], matérias em segredo de justiça[19], documentos nominativos[20] e segredos comerciais, industriais, ou sobre a vida interna de uma empresa[21].
2.7. Sendo o regimento de um órgão (colegial) da administração um regulamento administrativo ainda que de uma especial natureza, a sua alteração – ou seja, o procedimento formal próprio e determinante da validade substancial da mesma – deve observar o previsto na lei.
Assim qualquer intenção de alteração do regimento da Assembleia Municipal deve constar de proposta nesse sentido, apresentada pela Mesa da Assembleia[22], a apreciar e aprovar pela Assembleia[23], fazendo-se de imediato constar do regimento as alterações nele introduzidas de modo a que possa ser conhecido com a sua nova redacção.
Não parece assim que a utilização da figura (parlamentar e “política”) da moção, vocacionada para constituir tipicamente a forma de manifestação parlamentar de apoio e de rejeição[24] do executivo – e que também existe ao nível da administração local, como seja a moção de censura da Assembleia Municipal à comissão executiva metropolitana ou ao secretariado executivo intermunicipal[25] ou a moção de censura da Assembleia Intermunicipal ao secretariado executivo intermunicipal[26], determinando a sua aprovação a demissão do órgão censurado[27] - possa servir de veículo a intervenções de carácter normativo-regulamentar, designadamente alterações ao regimento.
Aliás não resulta claro (nem se assim foi entendido pela Assembleia) se com a aprovação da moção contendo uma alteração ao regimento, foi este considerado efectivamente alterado – como era proposto na agenda da reunião[28] – ou se este não foi alterado mas doravante e para todos os efeitos as gravações das reuniões da Assembleia Municipal passam a reger-se de acordo com o que nela se diz – o que de todo o modo, num caso e noutro, se afigura pouco curial.
Salvo semper meliori judicio
Ricardo da Veiga Ferrão
(Jurista. Técnico Superior)
[1] Artigo 116.º, n.º 1, da Constituição da República (CRP).
[2] A CRP, ao abordar, no artigo 239.º, os órgãos do poder local, diz serem eles de dois tipos ou dupla natureza, uma assembleia eleita e um órgão executivo, que a lei posteriormente consagra nos artigos 5.º e 6.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro.
Em sentido idêntico, vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4ª edição revista (reimp.), 2014, pág. 113.
[3] Artigo 49, n.º 1, do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, em anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro.
[4] A possibilidade da presença de público nas sessões das assembleias deliberativas pode-se designar, neologísticamente, de “publicalidade”, de modo a diferenciá-la da publicidade das mesmas reuniões ‑ entendendo-se por esta (publicidade) a divulgação da ocorrência ou realização da reunião ou sessão do órgão e do que nele se haja decidido e por aquela (publicalidade) como a qualidade relativa à sessão ou reunião de órgão que pode ser, ou não, assistida ou presenciada por pessoas estranhas ao mesmo (ou seja, presenciada por “público”).
[5] Sob a forma de assistência às reuniões, o artigo 49, n.º 4, do RJAL diz que a nenhum cidadão é permitido intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tomadas. O público é, portanto, considerado mero assistente, no sentido que que pode estar presente, ver e ouvir tudo quanto se debate, mas sendo-lhe vedado ter outra qualquer intervenção.
[6] Quanto aos órgãos executivos autárquicos, as reuniões destes são, por regra, reservadas. Porém, a lei dispõe que deve ser promovida, pelo menos, uma reunião pública mensal (artigo 49, n.º 2, do RJAL), a qual fica sujeita a condicionalismos idênticos aos previstos, nesta matéria, aos das reuniões dos órgãos deliberativos.
Esta mesma reserva constitui igualmente a regra geral quanto ao acesso do público (“publicalidade”) às reuniões dos órgãos da Administração, pois que também elas não são públicas - o que é por dizer que são reservadas aos seus membros – salvo no caso de previsão legal em contrário (artigo 27.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA)).
[7] Artigo 49, n.º 1, do RJAL.
[8] Diz Jorge Pação, Os órgãos colegiais no Novo Código do Procedimento Administrativo, in Carla Amado Gomes, Ana Fernandes Neves, Tiago Serrão (coord.) Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, 2.ª reimp., 2015, pág. 203, que dá-se, deste modo, efetiva aplicação aos princípios da participação e colaboração (…) aquando do funcionamento dos órgãos colegiais, sendo que quanto ao modelo de intervenção adotado, consagra-se a “tripla capacidade interventiva”(…): divulgação, colaboração e esclarecimento, permitindo que o contributo dos assistentes à reunião seja significativo e com efetiva preponderância na formação da vontade do órgão colegial.
[9] É quanto parece resultar da exigência legal de quórum de funcionamento e de deliberação dos órgãos colegiais autárquicos, que se verifica apenas quando neles esteja presente a maioria no número legal dos seus membros [sublinhado nosso] (artigo 54.º, n.º 1, da RJAL). Também o artigo 29.º do CPA acolhe idêntico princípio ao prever que os órgãos colegiais só podem, em regra, deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros com direito a voto (n.º 1) e, em segunda convocatória, desde que esteja presente um terço dos seus membros com direito a voto (n.º 3) [sublinhados nossos].
[10] Diz-se no artigo 37.º do Código Comercial que os livros ou as folhas das actas das sociedades servirão para neles se lançarem as actas das reuniões de sócios, de administradores e dos órgãos sociais, devendo cada uma delas expressar a data em que foi celebrada, os nomes dos participantes ou referência à lista de presenças autenticada pela mesa, os votos emitidos, as deliberações tomadas e tudo o mais que possa servir para fazer conhecer e fundamentar estas, e ser assinada pela mesa, quando a houver, e, não a havendo, pelos participantes.
[11] O facto da gravação das reuniões da assembleia não se encontrar prevista no regimento, mas ser prática corrente, aceite e do conhecimento geral (designadamente entre os membros do órgão), não altera a natureza das gravações nem concede qualquer direito ou prerrogativa aos membros do órgão de poderem dispor sobre o conteúdo ou o destino das mesmas. Na verdade, estas gravações constituem-se como documentos administrativos nos mesmos termos que as demais, estando assim fora do poder de disposição do órgão ou dos seus membros.
[12] Afigura-se que a gravação, enquanto registo sonoro da reunião de um órgão, apenas pode ser efectuada e registar som entre os momentos de abertura e encerramento da reunião, declarados por quem presida à mesma, não podendo ser gravadas conversas ou locuções prévias ou posteriores a esses momentos. Caso o sejam devem ser desgravadas, não relevando e sendo sempre desconsideradas para quaisquer efeitos, designadamente administrativos. No caso das reuniões da assembleia municipal, a gravação abrangerá, portanto, os períodos de antes da ordem do dia (artigo 52.º do RJAL) e da ordem do dia (artigo 53.º do RJAL).
Porém, para que possa ser mantida a integralidade e fidedignidade da gravação – valores maiores da mesma, como de qualquer documento administrativo – nada dela pode ser alterado ou removido (ou seja ser a gravação “retocada”) pois que isso a transforma em documento adulterado ou contrafeito e, por isso, inverídico, ficando assim despido de fé ou capacidade probatória.
[13] Em termos de tratamento de dados, caso tal questão se coloque, é de considerar que os dados recolhidos respeitantes aos membros do órgão deverão ser considerados como “manifestamente tornados públicos” e portanto, contendo uma implícita autorização para o seu tratamento, tanto mais quanto foram os mesmos a autorizar a gravação.
No que toca ao público presente já não se pode considerar que a sua presença na reunião represente uma autorização implícita para eventual tratamento dos dados pessoais que se lhes refiram, pelo que deverá ser necessária uma autorização individual.
O mesmos se diga, e neste caso ainda com mais acuidade, quanto ao tratamento dos dados pessoais das pessoas cujos assuntos venham a ser abordados, discutidos e decididos na reunião, pois que esse facto não significa qualquer autorização. Assim também aqui será necessário, para o efeito, obter o consentimento expresso e inequívoco.
[14] A Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, alterada pelo Decreto-Lei n.º 214‑G/2015, de 2 de Outubro) (LADA), toma por “documento administrativo” qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome (artigo 3.º, n.º 1, al. a) da LADA) [sublinhados nossos], sendo que os órgãos das autarquias locais encontram-se incluídos no seu âmbito de aplicação (artigo 4.º, n.º 1, al. e) da LADA).
[15] O artigo 268.º, n.º 2 da Constituição, de entre os direitos e garantias dos administrados, prevê que os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, princípio ou regra que o artigo 17.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo recebe e concretiza ao afirmar que todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso (…). Prevê-se e regula-se, assim, a informação não procedimental, forma de informação administrativa que está “fora” ou para além da informação (administrativa) relativa ao procedimento administrativo.
[16] É quanto resulta do artigo 5.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, alterada pelo Decreto-Lei n.º 214‑G/2015, de 2 de Outubro (LADA), ao aí dizer-se que todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.
[17] Nos termos da al. a) do n.º 2, do artigo 3.º da LADA, não se consideram documentos administrativos, para efeitos da [LADA] as notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante.
A este respeito, diz-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 4 de Novembro de 2010 (Proc. n.º 6744/10):
A gravação sonora de uma reunião apenas para permitir a elaboração da acta respectiva consubstancia um documento administrativo, por se tratar de um suporte de informação, sob a forma sonora, produzido por uma entidade pública e que está na sua posse.
(…) A circunstância de a gravação sonora apenas se destinar à elaboração da acta, não ficando conservada em arquivo, não põe em causa o seu carácter de documento administrativo. Efectivamente, para que tenha essa qualificação basta que se trate, como sucede no caso em apreço, de um suporte de informação, sob a forma sonora, produzido por uma entidade pública e que esteja na sua posse, sendo irrelevante, para efeitos do disposto no art. 3º., nº 1, al. a), da Lei nº 46/2007, a forma da sua manutenção.
[18] Artigo 6.º, n.º 1, da LADA. O Regime do Segredo do Estado consta da Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto. As regras para classificação de documentos constam da Resolução do Conselho de Ministros n.º 50/88, de 3 de Dezembro.
[19] Artigo 6.º, n.º 2, da LADA.
[20] Artigo 6.º, n.º 5, da LADA.
[21] Artigo 6.º, n.º 6, da LADA.
[22] Artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAL.
[23] Artigo 26.º, n.º 1, al. a), do RJAL.
[24] Assim a moção de confiança (artigo 193.º da Constituição) cuja não aprovação determina a queda do Governo (artigo 195.º, n.º 1, al. e), da Constituição) ou a moção de censura (artigo 193.º da Constituição) cuja aprovação [por maioria absoluta] determina igualmente a queda do Governo (artigo 195.º, n.º 1, al. f), da Constituição).
[25] Artigo 25.º, n.º 5, al. b), do RJAL.
[26] Artigo 84.º, al. f), do RJAL.
[27] Artigo 102.º, n.º1, als. a) e b), do RJAL.
