Sino de igreja; licença especial de ruído.


Solicita o Presidente da Câmara Municipal de ..., por seu ofício de ..., referência n.º ..., a emissão de parecer sobre a seguinte questão:
Qual o enquadramento jurídico em matéria de poluição sonora de sinos de igrejas [acompanhados de uma melodia religiosa] e respetivos amplificadores sonoros, maxime da hipotética necessidade de estes terem licença especial de ruído, nos termos do art.º 30.º e do n.º 2 do art.º 32.º, ambos do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, que regula o regime jurídico do licenciamento e fiscalização de atividades pelas câmaras municipais.
No caso decidendum a factologia é o seguinte:
a) No cimo da torre da igreja encontram-se quatro amplificadores sonoros, que a cada 15 minutos emitem sinais horários que consistem numa melodia religiosa.
b) Tais emissões decorrem entre as 07h00 e as 22h00, cessando no período noturno;
c) Entende a GNR que não tendo a fábrica da igreja de ... requerido a correspondente licença especial de ruído para a emissão sonoro dos sinais horários supra aludidos, esta praticou facto subsumível em contraordenação, por força da conjugação do art.º 30.º e do n.º 2 do art.º 32.º e da al. i), do n.º 1, do art.º 47.º, todas do já supra aludido Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 30.º do Decreto-Lei 310/2002, de 18 de dezembro, na sua atual redação, "O funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projectem sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários2, só poderá ocorrer entre as 8 e as 22 horas e mediante a autorização referida no artigo 32.º", estabelecendo por sua vez o artigo 32.º do mesmo diploma que "1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a realização de festividades, de divertimentos públicos e de espectáculos ruidosos nas vias púbicas e demais lugares públicos nas proximidades de edifícios de habitação, escolares durante o horário de funcionamento, hospitalares ou similares, bem como estabelecimentos hoteleiros e meios complementares de alojamento só é permitida quando, cumulativamente:
a) Circunstâncias excepcionais o justifiquem;
b) Seja emitida, pelo presidente da câmara municipal, licença especial de ruído;
c) Respeite o disposto no n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, quando a licença é concedida por período superior a um mês.
2 - Não é permitido o funcionamento ou o exercício contínuo dos espectáculos ou actividades ruidosas nas vias púbicas e demais lugares púbicos na proximidade de edifícios hospitalares ou similares ou na de edifícios escolares durante o respectivo horário de funcionamento.
3 - Das licenças emitidas nos termos do presente capítulo deve constar a referência ao seu objecto, a fixação dos respectivos limites horários e as demais condições julgadas necessárias para preservar a tranquilidade das populações."
Ora, atenta a letra da lei, parece-nos que os sinais horários [mormente os produzidos pelos sinos de igrejas e respetivos amplificadores sonoros] estão sujeitos a licença especial de ruído.
No entanto tal não nos parece inteiramente líquido. Vejamos,
O exercício do direito constitucional à liberdade do culto religioso, garantido pelo n.º 4 do art.º 41.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP), não tem natureza de direito absoluto, antes tendo de sofrer as restrições necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também constitucionalmente garantidos, como expressamente dispõe o n.º 2, do art.º 18.º da CRP.
Com efeito, são também constitucionalmente garantidos o direito à habitação «(…) em condições de higiene e conforto que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar (…)», nos termos do n.º 1 do art.º 65.º da CRP e o direito «(...) a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado (...)», conforme dispõe o n.º 1, do art.º 66.º, da CRP.
Está, portanto, «afastada a possibilidade de o princípio da liberdade de culto servir de suporte para isentar a recorrente das obrigações ou deveres que são impostos à generalidade dos cidadãos, designadamente da observância das regras do ordenamento urbanístico e das que visam satisfazer interesses ambientais» - cfr. acórdão do STA de 31/10/2002, proferido no âmbito do Proc. n.º 01102/02.
Concludentemente, da necessária ponderação que aqui impera efetuar, atendendo aos bens jusconstitucionais em presença, resulta que, salvaguardando o direito e o dever que assiste no quadro da liberdade religiosa às igrejas e demais comunidades religiosas de fidelidade à sua missão, onde o uso dos sinos assume um cariz especial de convocação e anúncio pastoral (os sinos assinalam o passar das horas, convocam à oração), não menos deve ser igualmente ressalvado o respeito pela qualidade do ambiente e vida das populações.
Nessa medida, e concretamente em matéria da sistematização da problemática dos sinos dos locais de culto enquanto hipotéticos instrumentos potenciadores de poluição sonora, cumpre ter presente, atendendo à factologia supra referida, o teor de dois diplomas legislativos: o Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, que regula o regulamento geral do ruído, e o supra citado Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro, que regula o regime jurídico do licenciamento e fiscalização de atividades pelas câmaras municipais, sendo que estes, como bem decorre do preambulo do primeiro, se encontram articulados.
O primeiro consubstancia o regime geral disciplinador da prevenção do ruído e o controlo da poluição sonora, assim, visando a salvaguarda da saúde humana e o bem-estar das populações, enquanto o segundo, maxime nos seus artigos 29.º a 34.º regula o licenciamento do exercício da atividade de realização de espetáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos, nomeadamente, o funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projetem sons para as vias e demais lugares públicos (incluindo sinais horários).
Numa primeira leitura - sobretudo atendendo ao facto de que in casu o sino se encontra interligado com quatro amplificadores sonoros - parece-nos que o caso recai diretamente no âmbito de aplicação dos supra citados artigos 29.º a 34.º e que, como tal, será exigível, nos termos dos artigos 30.º, n.º 2 e 32.º a solicitação prévia de licença especial de ruído.
Todavia, no quadro da ponderação supra mencionada dos bens jusconstitucionais ora em presença, cumpre ter igualmente presente que a lei de liberdade religiosa - Lei n.º 16/2001, de 22 de junho - determina que os locais de culto não devem ser alvo de constrangimentos administrativos - cfr. acórdão de 25/02/2011, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no âmbito do proc. n.º 00189/06.5BEMDL.
Assim, subsistem dúvidas relativamente ao enquadramento dos referidos sinais horários/melodia nos artigos 29.º a 34.º do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro, na sua atual redação, pois estes artigos, aliás como todo o capítulo, disciplinam o "Licenciamento do exercício da actividade de realização de espectáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos." [e como tal fazem depender de prévia licença] tão-somente divertimentos públicos de diversa natureza, organizados nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre, tais como, arraiais, romarias, bailes, provas desportivas e outros divertimentos públicos, pelo que, imputar aos sinais horários - mesmo quando a sonoridade destes se encontra mecanicamente amplificada idêntico enquadramento poderá consubstanciar um constrangimento administrativo, dado que, o sino, com os toques dos sinais horários/melodias, surge intimamente interligado com o relógio da torre da igreja, acabando por ter a função social [cuja génese apresenta uma dimensão religiosa] de enunciar diariamente as horas, atividade intemporal, estranha e independente de quaisquer festividades.
É nosso entendimento, como acima melhor explanado, que deverá ser emitida uma licença especial de ruído [que foi, aliás, já requerida pela entidade responsável pela Igreja] ao abrigo das normas supra referidas, no entanto subsistindo dúvidas, solicitamos a V Exa a emissão de parecer jurídico quanto à questão colocada.

APRECIANDO
1. DO PEDIDO
A questão que se coloca no presente pedido é a de (se) saber se o funcionamento de (quatro) amplificadores sonoros (que se presume serem aquilo que tecnicamente é designado por altifalantes de corneta) colocados na torre sineira de uma igreja (que se presume ser a de ...) e que entre as 07h00 e as 22h00 emitem, a cada quarto de hora, sinais horários que consistem numa melodia religiosa, carece de ser autorizado por licença especial de ruído1 camarária, por, no caso, se estar perante o funcionamento de emissor[es], amplificador[es] e outro[s] aparelho[s] sonoro[s] que projecte[m] sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários , na falta de cuja referida licença se estará perante facto infraccional de natureza contraordenacional, sancionado com coima3 (entendimento em que se louva a estrita legalidade cartesiana da GNR) – ou seja, incluir e tratar esta situação (de toque [horário] de sinos, ainda que de forma electrónica e amplificada e já não no ancestral modo mecânico de percussão) no âmbito do licenciamento do exercício da actividade de realização de espectáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos, como, implicitamente, pretende e resulta da actuação da GNR – ou se esta questão deve ser vista e apreciada noutro âmbito, qual seja, o do princípio da liberdade religiosa, constitucionalmente consagrado, regulado na Lei da Liberdade Religiosa e detalhado na Concordata de 2004, celebrada entre a Santa Sé e a República Portuguesa.

2. ANÁLISE
2.1. UMA BREVE NOTA HISTÓRICO-POLÍTICO-SOCIAL DOS (TOQUES DOS) SINOS
Para que melhor se possa situar e analisar a questão colocada convirá, antes, fazer um breve excurso sobre a história dos sinos ao longo dos tempos na civilização ocidental e, mais precisamente no nosso país, vista à luz do prisma não só religioso como temporal e social.
2.1.1. Pode dizer-se que a produção de sons através da percussão dos objectos é tão velha quanto o homem, sons esse que serviam para as mais diversas finalidade mas que tinham sempre um objectivo central: comunicar com os demais. Assim, desde sempre, a percussão de troncos, pedaços de madeira (escavada para produzir diferentes sons) e, com os advir da idade dos metais, de (pedaços de) metal, tambores e outros objectos percutíveis, serviu para transmitir mensagens através da produção de sons típicos (identificados) com as mais diversas finalidades, quase sempre comunitárias: anunciar a guerra e a paz, dar a conhecer a outras comunidades acontecimentos felizes ou infelizes, chamar ou pedir auxílio, pedir chuva ou afastar tempestades, esconjurar o mal e o demónio, invocar os deuses ou chamar à oração.
As campainhas e os sinos, (também eles) instrumentos de percussão e idiofones, assumiram, em todas as civilizações e desde tempos imemoriais, um lugar central na vida social, quer como modo de comunicação entre os homens quer em rituais sagrados como forma de ligação e invocação do divino4.
A Igreja Católica cedo acolheu as campainhas e sinos quer na sua prática religiosa5, quer na vivência dos clérigos e monges e no chamamento à oração da comunidade cristã.
Porém os sinos, para além da matriz religiosa e de chamamento à oração e invocação do divino6, foram assumindo uma eminente função social7, tanto nas cidades e burgos como nas aldeias e nos campos, seja como modo de informação da comunidade sobre certos acontecimentos sociais (que, aliás, eram igualmente religiosos, como batizados, casamentos e decessos), seja como meio de chamamento da comunidade a actividades seculares, como convocar comunidade a reunir-se ou tocar a rebate em caso de incêndio ou calamidade, seja, ainda, como meio de informação comunitário sobre o decurso do tempo, através do toque das horas.
Ora terão sido as necessidades da vida religiosa que impulsionaram, na Idade Média, a invenção do relógio mecânico, já que os processos de medição do tempo através de relógios de sol, relógios de água ou clepsidras e de areia ou ampulhetas eram limitados e erráticos para quem se regia diariamente por sete tempos de oração8.
Inventado no final do século X, diz-se pelo Beneditino Gerbert d'Aurillac, depois Papa Silvestre II, os relógios mecânicos (a mais importante invenção europeia em plena Idade Média), ainda que apenas dotados de um único ponteiro a indicar (imprecisamente) as (doze) horas, saíram dos mosteiros e começaram a ser também instalados nas torres das igrejas, passando as servir não apenas as comunidades religiosas como as populações9.
O século XV foi acentuando a importância do tempo público, marcado primeiro a partir de relógios de torre de mosteiros, com mecanismos que accionavam os sinos, passando a pouco e pouco a estar instalados nas torres municipais10. Situação que originava, não poucas vezes, conflitos entre os poderes religioso e secular11.
2.1.2. Pode pois ter-se por assente que os sinos têm uma ancestral ligação com o homem que remonta a muitos milénios atrás e teve origem em distantes civilizações, de onde foi irradiando para outros locais e outras gentes. Essa ligação foi importada também para o ocidente e introduzida na sua cultura e civilização, tendo-se divulgado e ritualizado com o catolicismo, que fez dos sinos um dos seus símbolos12. A partir do momento em que a religião católica (e também, as suas dissidências: ortodoxos e protestantes [anglicanos, luteranos, presbiterianos, etc.]), fizeram do sino um elemento central da prática religiosa, ele e o seus toques passaram a assumir um papel fundamental nas diversas comunidades, congregadas à volta da torre da sua igreja, capela ou templo, quer em matéria estritamente religiosa quer, de modo muito sensível e sentido, como elemento congregador e informador dessa comunidade, através dos códigos sob a forma de símbolos sonoros com que informavam a comunidade dos principais factos que nela ocorriam. E um desses factos era precisamente o decurso do tempo, marcado por determinados toques, tocados pelo sineiro ou sacristão, e mais tarde, quando as torres sineiras passaram a ter um relógio que marcava as horas, por badaladas accionadas mecanicamente por mecanismos de relojoaria – porque o tempo, ou seja a vida, e o conhecimento do seu decurso (isto é, a sua medição) foi sempre um momento central da vivência humana desde que o homem dele tomou consciência, passando a medi-lo com gnómones e relógios de sol até chegar ao generalizado e, por isso, agora banal, relógio dos dias de hoje que pode já não ser o objecto mecânico ou electrónico, cheio de mistério, dedicado à medição do tempo mas constituir apenas umas das (múltiplas) funções do computador, tablet ou telemóvel.
E se a torre foi sempre um elemento transversal na história da arquitetura humana, a torre do sino ou campanário e, mais tarde, a torre do relógio, constituíam o elemento central e mais visível da povoação, onde todos, para além de buscar o aconchego espiritual, podiam “ver as horas” no mostrador do relógio ou ouvir as badaladas do sino que “batiam” as horas que este “marcava”. Era o tempo em que (ainda) havia tempo mas (ainda) não havia relógios (de bolso e, menos ainda, de pulso).
2.1.3. Porém, o (não) toque dos sinos foi, em certas épocas e pelas mais diversas razões, sociais, religiosas, mas também políticas, uma questão central e candente do quotidiano e da vida das comunidades. Portugal não foi excepção.
Para além da intrínseca ligação à Igreja, aos seus rituais e ritmos da religião católica e, mesmo da própria vida, e não obstante a sua óbvia utilidade pública, designadamente no que tangia às informações que veiculava para as populações das comunidades, certo é que o toque dos sinos já causava incómodo em tempos idos, quando se estava bem longe não só de (se) pensar em ambiente ou em poluição sonora como nos moldes actuais, mas também da necessidade de medir e conter o ruído em limites aceitáveis e previamente definidos, para assim se garantir a saúde e bem-estar das populações13.
Com a implantação da República14 e a separação da Igreja do Estado ditada pela Lei da Separação de 20 de Abril de 191115, esta passa a determinar que os toques dos sinos serão regulados pela autoridade administrativa municipal de acordo com os usos e costumes de cada localidade, contanto que não causem incómodo aos habitantes, e se restrinjam, quando muito, aos casos previstos no decreto de 6 de Agosto de 1833. De noite, os toques de sinos só podem ser autorizados para fins civis e em casos de perigo comum, como incêndios e outros. Interrompia-se assim o controlo dos sinos e da sua simbologia sonora (e do poder que isso significava) pela Igreja Católica e passava-se tal controlo para o poder secular. Ressalvado era ainda que o seu toque não causasse incómodo aos habitantes – mesmo que esse “incómodo” pudesse ser menos por razões sonoras do que por razões (anti)religiosas e de acérrimo republicanismo.
Esta proibição dos toques tradicionais dos sinos de acordo com as regras da Igreja Católica era corolário das fortes restrições – ou, mais precisamente, da perseguição16 – que a República moveu à Igreja e suas instituições, limitando a prática religiosa e proibindo cerimónias, procissões e outras manifestações exteriores de culto17.
A partir de então os sinos emudeceram e viram drasticamente contida a sua função de chamamento às obrigações religiosas, designadamente em termos de intensidade e tempo de toque.
Anos transcorridos abrir-se-ia nova crise política (e religiosa) ainda por causa (do toque) dos sinos em razão de uma Portaria – a designada Portaria dos Sinos18 – que partindo da consideração de que o toque dos sinos constituía um acto de culto público19, e que por essa razão podia ser realizado, independentemente de autorização ou participação, a qualquer hora, determinava que não se ponham embaraços ao toque de sinos a qualquer hora, … competindo à autoridade administrativa regular-lhe a duração em condições que não inutilizem o fim a que visa20.
Certo é que não obstante estas vicissitudes “sineiras” era e continuou a ser entendimento que o toque dos sinos convocando ou anunciando cerimónias, procissões ou quaisquer manifestações de culto religiosas, como acto litúrgico que era, fazia intrínseca parte da prática religiosa, pelo que se deveria considerar abrangido pela liberdade de culto21.