[28] Como consta do ponto 7.º da Ordem de Trabalhos para a reunião da Assembleia Municipal de 26 de Fevereiro de 2016 (por lapso é referido 2015), constante de Edital de 18 de Fevereiro de 2016 subscrito pelo Presidente do órgão.
Solicita o Presidente da Câmara Municipal de …, por seu ofício de …, referência n.º …, a emissão de parecer sobre a seguinte questão:
Na sequência do despacho do Presidente da Câmara Municipal de 02/02/2016 somos a solicitar parecer quanto à seguinte situação:
-Não possui este município cadastro dos caminhos municipais;
-No Município de … têm sido apresentados pedidos de mudança de caminho, localizados no interior dos prédios do requerente, no concelho de …;
-A pretensão destes pedidos é mudar um caminho que se localiza no interior de um determinado prédio, para junto de uma linha de extrema desse mesmo prédio, mantendo-se no interior da mesma propriedade;
-Tais pedidos vêm instruídos com cópia do documento de identificação do requerente, cópia do título de propriedade do prédio onde se localiza o caminho em questão, planta de localização e levantamento topográfico com inclusão do caminho proposto e do caminho a rodear;
-Após a entrega de tal pedido é feita uma apreciação técnica de aceitação do pedido, atenta a sua instrução;
-Posteriormente, através de edital o Município informa a pretensão do munícipe, convidando todas as pessoas que se julguem lesadas a apresentar a respetiva reclamação em determinado prazo;
-Nesta sequência, sempre que não se verificou a apresentação de qualquer reclamação, a Câmara Municipal viabilizou a pretensão do requerente e quando são remetidas reclamações, após confirmação dos fatos alegados pelos reclamantes, a Câmara Municipal tem inviabilizado a pretensão do munícipe no que se refere à mudança de caminho.
Assim, e tendo em consideração a existência de um pedido concreto de mudança de caminho apresentado neste Município que foi alvo de reclamações, cujos fatos alegados foram confirmados pelos serviços, solicita-se a Va Ex" a emissão de parecer quanto ao procedimento a seguir por esta Autarquia, designadamente se deve manter o procedimento até agora seguido, isto é, se deve a Câmara Municipal inviabilizar a pretensão do requerente.
Apreciando
Pretende a Câmara Municipal de …, saber se, perante as reclamações de que foi alvo um pedido de mudança de localização de um caminho apresentado na Câmara Municipal por um particular, no âmbito de um procedimento nela corrente e reiterado, utilizado para mudança de caminhos em propriedades (privadas) dos autores do pedido, e face à confirmação pelos serviços técnicos da Câmara dos factos alegados pelos reclamantes (factos esses que não são, contudo, referidos no pedido de parecer) deve (ou não) inviabilizar a pretensão do requerente.
2.1. O primeiro ponto a ter em consideração antes de se entrar propriamente na análise do assunto proposto prende-se com a necessidade da existência de um registo (cadastro) das estradas e caminhos municipais, não só por via da exigência do POCAL de que as autarquias locais elaborem e mantenham actualizado o inventário de todos os bens, direitos e obrigações constitutivos do seu património[1], como pela incumbência cometida por lei aos presidentes das câmaras municipais de elaborar e manter actualizado o cadastro dos bens móveis e imóveis do município[2], no qual, naturalmente, serão de incluir os bens do domínio público municipal[3]|[4].
Por outro lado a Lei n.º 2110, de 19 de Agosto de 1961, que aprovou o Regulamento da Estradas e Caminhos Municipais[5], diz ser das atribuições das câmaras municipais a construção, conservação, reparação, polícia, cadastro e arborização das estradas e cominhos municipais [sublinhado nosso].
De referir ainda que o Decreto-Lei n.º 42271, de 20 de Maio de 1959 e o Decreto-Lei n.º 45552, de 30 de Janeiro de 1964, contêm os planos das estradas municipais, o primeiro, e dos caminhos municipais, o segundo[6], pelo que constituem ainda uma fonte sobre as vias de comunicação municipais que integram domínio público municipal.
Por seu lado, o PDM de … contém, na alínea g) do n.º 3 do artigo 6.º, o elenco (que se presume ser) de todas as vias presentemente consideradas como estradas e caminhos municipais.
Assim o município peticionante dispõe já de um conjunto de indicações relevantes no que toca ao levantamento das vias municipais.
2.2. Passando agora à questão colocada, há que esclarecer previamente alguns aspectos que com ela se conexionam.
2.2.1. O primeiro deles prende-se com o facto de que uma via de passagem através de terreno (prédio) de particular (ou seja, de um caminho que se encontra sobre ou em terreno privado) não pode, desde logo, ser considerada como um caminho público, porque (ou ainda que) utilizada por várias pessoas.
2.2.1.1. Um caminho privado é, em regra, um caminho cujo solo em que se encontra implantado é propriedade privada e cuja utilização é feita apenas pelo proprietário do terreno (e, portanto, também proprietário do caminho), em seu próprio benefício, ou por terceiros devidamente autorizados.
Contudo, as mais das vezes, esses caminhos apresentam-se como servidões[7] de passagem que são vias destinadas a dar acesso a prédios encravados, que não têm qualquer comunicação directa com a via pública ou a tenham insuficiente, através dos (“sobre” os) prédios rústicos vizinhos, conforme se dispõe no artigo 1550.º do Código Civil – coisa distinta dos “velhos” atravessadouros[8] que, no caso de não poderem ser considerados como servidões (por não se encontrarem estabelecidos em proveito de prédio ou prédios determinados) ou não se dirigindo a ponte ou fonte de manifesta utilidade (caso não existam vias públicas alternativas que propiciem esse acesso) (artigo 1384.º do Código Civil) ou ainda não se encontrando especialmente previstos na lei, mesmo que sendo imemoriais, se consideram abolidos com e desde a entrada em vigor do Código Civil de 1966 (artigo 1383.º do Código Civil), deixando assim de merecer tutela legal enquanto tais.
2.2.1.2. Coisa diferente é um caminho público. À luz de um critério funcional, que se pode ir buscar à definição que deles faz o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 34593, de 11 de Maio de 1945[9], caminhos públicos são as ligações [viárias e/ou pedonais] de interesse secundário e local, sendo subcategorizados em caminhos municipais - os que se destinam a permitir o trânsito automóvel - e caminhos vicinais - os que normalmente se destinam ao trânsito rural – ficando os primeiros a cargo das câmaras municipais e os segundos das juntas de freguesia das circunscrições onde se situem (artigo 7.º, als. b) e c), do Decreto-Lei n.º 34593).
Mas para que um caminho possa ser considerado público o já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 2012 entende que se devem verificar dois requisitos para que se possa dar como provada essa dominialidade pública: o uso directo e imediato pelo público e a imemoralidade daquele uso. Mas, além disso, o mesmo aresto entende ainda como necessário que se verifique uma afectação [do caminho] à utilidade pública, o que deverá consistir no facto do uso do caminho visar a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância. Ou, dito de outro modo, agora pela voz do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7 de Outubro de 2014[10], para que um caminho de uso imemorial se possa considerar integrado no domínio público, [necessário se torna] a sua afectação a utilidade pública, ou seja, que a sua utilização tenha por objecto a satisfação de interesses colectivos de certo grau e relevância, não satisfazendo o assinalado critério a utilização há mais de 30, 40, 50 e mesmo 100 anos, de um caminho, parte em alcatrão e parte em terra batida e pedra, que se limita e limitou a permitir o acesso a diversas fazendas, cujos proprietários para esse efeito o utilizavam, assim denunciando um uso circunscrito e subordinado a interesses de carácter meramente privatístico.
2.2.2. O segundo aspecto a considerar é que havendo conflito a respeito da natureza pública (caminho público) ou privada (servidão de passagem) de um caminho é aos tribunais judiciais (comuns) que cabe decidir essa questão. Neste sentido discorre unanimemente a jurisprudência, citando-se aqui o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Junho de 1942, onde se disse que "os Tribunais comuns são os competentes para decidir sobre a natureza dos caminhos, sobre se são ou não são particulares".
2.2.3. Por fim, o terceiro aspecto a ter em conta é o de que a mudança de local de (um caminho de) servidão é efectuada (só pode ser efectuada) à luz do disposto no direito privado (Código Civil), ou seja, nos termos do artigo 1568.º do Código Civil, sendo que em caso de dissídio entre os titulares do(s) prédio(s) serviente(s) e dominante(s), cabe somente aos tribunais judicias resolvê-lo.
Uma alteração da localização de um caminho de servidão efectuado por modo diverso (diferente procedimento) ou com intervenção decisória de outra entidade que não os proprietários envolvidos (em caso de acordo) ou os tribunais (em caso de conflito) não tem validade jurídica, não tem que ser respeitada pelos titulares dos prédios dominantes ou servientes e pode ser contestada judicialmente – porque, por um lado constitui um acto (jurídico) nulo[11] pois que praticado por entidade despida de atribuição e competência (poder) para essa circunstância e efeito[12] e, por outro, porque esse facto representa uma violação do princípio da divisão ou separação de poderes, pela invasão do âmbito do poder judicial pelo administrativo, configurando uma usurpação de poder[13].
Do exposto resulta que será apenas no que diga respeito a caminhos públicos que se encontram no âmbito da dominialidade, que as entidades administrativas, conquanto detendo competência para o efeito, podem determinar alterações aos mesmos, sendo caso disso, quer desafectando-os do domínio público, quer alterando a sua implantação, quer praticando sobre eles (e a respeito deles) os actos indispensáveis e necessários para a sua conservação bem como para a preservação da sua utilidade funcional (pública).
3.1. O sentido do que se possa dizer a respeito da questão colocada no pedido do parecer depende, em primeira linha, da qualificação que se faça da natureza do caminho descrito no quadro fáctico apresentado pela câmara peticionante, e que, no caso, é assim descrito: no município (…) têm sido apresentados pedidos de mudança de caminho, localizados no interior dos prédios do requerente, no concelho (…); a pretensão destes pedidos é mudar um caminho que se localiza no interior de um determinado prédio, para junto de uma linha de extrema desse mesmo prédio, mantendo-se no interior da mesma propriedade.
Ora, como já vimos em tese geral, se o caminho ora em causa se destinar a dar acesso a prédios encravados, estar-se-á perante um caminho de passagem, uma servidão predial, portanto ainda um caminho privado, cuja disciplina legal se situa no âmbito do direito privado e, consequentemente, em cujo processo de alteração da localização não cabe à camara municipal qualquer poder (jurídico) de intervenção e, menos ainda, de decisão.
3.2. Porém, caso se trate de um caminho público que atravesse a propriedade, a sua tutela cabe à camara municipal, se ele for considerado como caminho municipal, designadamente constando ele do inventário municipal dos bens de domínio público ou sendo referido no PDM ou ainda no já citado Decreto-Lei n.º 45552. Caso se levante diferendo sobre a publicidade[14] do caminho, ele só poderá ser resolvido pela jurisdição comum dos tribunais judiciais.