2.2. O TOQUE DOS SINOS À LUZ DO QUADRO JURÍDICO-LEGAL VIGENTE
O entendimento de que o toque dos sinos constitui um acto litúrgico intrinsecamente ligado à prática religiosa e, por isso, abrangido pela liberdade de culto, não foi tratado pela lei da Lei da Liberdade Religiosa22 nem abordado na Concorda da 200423 - o que há-de significar que a sua natureza e o entendimento sobre ela se mantém como o que tem sempre sido até então e agora.
2.2.1. CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA, LEI DA LIBERDADE RELIGIOSA E CONCORDATA DE 2004
De entre os direitos, liberdades e garantias considerados como direitos fundamentais, a Constituição da República Portuguesa consagra a inviolabilidade da liberdade de consciência de religião e de culto (artigo 41.º, n.º 1, CRP) como um deles. Tendo uma matriz primordialmente individual (pessoal), este direito é também, em algumas das suas vertentes, um direito usufruível colectivamente (ou por pessoas colectivas) - ou seja tem também a natureza de direito colectivo. E, nessa dimensão, a Constituição dispõe que as igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto27 (artigo 41.º, n.º 4, CRP) ou seja, pode dizer-se, como o faz MANUEL BRAGA DA CRUZ, que o Estado tem, em relação à religião, uma autonomia própria. O Estado não é competente em matéria religiosa e o inverso também é válido: as religiões também não são competentes em matéria politica24.
… [O]s direitos colectivos de liberdade religiosa, cujos titulares são as igrejas e outras confissões religiosas (e ainda as pessoas colectivas por elas criadas) incluem o direito à auto-organização (…) e o direito à autodeterminação (…) e o direito à organização do culto e à assistência religiosa dos crentes (templos e locais de culto, recrutamento e formação dos ministros, organização de cerimónia religiosas)25.
A Lei da Liberdade Religiosa consagrando a liberdade de culto26, estabelece, por um lado, o princípio da separação entre o Estado e as igrejas, por via do qual estas são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto , ao mesmo tempo que determina a não confessionalidade do Estado, em via do que este não se pronuncia sobre questões religiosas28.
A esta liberdade a lei concede uma verdadeira força jurídica vinculativa que leva a que, sobre ela, apenas sejam admitidas as restrições necessárias para salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos29.
Na parte reservada aos direitos colectivos de liberdade religiosa a Lei da Liberdade Religiosa garante, de modo expresso, às igrejas - que caracteriza como comunidades sociais organizadas e duradouras em que os crentes podem realizar todos os fins religiosos que lhes são propostos pela respectiva confissão30 e, portanto, garante também à Igreja Católica, a liberdade no exercício das suas funções e do culto, podendo, nomeadamente, sem interferência do Estado ou de terceiros … exercer os actos de culto, privado ou público, sem prejuízo das exigências de polícia e trânsito31.
Pode pois dizer-se que à luz da Lei da Liberdade Religiosa e à partida nenhuma limitação se coloca à prática religiosa e ao culto rectius, no caso, à prática religiosa e culto da Igreja Católica – nem, em circunstância alguma, estes dependem de prévia autorização ou licença administrativa.
Por seu lado, por via da Concordata de 2004, a República Portuguesa reconhece à Igreja Católica o direito de exercer a sua missão apostólica e garante o exercício público e livre das suas actividades, nomeadamente as de culto, magistério e ministério, bem como a jurisdição em matéria eclesiástica32 ao mesmo tempo que é reconhecida à Igreja Católica, aos seus fiéis e às pessoas jurídicas que se constituam nos termos do direito canónico a liberdade religiosa, nomeadamente nos domínios da consciência, culto, reunião, associação, expressão pública, ensino e acção caritativa33.
Limitação (ou seja, compressão, mas nunca ablação) a estas liberdades apenas as que resultem da Constituição – designadamente da necessidade de tutela de e compatibilização com outros direitos fundamentais – ou que sejam expressamente previstas na lei ou resultem de exigências de polícia administrativa, quando para tutela de bens ou valores de idêntica natureza e valia.
2.2.2. AS NORMAS LEGAIS INVOCADAS
2.2.2.1. O DECRETO-LEI N.º 310/2002
A questão ora em apreço apresenta-se colocada no âmbito da disciplina estabelecida pelo Decreto Lei n.º 310//2002, e, mais concretamente, do que nele se dispõe na norma do n.º 2 do artigo 30.º, onde se afirma que o funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projetem sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários, só poderá ocorrer entre as 9 e as 22 horas e mediante a autorização referida no artigo 32.º (sublinhado nosso).
Antes de sobre o problema se adiantarem outras razões, analise-se do objecto do diploma em questão e da inserção sistemática desta norma.
Em primeiro lugar o diploma em causa visa(va) regula[r] o regime jurídico de acesso, exercício e fiscalização de certas actividades34, algumas das quais de livre acesso35, outras carecendo para o seu exercício de licenciamento municipal36.
De entre as actividades que careciam de licenciamento municipal encontrava-se a de realização de espectáculos desportivos e de divertimentos públicos nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre, que era depois especialmente disciplinada no capítulo VII do mesmo diploma, epigrafado Licenciamento do exercício de actividades de realização de espectáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos capítulo esse no qual se encontra integrado o artigo 30.º ora em questão.
Ora terá que ser nesse quadro de realização de espectáculos de natureza desportiva e de divertimentos públicos que tem que ser lida e interpretada a norma do n.º 2 do artigo 30.º.
Dispunha o n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 310/2002, anteriormente à alteração introduzida pela Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro37, que os arraiais, romarias, bailes, provas desportivas e outros divertimentos públicos organizados nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre dependem de licenciamento da câmara municipal. Entretanto, o artigo 16.º, n.º 3, al. c), do RJAL, veio cometer às juntas de freguesia a competência para o licenciamento, entre outras, das actividades ruidosas de caráter temporário que respeitem a festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes deixando agora no âmbito municipal apenas o licenciamento de provas desportivas e de outros divertimentos públicos que não os atrás apontados.
Por seu lado, o artigo 30.º, epigrafado de espectáculos e actividades ruidosas, ao mesmo tempo que, no âmbito da matéria da sua epígrafe, veda a actuação de bandas de música, grupos filarmónicos, tunas e outros agrupamentos musicais … nas vias e demais lugares públicos dos aglomerados urbanos desde as 0 até às 9 horas (n.º 1), limita, ainda no mesmo âmbito, o funcionamento de emissores, amplificadores e outros aparelhos sonoros que projetem sons para as vias e demais lugares públicos, incluindo sinais horários, circunscrevendo-o ao período entre as 9 e as 22 horas e condicionando-o a autorização referida no artigo 32.º (n.º 2), ao que acresce o facto de o “funcionamento” das actividades ruidosas referidas neste último número só poder ser consentido, diz-se no n.º 3 do mesmo artigo, por ocasião de festas tradicionais, espetáculos ao ar livre ou em outros casos análogos devidamente justificados (al. a)) e desde que cumpridos os limites estabelecidos no n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, quando a licença é concedida por período superior a um mês (al. b))38. Ora pretender enquadrar o toque dos sinos no âmbito desta licença ou é dizer que estes apenas poderão tocar esporadicamente por ocasião de festas tradicionais, espetáculos ao ar livre ou em outros casos análogos devidamente justificados e que, no demais tempo, deverão permanecer silenciosos ou então é usar esta norma opara abranger situações que não recaem na sua previsão e no seu âmbito de aplicação.
2.2.2.1. O REGULAMENTO GERAL DO RUÍDO
Por outro lado, também não se afigura que a licença especial de ruído de que trata o artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído seja aplicável no caso pois que esta é/pode ser concedida quando esteja em causa unicamente uma «actividade ruidosa temporária», ou seja, a actividade que, não constituindo um acto isolado, tenha carácter não permanente e que produza ruído nocivo ou incomodativo para quem habite ou permaneça em locais onde se fazem sentir os efeitos dessa fonte de ruído tais como obras de construção civil, competições desportivas, espectáculos, festas ou outros divertimentos, feiras e mercados, pois que o toque dos sinos (nas suas diversas funções, litúrgicas, laicas ou comunitárias) além da sua ancestralidade e de sua continuidade ou permanência, não se enquadra também em qualquer das situações apontadas, pois que não ocorre apenas e por ocasião de qualquer delas.
Para além disso, e em termos comparativos, há que notar que o exercício de uma actividade ruidosa temporária promovida pelo município, não carece de qualquer licenciamento ainda que também fique sujeita aos valores limites fixados no n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruido (artigo 15.º, n.º 7, al. a), do Regulamento Geral do Ruido).

2.3. Ora não se afigura que a prática religiosa e de culto da Igreja Católica, prática e culto esses onde o toque dos sinos assume um profundo e relevante significado litúrgico, possa ser considerada como um divertimento público e, menos ainda, como um espectáculo de natureza desportiva. E menos ainda que se encontre sujeita a licenciamento administrativo ou a qualquer prática autorizatória das entidades administrativas.
Como antes já se referiu, a Lei da Liberdade Religiosa garante às igrejas e demais comunidades religiosas a liberdade no exercício das suas funções e do culto, podendo, nomeadamente, sem interferência do Estado ou de terceiros … exercer os actos de culto, privado ou público, sem prejuízo das exigências de polícia e trânsito. Por seu lado, como também se disse, pela Concordata de 2004 a República Portuguesa reconhece à Igreja Católica o direito de exercer a sua missão apostólica e garante o exercício público e livre das suas actividades, nomeadamente as de culto e reconhece à Igreja Católica, aos seus fiéis e às pessoas jurídicas que se constituam nos termos do direito canónico a liberdade religiosa, nomeadamente nos domínios da consciência, culto, reunião, associação, expressão pública.
A este respeito diz-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25 de Fevereiro de 201139:
A lei de liberdade religiosa – Lei nº 16/2001 de 22/6 – não contém qualquer norma a prever o prévio licenciamento ou autorização para o exercício de culto (…). Bem pelo contrário, no que respeita aos locais de culto, dá indicação de que não deve haver constrangimentos administrativos. A alínea b) do artigo 23º preceitua que «as igrejas de demais comunidades religiosas são livres no exercício das suas funções e do culto, podendo, nomeadamente, sem interferências do Estado ou de terceiros, estabelecer lugares de culto ou de reunião para fins religiosos» (…).
Isto não significa que a liberdade de culto prevista no nº 1 do artigo 41º da CRP não possa ser limitada em função de outras direitos fundamentais, tal como a saúde e o ambiente. Com qualquer outro direito fundamental, a lei pode estabelecer as restrições necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também constitucionalmente garantidos, como expressamente se prevê no nº 2 do artigo 18º da CRP. Como se diz no acórdão do STA de 23/10/2002 (proc. nº 01102/02, in www. dgsi.pt) «está afastada a possibilidade de o princípio da liberdade de culto servir de suporte para isentar a recorrente das obrigações ou deveres que são impostos à generalidade dos cidadãos, designadamente da observância das regras do ordenamento urbanístico e das que visam satisfazer interesses ambientais». Só que não há norma que, para controlo das condições de segurança e de saúde, exija que os locais de culto sejam previamente autorizados.
Temo assim por óbvio e evidente que a prática e ritual litúrgico da Igreja Católica, do qual faz parte integrante o ancestral toque dos sinos nas torres sineiras suas catedrais, basílicas, igrejas, capelas, mosteiros, cenóbios e todos os demais lugares de culto, em razão desse mesmo culto, não está sujeita a qualquer licenciamento administrativo, porque a tal se opõe o princípio da liberdade religiosa que se assume como direito liberdade e garantia com a natureza de direito fundamental, consagrado na Constituição, densificado na Lei da Liberdade Religiosa e garantido à Igreja Católica pela Concordata de 2004.
O mesmo deve ser entendido quanto ao toque das horas. Em boa verdade, se as horas que os sinos começaram a “dar” eram as horas litúrgicas, horas de oração, primeiro para dentro do mosteiro e depois também para a comunidade circundante, como uma função eminentemente congregadora e de ligação telúrica40, essa horas acabaram por ir servindo igualmente para regular um tempo paulatinamente transmudado em tempo civil, na medida que as horas do livro deixaram de ter uma função eminentemente litúrgica e foram passando a regular o quotidiano do trabalho e da vida. E, por isso, também não se vê que o toque das horas, regulado pelo “relógio da torre” e “vistas” no seu mostrador, careça de ser licenciado, não apenas pelas suas origens e função - que ainda hoje se mantêm – como também pela sua prática secular, eminentemente social em benefício da comunidade. Razões estas a que acresce uma outra, de identidade de tratamento, pois caso (o relógio e) o sino esteja(m) numa torre municipal, marcando um tempo laico ou civil, não carecerá de licenciamento, em função da isenção que nesta matéria gozam os municípios.
É evidente que como se disse há pouco, em cima, isto não significa que a liberdade de culto prevista no nº 1 do artigo 41º da CRP não possa ser limitada em função de outras direitos fundamentais, tal como a saúde e o ambiente. Como [com] qualquer outro direito fundamental, a lei pode estabelecer as restrições necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também constitucionalmente garantidos. E é por isso que já desde a Concordata de 1940 o Estado assegurava à Igreja Católica o livre exercício de todos os actos de culto, privado ou público, sem prejuízo das exigências de polícia e de trânsito.
Ora, é pois no âmbito dessa polícia administrativa41 que em caso de ruído provocado pelas actividade de culto religioso, o presidente da câmara municipal dispõe de poderes de fiscalização e poderes cautelares que evitam a ocorrência de danos à saúde e sossego dos moradores, designadamente o poder de suspender ou encerrar preventivamente a actividade ou o local de culto42. Mas, se até esse limite vigora o princípio da liberdade religiosa, a sua compressão por razões ambientais e de “ruído” no caso do toque dos sinos, deve também ter presente e atender à função social dos mesmos. Na verdade, se bem que hoje exista um sistema de protecção civil, com cobertura nacional, que providencia meios de auxílio em caso de catástrofe ou acidente, convém lembrar que em algumas comunidades o sino poderá ser (ainda) um elemento essencial e congregador da protecção civil, tocando a rebate em caso de desastre – pelo que o seu toque audível é condição da emergência do socorro.
A questão “pós-moderna” que agora se coloca com a utilização de aparelhagens sonoras amplificadoras para, eletronicamente, reproduzir o som e toques dos sinos, não retira a questão do ponto onde foi analisada (salvo, eventualmente, o eventual mau gosto dos som dos toques): Na verdade, a utilização de aparelhagens para reproduzir o som dos sinos nos toques litúrgicos deixa a questão no ponto onde tem que ser colocada: a da liberdade religiosa, designadamente da liberdade de práticas religiosas. Isto sem prejuízo dos já referidos poderes de polícia administrativa que cabem às autarquias locais dirigidos ao controlo dos excessos e abusos (de som), de modo a que não sejam postos em causa direitos, designadamente direitos fundamentais de terceiros, e acautelando as questões em matéria de ruído.


CONCLUINDO
a) A prática e ritual litúrgico da Igreja Católica, do qual faz parte integrante o ancestral toque dos sinos nas torres sineiras suas catedrais, basílicas, igrejas, capelas, mosteiros, cenóbios e todos os demais lugares de culto, em razão desse mesmo culto, não está sujeita a qualquer licenciamento administrativo, porque a tal se opõe o princípio da liberdade religiosa que se assume como direito liberdade e garantia com a natureza de direito fundamental, consagrado na Constituição, densificado na Lei da Liberdade Religiosa e garantido à Igreja Católica pela Concordata de 2004.
b) O mesmo deve ser entendido quanto ao toque das horas nos sinos das torres das igrejas.
c) Isto não significa que a liberdade de culto prevista no nº 1 do artigo 41º da CRP não possa ser limitada em função de outras direitos fundamentais, tal como a saúde e o ambiente. Como [com] qualquer outro direito fundamental, a lei pode estabelecer as restrições necessárias para assegurar a satisfação de outros direitos ou interesses também constitucionalmente garantidos.
d) No âmbito dos poderes de polícia administrativa, em caso de ruído provocado pelas actividades de culto religioso, o presidente da câmara municipal dispõe de poderes de fiscalização e poderes cautelares que evitam a ocorrência de danos à saúde e sossego dos moradores, designadamente o poder de suspender ou encerrar preventivamente a actividade ou o local de culto.
e) A utilização de aparelhagens para reproduzir o som dos sinos nos toques litúrgicos deixa a questão no ponto onde tem que ser colocada: a da liberdade religiosa, designadamente da liberdade de práticas religiosas, sem prejuízo dos já referidos poderes de polícia administrativa que cabem às autarquias locais dirigidos ao controlo dos excessos e abusos (de som), de modo a que não sejam postos em causa direitos, designadamente direitos fundamentais de terceiros, e acautelando as questões em matéria de ruído.

Salvo semper meliori judicio

 

 Ricardo da Veiga Ferrão

(Jurista. Técnico Superior)

 

1. Licença essa que, ainda que não exactamente a mesma, pode ser assimilada à licença especial de ruído prevista no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro.