3.2.1. No caso de se tratar de caminho (público) municipal, caberá à câmara municipal aprovar (tecnicamente) a alteração do seu traçado[15] e propor à assembleia municipal, para aprovação desta, a desafectação do domínio público municipal do traçado do caminho em desuso e a afectação a este do novo traçado do caminho (artigo 25.º, n.º 1, al. q), do RJAL) bem como a aprovação da permuta do solo relativo ao caminho desafecto e o da nova implantação com o(s) proprietário(s) peticionante(s), na hipótese de o seu valor ser superior ao do limiar indicado na al. i) do n.º 1 do artigo 25.º do RJAL (sendo o caso); caso contrário, a competência para essa permuta pertencerá à câmara municipal (artigo 33.º, n.º 1, al. g), do RJAL).
3.2.2. Resta ainda referir a hipótese de se tratar de um caminho vicinal. Como já se viu antes, os caminhos vicinais são os que normalmente se destinam ao trânsito rural e se encontram a cargo das juntas de freguesia dos locais onde se situem (artigo 7.º, als. b) e c), do Decreto-Lei n.º 34593 e n.º 10 do artigo 253.º do Código Administrativo [norma que nada diz se deva entender como revogada]). Porque o Decreto-Lei n.º 34593 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 380/85, de 25 de Setembro (2º Plano Rodoviário Nacional) e, como se diz no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 20 de Novembro de 2014[16], porque a matéria dos caminhos vicinais se encontrava omissa no diploma revogatório, por despacho de 4-2-2002 do então Secretário de Estado da Administração Local foi entendido o seguinte:
Apesar de o Decreto-Lei nº 34593, de 11 de Maio de 1945 (cujo artigo 6º classificava os caminhos públicos em municipais e vicinais) ter sido expressamente revogado pelo D.L. nº 380/85, de 29/9, que aprovou o Plano Rodoviário Nacional (e que foi por sua vez revogado pelo D.L. nº 222/98, de 17 de Julho), resulta da aplicação do Decreto-Lei nº 42271, de 31 de Maio de 1959 (o “plano das estradas municipais”) e do Decreto-Lei nº 45552, de 30 de Janeiro de 1964 (o “plano das estradas municipais”), e através de um argumento "a contrario sensu", que deverão ser considerados vicinais, e portanto sob jurisdição das respetivas Juntas de Freguesia, todos os caminhos públicos que não forem classificados como municipais.
Temos assim, portanto, tal como se sustenta nesse acórdão, ainda que relativamente a uma situação ocorrida em 1993, mas que nem o decurso do tempo nem as posteriores alterações legislativas tornaram desactual, a actividade de administrar, dispor e desafetar (por motivos de interesse público) os caminhos públicos vicinais (…) [cabe] às freguesias e não aos municípios – pelo que qualquer alteração que a eles se refira, como aquele que ora está em causa, deverá correr seus termos não na câmara municipal mas sim na junta de freguesia e respectiva assembleia.
Concluindo
A resposta sobre a questão colocada depende, assim, da verificação, no caso, de uma de várias hipóteses:
Salvo semper meliori judicio
Ricardo da Veiga Ferrão
(Jurista. Técnico Superior)
[1] Diz-se no Manual de Apoio Técnico à Aplicação do POCAL – Regime completo, CEFA, 2006, pág. 23: Segundo se dispõe no ponto 2.8.1. do POCAL, o inventário de uma autarquia local é composto por todos os bens, direitos e obrigações constitutivos do seu património. Entende-se- por bens os seguintes elementos patrimoniais: (…) Imobilizações (…) bens do domínio público geridos ou administrados pela autarquia local.
Mais se diz na mesma obra que em termos de inventário, o POCAL, no seu ponto 2.8.1., obriga a elaborar e a actualizar o inventário de todos os bens com base em fichas, não excluindo os do domínio público. Relativamente a estes últimos, compete à autarquia local responsável pela sua administração e ou controlo, a respectiva inventariação, estejam ou não os mesmos afectos à sua actividade operacional. (…) na elaboração do inventário e respectiva avaliação, as regras são as mesmas, independentemente de se tratarem de bens do domínio público ou privado (pág. 33). Prossegue ainda obra que se vem de citar: (…) pertencem ao domínio de circulação das autarquias locais as estradas municipais, os caminhos municipais e os caminhos vicinais (ruas, praças, jardins e respectivas obras de arte), existentes em áreas e espaços de que cada autarquia seja proprietária (pág. 35).
[2] Artigo 35, n.º 1, do Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), aprovado, como seu anexo, pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro.
[3] Ainda que o dever de (o que é por dizer a competência para a) elaboração e constante actualização do cadastro dos bens móveis e imóveis do município esteja cometido ao presidente da câmara, a administração do domínio público municipal cabe à câmara municipal (artigo 33, n.º 1, al. qq), do RJAL), competência que pode, porém, ser delegada no presidente da câmara (artigo 34.º, n.º 1, do RJAL). Contudo, o poder de administração do domínio público municipal não engloba o poder de afectação e desafectação dos bens que o integram, o qual cabe apenas à assembleia municipal, mediante proposta da câmara municipal (artigo 25.º, n.º 1, al. q), do RJAL).
[4] Tal inventariação, para além das finalidades que lhe são próprias, permite, quando conjugada com o cadastro dos caminhos vicinais (das freguesias), definir com clareza a natureza, publica ou privada, de todos os caminhos e vias de circulação no espaço municipal.
[5] A Lei n.º 2110 foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 360/77, de 1 de Setembro.
[6] Estes diplomas não obstante a sua antiguidade, não podem deixar de se considerar ainda em vigor, já que, até ao momento, não chegou a ser (ainda) editado o diploma, previsto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 222/98, de 17 de Julho (alterado pela Lei n.º 98/99, de 26 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.º 182/2003, de 16 de Agosto)[6], que regulamentaria, de modo específico, as estradas municipais.
[7] Servidão predial é, nos termos do artigo 1543.º do Código Civil, o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.
[8] Na definição dada pelo Acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra de 12 de Janeiro de 2010 (Proc. 2963/05.0TBPBL.C1), atravessadouros são caminhos de passagem de pessoas implantados em prédios de particulares que não constituem servidões ou caminhos públicos. O acórdão é acedível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/0147a7f57520b135802576c00036ac3b?OpenDocument.
Os atravessadouros são também comummente conhecidos nas zonas rurais por atalhos e têm como finalidade fazer apenas a ligação entre caminhos públicos, por prédios particulares, com vista ao encurtamento de distâncias, para maior comodidade dos utilizadores (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 2012 [Proc. 295/04.OTBOFR.C1.S1], acedível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/41bd885fbd3286b4802579ab004dea72?OpenDocument).
[9] Este diploma [entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 380/85, de 26 de Setembro [(2.º plano rodoviário nacional]), aprovou o primeiro plano rodoviário, efectuado a classificação das estradas nacionais e municipais e dos caminhos públicos e fixação das respectivas características técnicas.
[10] Acedível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/793266547c54ada580257d740038787d?OpenDocument
[11] Artigo 161.º, n.º 2, al. a), do Código do Procedimento Administrativo. Por ser nulo o acto não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade (artigo 162.º, n.º 1, do CPA), nulidade essa que pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado, ser conhecida por qualquer autoridade e declarada pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos administrativos competentes (artigo 162.º, n.º 2, do CPA).
[12] Isso continuará a ser assim ainda que os proprietários envolvidos acatem o que for decidido. Só que neste caso não é essa decisão que, verdadeiramente, se torna juridicamente relevante e eficaz mas sim (e unicamente) o acordo em que se colocam os proprietários (ainda que propiciado ou induzido por essa decisão juridicamente inexistente) bem como o seu posterior comportamento de aceitação dessa alteração.
[13] Diz Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2ª edição, 2011, pág. 423, que a “usurpação de poder” é o vício que consiste na prática por um órgão administrativo de um acto incluído nas atribuições do poder legislativo, do poder moderador ou do poder judicial, e portanto excluído das atribuições do poder executivo.
[14] Ou, diremos nós, publicalidade, pretendendo significar com este neologismo a qualidade ou natureza do caminho de, quanto a ele, ser (juridicamente) permitido o livre acesso e trânsito de todos, ou seja, um acesso público irrestrito e incondicionado.
[15] Cabe à câmara municipal analisar e aprovar tecnicamente a alteração da implantação (localização) do caminho não só porque é da sua competência administrar o domínio público municipal (artigo 33.º, n.º 1, al. qq), do RJAL), como lhe cabe também criar, construir e gerir (…) redes de circulação (…) integrados nom património do município ou colocados, por lei, sob administração municipal (artigo 33.º, n.º 1, al. ee), do RJAL).
[16] Acedível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/b039b585f925633480257d9c004291d3?OpenDocument
Solicita a Presidente da Câmara Municipal de …, por seu ofício de …, referência n.º …, a emissão de parecer sobre a seguinte questão:
Na sequência de um trabalho que se encontra a ser desenvolvido no Município, com o intuito de proceder à regularização das dívidas de terceiros (clientes, contribuintes, utentes e outros devedores) registada nas demonstrações financeiras, constata-se o seguinte:
L Que existe uma relação de dívidas que datam entre os anos 80 e 2001, portanto antes da entrada em vigor do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais, e entre 2002 e 2007, para as quais não existe qualquer documento de suporte contabilístico (legal) ou, os documentos existentes, mais concretamente no caso das dívidas de água, não são fidedignos, por não se saber com precisão, se aquelas dívidas se mantém em dívida ou se já se encontram pagas.
As dívidas até 2001 foram registadas a 01/01|2002 (no balanço inicial do Município), através de uma listagem de devedores que existia no Serviço de Contabilidade. Entre 2002 e 2007, ocorreu um período transitório, em que alguns serviços, não emitiam a correspondente nota de despesa/fatura ou documento equivalente, principalmente das prestações de serviço efetuadas (o valor era solicitado através do envio de um mero ofício). Em suma, verifica-se o seguinte:
- Conforme já referido, não existe documento legal para aquelas dívidas, a acrescer o facto de apenas se conhecer a descrição que consta no quadro anexo, não se tem mais informação sobre o assunto, designadamente as datas concretas, o tipo de serviço prestado ou o local da sua prestação. De alguns devedores desconhece-se também a morada e respetivo número de contribuinte.
- Relativamente às dívidas de águas, o controlo atualmente é efetuado na contabilidade que tem o seu valor global, que é coincidente com o valor em dívida registado no Serviço Administrativo de Águas, que detém a informação, utilizador a utilizador (e por fatura), desse mesmo valor. Até 2007, esse trabalho de articulação não era devidamente concretizado, até porque, para além do Serviço Administrativo de Águas, existiam outros agentes de cobrança (o tesoureiro, após os recibos lhe serem debitados, o leitor-cobrador e o trabalhador responsável pelas execuções fiscais), o que originou a que existisse um valor global na contabilidade, que não se consegue aferir com precisão e fidedignidade a quem respeitam, apesar de existirem várias faturas/recibos (não se consegue aferir se e quais se encontram pagos).
- Por fim acresce ainda que, alguns destes devedores são empresas/entidades que já não se encontram em atividade e particulares que já faleceram.