2. Artigo 30.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro.

3. Infracção prevista e punida pela al. i) do n.º 1 do artigo 47.º do Decreto-Lei n.º 310/2002.

4. Os sinos e as campainhas acompanham o homem desde tempos imemoriais, assumindo várias e distintas funções, mas sempre tendo estado presentes nos momentos mais importantes da sua vida. De facto, para além de se destinarem a produzir determinados sons, com determinados usos e funções, trata-se de instrumentos de todo indissociáveis dos ciclos vitais dos homens, não raro assumindo funções rituais e usos mágicos.
Os sinos integram o conjunto dos chamados idiofones percutidos (porventura os de mais antigas e primitivas origens) na medida em que os sons são obtidos graças à acção de um batimento sobre o corpo vibrante com um objecto estranho ao mesmo.
Com o advento do Cristianismo, aliou-se à sua função primordial de reunião e de comunicação um carácter intrinsecamente sagrado, tornando-se autênticos porta-vozes de uma linguagem universal cuja vigência se manteve até ao presente (Joaquín Diaz). O que implicou, naturalmente, a criação de todo um processo de significados e de significantes de modo a operar a respectiva sacralização. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos na Terra de Miranda, ed. do Centro de Musica Tradicional Sons da Terra, 2005, pag. 5. Desta obra há 2.ª edição, Editora Âncora, 2012.

5. O uso dos sinos nas práticas do culto cristão pode filiar-se numa continuidade de utilização de instrumentos musicais, como os cornos de carneiro e as trompetas de prata que são citadas no Antigo Testamento para o anúncio de um festim, ou as campainhas de ouro que são mencionados no livro do Êxodo (28; 31-35). Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 10. Porém, importa ter bem presente o facto de os sinos não terem sido inicialmente aceites como símbolos do Cristianismo, sobretudo devido ao facto de, quer na Grécia quer em Roma, estarem profundamente associados a rituais pagãos e a práticas seculares. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 6.

6. Aos sinos foi atribuída pela Igreja Católica uma relevante carga simbólica …, sobretudo numa altura em que era de todo imperativo congregar as comunidades em torno das respectivas igrejas e templos, bem como manter permanentemente informadas as pessoas sobre os seus deveres e obrigações religiosas (sobretudo no que se refere aos tempos/momentos dedicados à oração). Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 6.

7. Com o decurso dos tempos, este simbolismo cristão foi diminuindo, mantendo-se, porém, a sua importância como um sinal da comunidade (Schafer, 1997:89):
O sinal sonoro mais significativo da comunidade cristã é o sino da igreja. Num sentido bem verdadeiro, ele define a comunidade, pois a paróquia é um espaço acústico circunscrito pela sua abrangência.
O sino é um som centrípeto; atrai e une a comunidade num sentido social, do mesmo modo que une homem e Deus. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 7.
…na literatura abund[a]m as referências ao … uso e funções dos tipos de toques de sinos, sinetas e campainhas, integrando as “paisagens sonoras" das comunidades… Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 34.
São muitos e variados os toques de sinos, com distintas funções e diferentes significados…
O sino pode soar, dobrar, repicar, tocar, bater, voltear... Eram tantos os toques diferentes que quase em cada momento o podíamos designar de forma distinta. Havia três momentos do dia que eram recordados através do som dos bronzes: o amanhecer, toque que recebia o nome de Ave-Maria, ao meio-dia, que correspondia ao Ângelus, e o anoitecer quando o sino tocava para a oração. Juntamente com estes três toques fixos quotidianos soavam toques para recordar os actos litúrgicos, como as missas, os terços, as procissões, os casamentos, os funerais e os toques de defuntos, E misturados com eles, convocatórias para acontecimentos civis ou religiosos como o podiam ser o toque para a reunião do conselho, irmandade ou confraria, os toques para a vezeira, a fogo ou inclusivamente contra o enevoado que ameaçava as colheitas.
Quando o tempo não tinha o valor que hoje lhe é atribuído, quando esse tempo era só marcado pelo nascer e pôr-do-sol, pelas nove badaladas do toque de Trindades, caídas das torres das igrejas das aldeias ou das capelinhas dispersas pelos outeiros, ao meio-dia ou aos crepúsculos do seu começo e findar, quando os trabalhos eram marcados pelas festas do ano ou pelos dias dos Santos de maior devoção, quando não era ainda considerada a velocidade do tempo, a vida, nos meio s rurais, era bastante diferente. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pags. 39-40.
… três momentos muito importantes na vida das comunidades, com os sinos a desempenharem um papel relevante de aviso: o toque da manhã era também designado de toque das Avé Marias; o toque do meio-dia correspondia ao Angelus; e o toque do fim da tarde, que recomendava um tempo consagrado à oração, era designado o toque das Trindades…
O toque das Trindades era religiosamente respeitado pelas gentes das comunidades rurais: cessava o trabalho e todos recolhiam a suas casas… Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 41.

8. Cfr. FERNANDO CORREIA DE OLIVEIRA, História do Tempo em Portugal – Elementos para uma história do tempo, da relojoaria e das mentalidades em Portugal, edição do autor, 2003, pag. 30.
A prática das orações comunitárias diárias adveio ao cristianismo da prática judaica de récita de orações em horas fixas do dia, prática essa que passou para os Apóstolos e depois se generalizou e padronizou com a expansão da vida monástica na Europa. S. Bento de Núrsia estabeleceu sete horas canónicas: Matinas, Prima, Terça. Sexta, Noa, Vésperas e Completa, ainda que os momentos de oração (horas) pudessem chegar a ser oito diurnos e três ou quatro nocturnos.

9. Cfr. FERNANDO CORREIA DE OLIVEIRA, História do Tempo… cit., pag. 31. Relata este autor que de 1377 há notícia de ter sido instalado na Sé de Lisboa um “relógio de torre, batendo sinos”.

10. FERNANDO CORREIA DE OLIVEIRA, História do Tempo… cit., pag. 31.

11. Caso de um desses conflitos foi a disputa, nos tempo de D. João I, entre o Bispo do Porto e a Câmara dessa cidade, sobre o pagamento da manutenção de um relógio e toque do sino a ele adstrito, que estando na Porta do Olival, marcando assim um tempo leigo e municipal, passou para uma torre da Sé, marcando agora um tempo clerical acima desse tempo laico. Cfr. FERNANDO CORREIA DE OLIVEIRA, História do Tempo… cit., pag. 33.

12. A chegada dos sinos à Europa registou-se através de Bizâncio e a primeira notícia da sua utilização refere-se a Nola, cidade situada na província de Campania, na Itália.
De facto, a instalação de sinos nos templos cristãos tem vindo a ser atribuída a S. Paulino (353-431), bispo de Nola, que justamente no ano da sua morte assinou uma disposição nesse mesmo sentido, depois de ter mandado instalar um conjunto de vários sinos, designados tintinabula, feitos a partir de folhas de cobre e de estanho, com diferentes dimensões e com a função de comunicar aos fiéis o distinto conteúdo das ecclesiae.
A partir do século V, os sinos surgem referenciados nos mais diversos textos, sendo o mais antigo que se conhece sobre os seus vários usos litúrgicos da autoria do Bispo de Tours, S. Gregório (576-595), sendo então considerada primordial a função de chamamento por eles desempenhada.
… a colocação de sinos nos templos cristãos foi decisivamente incrementada graças à acção nesse sentido desenvolvida pelo Papa Sabiniano que, por bula datada de 604, referenciada por Polidoro Virgílio (na sua obra De inventionibus rerum) chegou mesmo a instituir o toque de sinos nas horas canónicas (Díaz, 1997:19). Nesta bula decretava-se expressamente que os sinos dos mosteiros … deviam ser tangidos sete oito vezes ao dia, ficando tais momentos a ser conhecidos como sendo as horas canónicas … .
Terá sido a partir do século XIII que se passou a colocar os sinos no alto de torres instaladas nas igrejas com esse fim (e designadas de campanários). De facto, embora o uso dos sinos nos templos cristão tenha sido sancionado pelo Papa Sabiniano nos inícios do século VII (com a cerimónia ritual da respectiva bênção a ser instituída um pouco mais tarde), só por volta do século XI é que se começaram a construir torres sineiras. Num livro datado do século VIII, o Liber Pontificalis, refere-se expressamente o facto de o Papa Estêvão II (752-757) ter mandado erigir um campanário com três sinos na Basílica Velha de S. Pedro, em Roma, sendo nessa época as torres sineiras já consideradas como um elemento essencial dos templos consagrados ao culto católico.
Enquanto as igrejas só tiveram um sino de mediana grandeza, limitaram-se os fiéis a fazer no cume, por cima do coro, ume espécie de nicho de madeira onde colocavam o sino.
Mas apenas as igrejas possuíam sinos maiores, edificavam-lhes torres; colocou-se sobre a maior parte delas uma pirâmide terminada por um globo, em cima do qual se arvorou a cruz; sobre a cruz se pôs um galo, emblema popular que indica o uso dos sinos na Igreja. Cfr. MÁRIO CORREIA, Toque de Sinos… cit, pag. 10 e segs.

13. Desse incómodo e do que ele já representava para as populações, é claro e expressivo exemplo o ofício dirigido pelo Secretário de Estado dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça ao Cardeal Patriarca de Lisboa, a 19 de Junho de 1837, com o seguinte teor:
Em.mo e Rev.mo Sr.
Constando a Sua Magestade a RAINHA que a despeito de reiteradas ordens, expedidas por este Ministerio, continúa a praticar-se um intolerável abuso no toque dos sinos, com grave incómmodo dos habitantes desta Capital: Quer Sua Magestade que V. Em.ª se sirva de remetter a esta Secretaria d’Estado as instrucções que sobre tal objecto lhe foram pedidas em Aviso de 28 d’Abril ultimo, a fim de poder-se definitivamente regular o toque dos mesmos sinos, e a duração deles. Quer outro sim Sua Magestade que V. Em.ª expeça desde já as ordens mais terminantes para que esses toques sejam promptamente reduzidos aos que annuciam a saudação angelica, aos que chamam os Fieis á Missa, e aos que dão signal de incendio: devendo V. Em.ª fazer saber ao Conego que serve de Thesoureiro Mór da Cathedral de Lisboa, e aos Parochos da Capital, que ficam responsáveis por qualquer abuso que se cometta neste negocio, e que em tal caso o Governo os fará inexoravelmente castigar pelos meios que tem á sua disposição.
Deus guarde a V. Em.ª
Este documento é consultável em http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/18/15/p354.
Também um edital de 18 de Fevereiro de 1892 do governador civil interino do distrito do Porto, Joaquim Traibner de Morais, … regulava [o toque dos sinos] …: só o bispo, o pároco ou os capelães têm o direito de mandar tocar os sinos das igrejas, capelas e ermidas para os ofícios, orações públicas e outros actos religiosos, mas estes toques não poderão durar mais de cinco minutos cada um, excepto para finados, pois nesse caso poderá haver três toques de cinco minutos cada um dom intervalo ao menos de um quarto de hora; era proibido qualquer toque de sinos antes do amanhecer e depois das 9 horas da noite desde a Páscoa até 31 de Outubro, e antes do amanhecer e depois das 8 horas da noite desde 1 de Novembro até à Páscoa, com excepção da noite de Natal. A 12 de Julho de 1892, um ofício do mesmo governador civil, permitia que o toque dos sinos não se limitasse ao número de três, mas que fossem os necessários. Cfr. RITA MARIA CRISTOVAM CIPRIANO ALMEIDA DE CARVALHO, A Concordata De Salazar, Portugal-Santa Sé 1940, Tese de Doutoramento, FCSH – UNL. 2009, pag. 12, nota 64, consultável em http://run.unl.pt/handle/10362/5685. Há edição em livro: RITA ALMEIDA DE CARVALHO, A Concordata de Salazar, Temas e Debates, 2013.

14. A Constituição de 1911 acompanhou, nestas matérias, o espirito revolucionário da época: laicista e anticatólico. Ainda que garantindo formalmente a liberdade de consciência e de crença e a igualdade política e civil de todos os cultros mantinha a legislação em vigor que extinguiu e dissolveu em Portugal a Companhia de Jesus, as sociedades nela filiadas e todas as congregações religiosas e ordens monásticas (artigo 3.º, n.º 12). Cfr. JORGE MIRANDA, Liberdade Religioso, Igrejas e Estado em Portugal, in Nação e Defesa, n.º 39, Julho-Setembro 1986, pag. 120-121.

15. Decreto com força de lei de 20 de abril, separando o Estado das igrejas, publicado no Diário do Governo n.º 91, de 21 de Abril de 1911.

16. Nesse sentido, JORGE MIRANDA, Estado, Liberdade Religiosa e Laicidade, in Gaudium Sciendi, n.º 4, Julho de 2013, pag. 31-32. O artigo, em formato de revista electrónica, pode ser acedido em http://tinyurl.com/h6jgb4k

17. Nesse sentido, vd. os artigos 43.º e seguintes da Lei da Separação, em especial os artigos 55.º a 57.º. Sobre as limitações impostas vd. também, RITA ALMEIDA DE CARVALHO, A Concordata … cit, pag. 11.

18. Portaria n.º 6259, de 26 de Junho, publicada no Diário do Governo, n.º 146, 1º suplemento, de 19 de Junho de 1929.

19. Nos termos do artigo 2.º do Decreto n.º 3856, de 22 de Fevereiro de 1918, publicado no Diário do Governo de 23 de Fevereiro do mesmo ano, o culto público de qualquer religião passava a poder exercer se a qualquer hora, sem dependência de licença da autoridade pública.

20. A este respeito dizem RITA ALMEIDA DE CARVALHO E ANTÓNIO DE ARAÚJO, A Voz dos Sinos: o «diário» de Mário de Figueiredo sobre a crise política de 1929, in ESTUDOS, Revista do Centro Académico de Democracia Cristã, Nova Série, n.º 5 - Coimbra 2005, pag. 460: A «portaria dos sinos» suscitou a oposição de alguns membros do Governo de Vicente de Freitas, os quais entendiam que ela revogava a Lei da Separação do Estado e das Igrejas, pelo que acabaria por ser anulada na reunião do Conselho de Ministros que teve lugar no dia 2 de Julho de 1929. Na sequência desta deliberação, Mário de Figueiredo demite-se e no dia 3 de Julho Oliveira Salazar, então Ministro das Finanças, pede a sua exoneração ao Presidente do Ministério.
Para o efeito, alegou que durante o período em que fora titular da pasta das Finanças nunca procurara «melhorar a situação legal dos católicos», porque a sua acção estava confinada aos problemas financeiros, mas, considerando que a portaria se limitava a interpretar disposições legais anteriores, «seria faltar a um compromisso tomado comigo, adoptar o Governo qualquer medida que violasse direitos já concedidos por leis ou governos anteriores aos católicos ou à Igreja em Portugal». Ora, a revogação da portaria fazia-o.

21. Nesse sentido, a propósito da preparação da Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 1940, vd. RITA ALMEIDA DE CARVALHO, A Concordata … cit, pag. 217.
O texto da Concordata de 1940, assinada na Cidade do Vaticano em 7 de Maio de 1940, aprovada por resolução da Assembleia Nacional promulgado pela Lei n.º 1984 (DG, I, n.º 125, de 30 de Maio de 1940), e ratificada pela Carta de Confirmação e Ratificação do Presidente da República de 1 de Junho de 1940, encontra-se publicado no Diário do Governo, I série, n.º 158, de 10 de Julho de 1940. A Concordata foi alterada pelo Protocolo Adicional celebrado a 15 de Fevereiro de 1975, aprovado para ratificação pelo Decreto n.º 187/75, de 4 de Abril, tendo sido substituída pela Concordata celebrada a 18 de Maio de 2004.

22. Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho, alterada pela Lei n.º 91/2009, de 31 de Agosto, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro e Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

23. A Concordata de 2004, assinada a 18 de Maio de 2004, foi aprovada para ratificação pela Resolução da AR n.º 74/2004 de 16 de Novembro e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 80/2004, de 16 de Novembro.

24. MANUEL BRAGA DA CRUZ, A liberdade religiosa – dos direitos individuais aos direitos sociais, in Revista Portuguesa de Ciência das Religiões, ano I, 2002, n.º 1, pag. 145.

25. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, 2007, pág. 611.

26. Diz o artigo 1.º da Lei da Liberdade Religiosa que a liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável e garantida a todos em conformidade com a Constituição, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o direito internacional aplicável e a presente lei.

27. Artigo 3.º da Lei da Liberdade Religiosa.

28. Artigo 4.º, n.º 1, da Lei da Liberdade Religiosa.

29. Artigo 6.º, n.º 1, da Lei da Liberdade Religiosa.

30. Artigo 20.º da Lei da Liberdade Religiosa.

31. Artigo 23.º, al. a), da Lei da Liberdade Religiosa. Não deixa de ser curioso que parte da redacção (e previsão legal) desta norma seja idêntica à do Artigo XVI da Concordata de 1940.

32. Artigo 2.º, n.º 1, da Concordata de 2004.

33. Artigo 2.º, n.º 4, da Concordata de 2004.

34. Artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 310/2002.

35. Era o caso da exploração de máquinas automáticas, mecânicas, elétricas e eletrónicas de diversão e da venda de bilhetes para espetáculos ou divertimentos públicos em agência ou postos de venda – artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 310/2002.

36. De entre as que careceriam de licenciamento municipal para poderem ser exercidas incluíam-se as actividades de guarda-nocturno, venda ambulante de lotarias, arrumador de automóveis, realização de acampamentos ocasionais, realização de espectáculos desportivos e de divertimentos públicos nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre, e realização de fogueiras e queimadas – artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 310/2002.