Face ao exposto, e emitido parecer jurídico (interno), o assunto destas dívidas foi remetido ao Executivo Municipal, para efeitos de anulação, por prescrição, com base no seguinte: "... concluir-se que deve o Município anular as dívidas registados antes de 2007 em matéria de serviços prestados pela autarquia, nomeadamente, serviços de limpeza de fossos sépticas, ligações de esgotos, serviços de águas e resíduos, utilização de espaços públicos e diversas prestações de serviços, conforme listagem contabilística, (...), pelo facto dos dívidas por taxas as autarquias locais prescreverem no prozo de 8 anos a contar da dato em que o facto tributário ocorreu, nos termos do disposto no nº 1, do artigo 15º do RGTAL, aprovado pela Lei n.º 53-E/2006[m] de 29 de [De]zembro, e bem assim, nos termos do disposto do nº 7, do artigo 48º da LGT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/99, de 17 de dezembro." (conclusão do parecer jurídico presente na reunião do Executivo).
Os membros do Executivo deliberaram favoravelmente pela anulação das dívidas em questão, considerando o constante no parecer jurídico. No entanto, e apesar do sentido do parecer, persistem dúvidas sobre a regularidade da deliberação tomada.
Face ao exposto, solicita-se que V/ Ex.ª se digne pronunciar sobre se o procedimento tomado e descrito no ponto 1 foi o devido, e qual se deve tomar na situação descrita no ponto 2.
A acompanhar o ofício, um mapa intitulado “dívidas de terceiros entre os anos 80 e 2001” elencando um conjunto de dívidas ao município de diversa tipologia, distribuídas por um período temporal que iniciando-se em 1983 atinge, afinal, o ano de 2008, sendo que, como nela se ressalva, algumas dessas dívidas (caso das referentes a “prestação de serviços da ex serração”), ainda que registadas no decurso desse lapso temporal (2001), tiveram origem em momento bem anterior, sendo afirmado ter ocorrido “até ao início dos anos 80, data em que foi encerrada a serração que prestava estes serviços”.
Apreciando
Pretende, assim, a Câmara Municipal de …, saber, por um lado, se um conjunto de dívidas ao município, remontando, retrospectivamente, a um período compreendido entre 2007 (alegadamente, 31/12/2007) e mais de três dezenas de anos antes, para além de muitas delas não se encontrarem devida, suficiente ou validamente tituladas e terem sofrido diversas vicissitudes contabilísticas, se podem/devem considerar (ou não) prescritas, e por outro, o que fazer quanto a dívidas mais recentes, em relação às quais o Município [se] depara(…) com a dificuldade em notificar alguns devedores, ou porque a morada detida pelos serviços municipais já não [é] (…) a morada atual ou [por] os mesmos já [terem falecido] (…), ocorrendo ainda situações em que o valor da dívida é reduzido, e a simples tentativa de cobrança (por exemplo um ofício registado) acarreta um custo/encargo que muitas vezes quase totaliza o valor da divida (ou é mesmo superior).
2.1. O pedido de parecer ora em causa, no qual são postas as apontadas questões, remonta à reunião da Câmara Municipal que teve lugar em 29 de Dezembro de 2015, reunião essa na qual foi abordada a situação de um conjunto de dívidas de terceiros à edilidade e dos procedimentos a tomar quanto a elas. Para melhor clareza, socorremo-nos de alguns trechos do consignado, a este respeito, na acta da referida reunião[1].
Assim, refere-se nessa acta que foi elaborada pelos Serviços Financeiros da Câmara uma listagem das dívidas de clientes, contribuintes, utentes e outros devedores, registada na contabilidade do Município de …, à data de 09.11.2015, e que, após (…) um levantamento exaustivo das mesmas e considerando tanto a sua tipologia como a data da dívida, foi definido o tipo de intervenção a realizar(…).
De entre as dívidas identificadas, encontram-se as [b)] dívidas, das quais não existem documentos contabilísticos de suporte, por se tratarem de dívidas registadas até 2007 e, no caso das dívidas relacionadas com os serviços de águas e resíduos, que estão registadas como debitadas ao tesoureiro e sem documentação fidedigna de suporte (procedimento que deixou de existir a partir do ano de 2008); (…)
(…) o que está em causa (…) são as dívidas antes referidas, enquadras na alínea b), que totalizam o valor de 26.503,21 €. (…) as dívidas em questão respeitam ao período entre 1990 e 2007, sendo que cerca de metade deste valor respeita a dívidas anteriores a 2002 (antes da entrada em vigor do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais – POCAL -, que passou a exigir um tratamento completamente diferente relativamente às dívidas de terceiros).
(…) as mesmas não têm documento contabilístico de suporte, ou então, e no caso concreto das dívidas referentes à prestação dos serviços de águas e recolha de resíduos urbanos, a documentação não é fidedigna, uma vez que até àquela data (2007), com o procedimento em vigor relativamente a essas dívidas, não se consegue aferir com a confiança necessária se aquele valor se mantém ou não em dívida.
Face ao exposto, e ainda porque são dívidas já bastante antigas, algumas de entidades/pessoas já não existem ou faleceram, (…) foi solicitado que o consultor jurídico, Dr. …, se pronunciasse sobre o assunto, tendo sido emitido o parecer que consta em anexo à informação mencionada em epígrafe, e que propõe a anulação das dívidas por prescrição.
O município deliberou então, unanimemente, no sentido de anular as dívidas (receitas virtuais) registas antes de 2007 em matéria de serviços prestados pela autarquia, nomeadamente, serviços de limpeza de fossas sépticas, ligações de esgotos, serviços de água e resíduos, utilização de espaços públicos e diversas prestações de serviços, conforme listagem contabilística, datada de 09.11.2015, pelo facto de as dívidas por taxas às autarquias locais prescreverem no prazo de 8 anos a contar da data em que o facto tributário ocorreu, nos termos do disposto do nº 1, do artigo 15º da RGTAL, aprovado pela Lei 53-E/2006, de 29 de Dezembro, e bem assim, nos termos do disposto do nº 1 do artigo 48º da LGT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/99, de 17 de Dezembro”., sem prejuízo que sejam solicitados pareceres jurídicos a outras entidades como o Tribunal de Contas e CCDRC e que sejam esgotadas todas as tentativas de cobrança de dívidas junto das entidades/pessoas a quem ainda é possível fazer essa.
2.2. Temos assim que neste momento e relativamente ao questionado destino das dívidas em apreço, o município já tomou a devida e competente decisão – como aliás é claramente referido no ofício da Câmara - fundado em parecer jurídico (do qual, aliás, se desconhece o concreto teor) pelo que a um qualquer outro parecer jurídico posterior fenece uma evidente e útil relevância, a menos que ele se limite a coonestar o sustentado no parecer fundante da decisão.
2.3. Deste modo, e ainda que a primeira questão colocada já se encontre juridicamente tratada e administrativamente decidida de modo definitivo, sempre se dirá o seguinte.
Tomando em conta a descrição resumida das dívidas em causa e do elenco que delas é feito na lista anexa ao ofício, sempre se dirá da sua natureza que as mesmas ou são (substancialmente) qualificadas como (verdadeiras) taxas ou então, como tarifas e/ou preços. E a este respeito diz António Malheiro de Magalhães[2] (à luz da já revogada Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro): tanto as «taxas», como os «preços», ora identificados como receitas municipais, respectivamente, nos artigos 15.º e 16.º da Lei das Finanças Locais[3], continuam a integrar o conceito de «taxa lato sensu», enquanto «preços autoritariamente fixados pela prestação de bens semi-públicos», e, como tal, assim devem ser concebidos em sede de aplicação da Lei Geral Tributária, mais propriamente do seu artigo 4.º.
Temos portanto que seja qual for a qualificação tipológica das receitas camarária constantes da referida lista, elas terão sempre de natureza tributária e, portanto, ficarão sujeitas às normas tributárias que especificamente se lhes aplicam. É pois por isso que tanto as «taxas» (…), como os «preços» (…) gozam e partilham da mesma natureza e regimes jurídicos para efeitos de aplicação do Regime Geral da Taxas das Autarquias Locais, da Lei Geral Tributária, bem como do Código do Procedimento e Processo Tributário, pese embora, no que concerne a tal regime jurídico-legal, não sejam de descurar alguma particularidades respeitantes à titularidade e exercício das competências dos órgãos autárquicos nesta matéria (…)[4].
Ora no que toca à possibilidade de cobrança destas dívidas sempre se dirá o seguinte:
Em primeiro lugar, não só os tributos (só) podem ser liquidados e cobrados a uma entidade determinada ou determinável (e identificável) à qual haja sido fornecido o (ou beneficiado do) bem cuja disponibilização e acesso está condicionado à aplicação de uma taxa (ou tarifa) - o sujeito passivo do tributo –, como o documento de liquidação e cobrança dessa taxa deve conter todos os demais elementos identificativos quer do sujeito passivo quer da obrigação tributária em questão, necessários e exigíveis para o efeito, em especial todos aqueles que concorrem para a identificação precisa quer do sujeito quer do local onde ocorre o “facto tributário”, ou seja, a prestação do bem, bem como o cálculo do montante total da taxa a pagar além dos respectivos fundamentos legais e/ou regulamentares (fundamentação).
Ora, se a Câmara Municipal desconhece ou não consegue determinar, com meridiana certeza, quem são os sujeitos passivos da relação tributária, ou seja, os beneficiários das prestações ou dos serviços cujo fornecimento municipal deu origem aos montantes ora em dívida, porque destes apenas existe um registo financeiro, não nominativo, inexistindo ou desconhecendo-se o respectivo documento de cobrança, verifica-se, então, uma impossibilidade material de proceder à cobrança e/ou execução dessas dívidas[5], pois que estas não podem correr contra incertos. Na verdade, dispõe o CPPT que, entre outros, são requisitos essenciais dos títulos executivos (…) o nome e domicílio do ou dos devedores (bem como a natureza e proveniência da dívida e indicação do seu montante)[6].
Por outro lado, se de entre os montantes em dívida (de que se desconhece a exacta tipologia ou natureza) se encontrarem alguns relativos à prestação de serviços públicos essenciais elencados no artigo 1.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho[7], então relativamente às dívidas que a eles respeitem deve considerar-se aplicável a prescrição de seis meses após a sua prestação, prevista no n.º 1 do artigo 10.º da mesma Lei.
Resta considerar, concordando com o sustentado no parecer jurídico que baseou a deliberação camarária, que às dívidas em apreço é aplicável o prazo de prescrição geral das dívidas tributárias que é de oito anos (artigo 48.º, n.º 1, da LGT).
Há finalmente que referir ainda um aspecto que no caso se afigura relevante. Em matéria de prescrição, a regra geral (civil) é a de que a prescrição carece sempre de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por quem dela beneficia, para que dela possa aproveitar, não podendo, sequer, ser suprida ex officio pelo tribunal (artigo 303.º do Código Civil).
Ora, se esta fosse a única regra na matéria, também aplicável às dívidas fiscais, então seria duvidoso, para não dizer inadmissível, que o ente público a quem incumbe a cobrança das taxas (ou tarifas) em dívida, verificasse a sua prescrição e as declarasse prescritas ex officio, sem que, para o efeito, os sujeitos passivos devedores a tivessem devidamente invocado para dela poderem vir a aproveitar. Tal significaria, no caso, que a câmara municipal teria sempre que demandar os devedores para pagamento (sendo isso possível) para que então fosse por eles invocada a prescrição (caso assim o entendessem, pois sempre poderiam saldar a dívida) e a mesma pudesse então ser considerada como verificada pela câmara.
Contudo, em matéria fiscal, o conhecimento e declaração da prescrição de dívidas tributárias reveste natureza oficiosa, quer judicial, pelo juiz, quer administrativamente, pela entidade a quem caiba a execução da dívida (artigo 175.º do CPPT). Assim pode a câmara municipal, legitimamente, verificar e declarar prescritas as dívidas relativamente às quais ela se verifique, de acordo com as prescrições e prazos legais aplicáveis.
2.3. Relativamente à segunda das questões colocadas - o que fazer quanto a dívidas mais recentes, em relação às quais o Município [se] depara(…) com a dificuldade em notificar alguns devedores, ou porque a morada detida pelos serviços municipais já não [é] (…) a morada atual ou [por] os mesmos já [terem falecido] (…), ocorrendo ainda situações em que o valor da dívida é reduzido, e a simples tentativa de cobrança (por exemplo um ofício registado) acarreta um custo/encargo que muitas vezes quase totaliza o valor da divida (ou é mesmo superior) – merece diferentes respostas consoante as diferentes hipóteses colocadas.
Em primeiro lugar sempre haverá sempre que verificar se relativamente às dívidas em questão não se encontra decorrido o respetivo prazo prescricional - que pode ser um prazo especial - caso em que elas devem ser declaradas prescritas.
Outro aspecto a ter em conta é verificar se os elementos em posse da autarquia são, relativamente a cada dívida e devedor, os exigidos na lei para que possa haver lugar à cobrança coerciva da dívida. Como vimos antes, para que um documento possa ser considerado um título executivo (tributário) é necessário que dele conste o nome e o domicilio do ou dos devedores, bem como a natureza e proveniência da dívida e indicação do seu montante[8]. Porém o facto de a câmara municipal ter nos seus registos apenas a morada antiga do devedor, tal não significa que fique impossibilitada de averiguar (oficialmente) qual a morada actual do devedor - maxime se for dentro do concelho – a fim de para aí passar a dirigir os contactos e as notificações a que haja lugar.
Por outro lado o falecimento de devedor na pendência da execução fiscal ou antes desta não impede que a mesma prossiga contra a herança ou seja instaurada contra os seus sucessores ou herdeiros, nos termos dos artigo 153.º a 155.º do CPPT.
Por fim, há que referir que as obrigações fiscais são de natureza indisponível e irrenunciável, o que quer dizer que ao credor não cabem, em princípio, quaisquer poderes para conceder moratórias, admitir o pagamento em prestações ou conceder o perdão da dívida[9]. É quanto resulta do disposto no n.º 2 do artigo 30.º da LGT[10] e do n.º 3 do artigo 85.º do CPPT[11].
Temos assim que em matéria de cobrança dos créditos fiscais do Estado, onde se inclui a administração local, a menos que tal seja previsto na lei, não podem as entidades públicas credoras eximir-se à cobrança de todos os créditos de que sejam titulares, perdoando dívidas, devendo-se socorrer para o efeito de todos os meios que a lei põe à sua disposição.
Não pode assim um órgão da administração, sem sustento legal e por seu livre alvedrio, entender que cobra ou não cobra (perdoa) determinada dívida, porque considera que isso “dá prejuízo”.
É certo que relativamente a alguns impostos se encontra previsto nos respectivos códigos a possibilidade de não haver lugar à sua cobrança quando o montante de imposto apurado em liquidação, ainda que adicional, seja inferior a determinado valor[12].
Também em matéria de reposição de dinheiros públicos indevidamente abonados, a lei estabelece a regra de que não haverá lugar ao processamento da reposição quando esta seja um valor inferior ao fixado (anualmente) no decreto-lei de execução orçamental[13].
Não há, porém, nenhuma regra legal, de âmbito geral, que defina um (qualquer) valor abaixo do qual poderá não haver lugar à cobrança coerciva de dívidas ao Estado, maxime, de dívidas tributárias, o qual se possa dizer ser igualmente aplicável às taxas das autarquias locais – como também não há regra específica, aplicável unicamente às taxas autárquicas.
Porém, ainda que algumas dívidas sejam de montante tão baixo que se afigure falho de lógica e economicidade tentar proceder à sua cobrança, designadamente por meios coercivos, pois que os custos envolvidos em tais procedimentos, v .g. em contactos e correspondência, ultrapassam em muito o valor que venha a ser obtido, certo é, porém, que as obrigações fiscais são de natureza indisponível e irrenunciável, não havendo previsão legal de qualquer limiar abaixo do qual seja dispensada essa sua cobrança, maxime por meios coercivos.
De referir, porém, que o atraso no pagamento de dívidas fiscais (seja, o incumprimento dos prazos de pagamento das dividas) dá lugar à aplicação de juros de mora, nos termos do disposto no artigo 44.º da LGT.
Concluindo
I - Quanto à primeira questão:
II - Quanto à segunda questão:
Salvo semper meliori judicio
Ricardo da Veiga Ferrão
(Jurista. Técnico Superior)
[1] Acedível em http://www.cm-gois.pt/files/6295.pdf. Último acesso em 15/2/2015.
[2] António Malheiro de Magalhães, O Regime Jurídico dos Preços Municipais, 2012, pág. 41.
[3] Aos referidos artigos 15.º e 16.º da já revogada Lei da Finanças Locais correspondem actualmente os artigos 20.º e 21.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais (RFAL), aprovado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro.
O artigo 21.º do novo RFAL “regressou”, contudo à utilização da designação “tarifa”, relativamente aos preços de um conjunto de bens semi-públicos, disponibilizados pelas Câmaras Municipais, a maioria deles com a natureza de serviços públicos essenciais, à luz da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho.
[4] António Malheiro de Magalhães, O Regime… cit., pág. 45.
[5] Aliás desta alegada inexistência (ou indeterminabilidade da existência) de um documento de cobrança válido que não permite ter certezas quanto à eficaz notificação da taxa/tarifa em dívida ao respectivo sujeito passivo/devedor, pode resultar, no limite, poder ser considerada verificada a caducidade do direito à liquidação e cobrança da dívida por falta de notificação válida no prazo (legal) de quatro anos a contar do facto tributário (fornecimento) (artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/99, de 17 de Dezembro, e alterada pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho, Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, Decreto-Lei n.º 229/2002, de 31 de Outubro, Decreto-Lei n.º 320-A/2002, de 30 de Dezembro, Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 160/2003, de 19 de Julho, Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto, Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 238/2006, de 20 de Dezembro, Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, Lei n.º 19/2008, de 21 de Abril, Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Lei n.º 37/2010, de 2 de Setembro, Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março, Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 32/2012, de 13 de Fevereiro, Lei n.º 20/2012, de 14 de Maio, Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, DL n.º 6/2013, de 17 de Janeiro, Decreto-Lei n.º 71/2013, de 30 de Maio, Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho, Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, e Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro).
[6] Artigo 163.º, n.º 1, al. d), do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, aperado pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho, Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, Decreto-Lei n.º 160/2003, de 19 de Julho, Lei n.º 55‑B/2004, de 30 de Dezembro, Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, Decreto-Lei n.º 238/2006, de 20 de Dezembro, Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, Lei n.º 40/2008, de 11 de Agosto, Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Lei n.º 55‑A/2010, de 31 de Dezembro, Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 6/2013, de 17 de Janeiro, Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, Lei n.º 82‑B/2014, de 31 de Dezembro, e Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro.
[7] Designadamente fornecimento de água e recolha e tratamento de águas residuais - artigo 1.º, n.º 2, als. a) e f), da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho.
[8] Vd. nota 6, supra.
[9] Cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6.ª edição, 2010, pag. 249 (edição acedida. A edição mais recente é a 8ª edição, de 2015).
[10] O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.
[11] A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária.
[12] Relativamente a alguns impostos, é previsto nos respectivos códigos (mas de forma independente entre eles) um montante abaixo do qual o Fisco deixa de estar obrigado a cobrar o imposto.
Assim no caso do IRS (artigo 95º do CIRS), IRC (artigo 111º do CIRC) e IVA (artigo 94º, nº 4 do CIVA), não haverá lugar à cobrança de imposto quando, em virtude da existência de uma liquidação de imposto, mesmo que adicional (ou de reforma ou revogação da liquidação) caso a importância a cobrar seja inferior a 25 €.
Já quanto ao IMI, mantendo-se a regra, o valor é diferente: 10 € (artigo 113º, nº 6 do CIMI). Porém, a lei tem aqui uma formulação assás curiosa (para não dizer errática) ao dizer que não há lugar a qualquer liquidação sempre que o montante do imposto a cobrar seja inferior a 10 €. Ora, de acordo com os cânones, só se conhece o imposto a cobrar depois de efectuada a sua prévia liquidação.
Por fim, no caso do IMT, não há lugar ao seu pagamento sempre que o montante de imposto liquidado seja inferior a 10 € por cada documento de cobrança, passando esse limite a 25 € quando se trate de liquidação adicional (artigo 32º do CIMT).
Do exposto resulta que para além de não existir uma uniformidade relativamente ao valor do limiar de não cobrança, apesar da tendência para o valor de 25 €, tais regras valem apenas para o respectivo imposto.
[13] Artigo 37.º do Regime da Administração Financeira do Estado, Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, alterado pelos Decreto-Lei n.º 275-A/93, de 9 de Agosto, Decreto-Lei n.º 113/95, de 25 de Maio, Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março, Decreto-Lei n.º 190/96, de 9 de Outubro, Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro e pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.
Dispõe este artigo que não haverá lugar ao processamento de reposições quando o total das quantias que devam reentrar nos cofres do Estado, relativamente a cada reposição, seja inferior a um montante a estabelecer no decreto-lei de execução orçamental. A norma do decreto-lei de execução orçamental para 2015 (artigo 25.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 36/2015, de 9 de Março) que estabelece esse limite, dispõe que (…) o montante mínimo de reposição nos cofres do Estado a apurar em conta corrente e por acumulação para o ano de 2015 é de € 20 (…).
Tendo presente o conteúdo do fax do Presidente da Câmara Municipal de ..., ref. 94/2015, e informação a ele anexa, recebido a 17 de Dezembro corrente, cumpre informar, a respeito de quanto nele é solicitado, que a avaliação da necessidade de inscrição em Ordem profissional de técnico superior camarário por via do exercício de funções na edilidade1, depende do conteúdo das funções para as quais se encontra contratado ou efectivamente exerce ou seja, dos elementos constantes das várias alíneas do n.º 2 do artigo 29.º da LTFP2, que caracterizam o posto de trabalho por ele ocupado no mapa de pessoal da câmara municipal, em especial da atribuição, competência ou atividade que o seu ocupante se destina a cumprir ou a executar, da área de formação académica ou profissional de que o seu ocupante deva ser titular e do perfil de competências transversais da respetiva carreira ou categoria, (…) e complementado com as competências associadas à especificidade do posto de trabalho3.