37. A Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, que aprovou, em anexo, o Regime Jurídico das Autarquias Locais (RJAL), ao mesmo tempo que dispunha, na alínea e), do n.º 1, do seu artigo 3.º, que é revogado … o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 156/2004, de 30 de junho, 9/2007, de 17 de janeiro, 114/2008, de 1 de julho, 48/2011, de 1 de abril, e 204/2012, de 29 de agosto, na parte em que refere as alíneas b), c) e f) do artigo 1.º do mesmo diploma, bem como as suas subsequentes disposições relativas à titularidade da competência para o licenciamento das atividades de venda ambulante de lotarias, de arrumador de automóveis e atividades ruidosas de caráter temporário que respeitem a festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes, passou a cometer (artigo 16.º, n.º 3, al. c), do RJAL) às juntas de freguesia a competência para o licenciamento de, entre outras, actividades ruidosas de caráter temporário que respeitem a festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes.

38. De acordo com o n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, a licença especial de ruído, quando emitida por um período superior a um mês, fica condicionada ao respeito nos receptores sensíveis do valor limite do indicador LAeq do ruído ambiente exterior de 60 dB(A) no período do entardecer e de 55 dB(A) no período nocturno.
Curiosa e problemática é a incongruência que passou a existir em matéria de licenciamento de actividades ruidosas (temporárias) face ao que hoje se dispõe na lei, quer por via das alterações introduzidas no Decreto-Lei n.º 310/2002 pela Lei n.º 75/2013 quer pelo que ora o RJAL dispõe, pois que passou a haver um conflito legal sobre a entidade competente para licenciar actividades ruidosas, designadamente quando esteja em causa ruído proveniente ou gerado por causa ou no contexto de festas populares, romarias, feiras, arraiais e bailes, pois que o licenciamento dessas “actividades ruidosas” (como se diz expressamente na lei) se encontra presentemente cometido às juntas de freguesia (artigo 16.º, n.º 3, al. c), do RJAL) mas a atribuição de licença especial de ruído (actividade ruidosa temporária) continua a caber ao município (artigo 15, n.º 1, do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro).
Existe, assim, uma evidente colisão legal quanto à entidade licenciante em matéria de ruído nestas situações, consideradas as competências para o efeito atribuídas pelos diversos regimes legais aplicáveis.

39. Consultável em http://tinyurl.com/zoffnux

40. É a isso que se refere Pessoa quando escreve: Ó sino da minha aldeia,/Dolente na tarde calma,/Cada tua badalada/Soa dentro da minha alma.
(Ó sino da minha aldeia in Renascença, Fevereiro de 1924).

41. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10.ª ed., 3.º reimp. 2004, vol. II, p. 1150 considera polícia administrativa como o modo de actuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir.

42. É quanto se diz no sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25 de Fevereiro de 2011, já antes citado.

 

 

 

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Representante do Municipio da Assembleia Geral de Empresa Local.

 

Na sequência do pedido formulado pelo Município de ..., referente ao assunto em epígrafe, cumpre informar o seguinte:

Da análise dos Estatutos aprovados em sessão da Assembleia Municipal de 23 de abril de 2013, resulta que:
1. A Ribeirapera, Sociedade para o Desenvolvimento de Castanheira de Pera, E.M., SA, é uma empresa local constituída sob a forma de sociedade anónima regendo-se pelo regime da atividade empresarial local e pela lei comercial;
2. São órgãos sociais da mesma empresa: o Conselho de Administração, o Fiscal Único e a Assembleia Geral;
3. A Mesa da Assembleia Geral é constituída por 1 presidente, 1 vice-presidente e 1 secretário eleitos por esta de entre os seus elementos, por períodos de 4 anos;
4. O Município faz-se representar na Assembleia Geral por um elemento designado pela Câmara Municipal;
5. O mandato dos titulares dos órgãos sociais é coincidente com o dos titulares dos órgãos autárquicos, sem prejuízo dos atos de exoneração e da continuidade de funções até à efetiva substituição. (sublinhado nosso)
6. A fiscalização da Ribeiradepera compete ao Fiscal Único o qual é obrigatoriamente Revisor Oficial de Contas ou uma sociedade de revisores oficiais de contas.
Por deliberação, tomada por maioria, da Câmara Municipal, foi designado um vereador para a Assembleia Geral da empresa que veio a ser eleito Presidente da Mesa deste órgão;
Decorridos cerca de 2 anos após o início daquelas funções, o vereador apresentou à Câmara Municipal um pedido de ‘’demissão’’ como representante do Município na Assembleia Geral da empresa municipal colocando-se a questão de saber como deverá operar-se a cessação de funções.
Por se tratar de cessação de funções na empresa municipal, a questão deve ser enquadrada no âmbito da empresa municipal e não do executivo camarário.
De acordo com o art.º 21.º do Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local e das Participações Locais, aprovado pela Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto e alterada pelas Leis n.º 43/2014, de 25 de agosto e 69/2015, de 16 de julho, as empresas locais regem-se pela referida lei, pela lei comercial, pelos respetivos estatutos, pelo regime do setor empresarial do Estado.
Verifica-se, no entanto, que qualquer um daqueles regimes é omisso no que respeita à cessação de funções do Presidente da Assembleia Geral.
No enquadramento descrito o que estará em causa é a renúncia ao mandato, por parte do Presidente da Assembleia Geral, que deve ser apresentada ao órgão a que preside.
De acordo com o regime-regra a renúncia ao mandato é um ato unilateral receptício que produz efeitos logo que seja conhecido pelo/s destinatário/s (só não será assim se na própria comunicação for indicada uma data diferente).
A Assembleia Geral seguinte será convocada pelo Fiscal Único e terá como primeiro ponto a eleição do Presidente do órgão e, estando este presente, assume, de imediato a condução dos trabalhos.
Finalmente, quanto à representação do Município na empresa local, poderá a mesma ser assegurada, de acordo com o n.º 1, alínea oo), do art.º 33.º da Lei n.º 75/2012, de 13 de setembro, por qualquer pessoa que o órgão executivo entenda designar.`

 


À Consideração Superior

 


A Chefe de Divisão de Apoio Jurídico


(Graça Aleixo)

By |2023-10-23T11:10:17+00:0022/12/2015|Pareceres Jurídicos até 2017|Comentários fechados em Representante do Municipio da Assembleia Geral de Empresa Local.

Estrada Nacional desclassificada; artº 15º, D.L. 13/94; servidão; Lei 13/71; muro de vedação; duplo licenciamento; Lei nº 34/2015.


A Câmara Municipal de ..., em seu ofício refª ..., de ..., solicita parecer jurídico que esclareça como decidir no caso que se segue.

Em 15 de junho de 2015, verificou a sua fiscalização que se encontrava em construção um muro de vedação, confinante, e citamos, com a “Estrada Nacional 234 desclassificada”, sem a respetiva licença municipal, exigida por força do artigo 4º, nº1, alínea c), do D.L. 555/99, de 16.12, na redação atual, que aprova o regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE), pelo que foi lavrado o respetivo auto de notícia de contraordenação.

Em sua defesa, alegou o arguido que tinha já obtido um alvará de licença emitido pela EP, Estradas de Portugal, S.A, para construção de muro de vedação e acesso, estando convencido de que não necessitaria de licenciamento municipal para a obra.

Pergunta o município, e citamos, “(…) se é necessário o respetivo licenciamento municipal para a construção de um muro de vedação confinante com estrada nacional, da jurisdição da EP, Estradas de Portugal, SA”.


Sobre o assunto, começaremos por informar que à data da prática dos factos relatados pelo município, bem como à data do auto de notícia, encontrava-se ainda em vigor os D.L. 13/71, de 23.01, e D.L. 13/94, de 15.01, que regulavam a matéria em causa e que entretanto foram revogados pela Lei nº 34/2015, de 27.04, que aprova o Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional,

O D.L. 13/71, de 23.01, em particular, no seu artigo 11º, alínea c), exigia, para as obras aí previstas, licença da Junta Autónoma das Estradas (ou entidade que lhe sucedeu).

Esta licença, contudo, não dispensava a competente licença de obras da câmara municipal respetiva, situação esta que configura o que se pode designar por duplo licenciamento, pelo que não era bastante, para o efeito, um alvará de licença emitido pela EP, Estradas de Portugal, ao contrário do que alega o arguido na defesa apresentada no processo de contraordenação.

O diploma que atualmente regula a matéria, no entanto, é o Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovado pela Lei nº 34/2015, de 27.04, que revoga, entre outros, como dissemos, os D.L. 13/71, de 23.01, e D.L. 13/94, de 15.01, mas que, na sua essência, não se diferencia do anterior regime legal enunciado, quanto à intervenção dos municípios.

Este novo regime é aplicável, nos termos do seu artigo 2º, também “Às estradas nacionais (EN) desclassificadas, ainda não entregues aos municípios”, abrangendo, desta forma, o caso em apreço.

Tratando-se de um muro de vedação, aplica-se o artigo 55º, que trata de “edificações, vedações e obras de contenção”, dispondo que,
“1 – As servidões estabelecidas nos termos do presente Estatuto não prejudicam a possibilidade de, nas respetivas zonas, construir ou implantar:
a)…
b) Vedações de carácter definitivo e obras de contenção a uma distância mínima de 7 m do limite da zona da estrada, no caso dos IP e dos OC, e de 5 m, no caso das EN, ou fora da servidão de visibilidade e da área de proteção ao utilizador, desde que as mesmas não excedam a altura de 2,5 m, contada da conformação natural do solo;
(…)”
2 – A edificação ou implantação das vedações de carácter definitivo e as obras de contenção carecem de autorização da administrativa rodoviária”.
(sublinhados nossos)

Note-se que nos termos do artigo 3º do diploma, alínea a), entende-se por “Administração rodoviária”, a EP - Estradas de Portugal, S.A., ou a entidade pública que legalmente lhe venha a suceder.”, devendo acrescentar-se que, na sequência da publicação do D.L. 91/2015, de 29.05, esta entidade, EP - Estradas de Portugal, S.A., é incorporada, por fusão, na Rede Ferroviária Nacional – REFER, E.P.E. (REFER, E.P.E.), que é transformada em sociedade anónima, passando a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP, S.A.).

Em conclusão, tanto no regime legal aplicável à data da ocorrência dos factos, como no atualmente vigente, a obra, nos termos atrás expostos, carecia sempre de licença administrativa camarária, nos termos do RJUE, designadamente o seu artigo 4º, nº2, alínea c), que estabelece que estão sujeitas a licença administrativa “as obras de construção, de alteração ou de ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou por plano de pormenor”. (sublinhado nosso), pelo que é legalmente incontestável quer o auto de notícia, quer o processo de contraordenação subsequente.


Divisão de Apoio Jurídico


(António Ramos)

 

By |2023-10-23T11:11:09+00:0014/12/2015|Pareceres Jurídicos até 2017|Comentários fechados em Estrada Nacional desclassificada; artº 15º, D.L. 13/94; servidão; Lei 13/71; muro de vedação; duplo licenciamento; Lei nº 34/2015.

Fiscalização; trabalhadores municipais.

 

Em referência ao ofício ..., de ..., sobre o assunto mencionado em epígrafe, temos a informar:

Solicitou-nos O Senhor Presidente da Câmara um pedido de parecer quanto à compatibilização das funções de técnico superior com as de fiscal municipal, na sequência de informação, que anexaram, do serviço de recursos humanos da vossa Câmara Municipal.

Ora, se bem entendemos, a informação dos serviços humanos que nos remeteram não refere que os técnicos superiores que integrem equipas de fiscalização municipal passem a deter o conteúdo funcional inerente à carreira de fiscal municipal (carreira não revista1) mas sim que possam integrar enquanto técnicos superiores as equipas de fiscalização, nos termos do n º 3 do artigo 94 º do RJUE ( «no exercício da atividade de fiscalização, o presidente da Câmara Municipal é auxiliado por funcionários municipais com formação adequada, a quem incube preparar e executar as suas decisões»).
Tal significa que as operações de fiscalização propriamente ditas são levadas a cabo por trabalhadores municipais com formação adequada, isto é, principalmente pelos fiscais municipais. Tal não impede, no entanto, que os técnicos superiores possam igualmente colaborar em operações de fiscalização quando as exigências em concreto de determinadas ações de fiscalização (inspeções, vistorias, etc.) exijam que as mesmas sejam realizadas com a colaboração deste tipo de trabalhadores2.
Além do mais este tipo de atividades está, quanto a nós, também incluído no conteúdo funcional dos técnicos superiores.
De facto, se o n º 3 do artigo 94 º aqui em análise determina que os trabalhadores com formação adequada devem auxiliar o Presidente de Câmara nas suas competências de fiscalização, preparando e executando as suas decisões devemos lembrar que faz parte do conteúdo funcional dos técnicos superiores a execução de atividades de apoio geral ou especializado nas áreas de atuação comuns, instrumentais e operativas dos órgãos e serviços (anexo à lei 35/2014, de 20/06).
Além do mais, o artigo 81 º desta mesma lei 35/2014 prescreve, ainda, que a descrição do conteúdo funcional não prejudica a atribuição ao trabalhador de funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para os quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional.

Em conclusão, os técnicos superiores podem integrar e colaborar nas equipas de fiscalização, quando as exigências em concreto de determinadas ações de fiscalização (inspeções, vistorias, etc.) exijam que as mesmas sejam realizadas com a colaboração deste tipo de trabalhadores.
Estas atividades podem-se considerar integradas no seu conteúdo funcional, sendo sempre, pelo menos, funções afins ou funcionalmente ligadas ao conteúdo funcional que os técnicos superiores deverão executar.

 

Maria José L. Castanheira Neves


(Diretora de Serviços de Apoio Jurídico e à Administração Local)


1. De facto, prescreve o n.º 2 do art.º 1.º do Decreto-lei n.º 121/2008, de 11 de julho, que “o presente decreto-lei identifica, ainda, as carreiras e categorias que subsistem por impossibilidade de se efetuar a transição dos trabalhadores nelas integrados ou delas titulares para as carreiras gerais, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 106.º da lei” (salientado nosso).
E, mais adiante, dispõe o art.º 8.º do diploma o seguinte:
“1 - Subsistem, nos termos do artigo 106.º da lei, as carreiras e categorias identificadas no mapa vii anexo ao presente decreto-lei e que dele faz parte integrante.
2 - Os trabalhadores integrados nas carreiras ou titulares das categorias identificadas no mapa vii como subsistentes são, nos termos do artigo 104.º da lei, reposicionados na categoria de transição, quando aquele mapa a preveja, desde que o montante pecuniário correspondente à remuneração base a que atualmente têm ou teriam direito não seja inferior ao montante pecuniário correspondente ao nível remuneratório da primeira posição daquela categoria.
3 - …”
Ora, analisando o mapa referido nos preceitos transcritos, fácil é constatar não preverem eles a carreira de fiscal municipal, razão por que não poderá a mesma ser considerada como carreira subsistente mas antes como carreira não revista.

2. No mesmo sentido, Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes, Fernanda Maçãs, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, comentado, 2011, 3 ª edição; Almedina, pág. 622.



By |2023-10-23T11:12:05+00:0007/12/2015|Pareceres Jurídicos até 2017|Comentários fechados em Fiscalização; trabalhadores municipais.

Publicidade; rede rodoviária nacional.

 

Solicita o Presidente da Câmara Municipal de ..., por seu ofício de ..., referência n.º 3100, a emissão de parecer sobre a seguinte questão:
Na sequência da publicação do novo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional1 (Lei 34/2015, de 27 de abril), solicita-se parecer a V. Exa, no sentido de que se veja esclarecida a conciliabilidade entre este estatuto, a Lei da Publicidade e o Regulamento Municipal de Publicidade.
O Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional define no seu artigo 59.º que a afixação de publicidade visível das estradas da Rede Rodoviária Nacional, fica sujeita a obtenção de uma licença, a emitir pelo município territorialmente competente e que recebido o pedido de licenciamento, o município remeterá cópia à administração rodoviária para que se pronuncie no prazo de 10 dias úteis.
O Artigo 1º da Lei 97 /88, de 17 de agosto (Lei da Publicidade), alterada pela Lei 23/2000 de 23 de agosto e pelo Regime de Licenciamento Zero (DL 48/2011, de 1 de abril), isenta de licenciamento ou qualquer outro ato permissivo a afixação e a inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial8 que respeitem os requisitos descritos nas alíneas a), b) e c) do nº 3 deste mesmo artigo, bem como os critérios definidos pelo município e pelas entidades com jurisdição nos locais onde a publicidade é afixada ou inscrita, critérios estes que deverão estar incorporados nos regulamentos municipais (Artigo 3°-A da Lei da Publicidade).
Face ao exposto, as questões a esclarecer são:
1. Pode o município exigir o licenciamento municipal de publicidade visível de uma estrada pertencente à Rede Rodoviária Nacional, para dar cumprimento ao Artigo 59.º do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, tendo em consideração que estão cumpridos todos os requisitos de isenção definidos na Lei da Publicidade, no Regulamento Municipal de Publicidade e também os definidos pelas entidades com jurisdição nos locais onde a publicidade é afixada ou inscrita?
2. Não terá a administração rodoviária apenas competência para emitir parecer no âmbito do procedimento de licenciamento da competência das câmaras municipais?
3. Em caso afirmativo, deverá o município aplicar todas as taxas de licenciamento municipal de publicidade, acrescidas da taxa devida à administração rodoviária (a ser definida em portaria ainda por publicar)?.