A este respeito cabe referir que a LTFP prevê que o exercício de funções públicas pode ser condicionado à titularidade de (…) título profissional, nos termos definidos nas normas reguladoras das carreiras4.
Portanto, e em primeira linha, é perante as concretas funções desempenhadas pelo técnico superior na edilidade, enquanto trabalhador em funções públicas contratado para ocupar um determinado posto de trabalho no mapa de pessoal ao qual correspondem determinadas atribuições, competências ou actividades, que se pode fazer a aferição da necessidade de inscrição, ou não, na ordem profissional do respectivo mester.
Por outro lado, certo é que o novo regime jurídico de criação organização e funcionamento das associações públicas profissionais5, parece querer ir além da regulação do exercício de profissões em regime (de actividade) liberal6 e cometer às ordens e câmaras profissionais a regulação do acesso e do exercício da profissão7 bem como a concessão, em exclusivo, dos títulos profissionais das profissões que representam8, quer a respectiva actividade seja desenvolvida em regime de profissão liberal, quer seja prestada como trabalhador por contra de outrem, no sector privado ou público, ou como sócio de sociedade de profissionais ou outra, podendo mesmo ser estendida a todos os profissionais a obrigatoriedade de inscrição na respectiva ordem desde que a lei (ou seja, os estatutos de cada ordem profissional) assim o venha a determinar9.
Será portanto face à atribuição, competência ou atividade que o (…) ocupante de determinado lugar do mapa de pessoal de uma autarquia local se destina a cumprir ou a executar e do que se dispõe nos Estatutos de cada ordem profissional e das regras e exigências neles estabelecidas quanto à inscrição dos profissionais da arte que melhor se poderá aferir da indispensabilidade de inscrição na respectiva ordem de todos, ou apenas certos profissionais, bem como das situações profissionais em tal haja de ocorrer, designadamente para efeitos de se considerar a inscrição nessa agremiação como condição indispensável para o exercício legítimo da respectiva profissão ou actividade – considerando especialmente, como é o caso, a circunstância desse exercício profissional se efectuar no âmbito da administração pública autárquica, em regime de trabalho dependente – pois que a necessidade de inscrição poderá ser dependente do concreto exercício de (apenas) determinadas funções ou actividades e não generalizada por via do “título” concedido por regra “social” ou de “cortesia” a determinado agente que possua certas habilitações académicas.
Relativamente às Ordens Profissionais indicadas na informação anexa ao fax supra referido, encontram-se nos respectivos Estatutos as seguintes disposições:
a) ADVOGADOS
Estatuto da Ordem dos Advogados10
Artigo 66.º
Exercício da advocacia em território nacional
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 205.º, só os advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem, em todo o território nacional, praticar atos próprios da advocacia, nos termos definidos na Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto.
Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto - Actos próprios dos advogados e dos solicitadores
Artigo 1.º
Actos próprios dos advogados e dos solicitadores
1 - Apenas os licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados e os solicitadores inscritos na Câmara dos Solicitadores podem praticar os actos próprios dos advogados e dos solicitadores.
(…)
5 - Sem prejuízo do disposto nas leis de processo, são actos próprios dos advogados e dos solicitadores:
a) O exercício do mandato forense;
b) A consulta jurídica.
6 - São ainda actos próprios dos advogados e dos solicitadores os seguintes:
a) A elaboração de contratos e a prática dos actos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto de conservatórias e cartórios notariais;
b) A negociação tendente à cobrança de créditos;
c) O exercício do mandato no âmbito de reclamação ou impugnação de actos administrativos ou tributários.
7 - Consideram-se actos próprios dos advogados e dos solicitadores os actos que, nos termos dos números anteriores, forem exercidos no interesse de terceiros e no âmbito de actividade profissional, sem prejuízo das competências próprias atribuídas às demais profissões ou actividades cujo acesso ou exercício é regulado por lei.
(…)
9 - São também actos próprios dos advogados todos aqueles que resultem do exercício do direito dos cidadãos a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
Contudo o n.º 8 deste mesmo artigo 1º dispõe que para os efeitos do disposto no número anterior [n.º 7], não se consideram praticados no interesse de terceiros os actos praticados pelos representantes legais, empregados, funcionários ou agentes de pessoas singulares ou colectivas, públicas ou privadas, nessa qualidade, salvo se, no caso da cobrança de dívidas, esta constituir o objecto ou actividade principal destas pessoas – exclusão esta que parece assim abranger os juristas dessa câmara.
A isto acresce o facto de, sendo incompatíveis com o exercício da advocacia (…)11 [as] funções [de] trabalhador com vínculo de emprego público ou contratado de quaisquer serviços ou entidades que possuam natureza pública ou prossigam finalidades de interesse público, de natureza central, regional ou local12, estes trabalhadores (quer o sejam em regime de contrato de trabalho em funções públicas quer em regime de comissão de serviço13), não poderem ser inscritos na Ordem dos Advogados em razão de se encontrarem numa situação de incompatibilidade14.
Assim, porque na caracterização das atribuições, competências ou atividades dos postos de trabalho ocupados pelos técnicos superiores licenciados em Direito, feita no mapa de pessoal da câmara municipal, se presume não caber a prática de actos próprios dos advogados, conforme definidos na lei, os trabalhadores que os ocupem não carecem, assim, de se encontrar inscritos na Ordem dos Advogados. De referir, contudo, que nos casos previstos na n.º 3 do artigo 82.º dos Estatutos da AO15, o exercício de advocacia nele previsto implica, naturalmente, a inscrição como advogado.
b) ARQUITECTOS, ENGENHEIROS E ENGENHEIROS TÉCNICOS
1. ARQUITECTOS
Estatuto da Ordem dos Arquitectos16
Artigo 44.º
Exercício da profissão
1 — Independentemente do modo de exercício da profissão, ou das atividades exercidas, e sem prejuízo do disposto no artigo 7.º, só os arquitetos inscritos na Ordem podem, no território nacional, praticar os atos próprios da profissão.
2 — São atos próprios dos arquitetos a elaboração ou apreciação dos estudos, projetos e planos de arquitetura, bem como os demais atos previstos em legislação especial.
2. ENGENHEIROS
Estatuto da Ordem dos Engenheiros17
Artigo 6.º
Inscrição
(..) a atribuição do título, o seu uso e o exercício da profissão de engenheiro dependem de inscrição como membro efetivo da Ordem, seja de forma liberal ou por conta de outrem, e independentemente do setor público, privado, cooperativo ou social em que a atividade seja exercida.
Artigo 7.º
Título de engenheiro e exercício da profissão
(…)
2 — São atos próprios dos que exercem a atividade de engenharia os constantes da Lei n.º 31/2009, de 3 de julho, e de outras leis que especialmente os consagrem.
(…)
5 — Os trabalhadores dos serviços e organismos da administração direta e indireta do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais e das demais pessoas coletivas públicas, que pratiquem, no exercício das suas funções, atos próprios da profissão de engenheiro, e realizem ações de verificação, aprovação, auditoria ou fiscalização sobre atos anteriores, devem estar validamente inscritos como membros efetivos da Ordem.
3. ENGENHEIROS TÉCNICOS
Estatuto da Ordem dos Engenheiros Técnicos18
Artigo 6.º
Inscrição
(..) a atribuição do título de engenheiro técnico, o seu uso e o exercício da profissão de engenheiro técnico em território nacional, seja de forma liberal ou por conta de outrem, e independentemente do setor, público, privado, cooperativo ou social, em que a atividade seja exercida, dependem de inscrição como membro efetivo da Ordem.
Artigo 7.º
Título de engenheiro e exercício da profissão
(…)
3 — São atos próprios dos que exerçam a atividade de engenheiro técnico os constantes da Lei n.º 31/2009, de 3 de julho, alterada pela Lei n.º 40/2015, de 1 de julho, e de outras leis e regulamentos que especialmente os consagrem.
(…)
4 — Os trabalhadores dos serviços e organismos da administração direta e indireta do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais e das demais pessoas coletivas públicas, que pratiquem, no exercício das suas funções, atos próprios da profissão de engenheiro técnico, e realizem ações de verificação, aprovação, auditoria ou fiscalização sobre atos anteriores, devem estar validamente inscritos como membros efetivos da Ordem.
De referir que, como aliás já o fazem alguns dos estatutos antes referidos, a Lei n.º 31/2009, de 3 de Julho19, diploma que estabelece as qualificações profissionais exigíveis aos técnicos responsáveis por actividades de elaboração e subscrição de projetos, coordenação de projetos, direção de obra pública ou particular, condução da execução dos trabalhos das diferentes especialidades nas obras de classe 6 ou superior, direção de fiscalização de obras públicas ou particulares para a qual esteja prevista a subscrição de termo de responsabilidade, sempre que estejam em causa operações de loteamento, obras de urbanização, trabalhos de remodelação de solos para fins urbanísticos ou paisagísticos, obras de demolição e a todas as obras de edificação bem como obras públicas definidas no Código dos Contratos Públicos considera que aquelas actividades constituem atos próprios dos técnicos titulares das qualificações nela previstas20, técnicos esses aos quais aquele dispositivo legal se aplica ainda que (…) exerçam as suas funções integrados ou no âmbito da atuação de quaisquer empresas ou entidades21.
Idêntico objectivo é prosseguido pelo Decreto-Lei n.º 292/95, de 14 de Novembro22, no que toca a planos de urbanização, planos de pormenor e projectos de operações urbanísticas.
Entende-se assim que no caso dos profissionais ora aqui em causa desenvolverem, no âmbito da autarquia, qualquer actividade das que são consideradas como “actos próprios” da respectiva profissão, deverão, para o efeito, encontrar-se inscritos na respectiva ordem.
c) ECONOMISTAS
Estatuto da Ordem dos Economistas23
Artigo 4.º
Títulos profissionais e designação de sociedade de economista
1 — A inscrição na Ordem dos que exercem profissão na área das ciências económicas é facultativa.
2 — Aos profissionais da área das ciências económicas inscritos na Ordem, como seus membros efetivos, é conferido o título profissional de economista, que lhes é reservado.
No que toca aos habilitados com grau académico na área das ciências económicas – pois que o Estatutos consideram como estando inseridas na área da ciência económica os cursos superiores cuja área principal corresponda, na classificação nacional de áreas de educação e formação, às áreas de economia, de ciências empresariais e de gestão e administração e cujas áreas secundárias, a existirem, se situam nas áreas de (…) finanças, banca e seguros, (…) contabilidade e fiscalidade, (…) marketing e publicidade e (…) matemática e estatística – a inscrição na respectiva Ordem é facultativa, pelo que um técnico superior de câmara municipal licenciado em Economia não carece de se encontrar inscrito na Ordem para desenvolver trabalho no âmbito da edilidade, em áreas das ciências económicas.
d) MÉDICOS VETERINÁRIOS
Estatuto da Ordem dos Médicos Veterinários24
Artigo 59.º
Exercício da profissão
1 — Sem prejuízo do disposto nos artigos 61.º e 62.º, só os médicos veterinários com inscrição em vigor na Ordem podem exercer, no território nacional, a profissão de médico veterinário.
2 — O exercício da profissão de médico veterinário em infração ao disposto no número anterior constitui crime de usurpação de funções, punido nos termos do disposto na alínea b) do artigo 358.º do Código Penal.
Artigo 60.º
Modos de exercício da profissão
A profissão de médico veterinário pode ser exercida:
(...)
c) Como trabalhador em funções públicas, independentemente da natureza do seu vínculo;
(…)
À luz das transcritas normas do Estatuto da Ordem dos Médicos Veterinários, estes carecem de se encontrar validamente inscritos na sua Ordem para poderem desenvolver a sua actividade enquanto tais, mesmo que, por via de contrato de trabalho em funções púbicas, tenham a qualidade de técnico superior camarário.
e) PSICÓLOGOS
Estatuto da Ordem dos Psicólogos25
Artigo 5.º
Profissões abrangidas
1 — A Ordem abrange os profissionais de psicologia que, em conformidade com o presente Estatuto e as disposições legais aplicáveis, exercem a profissão de psicólogo.
2 — Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 63.º, estão obrigados a inscrição todos os que exercem a profissão de psicólogo, seja de forma liberal ou por conta de outrem, e independentemente do setor, público, privado, cooperativo e social, em que exerçam a atividade.
(…)
À luz destas normas os Psicólogos carecem de se encontrar validamente inscritos na sua Ordem para desenvolver a sua actividade enquanto tais, mesmo que, por via de contrato de trabalho em funções púbicas, tenham a qualidade de técnico superior camarário.
f) CONTABILISTAS
Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados26
Artigo 9.º
Título profissional e exercício da profissão
1 — Designam -se por contabilistas certificados os profissionais inscritos na Ordem, nos termos do presente Estatuto, sendo -lhes atribuído, em exclusividade, o uso desse título profissional, bem como o exercício da respetiva profissão.
Artigo 10.º
Atividade profissional
1 — A inscrição na Ordem permite o exercício, em exclusivo, das seguintes atividades:
a) Planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades, públicas ou privadas, que possuam ou que devam possuir contabilidade organizada segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis ou o sistema de normalização contabilística, conforme o caso, respeitando as normas legais, os princípios contabilísticos vigentes e as orientações das entidades com competências em matéria de normalização contabilística;
b) Assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades referidas na alínea anterior;
c) Assinar, conjuntamente com o representante legal das entidades referidas na alínea a), as respetivas demonstrações financeiras e declarações fiscais, fazendo prova da sua qualidade, nos termos e condições definidos pela Ordem, sem prejuízo da competência e das responsabilidades cometidas pela lei comercial e fiscal aos respetivos órgãos.
(…)
3 — Entende -se por regularidade técnica, para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1, a execução da contabilidade nos termos das disposições previstas nos normativos aplicáveis, tendo por suporte os documentos e as informações fornecidos pelo órgão de gestão ou pelo empresário, e as decisões do profissional no âmbito contabilístico, com vista à obtenção de uma imagem fiel e verdadeira da realidade patrimonial da empresa, bem como o envio para as entidades públicas competentes, nos termos legalmente definidos, da informação contabilística e fiscal definida na legislação em vigor.
Artigo 11.º
Modos de exercício da atividade
1 — Os contabilistas certificados podem exercer a sua atividade:
(…)
c) No âmbito de uma relação jurídica de emprego público, como trabalhadores que exercem funções públicas, desde que exerçam a profissão de contabilista certificado na administração direta e indireta do Estado ou na administração regional ou local;
(…)
Relativamente aos agora denominados Contabilistas Certificados, convirá ter presente a doutrina contida em Nota Explicativa da DGAL27, emitida ainda na vigência da designação de Técnico Oficial de Contas, onde se refere:
Não obstante a referência ao preconizado nos estatutos da OTOC, onde se encontra definido que “ as entidades que possuam ou devam possuir contabilidade organizada, segundo planos oficialmente aplicáveis ou sistema de normalização contabilística, conforme o caso, são obrigadas a dispor de técnico oficial de contas”, deverá ser feito o devido enquadramento, uma vez que, estando em causa uma autarquia local (freguesias e municípios) deverá atentar-se às competências específicas atribuídas a estas entidades por via da legislação que regula as suas atribuições e competências. A inferir-se outro entendimento que não este, presumir-se-ia que seria, então, uma obrigação inerente também a municípios. O referido documento preconiza ainda que se enquadra ainda nas funções do TOC “Planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades que possuam, ou que devam possuir, contabilidade regularmente organizada segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis ou o sistema de normalização contabilística, conforme o caso, respeitando as normas legais, os princípios contabilísticos vigentes e as orientações das entidades com competências em matéria de normalização contabilística”, e “Assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades referidas (…)”. Desta última aferíamos ainda que contraria, de certo modo, as competências que a Lei n.º75/2013 atribui aos órgãos autárquicos.
Face ao exposto, atendendo ao que se encontra expressamente disposto na legislação que regula a atividade autárquica, que exige que as entidades referidas no n.º1 do artigo 76.º do RFALEI, enquadradas no regime completo, tenham as contas certificadas por um Revisor Oficial de Contas, entende-se que o procedimento a manter nesta matéria será atribuir ao órgão executivo a responsabilidade na elaboração e aprovação dos documentos de prestação de contas, podendo, ou não, as mesmas serem elaboradas por um TOC, devendo submete-los posteriormente à apreciação do órgão deliberativo, nos prazos legalmente previstos.
Ricardo da Veiga Ferrão
(Jurista. Técnico Superior)
1. Não se considera assim a necessidade de inscrição em ordem profissional por via do exercício de outras actividades profissionais, maxime, de actividade privada em regime de acumulação.
2. A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) foi aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho.
3. Artigo 29.º, n.º 2, als. a), c) e d), da LTFP.
4. Artigo 18.º, n.º 1, da LTFP.
5. Lei n.º 2/2013, de 10 de Janeiro.
6. Artigo 21.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2008, de 13 de Fevereiro - Regime das Associações Públicas Profissionais.
7. Artigo 5.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 2/2013.
8. Artigo 5.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 2/2013.
9. Artigo 24.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 2/2013.
É o fenómeno a que CARLOS FILIPE FERNANDES DE ANDRADE COSTA (Ordens Profissionais: Associações de Empresas? (O caso particular da Ordem dos Advogados)), in e-pública – Revista Eletrónica de Direito Público, n.º 4, Março 2015, acessível em http://www.e-publica.pt/ordens-profissionais.html) alude quando refere: (…) sociedades de profissionais liberais (rectius sociedades de profissões reguladas, na medida em que a “moda” da colegialidade motivou o aparecimento de corporações profissionais relativas a atividades em que a larga maioria dos trabalhadores as desempenha por conta de outrem) [pág. 7], denominando esse fenómeno de «deriva neocorporativista pós-25 de Abril», parafraseando VITAL MOREIRA [pág. 7, nota 19].
10. Aprovados pela Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro.
11. Deve entender-se aqui que o exercício da advocacia a que a norma aqui se refere é o efectuado em regime de actividade liberal.
12. Artigo 82.º, n.º 1, al. i), dos Estatutos da OA.
13. Artigo 6.º, n.ºs 1 e 3 da LTFP.
14. Artigo 188.º, n.º 1, al. d), dos Estatutos da OA.
15. Diz essa norma:
É permitido o exercício da advocacia às pessoas indicadas nas alíneas i) e j) do n.º 1 [do artigo 82.º], quando esta seja prestada em regime de subordinação e em exclusividade, ao serviço de quaisquer das entidades previstas nas referidas alíneas, sem prejuízo do disposto no artigo 86.º
16. Na redacção conferida pela Lei n.º 113/2015, de 28 de Agosto.
17. Na redacção conferida pela Lei n.º 123/2015, de 2 de Setembro.
18. Na redacção conferida pela Lei n.º 157/2015, de 17 de Setembro.
19. Alterado pela Lei n.º 40/2015, de 1 de Junho.
20. Artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 3/2009.
21. Artigo 1.º, n.º 4, da Lei n.º 3/2009.
22. Alterado pela Lei n.º 31/2009, de 3 de Julho.
23. Na redacção conferida pela Lei n.º 101/2015, de 20 de Agosto.
24. Na redacção conferida pela Lei n.º 125/2015, de 3 de Setembro.
25. Na redacção conferida pela Lei n.º 138/2015, de 7 de Setembro.
26. Na redacção conferida pela Lei n.º 139/2015, de 7 de Setembro, que transformou a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas em Ordem dos Contabilistas Certificados.
27. Consultável no Portal Autárquico AQUI.
Tendo em atenção o exposto no ofício n.º …, de …, da Junta de Freguesia de …, remetido em anexo ao mail de …, sobre a matéria referenciada em epígrafe, cumpre tecer as seguintes considerações:
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – abreviadamente, LTFP – aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, “é aplicável ao vínculo de emprego público, sem prejuízo do disposto na presente lei e com as necessárias adaptações, o disposto no Código do Trabalho e respetiva legislação complementar com as exceções legalmente previstas, nomeadamente em matéria de … parentalidade” [alínea d)].
Consequentemente, não podemos eximir-nos de chamar à colação o disposto nos artigos 47.º e 48.º do Código do Trabalho, normas que, respetivamente, contêm o regime regulador das dispensas para amamentação ou aleitação bem como dos procedimentos que devem ser adotados em tal matéria.
E, no que à questão concretamente formulada diz respeito, assumirá particular relevância o disposto no n.º 1 do artigo 47.º quando, sem margem para qualquer equívoco, estabelece que a mãe que amamenta o filho tem direito a dispensa de trabalho para o efeito (intercalamos nós, nos termos previstos nas restantes normas daquele dispositivo legal, nomeadamente, nos seus n.ºs 3, 4 e 5), durante o tempo que durar a amamentação.
Atente-se, a propósito, que, ao contrário da dispensa para amamentação, as dispensas para aleitação só podem ser concedidas até o filho perfazer 1 ano de idade (cfr., n.º 2 do preceito).
Aqui chegados, pertinente será referir o regime constante do n.º 1 artigo 48.º, quando prescreve que “para efeito de dispensa para amamentação, a trabalhadora comunica ao empregador, com a antecedência de 10 dias relativamente ao início da dispensa, que amamenta o filho, devendo apresentar atestado médico se a dispensa se prolongar para além do primeiro ano de vida do filho (salientámos).
Em face do exposto, importará concluir não existir norma que imponha um limite máximo de duração para as dispensas ao trabalho por motivo de amamentação, conquanto seja feita a respetiva prova, para além do primeiro ano de vida do filho, mediante apresentação de atestado médico.