APRECIANDO
1. DO PEDIDO
O que ora está em causa no presente pedido é saber se à face do que normativamente se dispõe no novo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional ,
a) a afixação de publicidade visível das estradas ainda se encontra sujeita a licenciamento mesmo nos casos de situações de potencial isenção de licenciamento à luz do previsto na Lei da Publicidade e no Regulamento Municipal de Publicidade e também face [às condições e requisitos] definidos pelas entidades com jurisdição nos locais onde a publicidade é afixada ou inscrita;
b) se a administração rodoviária não terá apenas competência para emitir parecer no âmbito do procedimento de licenciamento da competência das câmaras municipais;
e, por fim,
c) havendo lugar a licenciamento, se devem ser aplicadas as taxas de licenciamento municipal de publicidade a que eventualmente deva haver lugar, às quais acrescerá a taxa devida à administração rodoviária e que aguarda definição por portaria ainda a editar.

2. ANÁLISE
2.1. AS ACTUAIS CIRCUNSTÂNCIAS LEGAIS
O novo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional (EERRN) vem determinar, no n.º 1 do artigo 59.º que a afixação de publicidade visível das estradas a que se aplica o presente Estatuto2 fica sujeita a obtenção de uma licença, a emitir pelo município territorialmente competente, tomando por publicidade qualquer mensagem veiculada por pessoas singulares ou coletivas, de natureza pública ou privada, no âmbito de uma atividade comercial, industrial, cultural, turística, artesanal ou liberal, com o objetivo, direto ou indireto, de comercialização ou alienação de quaisquer bens ou serviços, ou de promoção de ideias, princípios, iniciativas, pessoas ou instituições (artigo 3.º, al. ii)).
2.1.1. O REGIME LEGAL ATÉ AO NOVO EERRN
Até agora – ou mais precisamente, até à entrada em vigor do novo EERRN3 – a afixação ou inscrição de publicidade4 fora dos aglomerados urbanos em quaisquer locais onde a mesma [fosse] visível das estradas nacionais era proibida5 (artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 105/986, de 24 de Abril), proibição essa que abrangia igualmente a manutenção e instalação dos respetivos suportes publicitários (artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 105/98), sendo nulos e de nenhum efeito os licenciamentos concedidos em violação destas proibições (artigo 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 105/98)7. Neste quadro, cabia às câmaras municipais e às (então) direcções regionais do ambiente, como entidades fiscalizadoras, fiscalizar o cumprimento da proibição, sem prejuízo das competências próprias da JAE (artigo 6.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 105/98).
No tocante a toda a demais afixação ou inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial (artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 97/889, de 17 de Agosto), a mesma era permitida mas sujeita a licenciamento municipal (artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 97/88), licenciamento esse a ser precedido de parecer das entidades com jurisdição sobre os locais onde a publicidade for afixada (artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 97/88), regime este que vigorou até ao momento em que o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril, instituindo o designado “licenciamento zero”, veio alterar aquele diploma no sentido de passar a dispensar(-se) qualquer licenciamento, autorização ou mera comunicação, quando estivessem em causa mensagens publicitárias de natureza comercial, afixadas em bens de propriedade privada, não visíveis a partir do espaço público ou, quando visíveis desse espaço, ou no caso de ocuparem espaço público contíguo à fachada de estabelecimento, publicitarem sinais distintivos do comércio do estabelecimento ou do respectivo titular da exploração ou está[rem] relacionada[s] com bens ou serviços comercializados no prédio em que se situam (artigo 1.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 97/88, na redacção do Decreto-Lei n.º 48/2011)10.
2.1.2. O NOVO QUADRO LEGAL DO EERRN
O novo EERRN revogando11 o Decreto-Lei n.º 105/98, de 24 de Abril, bem como o Decreto-Lei n.º 166/99, de 13 de Maio, que o havia alterado, pondo termo à proibição de afixação de publicidade visível das estradas, vem agora permitir a sua afixação ainda que dependente de licenciamento (municipal), licenciamento este cuja apreciação dos pedidos deverá ser efectuada tendo em consideração um conjunto de critérios gerais de natureza legal e bem como o que vier a ser disposto regulamentarmente em portaria a aprovar pelo Governo.
2. 2. APLICABILIDADE DO REGIME ESPECIAL DO NOVO EERRN
Temos assim que aquilo que ora se estabelece no novo EERRN é um específico regime de licenciamento (municipal) especialmente dirigido às situações de publicidade comercial visível da rede viária nacional (artigo 59.º, n.º 1, do EERRN), licenciamento esse que deverá será condicionado (ou conformado) por um conjunto próprio de regras a estabelecer por portaria do Governo, designadamente quanto a matérias com potencial impacto para a segurança rodoviária (artigo 59.º, n.º 4, do EERRN), regras essas que os municípios ficam obrigados a respeitar (artigo 59.º, n.º 6, do EERRN) nesse licenciamento, para além da observância das condicionantes gerais estabelecidas no artigo 60.º do EERRN.
É certo que a Lei n.º 97/88, depois da iniciativa “licenciamento zero”, passou a isentar de qualquer licenciamento, autorização ou mera comunicação, a publicidade nela definida que seja visível do espaço público. Ora, este espaço público a que a lei se refere há-de ser aquele a que o Decreto-Lei n.º 48/2011, diploma que “criou” o “licenciamento zero”, alude no corpo do n.º 1 do seu artigo10.º: a área de acesso livre e de uso colectivo afecta ao domínio público das autarquias locais12.
Porém, o que o novo EERRN vem fazer é, abolindo a proibição de afixação de publicidade até então vigente, passar a permitir, ainda que sujeito a licenciamento (municipal), a afixação de mensagens publicitárias cujo “visionamento”, ainda que efetuado também a partir de um “espaço público” é, contudo, um (muito) específico (e especial) espaço público – as estradas da rede rodoviária nacional … as estradas regionais e nacionais desclassificadas, ainda não entregues ao municípios, e … as ligações à rede rodoviária nacional – espaço esse que compondo o domínio público rodoviário do Estado, integra o domínio público estadual13.
Assim, o regime do EERRN aplicável à afixação de publicidade visível das estradas, apresenta-se como um regime específico perante o regime (que, por defeito, se pode dizer geral14) de afixação ou inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial estabelecido na Lei n.º 97/8815. Por isso o regime do EERRN é especificamente aplicável às situações (a todas as situações) que se compreendam no seu âmbito de aplicação objectivo, prevalecendo por isso sobre qualquer (quaisquer) outra(s) disciplina(s) legal(is) ou regulamentar(es) que possa(m) dispor de forma diversa, a(s) qual(is), por isso, deverá(ão) respeitá-lo e passar a conformar-se de acordo com o que nele ora se passa a dispor (ressalvada expressa previsão legal em contrário).
Por outro lado, no âmbito do (procedimento de) licenciamento previsto no EERRN – que é um licenciamento municipal, sublinhe-se, ainda que específico – os pedidos de afixação de publicidade visível das estradas devem ser sempre submetido a parecer da administração rodoviária (artigo 59.º, n.º 2, do EERRN).
De referir, por fim que, tal como se dispõe no n.º 4 do artigo 59.º do EERRN, as regras aplicáveis à afixação de publicidade visível das estradas a que se aplica o … Estatuto, designadamente … quanto à taxa devida à administração rodoviária, são estabelecidas em portaria … do Governo…, pelo que só após a edição desta portaria será possível aferir mais precisamente os exactos moldes em que irá ser efectuada a taxação desse licenciamento, certo porém que haverá, ao menos, uma taxa [que será] devida à administração rodoviária, pelo que aplicação de taxas municipais a esse específico licenciamento dependerá, portanto, da conjugação do que vier a ser disposto em portaria com o contido nos pertinentes regulamentos municipais sobre a matéria.

3. CONCLUINDO
a) O regime do EERRN aplicável à afixação de publicidade visível das estradas, é um regime específico face ao regime (geral) de afixação ou inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial estabelecido na Lei n.º 97/88. Por isso o regime do EERRN é especificamente aplicável às situações (a todas as situações) que se compreendam no seu âmbito de aplicação objectivo, prevalecendo por isso sobre qualquer (quaisquer) outra(s) disciplina(s) legal(is) ou regulamentar(es) que possa(m) dispor de forma diversa, a(s) qual(is), por isso, deverá(ão) respeitá-lo e passar a conformar-se de acordo com o que nele ora se passa a dispor (ressalvada expressa previsão legal em contrário).
b) No âmbito do (procedimento de) licenciamento previsto no EERRN – que é um licenciamento municipal ainda que específico – os pedidos de afixação de publicidade visível das estradas devem ser sempre submetido a parecer da administração rodoviária.
c) As regras aplicáveis à afixação de publicidade visível das estradas a que se aplica o … [EERRN], designadamente … quanto à taxa devida à administração rodoviária, são estabelecidas em portaria … do Governo…, pelo que só após a edição desta portaria será possível aferir mais precisamente os exactos moldes em que irá ser efectuada a taxação desse licenciamento, certo porém que haverá, ao menos, uma taxa [que será] devida à administração rodoviária, pelo que aplicação de taxas municipais a esse específico licenciamento dependerá, portanto, da conjugação do que vier a ser disposto em portaria com o contido nos pertinentes regulamentos municipais sobre a matéria.

Salvo semper meliori judicio

 

Ricardo da Veiga Ferrão
(Jurista. Técnico Superior)

 

1. O Novo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional foi aprovado pela Lei n.º 34/2015, de 27 de Abril.

2. As estradas sujeitas à disciplina do Novo Estatuto das Estradas são as estradas que integram a rede rodoviária nacional (artigo 2.º, n.º 1, do EERRN) a qual consiste na rede rodoviária de interesse nacional como tal definida no Plano Rodoviário Nacional (artigo 3.º, al. jj), do EERRN), sendo constituída pela rede nacional fundamental e pela rede nacional complementar (artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 222/98, de 17 de Julho, que define o PRN), a primeira integra[ndo] os itinerários principais (IP) constantes da lista I, anexa ao Decreto-Lei n.º 222/98 (artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 222/98) e a segunda sendo formada pelos itinerários complementares (IC) e pelas estradas nacionais (EN), constantes, respectivamente das listas II e III, … anexas ao mesmo diploma (artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 222/98).
Para além destas rodovias, o Estatuto das Estradas é ainda aplicável às estradas regionais (ER), às estradas nacionais (EN) desclassificadas, ainda não entregues aos municípios e às ligações à rede rodoviária nacional, em exploração à data de entrada em vigor do …Estatuto (artigo 2.º, n.º 2, do EERRN).

3. O EERRN entrou em vigor no momento da entrada em vigor da Lei n.º 24/2015, de 27 de Abril, que o aprovou, ou seja, de acordo com o artigo 6.º desta, no prazo de 90 dias após a data da sua publicação.

4. O Decreto-Lei n.º 105/88 considerava como publicidade a definição que dela fazia o artigo 3.º do Código da Publicidade (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro, com posteriores alterações), ou seja qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços … bem como ideias, princípios, iniciativas ou instituições, e ainda qualquer forma de comunicação da Administração Pública, não prevista no número anterior, que tenha por objectivo, directo ou indirecto, promover o fornecimento de bens ou serviços. Excluía, porém, deste âmbito a propaganda política, que seria regulada pela Lei n.º 98/88.

5. O Decreto-Lei n.º 105/98 excepcionava desta proibição a publicidade referida nas quatro alíneas do seu artigo 4., a saber, (a) os meios de publicidade que se destinem a identificar edifícios ou estabelecimentos, públicos ou particulares, desde que tal publicidade seja afixada ou inscrita nesses mesmos edifícios ou estabelecimentos, (b) os anúncios temporários de venda ou arrendamento de imóveis, desde que neles localizados, (c) os meios de publicidade de interesse cultural e, por fim, (d) os meios de publicidade de interesse turístico.

6. Com as alterações introduzida pelo Decreto-Lei n.º 166/99, de 13 de Maio.

7. Bem antes deste diploma, já o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, vinha proibir (no seu n.º 1, al. f)), para os terrenos limítrofes das estradas, a construção, estabelecimento, implantação ou produção de … tabuletas, anúncios ou quaisquer objectos de publicidade, com ou sem carácter comercial, a menos de 50 m do limite da plataforma da estrada ou dentro da zona de visibilidade, salvo no que se refere a objetos de publicidade colocados em construções existentes no interior de aglomerados populacionais e, bem assim, quando os mesmos se destinem a identificar instalações públicas ou particulares, e fazendo depender de autorização ou licença da Junta Autónoma das Estradas … a implantação de tabuletas ou objectos de publicidade, comercial ou não, numa faixa de 100 m para além da zona non aedificandi respectiva, contanto que não ofendam a moral pública e não se confundam com a sinalização da estrada (artigo 10.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 13/71).

8. A Lei n.º 97/88 nada diz sobre o que se deva entender por mensagens publicitárias de natureza comercial, ou seja o que se deva (e possa) considerar abrangido nessa expressão – em resumo, qual o seu âmbito material. Dizendo contudo que a afixação ou inscrição de tais mensagens obedece às regras gerais sobre publicidade, poder-se-á considerar que o que nela está em causa é a publicidade cujo conceito é definido no artigo 3.º do Código da Publicidade a que se alude na nota 4 supra.

9. Com as alterações introduzida pela Lei n.º 23/2000, de 23 de Agosto.

10. A designada “propaganda politica” estava excluída deste regime, beneficiando de regime próprio, previsto no artigo 3.º (e outros artigos) da Lei n.º 97/88,

11. Revogação expressa, constante das alíneas k) e m) do artigo 5.º da Lei n.º 34/2015.

12. As alterações entretanto introduzidas no Decreto-Lei n.º 48/2011 pelo Decreto-Lei n.º 141/2012, de 11 de Julho e Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro, deixaram intocada a referida definição de espaço público do n.º 1 do seu artigo 10.º.
Ainda que haja de ser entendido como um elenco aberto e não excludente, o Parecer do CC da PGR n.º 26/2006 (DR, II, n.º 152, de 8 de Agosto de 2006, pag. 14317 e segs., também consultável em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/f1cdb56ced3fdd9f802568c0004061b6/2d4360f60c6f74018025712a00501770?OpenDocument) considera que integram o domínio público municipal, designadamente, as estradas e caminhos municipais, as ruas, as praças, os jardins, os espaços verdes, bem como o sistema de saneamento existentes na respectiva área.

13. É logo ao nível constitucional que as estradas são considerado como integrando o domínio público (artigo 84.º, n.º 1, al. d), da CRP). E o Decreto-Lei n.º 477/80, de 15 de Outubro, integra-as no domínio público do Estado (artigo 4.º, al. h): para efeitos do presente diploma, integram o domínio público do Estado … as auto-estradas e as estradas nacionais com o seus acessórios, obras de arte, etc.).
Já o EERRN considera que o «domínio público rodoviário do Estado», definido como a universalidade de direito, de que o Estado é titular, formada pelo conjunto de bens afetos ao uso público viário, pelos bens que material ou funcionalmente com ele se encontrem ligados ou conexos, bem como por outros bens ou direitos que, por lei, como tal sejam qualificados (artigo 3.º, al. n)) e actualmente composto pelas estradas a que se aplica o …Estatuto e pelos bens que, não sendo propriedade privada, com elas estão material ou funcionalmente ligados ou conexos bem como por outros bens ou direitos que por lei sejam como tal qualificados (artigo 26.º, n.º 1. als. a) e b)), integra o domínio público do Estado (artigo 26.º, n.º 2).

14. Regime “geral” na medida em que, caso não seja aplicável a uma concreta situação um outro regime prevalente (como será o caso do regime do EERRN), então será de aplicar, “por defeito”, o regime da Lei n.º 97/88.
Num outro sentido, este regime é igualmente “geral” na medida em que todo o território nacional “recoberta” por território municipal (não existe nenhum parcela do território nacional que não seja também municipal, o que é por dizer, todo o território nacional encontra-se integrado em municípios) pelo que ele será o geralmente aplicável a menos que exista para dada situação um regime específico (especial).

15. O regime de licenciamento do EERRN é tanto mais especial quanto o regime geral da Lei n.º 97/88, aplicando-se apenas, como resulta do que ficou dito na nota 7 supra, a propaganda no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal deixa de fora a publicidade cultural e turística publicidade essa que o EERRN, expressamente, também abrange e disciplina.



By |2023-10-26T13:34:11+00:0025/11/2015|Pareceres Jurídicos até 2017|Comentários fechados em Publicidade; rede rodoviária nacional.

Reuniões por videoconferência; Senhas de Presença

 

Na sequência do ofício ... referente ao assunto identificado em epígrafe, informamos o seguinte:

Da análise da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada e republicada pela n.º 5-A/2002, de 11 de janeiro, que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias, não resulta qualquer disposição que admita a possibilidade de participar e intervir em reuniões do executivo através de videoconferência. O mesmo se verifica relativamente às disposições relativas aos órgãos colegiais, constantes dos artigos 21.º a 35.º do novo Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º4/2015, de 7 de janeiro, aplicável à administração local por força da alínea b) do n.º 4 do seu art.2º. Constata-se, no entanto, que o mesmo Código prevê, no n.º 4 do art.º 79.º, a possibilidade de realização de videoconferência circunscrita ao âmbito das reuniões das conferências procedimentais destinadas ao exercício em comum ou conjugado das competências de diversos órgãos da Administração Pública, o que nos permite inferir que o legislador não quis adotar a mesma solução para outros efeitos.
Assim sendo, dada a falta de fundamento legal que tutele a situação apresentada, concluímos que não é possível a participação e intervenção nas reuniões do executivo, através de videoconferência e, consequentemente, também não haverá lugar ao pagamento de senhas de presença.
No enquadramento descrito e dado que a vogal se encontra ausente pelo período de um ano, caso não seja solicitada a suspensão do mandato de acordo com o disposto no art.º 77.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, alterada e republicada pela n.º 5-A/2002, de 11 de janeiro, as suas ausências geram faltas às reuniões do executivo, com os eventuais efeitos que daí possam advir, de acordo com a lei da tutela, para além do facto do executivo nesta hipótese intervir sempre com menos um membro.

 

A Diretora dos Serviços de Apoio Jurídico e à Administração Local


Maria José Leal Castanheira Neves

 

By |2023-10-23T11:14:02+00:0022/11/2015|Pareceres Jurídicos até 2017|Comentários fechados em Reuniões por videoconferência; Senhas de Presença

Painel publicitário; edificação; operação urbanística.


A Câmara Municipal de ..., em seu ofício nº ..., de ..., solicita parecer jurídico que esclareça, em suma, se um painel publicitário deve ser considerado edificação, e se, como tal, está sujeito a controlo prévio, incluindo apresentação de projeto de arquitetura, nos termos do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), aprovado pelo D.L. 555/99, de 16.12, na redação atual.


Sobre o assunto, começaremos então por informar que, de acordo com a alínea a) do artigo 2º do RJUE, “edificação”, é “a atividade ou resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização imóvel, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com caráter de permanência”.

Quanto ao que se entende como caráter de permanência, aplicado a este tipo de estruturas, à falta de definição no próprio RJUE, e salvaguardando que nem a doutrina nem a jurisprudência são unânimes neste entendimento, é nosso parecer que, em respeito pelo princípio da unidade do sistema jurídico, devemos recorrer ao que dispõe o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), aprovado pelo D.L. 287/2003, de 12.11, na sua atual redação, no seu artigo 2º - “Conceito de prédio” – de acordo com o qual, e passamos a citar,
1 – (…)
2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo caráter de permanência quando afetos a fins não transitórios.
3 – Presume-se o caráter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.”
(sublinhados nossos)
Competiria, no entanto, sempre ao município, através dos meios que achasse mais adequados, preencher os ditos conceitos no caso concreto, tanto sobre a forma de ligação ao solo, questão essa que releva de um juízo técnico que sai do âmbito jurídico da atual consulta, como acerca do prazo.

Se se concluisse que a estrutura é uma edificação, nos termos atrás definidos, então seguiria, para além do procedimento de controlo prévio que lhe é dedicado no RJUE, as normas sobre edificabilidade no PDM, incluindo as regras de edificabilidade do seu “Espaço agrícola de produção”, a que se refere expressamente o município.

Já quanto à exigência de projeto de arquitetura, se partíssemos então do princípio de que se tratava efetivamente de uma edificação nos termos do RJUE, deveríamos fazer um esforço de interpretação da lei, em conjugação com os princípios orientadores da atividade administrativa, inscritos no Código de Procedimento Administrativo (CPA), designadamente os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, inscritos, respetivamente, nos artigos 7º e 8º do CPA.

No caso, no entanto, julgamos poder concluir com suficiente segurança que não estamos perante uma edificação, mas sim perante uma operação urbanística de utilização do solo “para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água”, na aceção da alínea j) do artigo 2º do RJUE.

Sendo assim, não se exigirá projeto de arquitetura, mas sim, quando muito, eventualmente, um projeto da especialidade de engenharia que se achar adequado.

Concluímos, dizendo que, de qualquer forma, terá sempre a operação urbanística de cumprir as normas sobre uso do solo no PDM, nomeadamente aquelas do “Espaço agrícola de produção”, a que se refere expressamente o município


Divisão de Apoio Jurídico

(António Ramos)


Nota: Um painel publicitário fixado no solo é sempre uma operação urbanística, podendo ser caraterizado mesmo como uma edificação se estiver incorporado no solo com caráter de permanência. Em qualquer caso, não se exigirá nunca projeto de arquitetura, devendo avaliar-se tecnicamente se será exigível algum projeto de especialidade.

By |2023-10-23T11:15:12+00:0017/11/2015|Pareceres Jurídicos até 2017|Comentários fechados em Painel publicitário; edificação; operação urbanística.

Elaboração de projetos de arquitetura; engenheiros; diretiva 2005/36/CE.

 

Em referência à questão mencionada em epígrafe, informa-se que foi aprovada a seguinte conclusão, por unanimidade, em reunião de coordenação jurídica realizada entre a DGAL, as cinco CCDR e a IGF, em 22 de setembro:

«A Diretiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 7 de setembro de 2005 estabelece garantias às pessoas que tenham adquirido as suas qualificações profissionais num Estado-Membro para acederem à mesma profissão e a exercerem noutro Estado-Membro, com os mesmos direitos que os nacionais desse Estado;
Importante será também referir o ponto 12 do seu preâmbulo que refere que a Diretiva abrange o reconhecimento pelos Estados-Membros de qualificações profissionais adquiridas noutros Estados-Membros. No entanto, não abrange o reconhecimento pelos Estados-Membros das decisões de reconhecimento tomadas por outros Estados membros por força da presente diretiva. Por conseguinte, um indivíduo que possua qualificações profissionais reconhecidas nos termos da presente Diretiva não pode fazer valer esse reconhecimento a fim de obter no seu Estado-Membro de origem direitos diferentes dos conferidos pela qualificação profissional obtida nesse Estado-Membro, a não ser que demonstre ter obtido qualificações profissionais suplementares no Estado-Membro de acolhimento.

No que respeita à formação de arquiteto e ao exercício da atividade profissional de arquiteto a Diretiva em causa prescreve as regras a que ficam sujeitos nos seus artigos 46 º a 48 º.
No entanto, o seu artigo 49 º reconhece alguns direitos adquiridos, prescrevendo que os Estados-Membros reconhecem os títulos de formação de arquiteto enumerados no ponto 6 do anexo VI, emitidos pelos outros Estados-Membros e que sancionem uma formação iniciada, o mais tardar, no decurso do ano académico de referência constante do referido anexo, mesmo que não satisfaçam as exigências mínimas definidas no artigo 46 º da Diretiva.
Por sua vez, o referido anexo VI, cuja epígrafe é «Direitos adquiridos aplicáveis às profissões que são objeto de reconhecimento com base na coordenação das condições mínimas de formação», estipula que os títulos de formação com origem em Portugal beneficiam dos direitos adquiridos ao abrigo do disposto no n º 1 do artigo 49 º da Diretiva. Isto é, os outros Estados membros, que não Portugal, devem reconhecer para exercerem nos seus países a profissão de arquiteto os cursos de arquitetura das nossas Faculdades de Arquitetura e Belas Artes e os diplomas universitários em Engenharia Civil, do Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa, Faculdade de Engenharia do porto, Faculdade de Ciências e de Tecnologia da Universidade de Coimbra e da Universidade do Minho, desde que essas licenciaturas se tenham iniciado no ano letivo de 1987/1988.
Ou seja, no anexo VI da Diretiva vêm elencados cursos de vários países da União Europeia que nós deveremos reconhecer para aceder à profissão de arquiteto em Portugal.
Por outro lado, os outros países devem reconhecer os cursos elencados nesse anexo lecionados em Portugal, estando entre eles cursos de engenharia iniciados no ano letivo de 1987/1988.

O nosso direito interno transpôs, por seu turno, esta Diretiva através da lei n º 9/2009, de 4/03, prescrevendo o seu artigo 46 º (no que respeita aos direitos adquiridos dos arquitetos) quais os cursos dos outros países que devemos reconhecer para o exercício da profissão.

São eles os seguintes:
1 — A autoridade competente reconhece os títulos de formação de arquiteto previstos no anexo III que atestem uma formação iniciada, o mais tardar, no decurso do ano académico de referência constante do referido anexo, mesmo que não satisfaçam as exigências mínimas definidas no artigo 43.º
2 — São igualmente reconhecidos os certificados emitidos pelas autoridades competentes da República Federal da Alemanha que atestem que os títulos de formação emitidos a partir de 8 de Maio de 1945 pelas autoridades competentes da República Democrática Alemã são equivalentes aos títulos correspondentes previstos no anexo III. 3 — Sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2, as autoridades competentes reconhecem, para efeitos de acesso e exercício das atividades profissionais de arquiteto, os certificados concedidos pelos Estados membros que tenham aprovado regras em matéria de acesso e de exercício das atividades de arquiteto nas seguintes datas:
a) Áustria, Finlândia e Suécia, em 1 de Janeiro de 1995;
b) República Checa, Estónia, Chipre, Letónia, Lituânia, Hungria, Malta, Polónia, Eslovénia e Eslováquia, em 1 de Maio de 2004;
c) Os outros Estados membros, em 5 de Agosto de 1987;
d) Islândia e Noruega, em 1 de Janeiro de 1994;
e) Listenstaina, 1 de Maio de 1995.
4 — Os certificados referidos no número anterior atestam que o seu titular foi autorizado a usar o título de arquiteto, o mais tardar na data de referência, e que se dedicou efetivamente e de acordo com as regras estabelecidas às atividades em causa, durante pelo menos três anos consecutivos no decurso dos cinco anos que precederam a sua emissão.

Por último o n º 9 do artigo 4 º da lei n º 31/2009, na sua atual redação dada pela lei n º 40/2015 (diploma que estabelece a qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos) estabelece que o reconhecimento de qualificações obtidas fora de Portugal por técnicos nacionais de Estados do Espaço Económico Europeu é regulado pela Diretiva 2005/36/CE, transposta para o direito interno português pela lei n º 9/2009.

Com base neste enquadramento legal a Ordem dos Engenheiros e a Ordem dos Arquitetos têm tomado posições antagónicas sobre a matéria.

Assim:

• A Ordem dos Engenheiros entende que o teor do artigo 49 º, n º 1 da Diretiva 2005/36/CE e o ponto 6 do seu anexo VI conferem aos engenheiros civis formados pelas instituições portuguesas aí referidas o direito adquirido a elaborar e subscrever projetos de arquitetura em Portugal, desde que tenham iniciado o respetivo curso no ano letivo de 1987/1988.
• A Ordem dos Arquitetos, pelo contrário, entende que a Diretiva é aplicável a um nacional de um Estado-Membro que pretenda exercer uma profissão regulamentada num Estado-Membro diferente daquele em que adquiriu as suas qualificações profissionais – excluindo assim os nacionais onde adquiriram as suas qualificações profissionais.


Em conclusão, com base nas diretivas, na sua transposição para o nosso direito interno e no n º 9 do artigo 4 º da lei n º 31/2009, na sua atual redação dada pela lei n º 40/2015 (diploma que estabelece a qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projetos) podemos concluir que a interpretação correta dos textos legais é feita, na nossa ótica, pela Ordem dos Arquitetos (os engenheiros civis portugueses com licenciaturas iniciadas no ano letivo de 1987/1988 podem exercer a profissão de arquiteto num Estado-Membro da Comunidade Europeia mas não no nosso país), sendo no entanto esta regra claramente violadora do princípio da igualdade inserto no artigo 13 º da nossa Constituição.

Esta violação do princípio da igualdade existe, quanto a nós, não na lei de transposição da Diretiva 2005/36/CE pela lei n º 9/2009, de 4/03( diploma que se limitou efetivamente a realizar a respetiva transposição), mas na lei n.º 31/2009, de 3 de julho, recentemente alterada, que deveria ter cuidado desse princípio da igualdade e estabelecer que os engenheiros civis com licenciaturas iniciadas no ano letivo de 1987/1988 poderiam também exercer a profissão de arquiteto em Portugal.
Consideramos, no entanto, que a apreciação da violação deste princípio da igualdade não nos compete a nós mas sim aos Tribunais.»

Acrescenta-se, no entanto, que é entendimento desta CCDR que os engenheiros civis ainda poderão elaborar projetos de arquitetura, se se encontrarem no âmbito do atual regime transitório do artigo 25.º da Lei n.º 31/2009, de 3 de julho, com os seguintes fundamentos:

O artigo 25.º da Lei n.º 31/2009, de 3 de julho, veio estabelecer um regime transitório para a elaboração de projetos – n.º 1 e para a “função de diretor de fiscalização em obra pública e particular” – n.º 3. A intenção do legislador ao prever este regime transitório foi apenas e tão só salvaguardar os profissionais que tinham como atividade profissional a elaboração de projetos e fiscalização de obras, permitindo-lhe continuar a exercer tal atividade por um período de 5 anos, podendo nesse período adquirir as qualificações profissionais exigidas pela nova lei.

Assim, durante o período transitório de 5 anos, os técnicos qualificados para a elaboração de projetos (arquitetura e engenharia), nos termos dos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º do DL 73/73, de 28 de fevereiro, que comprovassem que, nos cinco anos anteriores a 1 de novembro de 2009 (data de entrada em vigor do novo diploma), tais projetos mereceram aprovação municipal, podiam continuar a elaborar esses tipos de projetos e assumir a direção de fiscalização de obras.

Passado esse período transitório de 5 anos, o legislador entendeu dar a possibilidade àqueles técnicos de prosseguir ainda a sua atividade, nos três anos seguintes, desde que façam prova, mediante certidão emitida pela instituição de ensino superior em que se encontram matriculados, de que completaram, até ao fim daquele período, pelo menos 180 créditos ou 3 anos curriculares de trabalho – n.º 4 do artigo 25.º, na redação dada pela lei n º 40/2015, de 1/06.

Assim sendo, os técnicos que puderam apresentar projetos de arquitetura e engenharia nos termos do n.º 1 do citado artigo 25.º podem continuar a apresentar aqueles projetos desde que tenham completado até ao final do período transitório – 1 de novembro de 2014, 180 créditos ou 3 anos curriculares de trabalho, num curso superior de arquitetura ou engenharia.

Assim, e recorrendo a um exemplo prático, se um agente técnico podia apresentar projetos de arquitetura no âmbito da vigência do DL 73/73 e se lhe foi permitido continuar a apresentar ao abrigo do n.º 1 do artigo 25.º do regime transitório, pode continuar a apresentar, nos três anos subsequentes projetos de arquitetura, desde que tenha completado até ao final do período transitório, 180 créditos ou 3 anos curriculares de trabalho, numa instituição de ensino superior, mesmo que seja de engenharia, pois como estamos dentro ainda de um período suplementar ao período transitório, esses 180 créditos não tem que ser necessariamente em arquitetura. Se fosse essa a intenção do legislador, ele teria o dito, impondo que os 180 créditos ou 3 anos curriculares tivessem que ser num curso de engenharia para projetos de especialidades e num curso de arquitetura para projetos de arquitetura, sob pena de violação do principio ubi lex non distinguit nec nos destinguere.
Ora, por maioria de razão, se é possível a um estudante de engenharia elaborar projetos neste regime transitório também um engenheiro que estiver abrangido pelos nºs 1,2 e 3 do artigo 25 º poderá apresentar projetos de arquitetura e engenharia, até ao final do período transitório
Findo este período aplica-se o regime prescrito no artigo 10.º do citado diploma legal.

 

A Diretora de Serviços de Apoio Jurídico e à Administração Local


Maria José Leal Castanheira Neves

 

By |2023-10-23T11:17:22+00:0006/11/2015|Pareceres Jurídicos até 2017|Comentários fechados em Elaboração de projetos de arquitetura; engenheiros; diretiva 2005/36/CE.

Mobilidade intercarreiras; fiscal municipal; coordenador técnico.

 

Tendo em atenção o exposto no ofício n.º ..., de ..., da Câmara Municipal de ..., sobre a matéria referenciada em epígrafe, cumpre-nos tecer as seguintes considerações:

Prescreve o n.º 2 do art.º 1.º do Decreto-lei n.º 121/2008, de 11 de julho, que “o presente decreto-lei identifica, ainda, as carreiras e categorias que subsistem por impossibilidade de se efetuar a transição dos trabalhadores nelas integrados ou delas titulares para as carreiras gerais, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 106.º da lei” (salientado nosso).

E, mais adiante, dispõe o art.º 8.º do diploma que:
“1 - Subsistem, nos termos do artigo 106.º da lei, as carreiras e categorias identificadas no mapa vii anexo ao presente decreto-lei e que dele faz parte integrante.
2 - Os trabalhadores integrados nas carreiras ou titulares das categorias identificadas no mapa vii como subsistentes são, nos termos do artigo 104.º da lei, reposicionados na categoria de transição, quando aquele mapa a preveja, desde que o montante pecuniário correspondente à remuneração base a que atualmente têm ou teriam direito não seja inferior ao montante pecuniário correspondente ao nível remuneratório da primeira posição daquela categoria.
3 - …”

Ora, compulsando o mapa referido nos preceitos transcritos, fácil é constatar não preverem eles a carreira de fiscal municipal, razão por que não poderá a mesma ser considerada como carreira subsistente mas antes como carreira não revista.