O técnico superior
(José Manuel Martins Lima)
Data: quinta, 21 janeiro 2016 Número: DSAJAL 21/16 Responsáveis: Ricardo António Vieira [...]
O Presidente da Junta de Freguesia de ..., dirigiu a esta CCDRC, por ofício de 07/12/2015, ref. A 846/2015, enviado em anexo a mail de 7/12/2015, 14:32, o seguinte pedido:
A Freguesia de ... edita trimestralmente um Boletim Informativo onde relata as principais atividades desenvolvidas e durante o referido espaço de tempo.
Esse instrumento é distribuído pelos diversos locais públicos e privados do espaço da Freguesia e sem custos para os leitores.
Para suportar a sua execução e edição, o executivo formalizou algumas parcerias com habituais fornecedores, que nos pagam uma quantia simbólica (50.00€ / trimestre) para verem afixado, na última página do referido boletim o seu logotipo.
Questionamos Vas Exas, se tal prática, à luz da nossa legislação pode ou não ser concretizada.
RESPONDENDO
Do modo como é apresentada – diz o ofício: para suportar a sua execução e edição, o executivo formalizou algumas parcerias com habituais fornecedores, que nos pagam uma quantia simbólica (50.00€ / trimestre) para verem afixado, na última página do referido boletim o seu logotipo [sublinhados nosso] - a questão em apreço carece de ser abordada de diversos prismas.
O primeiro deles é o que resulta, desde logo, da possibilidade de este procedimento poder ser considerado como “venda de publicidade” ou mais precisamente como “venda de espaço em suporte publicitário”1. E, sobre este aspecto, há que dizer, desde já, que o Código da Publicidade2 dispõe que não podem constituir suporte publicitário as publicações periódicas informativas editadas pelos órgãos das autarquias locais, salvo se o anunciante for uma empresa municipal de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos.
Assim, não pode haver lugar à inserção de publicidade3 no Boletim Informativo da Freguesia – situação que não se pode considerar, no caso, como completamente afastada perante a afirmação de que a junta de freguesia, para suportar a execução e edição, do Boletim Informativo, formalizou algumas parcerias com habituais fornecedores, que pagam uma quantia ainda que simbólica (50.00€/trimestre) para verem afixado o seu logotipo na última página do boletim.
Pode contudo entender-se que, na situação ora em causa, se estará perante um apoio mecenático, materializado através de contribuições financeiras de natureza altruística ou desinteressado ou seja, de entregas em dinheiro ou em espécie, concedidos, sem contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial, às entidades públicas ou privadas, …, cuja actividade consista predominantemente na realização de iniciativas nas áreas social, cultural, ambiental, desportiva ou educacional (artigo 61.º do EBF4).
Contudo, para que assim seja, é necessário que sejam observadas algumas condições referidas na Circular 2/2004, de 20 de Janeiro, da DSIRC5. Nela se diz o seguinte:
…estão abrangidos pelo Estatuto do Mecenato os donativos, ou seja, as prestações de carácter gratuito em que impera o espírito de liberalidade do doador.
À realização de donativos aparece, todavia, frequentemente associada a atribuição ao doador de determinadas regalias em espécie, como sejam a atribuição de convites ou bilhetes de ingresso para eventos, a disponibilização das instalações do beneficiário ao doador ou a associação do nome do doador a certa obra ou iniciativa promovida pelo donatário.
A questão que se coloca é a de saber em que medida as mesmas constituem contrapartidas de carácter comercial, inviabilizadoras do enquadramento do custo no âmbito do Estatuto do Mecenato. Ora, nestas situações, poderemos ainda estar no domínio dos negócios gratuitos à luz das regras do direito privado comum. De facto, para o efeito de recusar à prestação a natureza de gratuitidade não basta que a regalia que lhe esteja associada seja desejada pelo doador, é necessário averiguar se aquela regalia foi desejada como correspectivo patrimonial do donativo de tal modo que se possa dizer ferido o espírito de liberalidade do doador.
É neste quadro que importa interpretar o disposto no nº 2 do artº 1º do Dec-Lei nº 74/99, buscando a ratio do preceito. Assim, não deverão ser excluídas do âmbito do Estatuto do Mecenato situações que nele devam manifestamente ser incluídas, por serem insignificantes as contrapartidas recebidas pelo doador e, quando esteja em causa a associação do respectivo nome a um evento promovido pelo beneficiário, por subsistir o espírito de liberalidade do doador.
Ora, a este respeito, diz-se na referida circular:
Nos casos em que a regalia se traduza numa associação pública do nome do doador a determinada iniciativa, deve atender-se também ao modo como essa associação se produz, admitindo-se que aos donativos concedidos no âmbito da legislação do mecenato esteja associada a regalia da divulgação do nome do mecenas, desde que a mesma não apresente "natureza comercial" mas meramente institucional.
Critérios de distinção
Assim, poder-se-ão estabelecer as seguintes linhas de orientação:
a) Se a regalia consistir na associação do nome do doador a certa iniciativa, tendo como fito a busca de uma imagem pessoal ou institucional de responsabilidade cívica, que o identifique junto do público em geral, porque o espírito de liberalidade do doador é preponderante, estar-se-á perante donativos enquadráveis no Estatuto do Mecenato;
Para efeitos da concretização da orientação estabelecida nesta alínea deverão ter-se em atenção os Seguintes critérios:
i) Na associação do nome do doador a determinadas iniciativas ou eventos promovidos pelo beneficiário não deverá ser feita qualquer referência a marcas, produtos ou serviços do mecenas, permitindo-se, apenas, a referência ao respectivo nome ou designação social e logotipo;
ii) A divulgação do nome ou designação social do mecenas deve fazer-se de modo idêntico e uniforme em relação a todos os mecenas, não podendo a mesma variar em função do valor do donativo concedido;
iii) A identificação pública do mecenas não deve revestir a natureza de mensagem publicitária, devendo, pois, efectuar-se de forma discreta, num plano secundário relativamente ao evento ou obra aos quais aparece associada, em suportes destinados a divulgar ou enquadrar a própria iniciativa - se existentes - de acordo com os usos aceites neste domínio e sempre com alusão à qualidade de mecenas.
b) Se, em vez disso, a regalia consistir na associação a certa iniciativa dos produtos comercializados pelo doador, ou mesmo do seu nome mas tendo como fito a sua promoção junto dos respectivos consumidores, o que se considera verificado quando não seja observado algum dos critérios estabelecidos para efeitos da alínea a), porque o espírito de liberalidade do doador é secundarizado, estar-se-á perante um patrocínio, não contemplado no Estatuto do Mecenato.
Temos portanto que, no caso em análise, ou as referidas ajudas ou contribuições podem ser enquadradas nos critérios apontados e, assim, consideradas como donativos mecenáticos, à luz do que anteriormente ficou dito - o que permite considerar que a inclusão da referência aos mecenas não se considera publicidade paga - ou, caso assim não seja, estar-se-á perante um patrocínio comercial - o que é considerado como publicidade paga e, por tal vedado às autarquias locais, pela Lei da Publicidade, no que toca a publicações periódicas informativas editadas pelos seus órgãos.
Por fim, apenas uma breve e sucinta alusão à necessidade de separação e independência que deve existir entre as qualidades de mecenas e a de habitual fornecedor, que, naturalmente, estes também podem ser, para que não possa ser posta em causa a transparência, legalidade, imparcialidade e igualdade que deve estar sempre presente nestas relações.
Ricardo da Veiga Ferrão
(Jurista. Técnico Superior)
1. O Código da Publicidade define suporte publicitário como o veículo utilizado para a transmissão da mensagem publicitária (artigo 5.º, n.º 1, al. c)).
2. O Código da Publicidade foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro, posteriormente alterado pelos Decreto-Lei n.º 74/93, de 10 de Março, Decreto-Lei n.º 6/95, de 17 de Janeiro, Decreto-Lei n.º 61/97, de 25 de Março, Lei n.º 31-A/98, de 14 de Julho, Decreto-Lei n.º 275/98, de 09 de Setembro, Decreto-Lei n.º 51/2001, de 15 de Fevereiro, Decreto-Lei n.º 332/2001, de 24 de Dezembro, Lei n.º 32/2003, de 22 de Agosto, Decreto-Lei n.º 224/2004, de 04 de Dezembro, Lei n.º 37/2007, de 14 de Agosto, Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, Lei n.º 8/2011, de 11 de Abril, e Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de Abril
3. O Código da Publicidade define esta, para efeitos do que nele se dispõe, como qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de: a) Promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços; b) Promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições (artigo 3.º, n.º 1).
4. Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, com posteriores alterações.
5. Consultável em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/28B8B5C4-76E8-4411-83F8-C55C2CAB7D4D/0/circular_2-2004_de_20_de_janeiro_da_dsirc.pdf
Tendo em atenção o exposto no ofício n.º ..., de ..., da Câmara Municipal de ..., sobre a matéria referenciada em epígrafe, cumpre tecer as seguintes considerações:
Reportando-nos ao solicitado, acerca do assunto referido em epígrafe, cumpre informar de que, compulsada a informação anexa ao pedido de parecer, se constata ter sido, a 2.ª questão controvertida, bem enquadrada e corretamente fundamentada, de facto e de direito, nada nos ocorrendo que possa contribuir para infirmar ou reforçar o entendimento ali perfilhado.
Na verdade, analisada cuidada e pormenorizadamente a informação referida, afigura-se-nos nada haver a acrescentar ao respetivo conteúdo que possa contribuir para um reforço da legalidade administrativa, quer quanto ao enquadramento jurídico-factual quer quanto ao procedimento adotado, pelo que é merecedora da nossa plena concordância,
No que à outra questão diz respeito, cumpre dizer que, tendo-se suscitado dúvidas quanto aos efeitos da suspensão do contrato, em matéria de férias e subsídio de férias, conforme o início e o termo da suspensão do contrato ocorressem no mesmo ano civil ou em anos civis diferentes, atenta a conhecida regra legal da aquisição do direito a férias em 1 de janeiro de cada ano, foi produzido, na sequência da Reunião de Coordenação Jurídica de 15 de maio de 2014, pela rede interministerial de trabalho colaborativo constituída entre a DGAL e a DGAEP, o entendimento que, pela sua pertinência e oportunidade, seguidamente se transcreve:
“Quando a suspensão do contrato de trabalho em funções públicas se inicia e termina no mesmo ano civil, não produz quaisquer efeitos no direito a férias do ano em curso ou do ano seguinte, como se vê do n.º 4 do artigo 171.º do RCTFP. Quando a suspensão se inicia em determinado ano e termina no ano civil seguinte, o trabalhador, no ano da cessação do impedimento prolongado, tem direito a férias nos termos do n.º 2 do artigo 179.º do diploma citado. No ano seguinte a este bem como no ano do início da suspensão esta não se repercute no direito a férias.
Na LTFP o regime é semelhante e consta das disposições conjugadas dos artigos 278.º, 129.º e 127.º” (destacámos).
O técnico superior
(José Manuel Martins Lima)
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