Com tais pressupostos, deverá salientar-se que, depois de, nos n.ºs 1 a 6 do artigo 5.º da Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro, se estabelecerem as condições de transição, para a tabela remuneratória única (TRU), das carreiras subsistentes e cargos, carreiras e categorias dos trabalhadores não revistos, independentemente da subsistência e/ou da revisão das carreiras, prescreve o n.º 6 do preceito que “o disposto no presente artigo não prejudica a aplicação do previsto no artigo 41.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, com exceção da alínea a) do n.º 2, procedendo-se à integração na TRU através da lista nominativa prevista no artigo 109.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro…” (destacámos).

E, compulsando a norma para onde nos vemos remetidos, dispõe o n.º 1, alínea a), o seguinte:
“Sem prejuízo da revisão que deva ter lugar nos termos legalmente previstos, mantêm-se as carreiras que ainda não tenham sido objeto de extinção, de revisão ou de decisão de subsistência, designadamente as de regime especial e as de corpos especiais, bem como a integração dos respetivos trabalhadores, sendo que:
a) Só após tal revisão tem lugar, relativamente a tais trabalhadores, a execução das transições através da lista nominativa referida no artigo 109.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, na redação atual, exceto no respeitante à modalidade de constituição da sua relação jurídica de emprego público e às situações de mobilidade geral do ou no órgão ou serviço” (salientámos).

Decorre, assim, desta norma, para os trabalhadores integrados em carreiras não revistas, a possibilidade de lhes ser aplicado o regime da mobilidade intercarreiras, desde que no mesmo órgão ou serviço, que se encontra consagrado na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – abreviadamente, LTFP – aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.

Do referido regime decorre que, pressupondo a existência de “conveniência para o interesse público, designadamente quando a economia, a eficácia e a eficiência dos órgãos ou serviços o imponham,” e, carecendo, por isso, de ser “sempre devidamente fundamentada,” as situações de mobilidade encontram-se regulamentadas nos artigos 92.º e seguintes da LTFP, podendo operar-se dentro da mesma modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado ou entre ambas as modalidades, dentro do mesmo órgão ou serviço ou entre dois órgãos ou serviços, abrangendo indistintamente trabalhadores em efetividade de funções ou em situação de requalificação e a tempo inteiro ou a tempo parcial, conforme o acordado entre os sujeitos que devam dar o seu acordo” (n.º 2 do artigo 92.º da LTFP – destacado nosso) e revestir as modalidades de mobilidade na categoria e de mobilidade intercarreiras ou categorias (cfr., artigos 93.º e 94.º da LTFP).

Quanto à sua duração, refira-se que, não obstante a mobilidade interna ter a duração máxima de 18 meses e não poder haver lugar, durante o prazo de um ano, a mobilidade interna para o mesmo órgão, serviço ou unidade orgânica de trabalhador que se tenha encontrado em mobilidade interna e tenha regressado à situação jurídico funcional de origem (artigo 97.º da LTFP), certo é que as sucessivas leis do Orçamento do Estado, têm vindo, invariavelmente, a permitir a prorrogação das situações de mobilidade até 31 de dezembro do ano a que respeitam (cfr., a propósito, o artigo 51.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015).

Por nos parecer pertinente, não obstante não ser suscitado, não deixamos de salientar que, no tocante à eventual exigibilidade do posto de trabalho, enquanto pressuposto do recurso à mobilidade, ocorre-nos referir, em primeiro lugar, que, nos termos do n.º 2 do artigo 29.º da LTFP, os postos de trabalho de que cada órgão ou serviço carecem para o desenvolvimento das respetivas atividades são caracterizados em função “da atribuição, competência ou atividade que o seu ocupante se destina a cumprir ou a executar [alínea a)], do cargo ou da carreira e categoria que lhes correspondam [alínea b)], dentro de cada carreira e, ou, categoria, quando imprescindível, da área de formação académica ou profissional de que o seu ocupante deva ser titular [alínea c)] e do perfil de competências transversais da respetiva carreira e, ou, categoria, a aprovar nos termos do n.º 2 do artigo 54.º, complementado com as competências associadas à especificidade do posto de trabalho [alínea d)] – salientado nosso.

Neste contexto, não nos eximimos de referir o entendimento que, a solicitação da Secretaria Geral (SG) do então Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, sobre a questão da exigibilidade de posto de trabalho no serviço de destino em situações de mobilidade, foi veiculado pela Direção Geral da Administração e do Emprego Público, que subscrevemos e, seguidamente, se transcreve1:
“Pelo presente solicita-se informação sobre se a DGAEP confirma o entendimento desta Secretaria-Geral, segundo o qual para se operar uma mobilidade interna não é requisito a existência de posto de trabalho vago, na medida em que só há ocupação de posto de trabalho do mapa de pessoal do organismo relativamente aos trabalhadores que com este estabelecem uma relação jurídica de emprego público, por nomeação ou contrato, o que não acontece com a mobilidade interna, dada a sua transitoriedade; isto, sem prejuízo da necessidade de posto de trabalho para efeitos de consolidação da mobilidade.”

Resposta: “Acompanhamos o entendimento dessa SG, porquanto, é o que resulta da conjugação dos artigos 6º/2, 59º, 60º/4, e 64º/2-d) da LVCR, este último a contrario. Nos termos destes dispositivos não constitui pressuposto para recurso à mobilidade a existência de posto de trabalho não ocupado no mapa de pessoal. A mobilidade é sempre um exercício transitório de funções que, não raras vezes, tem subjacente necessidades/situações que não eram previsíveis aquando do planeamento anual. De notar que também no anterior regime de mobilidade (requisição, destacamento) os trabalhadores não ocupavam lugar do quadro, não tendo o legislador da LVCR inovado nesta matéria.”

Por outro lado, no tocante à remuneração, aspeto não despiciendo, haverá que atender-se ao disposto no artigo 153.º da LTFP, quando estabelece o seguinte:
“1 - O trabalhador em mobilidade na categoria, em órgão ou serviço diferente ou cuja situação jurídico funcional de origem seja a de colocado em situação de requalificação, pode ser remunerado pela posição remuneratória imediatamente seguinte àquela em que se encontre posicionado na categoria ou, em caso de inexistência desta, pelo nível remuneratório que suceda ao correspondente à sua posição na tabela remuneratória única.
2 - O trabalhador em mobilidade intercarreiras ou categorias nunca pode auferir uma remuneração inferior à que corresponde à categoria de que é titular.
3 - No caso referido no número anterior, quando a primeira posição remuneratória da categoria correspondente à função que o trabalhador vai exercer for superior ao nível remuneratório da primeira posição daquela de que é titular, a remuneração do trabalhador é acrescida para o nível remuneratório superior mais próximo daquele que corresponde ao seu posicionamento na categoria de que é titular.
4 - Não se verificando a hipótese prevista no número anterior, pode o trabalhador ser remunerado nos termos do n.º 1.
5 - ….” (salientámos).

E, não obstante se consagrar, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 38.º da LOE/2015, a proibição das valorizações remuneratórias ali contempladas, certo é que, nos termos do disposto no n.º 3 do mesmo preceito e diploma, tal proibição “não é aplicável ao pagamento de remuneração diferente da auferida na categoria de origem nas situações de mobilidade interna na modalidade de mobilidade intercarreiras ou categorias, nos termos previstos nos n.ºs 2 a 4 do artigo 153.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.” (salientámos).

Por seu turno, nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 93.º da LTFP, “a mobilidade intercarreiras ou categorias opera-se para o exercício de funções não inerentes à categoria de que o trabalhador é titular e inerentes:
a) A categoria superior ou inferior da mesma carreira; ou
b) A carreira de grau de complexidade funcional igual, superior ou inferior ao da carreira em que se encontra integrado ou ao da categoria de que é titular.
4 - A mobilidade intercarreiras ou categorias depende da titularidade de habilitação adequada do trabalhador e não pode modificar substancialmente a sua posição.”

Sem prescindir do enquadramento enunciado supra, caberá referir, por último, que, atenta a exigência salientada supra – as da atribuição, competência ou atividade que o seu ocupante se destina a cumprir ou a executar e das competências associadas à especificidade do posto de trabalho – se nos afigura indispensável, não obstante a inexigibilidade deste, que a mobilidade para a categoria de coordenador técnico, da carreira de assistente técnico (como é o caso), só possa ser concretizada desde que permita a prossecução de um pressuposto legal que, estando erigido apenas como condição da sua eventual criação no mapa de pessoal, não pode ser, neste contexto e salvo melhor opinião, ser esvaziado de conteúdo.

Queremos com isto dizer que, atento o disposto no n.º 3 do artigo 88.º da LTFP, a mobilidade intercarreiras para a categoria de coordenador técnico, da carreira de assistente técnico, depende da existência de unidades orgânicas flexíveis com o nível de secção ou da necessidade de coordenar, pelo menos, 10 assistentes técnicos do respetivo setor de atividade, sem o que se estará a frustrar a vontade expressa do legislador, no que se consubstanciará em violação do princípio da legalidade previsto no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo.

Em face do exposto, vemo-nos reconduzidos à conclusão de que nada obstará à concretização da mobilidade intercarreiras em apreço, conquanto se fundamente no pressuposto da existência de conveniência para o interesse público, designadamente, se a concretização da mobilidade em causa redundar em ganhos de economia, eficácia e eficiência dos serviços, e se encontrem reunidos os requisitos legalmente exigidos para a sua concretização.

 

 

O técnico superior


(José Manuel Martins Lima)

 

1. http://www.sg.mamaot.pt/index.php/orientacoes-tecnicas/145-mobilidade-interna-necessidade-de-posto-de-trabalho

By |2023-10-23T11:16:23+00:0006/11/2015|Pareceres Jurídicos até 2017|Comentários fechados em Mobilidade intercarreiras; fiscal municipal; coordenador técnico.

Regulamentos; Invalidade das suas normas.

 

Solicita o Vice-Presidente da Câmara Municipal ..., por seu ofício de ..., referência n.º ..., a emissão de parecer sobre a seguinte questão: 

De maio a outubro do ano de 2014, teve lugar neste Município uma Auditoria Temática na área do urbanismo promovida pela Inspeção Gera de Finanças a qual, entre outras questões, veio a ordenar, em sede de relatório preliminar dessa auditoria, a declaração de nulidade do art. 4.º do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização deste Município, bem como do art.49.º do Regulamento Geral e Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de ..., por violação do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação, mais concretamente o Regime das Obras de lmpacte Semelhante e Obras de lmpacte Relevante a uma operação de loteamento, bem como aplicação da Taxa pela realização, manutenção e reforço das infraestruturas urbanísticas, ordem essa que o Município, de imediato, acatou conforme se pode verificar pela publicação das alterações a tais disposições publicadas na II Série do Diário da República n.º 49 de 11 de março do corrente ano.
Vem agora aquela entidade em sede de relatório definitivo da auditoria, solicitar, para além dos comprovativos de tais alterações (publicação em Diário da República), deliberação da Câmara Municipal em conjunto com a Assembleia Municipal, sobre a nulidade daqueles preceitos regulamentares.
Ora, considerando o procedimento já concretizado de alteração daquelas disposições, vimos solicitar a Vossas Ex.as com a maior brevidade possível (prazo de resposta do Município á IGF termina a 13 de Novembro), parecer jurídico sobre a necessidade, ou não, e em que modos, de tal declaração de nulidade.
Posteriormente, através de mail recebido em 15/10/2015, 16:14, a edilidade fez chegar a esta CCDRC cópia dos trechos do Relatório da IGF n.º 2331/2014, Proc. 2014/185/B1/593, pertinentes para a análise da questão colocada.
Aí é dito, quanto aos regulamentos ora visados (não são transcritas as referências e o texto das notas de rodapé):
2.3. Regulamento do PDM e regulamentos municipais
Em matéria de gestão urbanística, em especial na urbanização e edificação, a abranger o período temporal da ação, o Município dispôs dos seguintes regulamentos:

- Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização (RMEU), publicado no DR, II.ª Série, de 11/jan/2011;
- Regulamento Geral e Tabela de Taxas e Licenças do Município de ... (RGTTLMA), publicado no DR, II.ª Série, de 5/mai/2010;
- Regulamento Geral e Tabela de Taxas e Licenças do Município de ... (RGTTLMA), publicado no DR, II.ª Série, de 13/ago/2012;

2.3.2. RMEU
O RMEU foi aprovado ao abrigo Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) e respetivas alterações a que o mesmo foi, entretanto, sujeito.
Este regulamento contempla a concretização do RJUE, no que respeita à urbanização e edificação em matéria de operações urbanísticas, deixando o que se prende com o lançamento, liquidação e cobrança das taxas e demais encargos para regulamentação autónoma.
O RMEU prevê e define no seu artigo 4.º as intervenções urbanísticas com impacte semelhante a uma operação de loteamento, dando cumprimento ao disposto no art.º 57.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aplicável a "edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si", não prevendo, contudo, as operações urbanísticas que devem ser consideradas como de impacte relevante, atento o disposto no art.º 44.º, n.º 5, daquele mesmo regime.
Esta falta de previsão de operações urbanísticas, consideradas como de impacte relevante, que não constituam “edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si", pode dispensar da sujeição às cedências e compensações em dinheiro ou em espécie previstas para as operações de loteamento, em relação às quais se justificaria a obrigatoriedade das referidas contrapartidas ao Município, com claro prejuízo para esta entidade.
Acresce que a maior parte das situações descritas de "Impacte semelhante a uma operação de loteamento" no mencionado art.º 4.º do RMEU não respeitam necessariamente a "edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si", antes podendo caber no conceito mais alargado de "impacte relevante", previsto no art.º 44.º, n.º 5, do RJUE, que falta regulamentar pelo MA.
Uma vez que o conteúdo do artigo 4.º do RMEU extravasa claramente a previsão do artigo 57.º, n.º 5, do RJUE, encontra-se ferido de nulidade.
A CMA deverá, por isso, declarar a nulidade do art.º 4.º do RMEU, sob pena de participação ao Ministério Público junto do TAF de Viseu, e, simultaneamente, proceder a uma alteração ao RMEU com vista a estabelecer a previsão de operações urbanísticas com "Impacte semelhante a uma operação de loteamento" e com "Impacte relevante",nos termos do art.º 57.º, n.º 5, e do art.º 44.º, n.º 5, do RJUE, respetivamente.
No contraditório institucional, a autarquia, quanto ao RMEU, alega que:
- O Município convocou, imediatamente a seguir à receção do projeto de relatório da IGF, em 10/dez/2014, reunião extraordinária do órgão executivo (anexando ata), na qual a CM deliberou, por unanimidade, aprovar as alterações ao art.º 4.º do RMEU, no sentido de corrigir as ilegalidades apontadas, bem como conceder o período de 30 dias para discussão pública das mesmas, nos termos do art.º 118.º do CPA;
- Porém, o limite temporal concedido para dar resposta ao projeto de relatório, não permitiu desencadear quaisquer outras alterações àquele Regulamento relativamente ao qual, o Município reconhece a premente necessidade de revisão e atualização;
- No futuro, tão breve quanto possível, esse Regulamento será objeto de uma profunda e ponderada revisão.
Na referida ata da reunião extraordinária, de10/dez/2014, foi proposta e aprovada a seguinte nova redação do art.º 4.º do RMEU:

Face ao exposto, a CMA deverá submeter a esta IGF, no prazo de 60 dias a contar da notificação o presente relatório, a publicação em DR do RMEU, com a nova redação do art.º 4.º, bem como deliberar (em conjunto com a AM) sobre a nulidade desse artigo do RMEU, sob pena de participação ao Ministério Público junto do TAF de Coimbra.
2.3.3. RGTTLMA
O RGTTLMA de 2010, entre outras matérias, regulamentou as operações urbanísticas quanto ao lançamento, liquidação e cobrança das taxas e demais encargos, tal como a versão de 2012 que substituiu o anterior e, de diferente, essencialmente, passou a enquadrar o regime fixado, em especial com os Decretos-Leis n.ºs 123/2009, de 21/mai e 498/2011, de 1/abr, para as atividades económicas abrangidas pelo licenciamento zero.
O RGTTLMA em vigor (2012), tal como sucedia com a versão de 2010 que também referenciava na nota justificativa introdutória "...a fundamentação económico-financeira relativa ao valor das taxas...", refere que constam do anexo II do diploma as taxas e preços referentes a loteamentos e obras de urbanização e respetiva fundamentação económico-financeira.
Porém, do RGTTLMA e de toda a documentação disponibilizada não extraímos quaisquer elementos, mormente através de um relatório de suporte, quanto aos reais critérios e sua fundamentação de índole económica e financeira que nos permita aferir os coeficientes e fatores encontrados e plasmados para o cálculo das taxas urbanísticas, em obediência ao disposto no art.º 8.º, n.º 2, al. c) do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL).
A fundamentação económico-financeira assume especial enfoque em relação à TMU, atenta a especificidade da exigência prevista no art.º 116.º, n.º 5 do RJUE, a qual deve tender para uma relação proporcional entre o valor do seu cálculo e o investimento municipal programado na execução, manutenção e reforço das infraestruturas urbanísticas (cobertura do custo).
Igualmente não está evidenciada a fundamentação em relação às isenções que o RGTTLMA prevê no art.º 7.º, nem relativamente às compensações previstas nos art.ºs 43.º e 45.º desse mesmo regulamento, nos termos da exigência do disposto no art.º 8.º, n.º 2, alínea d), do RGTAL.
Por outro lado, a taxa pela realização, manutenção e reforço das infraestruturas urbanísticas abrange a emissão do alvará de licença e a admissão da comunicação prévia de loteamento e de obras de construção ou ampliação em área não abrangida por operações de loteamento, conforme previsão do art.º 6, n.º 1, al. a), do RGTAL, conjugado pelo art.º 116.º, n.ºs 2 e 3 do RJUE.
Sobre o âmbito de aplicação da referida taxa, o RGTTLMA, aqui designada de TMI, estipula no art.º 49.º, n.º 1, para o que agora nos interessa, que "...é devida no licenciamento ou comunicação prévia nas seguintes situações:
a) Loteamentos;
b) Obras de construção e ou de ampliação, que originem aumento do número de fogos e não inseridas em loteamentos.".
Esta redação quanto à aplicação da TMI no MA é igual à que constava em regulamentos anteriores ao que se encontra em vigor, sendo interpretada pelos serviços como só estando sujeita ao pagamento da referida taxa, além dos loteamentos, as construções e ampliações para habitação que originassem aumento de fogos, desde que não inseridas em loteamentos.
Os termos da regulamentação prevista no art.º 49.º do RGTTLMA, exclui algumas operações urbanísticas da sujeição à aplicação da TMI, contrariando o art.º 116, n.º 3 do RJUE que engloba todas as construções e ampliações, não inseridas em loteamento, independentemente do uso que as mesmas possam vir a ter (comércio, serviços, indústria ou armazéns, etc.).
O art.º 4 do RGTTLMA ao não incluir ''todas as construções e ampliações, independentemente do uso que lhes possa ser dado é ilegal por violar o art.º 116.º, n.º 3 do RJUE.
Deverão, pois, estar previstas em regulamento municipal, todas as operações urbanísticas sujeitas ao pagamento da TMU/TMI, por força do já citado art.º 116.º, n.º 3 do RJUE, podendo, contudo, o Município isentar ou reduzir do pagamento de taxas, concretamente desta ou de quaisquer outras, algumas intervenções urbanísticas que a ela estavam sujeitas, igualmente pela via regulamentar, como, aliás, sucede, com as situações previstas no art.º 7.º do RGTTLMA e sempre com a devida fundamentação, tendo em consideração o art.º 8.º, n.º 2, alínea d), da Lei n.º 53-E/2O06, de 29/dez.
O Município dispõe de um RGTTLMA quanto ao lançamento, liquidação e cobrança das taxas e demais encargos que enferma de algumas ilegalidades, nomeadamente no seu artº49.º, que viola o art.º 116.º, n.º 3, do RJUE.
No contraditório institucional, a autarquia, quanto ao RGTTLMA, veio alegar o que atrás já foi referido aquando da análise do RMEU (item 2.3.2.).
Na referida ata da reunião extraordinária, de10/dez/2014, foi proposta e aprovada a seguinte nova redação do art.º 49.º do RGTTLORMA:

Face ao exposto, a CMA deverá submeter a esta IGF, no prazo de 60 dias a contar da notificação do presente relatório, a publicação em DR do RGTTLORMA, com a nova redação do art.º 49.º, bem como deliberar (em conjunto com a AM) sobre a nulidade desse artigo do RGTTLORMA, sob pena de participação ao Ministério Público junto do TAF de Coimbra.

APRECIANDO
1. DO PEDIDO
O que ora está em causa – e que é questionado pela Câmara Municipal de ... – é saber se, não obstante o facto das normas dos regulamentos postas em crise pela IGF terem sido devidamente alteradas no sentido apontado no relatório inspetivo daquela entidade (como se pode constatar da publicação de tais alterações no DR, II, n.º 49, de 11 de Março de 2015, pags. 6118-6126), subsiste (ainda) a necessidade de proceder à anulação dessas mesmas normas, na redação que foi revogada por via desta alteração (revogação essa ainda que não sendo expressa1 é-o, seguramente, tácita, por via do princípio “lex posterior derrogat priori”), como o exige a IGF, por, diz esta, se estar perante normas ilegais e por tal nulas – “sob pena” de, em caso de não cumprimento, participar ao Ministério Público competente.
Mas solicita a edilidade que, caso a resposta a esta questão venha a ser afirmativa, se esclareça igualmente em que modos [deve ser feita] tal declaração de nulidade.

2. ANÁLISE
2.1. AS NORMAS REGULAMENTARES EM APREÇO
As normas regulamentares sindicadas pela IGF são o artigo 4.º do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização (RMEU), publicado no DR, II, n.º 6, de 10 de Janeiro de 2011, como Regulamento n.º 17/2011, e o artigo 49.º do Regulamento Geral e Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de ... (RGTTLORMA ou “Regulamento e Tabela de Taxas”), publicado no DR, II, n.º 156, de 13 de Agosto de 2012, como Regulamento n.º 356/2012 – encontrando-se ambos os regulamentos vigentes e aplicáveis, à data da inspeção e presentemente, na Edilidade peticionante.
Por via das recomendações constantes do relatório da inspeção, ambos os regulamentos foram alterados, quanto às normas anteindicadas, pelo Regulamento n.º 109/2015, publicado no DR, II, n.º 49, de 11 de Março de 2015, como Regulamento n.º 17/2011. De referir que no Regulamento e Tabela de Taxas foi também alterado, para além da norma já referida, o artigo 41.º, sendo que a ambos os regulamentos foi aditado um novo artigo final – o artigo 97.º-A quanto ao primeiro e o artigo 59.º-A relativamente ao segundo – contendo a regra relativa ao início de vigência das normas alteradas.
2.2. OS ALEGADOS VÍCIOS FUNDANTES DA INVALIDADE REGULAMENTAR
Sobre os vícios que a IGF diz atacarem irremediavelmente a validade das normas em questão quando na sua forma original, diz-se no dito Relatório a respeito do RMEU que este prevê e define no seu artigo 4.º as intervenções urbanísticas com impacte semelhante a uma operação de loteamento, …, não prevendo, contudo, as operações urbanísticas que devem ser consideradas como de impacte relevante, …. Esta falta de previsão de operações urbanísticas … (pag. 18 do Relatório) [sublinhados nossos].
Quanto ao RGTTLORMA ou “Regulamento e Tabela de Taxas”, o mesmo Relatório afirma que o art.º 4 do RGTTLMA ao não incluir ''todas as construções e ampliações, independentemente do uso que lhes possa ser dado é ilegal por violar o art.º 116.º, n.º 3 do RJUE. Deverão, pois, estar previstas em regulamento municipal, todas as operações urbanísticas sujeitas ao pagamento da TMU/TMI … (pag. 21 do Relatório) [sublinhados nossos].
Do afirmado pela IGF resulta evidente que o vício que o Relatório diz detectar em ambos regulamentos não é propriamente uma insanável contradição entre a materialidade das referidas normas – a previsão normativa – e as (respectivas) normas paramétricas superiores2, acarretando a violação destas e, por via disso, tornando as normas regulamentares ilegais mas, antes, a ausência de previsão regulamentar (nesse[s] artigo[s] ou noutra[s] qualquer[quaisquer] norma[s] do regulamento) de (outras) situações que decorrendo do quadro normativo paramétrico, deveriam receber acolhimento e ser feito constar das normas regulamentares.
Assim, não se poderá dizer que se está propriamente perante uma ilegalidade “por contradição” com ou “conflituante desrespeito3” da norma paramétrica, mas antes face a uma “insuficiência de previsão” regulamentar. Isto é por dizer que as normas regulamentares em apreço afinal disciplinam (apenas) parte(s) ou aspecto(s) das situações que, tendo em conta as normas habilitantes, lhes caberia disciplinar; mas tudo quanto nelas é previsto e disciplinado não viola nem conflitua com as respectivas normas habilitantes.
2.3. O DESTINO DAS NORMAS REGUALMENTARES
O que assim fica, dito releva para aquilo que quanto a ambas as normas o Relatório da IGF recomenda à câmara municipal: deliberar (em conjunto com a AM) sobre a nulidade desse artigo …, sob pena de participação ao Ministério Público ….
Acontece porém que para que haja invalidade, o conflito normativo deve ser necessário e não simplesmente contingente. Só quando em toda e qualquer ocasião aplicativa a norma regulamentar conflituar com uma norma superior será a primeira inválida4.
Por outro lado, a invalidade de (ii) normas regulamentares dependentes ou remetidas, destinadas a completar a previsão de normas legais auto-limitadas, (i.e., não auto-exequíveis) resulta, quanto a este parâmetro, da violação do âmbito vinculado da previsão normativa que completam5.
Tendo ficado evidente, como se viu antes, que as normas em apreço apenas pecam por defeito e não por excesso – pois que ambas “sofrem” de “falta de previsão” – então tais normas não são inválidas. Podem ter uma previsão incompleta ou insuficiente, mas tal não significa que sejam irremediavelmente inválidas. Aliás, essas normas – ou mais propriamente, esses “segmentos” de norma porque apenas aspectos de um todo normativo-regulamentar (que deveria ser) mais vasto – continuam a ser recebidas e previstas nas alterações regulamentares agora efetuadas (já que constituem realmente aspectos de uma disciplina regulamentar que, em qualquer circunstância, tem que existir para que se respeite o determinado na lei), às quais (apenas) se juntaram outros aspetos normativos até então regulamentarmente omissos.
Ora, devendo considerar-se como revogadas estas aludidas normas por via da nova disciplina vertida nas alterações regulamentares entretanto aprovada e já vigente (como referido supra), não se compreende qual a necessidade jurídica ou vantagem prática de proceder à declaração de invalidade da redacção original e já revogada das normas regulamentares ora em causa – pois que é disso que se trata.
Se, por um lado, a nova redacção das normas (ou, mais precisamente, as normas com nova redacção) não tem nem lhe pode ser atribuída eficácia retroactiva (princípio agora expressamente consagrado no n.º 1 do artigo 141.º do CPA), por outro, o efeito ex tunc inerente à declaração de invalidade de normas (n.º 3 do artigo 144.º do CPA) além de criar um “vazio normativo” (porque apesar do efeito repristinatório [artigo 144.º, n.º 3, do CPA], não existe, nos casos em apreço, no regulamento imediatamente anterior àquele que contém a disposição revogada, outra norma que disponha sobre a mesma matéria) tem, ainda, a consequência de, apesar de não afeta[r] os casos julgados nem os atos administrativos que se tenham tornado inimpugnáveis, pôr em crise todos os atos administrativos que se tenham tornado inimpugnáveis, desde que estes desfavoráveis para os destinatários (n.º 4 do artigo 144.º do CPA).
Ora sendo certo, como antes se viu, que em boa verdade o vício que afeta as normas em crise é de natureza “omissiva” – por a(s) norma(s) não disciplinar(em) exaustivamente (ou de forma mais abrangente) o quadro legal a regular – e não de natureza “comitiva” – por contrariar(em) o quadro legal habilitante – a (declaração de) invalidade da norma pode (via a) significar um conjunto de efeitos desfavoráveis para a, e geradores de responsabilidade (civil) da, autarquia nos casos que actos por ela praticados (ou, evidentemente, praticados pelos seus órgãos) com fundamento na norma declarada inválida possam ser considerados como atos desfavoráveis para os destinatários em consequência dessa invalidade, por via do favor a que a situação de vazio regulamentar vem dar origem – basta lembrar, por exemplo, o pagamento de taxas previstas n(ess)as normas, as quais deixaram de ter fundamento regulamentar e cujo pagamento representa (sempre) um “desfavor” para os administrados “pagantes” – ainda que essas mesmas taxas continuem a ser previstas e devidas após as alterações regulamentares, por a nova norma conter exatamente os (mesmos) pressupostos de facto tributários presentes na norma original declarada inválida.
Acresce que, no atual estádio da normação jurídico-administrativa, a declaração administrativa de invalidade de normas, prevista no artigo 144.º do CPA, não permite a modulação dos efeitos desta, como o permite a declaração judicial, designadamente quando para esta se prevê a possibilidade do tribunal fixar que os efeitos da decisão se produzam apenas a partir da data do trânsito em julgado da sentença quando razões de segurança jurídica, de equidade ou de interesse público de excecional relevo, devidamente fundamentadas, o justifiquem (n.º 2 do artigo 76.º do CPTA 2002 que se mantém no CPTA 2015).
Por outro lado, a declaração judicial de ilegalidade de norma não afeta os casos julgados nem os atos administrativos que entretanto se tenham tornado inimpugnáveis, salvo decisão em contrário do tribunal, quando a norma respeite a matéria sancionatória e seja de conteúdo menos favorável ao particular (n.º 3 do artigo 76.º do CPTA 2002 e n.º 4 do mesmo artigo no CPTA 2015) ao contrário do que acontece na declaração administrativa de ilegalidade, onde a retroatividade da declaração de invalidade afecta, automática, irrestrita e incondicionalmente, ou seja, sem possibilidade de qualquer modulação, todos os actos administrativos ainda que (já) inimpugnáveis, quando se apresentem (ou passem a apresentar) como desfavoráveis para os seus destinatários (e não apenas quando se trate unicamente de actos sancionatórios).
De referir a final, que em caso de dissídio sobre estas questões, caberá sempre aos tribunais, em última análise, a apreciação e decisão sobre a legalidade de normas regulamentares (artigos 46.º, n.º 1, al. c) e 72.º e segs. do CPTA 2002 ou artigos 37.º, n.º 1, al. d) e 72.º e segs. do CPTA 2015) – e, portanto, das normas ora aqui em causa.

CONCLUINDO
a) O vício invalidante assacado pela IGF ao artigo 4.º do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização (RMEU) e ao artigo 49.º do Regulamento Geral e Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de ... (RGTTLORMA ou “Regulamento e Tabela de Taxas”), ambos da Câmara Municipal de ..., é, em ambos os casos, um vício por omissão de norma, no primeiro deles, por a norma não prever as operações urbanísticas que devem ser consideradas como de impacte relevante e, no segundo, por a norma não conter todas as operações urbanísticas sujeitas ao pagamento da TMU/TMI;
b) Ora, tratando-se de um vício por omissão de previsão, a invalidação daquelas duas referidas normas na sua redação original, que, aliás, já se encontra revogada, é insusceptível de sanar tal vício – pois que tal vício apenas se sana pela aprovação de normas que prevejam as situações omitidas;
c) A isto acresce ainda o facto de a invalidação das normas em questão, ao criar, na matéria que disciplinam, um vazio normativo, poder vir a dar origem a que situações de atos desfavoráveis para os seus destinatários deixem de ter respaldo em norma jurídica (regulamentar) que os previam, com a admissível e consequencial responsabilização do município.
d) Não se encontra, assim, justificação para que as normas em causa, aliás já revogadas, careçam de ser declaradas inválidas pelos órgãos autárquicos que intervieram no procedimento da sua aprovação.
e) Em caso de dissídio sobre a (i)legalidade de normas regulamentares, caberá sempre aos tribunais, em última análise, a apreciação e decisão sobre a mesma.

 

Ricardo da Veiga Ferrão
(Jurista. Técnico Superior)

 


1. Ainda que tal se encontre em contradição quer com o que à época era disposto no n.º 2 do artigo 119.º do CPA1991, ainda vigente no momento da aprovação das alterações aos regulamentos em causa, bem como do atual n.º 4 do artigo 146.º do CPA.

2. Sobre a invalidade normativa diz PEDRO MONIZ LOPES, O regime substantivo dos regulamentos no projecto de revisão do Código do Procedimento Administrativo: algumas considerações estruturantes., in e pública, Revista Electrónica de Direito Público, n.º 1, 2014, pag 22, consultável em http://e-publica.pt/regimesubstantivodosregulamentos.html (acedida em 21/10/2015) que a invalidade normativa é uma consequência (i) de se verificar uma relação de hierarquia entre duas ou mais normas e (ii) de, em qualquer das várias circunstâncias às quais a norma inferior possa ser aplicada, se gerar uma contradição necessária com a(s) norma(s) superior(es). Tal sucede quer estas últimas sejam normas atributivas de competência, normas sobre o procedimento criativo, normas sobre a forma dos actos ou normas sobre o conteúdo de outras normas.

3. PEDRO MONIZ LOPES, Objecto, condições e consequências da invalidade regulamentar no novo Código do Procedimento Administrativo, in CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES E TIAGO SERRÃO (coorden), Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo, 2015, pag. 521, fala em proibição de incompatibilidade na contraposição norma<->norma.

4. PEDRO MONIZ LOPES, Objeto…, pag. 531.

5. PEDRO MONIZ LOPES, Objeto…, pag. 534.

 

By |2023-10-23T11:18:50+00:0023/10/2015|Pareceres Jurídicos até 2017|Comentários fechados em Regulamentos; Invalidade das suas normas.

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